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quinta-feira, 24 de junho de 2021

Continuidade

                

Continuidade

por FEB \ Humberto de Campos (Espírito)
Reformador (FEB) Abril 1947

          De tempos em tempos pessoas contrárias à orientação doutrinária da Federação Espírita Brasileira movem campanhas de imprensa ou pelo rádio; promovem congressos; fundam instituições em substituição à Casa de Ismael ou a algum dos seus departamentos de serviço. Depois, tudo passa, volta à calma; as novas instituições prestam algum serviço à causa, colaboram indiretamente com a Federação, mas não a fazem desaparecer, como eram os planos dos fervorosos fundadores.

          Vamos hoje recordar aos nossos amigos que essa continuidade da Federação não é obra humana de seu Diretores; é a orientação direta dos Espíritos que a fundaram e a dirigem com finalidades superiores. Sejam quais forem os administradores materiais que os Espíritos coloquem na direção, o programa é o mesmo de progresso calmo e firme, sem desfazer num dia o que se fez  no outro. É uma orientação muito progressista , que chegou mesmo à audácia de incluir o Esperanto no programa de trabalho, o que nenhuma outra instituição espírita até então ousara fazer; mas sem descontinuidade de nenhum dos setores de trabalho, encetados desde o início. Vamos dar a palavra a Humberto de Campos sobre o assunto. Em uma crônica recebida em 12 de junho de 1936 dizia o querido pensador patrício:

          "A obra da Federação Espírita Brasileira é a expressão do pensamento imaterial dos seus dirigentes do plano invisível, indene (ileso) de qualquer influenciação da personalidade dos homens. Semelhantes àqueles discípulos que partiram para o mundo como o "Sal da Terra", na feliz expressão do Divino Mestre, os seus administradores são intérpretes de um ditame superior, quando alheados (cedidos) de sua vontade individual, para servir ao programa de amor e de fé a que se propuseram. O roteiro de sua marcha é conhecido e analisado no mundo das verdades do Espírito, a sua orientação nasce da fonte das verdades superiores e eternas, não obstante todas as incompreensões e todos os combates. A história da casa de Ismael, nos espaços, está cheia de exemplos edificantes, de sacrifícios e dedicações." (Mensagens, pág. 119)
             "...Já tive ocasião de manifestar o meu respeito por essa instituição venerável, cujas portas se abrem generosas para os famintos do pão espiritual e para os necessitados do corpo..." (Id., pág. 216)

              As mensagens de Humberto de Campos confirmam muitas outras de Espíritos Superiores. Só assim podemos compreender que todas as lutas contra a Casa de Ismael se anulam por si mesmas, enquanto a velha Federação cresce,  lentamente, mas com uma firmeza exemplar, prestando os serviços a que  está destinada pelos seus Fundadores e Orientadores.

              Pessoas e instituições apressadas surgem, crescem, diminuem, desaparecem, mas a Casa de Ismael continua pacientemente a sua obra de levar a Doutrina a todos os rincões da Pátria e conservar quanto possível a unidade doutrinária, a pureza dos princípios espíritas.

               O alto Plano dos Diretores espirituais é longo, estende-se pelos séculos e milênios vindouros, porque tem raízes em séculos e milênios passados. Os projetos humanos são breves, nascem e morrem como seus autores.

sábado, 29 de maio de 2021

Olá meu Irmão!

 

Olá meu irmão!

Humberto de Campos  

por Chico Xavier

                                                                    Reformador (FEB) Novembro 1943

               - A disposição antiga, acentuava Cipriano Neto - é verdadeiro tônico espiritual. Não raro, envenenamos o coração, a força de insistir na máscara sombria. Má catadura é moléstia perigosa, porquanto as enfermidades não se circunscrevem ao corpo físico. Quantos negócios de muletas, quantas atividades nobres interrompidas, em virtude do mal humor dos responsáveis! Claro que ninguém se deixe absorver por malandros de esquina, mas o respeito e a afabilidade para com as criaturas honestas, seja onde for, constituem alguma coisa de sagrado que não esqueceremos sem ferir a nós mesmos.

            E, frente à pequena assembleia, toda ouvidos, Cipriano, com a graça de sua privilegiada inteligência, continuou, após longa pausa:             

            - Na Terra, o preconceito fala muito alto, abafando vozes sublimes da verdade superior. Nesse capítulo, tenho minha experiência pessoal, bastante significativa.

Meu amigo vagueou o olhar muito lúcido, através do horizonte longínquo, como a vasculhar o passado, calou-se por alguns momentos e prosseguiu:

            - É quase inacreditável, mas o meu fracasso em Espiritismo não teve outra causa. Não ignoram vocês que meu coração de pai, dilacerado pela morte do filho querido, fora convocado à doutrina dos Espíritos, ansioso de esclarecimento e consolação,

            Banhado de conforto sublime, senti que minhas lágrimas de desesperação se transformaram em orvalho de agradecimento à bondade de Deus, Meu filho não morrera. Mais vivo que nunca, endereçava-me carinhosas palavras de amor. Identificara-se de mil modos. Não havia lugar a dúvidas. Inclinei-me, então, à doutrina renovadora. Saciado pela água de santas consolações, não sabia como agradecer à fonte. Foi aí que recordei minhas possibilidades intelectuais. Não seria justo servir ao Espiritismo, através da palavra? Poderia escrever para os jornais ou falar em público, Fundamente reconhecido à nova fé, atendi à primeira sugestão que um amigo me ofereceu e dispus-me a fazer uma conferência.   Anunciou-se o feito e, no dia aprazado, compacta assistência esperou-me a confissão. Seduzido pela beleza do Espiritismo cristão, falei longamente sobre a caridade. Aplausos, abraços, sorrisos, felicitações. No círculo de meus companheiros de literatura, porém, o assunto fizera-se obrigatório. Voltando à Avenida, no dia imediato ao acontecimento, meu esforço foi árduo por convencer aos confrades de letras que não me achava louco. Infelizmente, contudo, minha decisão não se falava senão à vaidade. Pronunciara a conferência como se o Espiritismo necessitasse de mim. Admitia, no fundo, que minha presença honrara, sobremaneira, o auditório, que a codificação kardeciana encontrara em mim prestigioso protetor. Desse modo, alardeava suma importância em minhas novas palestras, citava a antiguidade clássica, recorria aos grandes filósofos, mencionava cientistas modernos. Quando nos encontrávamos, meus colegas e eu, no ápice das discussões afetuosas, eis que surge o Elpidio, velho conhecido meu e antigo tintureiro em Jacarepaguá. Sapatos rotos, calças remendadas, cabelos despenteados, rosto suarento, aproximou-se de mim e estendeu-me a destra, exclamando alegre:

            Olá meu irmão! Meus parabéns!... Fiquei muito satisfeito com a sua conferência!

            Entreolharam-se meus amigos, admirados. E confesso que respondi à saudação efusiva, secamente, movimentando levemente a cabeça e sentindo-me profundamente humilhado. Face ao meu silêncio, o tintureiro, despediu-se, mostrando enorme desapontamento. “É de sua família?” - Indagou um companheiro mais irônico. “Estes senhores espiritistas são os campeões da ingenuidade!”, exclamou outro circunstante , Enraiveci-me. Não era desaforo de semelhante homem do povo chamar-me irmão ali em plena Avenida, frente aos colegas de tertúlia literária? Estaria, então, obrigado a relacionar-me com toda espécie de vagabundos? Não seria aquilo irmanar-me a rebotalhos de gente, na via pública? O incidente criou em mim vasto complexo de inferioridade. Cegavam-me, ainda, velhos preconceitos sociais, e a ironia dos companheiros calou-me, fundo, no espírito. A ausência de afabilidade, a incompreensão grosseira dominaram-me por completo, O fermento da negação trabalhou-me o íntimo, levedando a massa de minhas disposições mentais. Resultado? Voltei à aspereza antiga e, se cuidava de doutrina, confinava-me a reduzido círculo doméstico. Não estimava a companhia ou a intimidade daqueles que considerava inferiores. Os anos, todavia, correm metodicamente, alheios à nossa vaidade e ignorância, e impuseram-me a restituição do organismo cansado ao seio acolhedor da terra. Sabem vocês por experiência própria, o que nos acontece a essa altura da existência humana, Gritos estentóricos de familiares, pavor de afeiçoados, ataúde rescendendo aromas de flores das convenções sociais. Em meio da perturbação geral, senti que um sono brando apoderava-se de mim. Nunca pude saber quantos mas gastei nesse repouso compulsório. Despertando, porém, debalde clamei por meu filho bem amado. Sabia perfeitamente que abandonara a esfera carnal e ansiava por encontrar-lhe o carinho. Deixei a residência antiga, ferido de amargurosas preocupações, Atravessei ruas e praças, de alma opressa. Atingi a Avenida, onde me dava ao luxo de palestrar sobre ciência e literatura. E ali mesmo, junto ao café aristocrático, divisei alguém que não me era estranho às relações individuais. Não tive dificuldades no reconhecimento. Era o Elpídio, integralmente transformado, evidenciando nobre posição espiritual, trocando ideias com outras entidades da vida superior. Não mais os sapatos velhos, nem o rosto suarento, mas singular aprumo, aliado à expressão simpática e bela, cheia de bondade e compreensão. Aproximei-me, envergonhado.  Quis dizer qualquer coisa que revelasse minha angústia, mas obedecendo a impulso que jamais soube explicar, apenas pude repetir as antigas palavras dele: "Olá meu irmão! Meus parabéns!"

            Longe, todavia, de imitar-me o gesto, grosseiro e tolo de outro tempo, o generoso tintureiro de Jacarepaguá abriu-me os braços, contente, e exclamou com sincera alegria:

            - Ó meu amigo! Que satisfação! Venha daí, vou conduzi-lo ao seu filho!

            Aquela bondade espontânea, aquele fraternal esquecimento de minha falta eram por demais eloquentes e não pude evitar as lágrimas copiosas...

            Nossa pequena assembleia de desencarnados estava igualmente comovida, Cipriano calou-se, enxugou os olhos úmidos e terminou:

           - A experiência parece demasiadamente humilde, entretanto; para mim, representou lição das mais expressivas. Através dela, fiquei sabendo que a afabilidade é mais que um dever social, é alguma coisa de Deus que não subtrairemos ao próximo, sem prejudicar a nós mesmos.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Galeria

 

               

Humberto de Campos

Nascimento: 25 de Outubro de 1886
Desencarne: 5 de Dezembro de 1936 

Tempestades



Tempestades

I. Pequeno (Antônio Wantuil de Freitas)           

Reformador (FEB) Junho 1944

 

            A celeuma levantada pelas colunas dos jornais “A Noite”, “Folha Carioca” e outros diários de grande projeção, não passa de verdadeira tempestade em copo d’água.

            Não era meu desejo emitir qualquer opinião sobre o assunto, visto não acreditar que a Família de Humberto de Campos pretenda receber qualquer quantia pelas obras ditadas pelo espírito do seu genitor e publicadas pela Federação Espírita Brasileira (*). Essas obras vêm sendo editadas há alguns anos, a carinhosa mãe do saudoso escritor reconheceu-lhes a identidade e os filhos queridos do inesquecível acadêmico jamais fizeram a menor ameaça à Federação.

             (*) Nota do Blog: A publicação foi contestada na Justiça. No ‘site’ da FEB lemos:

                 ... “o Dr. Miguel Timponi aceitou "O caso Humberto de Campos", como advogado da FEB e de Francisco Cândido Xavier, para contestar a ação impetrada pela família do escritor desencarnado, que pretendia os direitos autorais da obra literária produzida pela mediunidade de Chico Xavier, recebida do Espírito Humberto de Campos.”

                “Para esse trabalho, contou com o auxílio de vários colaboradores, todos eles mencionados por Wantuil de Freitas em "Duas palavras", apresentação desta obra.”

                “A Ação Declaratória foi julgada improcedente e o Dr. Timponi obteve brilhante vitória jurídica.”

                “Lançou o livro “Magnetismo Espiritual”, publicado pela Federação Espírita Brasileira, mas com o pseudônimo Michaelus. Desencarnou aos 70 anos, no dia 13 de fevereiro de 1964.”

                Para maiores detalhes sugerimos a leitura do livro de Miguel Timponi “A psicografia ante os tribunais” (Ed. FEB), 2012.”

             Falemos, portanto, sob um ponto de vista geral.

            Que essas obras são, realmente, de Humberto, não resta a menor dúvida. O sr. Agrippino Grieco, grande crítico literário e amigo íntimo de Humberto, apesar de não ser adepto do Espiritismo, confessou de público que o estilo era do seu velho companheiro de muitos anos. Outros já disseram o mesmo.

            Ao serem publicadas as referidas obras, cujo lucro é inteiramente distribuído pelos departamentos de beneficência da editora, não se procurou formar qualquer confusão com as escritas em vida carnal por aquele estilista. Foram apresentadas, com a maior sinceridade, como ditadas pelo espírito do escritor, tal como o são as outras recebidas de outros espíritos, os quais, espontaneamente, oferecem o seu trabalho intelectual como cooperação para a obra de recristianização dos homens e de socorro aos infelizes.

            As obras que nos tem enviado o espírito do grande Humberto são, todas elas, magníficas e lidas pelo Brasil inteiro e até no estrangeiro, traduzidas que vêm sendo para outras línguas.

            Há, no entanto, outros escritores que preferiram o anonimato, talvez por não terem confiança nos seus herdeiros. Entre esses últimos, encontram-se André Luiz, pseudônimo de conhecido médico brasileiro, e Emmanuel, o mais evolvido de todos eles, que foi padre católico em evidência no Brasil e que atualmente está sendo traduzido para o Esperanto.

            Todas essas obras se vendem igualmente, porém, as de Emmanuel vencem tiragens sobre tiragens, disputadas que são antes mesmo de serem expostas nas livrarias.

            Se algum dia a Justiça proibir o direito de receber obras mediúnicas de espíritos conhecidos, colocar-se-ão pseudônimos, visto que essas obras se vendem igualmente, com ou sem nome em evidência. São disputadas, porque são boas. Se forem reconhecidas como de Humberto, creio que ninguém poderá proibi-lo de escrever para fins humanitários ou impedi-lo de assinar os seus trabalhos.

            Se, ao contrário, dogmatizarem que elas não foram escritas por Humberto; nenhum direito autoral poderá ser pedido.

            De qualquer forma, portanto, não há direitos autorais a pagar e nem razão para a celeuma feita por pessoas estranhas à digníssima Família de Humberto de Campos.

            Ninguém conhece melhor uma criatura do que aquela que lhe deu a vida e lhe formou o caráter.

            Em “Brasil, Coração do Mundo”, a extremosa genitora de Humberto se confessa feliz com a prova evidente de que seu grande filho continua vivo.

            Assim, como veem, tudo não passa de mais uma tempestade em copo d’água.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Em torno da mediunidade

    


Em torno da mediunidade  

Irmão X por Chico Xavier       Reformador (FEB) Janeiro 1966


               Ali, no movimentado salão do Carnegie Hall, em Nova Iorque, encontramos famosa médium, a que emprestaremos tão-só o nome de Sra. Hayden, e de quem ouvíramos as melhores referências no Plano Espiritual.

            Marcado o encontro pela intervenção afetuosa de nosso amigo Fred. Fígner, fomos recebidos pela distinta senhora desencarnada, para conversação de alguns minutos

            A Sra. Hayden, orientadora de assuntos medianímicos, em vários círculos doutrinários dos Estados Unidos, recebeu-nos com extrema bondade, e, porque a víssemos cercada de amigos, naturalmente em atividades inadiáveis, firmamo-nos no objetivo direto de nossa visita, depois das saudações fraternais.

            - Sra. Hayden - começamos -, se possível, estimaríamos ouvi-la em algumas perguntas sobre mediunidade...

            - Minha experiência - comentou a interpelada - nada possui de notável...

            E sorrindo:

            - Mas pergunte o que deseje e responderei o que possa.

            Sabíamos que a entrevistada, desde os primórdios do Espiritismo, na América, se fizera amiga pessoal do Juiz John Edmonds, do professor Robert Hare, da Sra. James Mapes, de Emma Hardinge e outros pioneiros do movimento espírita na Terra, e considerei:

            - Não desconhecemos que a senhora estuda a mediunidade, desde as bases da Doutrina Espírita no mundo...

            - Sim - aprovou -, tenho essa honra.

            E o nosso diálogo prosseguiu:

            - Que nos diz acerca da mediunidade, no momento atual do Planeta?

            - Questão ainda nova, tão nova como quando nos aventuramos a praticá-la, há precisamente um século. Temos longo tempo, diante de nós, para examiná-la, conhecê-la, educá-la.

            - Mas, a Ciência e a Religião? ..

            - Duas forças que, até agora, ainda não puderam compreendê-la. Com a veneração que lhes devemos e acatadas as exceções, não será lícito ignorar que os cientistas, até hoje, se esforçam, quase sempre, não em estudá-la mas em disseca-la, como quem anatomiza grãos de trigo verde, querendo encontrar o pão feito; e os religiosos, muitas vezes, unicamente procuram cercear lhe os voos, sob capas mitológicas, interessados em prestigiar a superstição.

            - Acredita, no entanto, que as realizações da mediunidade são retardadas tão-só pela influência de cientistas e religiosos ?

            - De modo algum. A mediunidade é uma força neutra, qual o magnetismo e a eletricidade, que não são bons e nem maus em si. O homem é quem lhes caracteriza as aplicações. Todos sabemos que milhares de indivíduos, encarnados e desencarnados, abusam da mediunidade, como os falsários criam chantagem com o dinheiro ou os impostores exploram a palavra, envilecendo-a na demagogia.

            - A senhora crê na possibilidade de se coibirem semelhantes abusos pelo estabelecimento, na Terra, de um instituto central de controle dos fenômenos mediúnicos?

            - A questão é de consciência pessoal. Já pensou o que seria do mundo, nas condições morais em que ainda se encontra, se apenas um grupo de nações ou pessoas pudesse controlar a potência do Sol? As ocorrências medianímicas pertencem ao domínio da verdade; por isso mesmo, devem estar com todas as criaturas, no grau evolutivo em que se vejam, em regime de liberdade, conquanto saibamos que todo médium dará contas aos Poderes Orientadores da Vida quanto àquilo que faça de suas próprias faculdades.

            - Sra. Hayden, estamos convencidos de que a mediunidade é característico peculiar a todas as pessoas. Apesar disso, a senhora crê, tanto quanto nós, que muitos Espíritos reencarnam com mandatos especiais para desenvolvê-la e honorificá-la?

            - Perfeitamente.

            - E como explicarmos a falência de tantos médiuns no mundo?

            - Isso não sucede exclusivamente nos domínios da mediunidade. O amigo admite que os tiranos em política, os sicários da cultura intelectual que supõem desacreditar a Ciência com atos de crueldade e os fanáticos em Religião hajam nascido na Terra para fazerem o mal que causam? Identificamos companheiros transviados na mediunidade, como é fácil de conhecê-los nos círculos da fortuna, da inteligência, da administração ...

            - Que diz a isso?

            - Que, por enquanto, somos, no conjunto, a família humana do Planeta, com imperfeições, paixões, erros e bancarrotas, inerentes à nossa posição de Espíritos em aperfeiçoamento gradativo, caindo agora e levantando depois, aprendendo e melhorando sempre.

            - Em seu ponto de vista, como promover a elevação do conceito de mediunidade?

            - Separar o fenômeno mediúnico da doutrina do Espiritismo, definindo fenômeno por matéria de observação e doutrina como sendo a luz que o esclarece.  

            - A senhora conhece a Codificação Kardequiana?

            - Sim.

            - Se fosse solicitada a falar para os irmãos de língua inglesa, encarnados na Terra, com vistas à obra de Allan Kardec, permitir-nos-á, por obséquio, saber o que diria?

            - Se isso me fosse possível, convidaria todos os amigos e associados de ideal, de formação anglo-saxônica e latina, para o estudo generalizado dos temas e interesses espíritas e espiritualistas, em benefício da Humanidade, a começar dos mais humildes agrupamentos de opinião. Esses assuntos fundamentais da alma, da imortalidade, da evolução, da reencarnação, do destino, da dor e da justiça precisam sair do ambiente estreito dos simpósios para a análise clara e simples do povo.

            - Sra. Hayden, desejando centralizar o nosso entendimento no que se relaciona com a mediunidade, muito nos agradaria ouvi-la sobre o que pensa, neste outro lado da vida, quanto à mistificação mediúnica.  - O irmão diz mui bem, quando afirma “neste outro lado da vida”, porque, no campo físico, habituamo-nos a ver o empeço de maneira excessivamente sumária. A mistificação medianímica assume ora para mim aspectos multiformes, de vez e, se em alguns casos raros, podemos reconhece-la movida pela má-fé, na maioria absoluta das ocorrências necessitamos compreender o papel da hipnose, da compulsão, do reflexo condicionado ou do processo obsessivo dentro dela. Discriminar mistificações mediúnicas separando-as de fatos autênticos da mediunidade, não é tão fácil...

            -  Que sugere para a solução do problema?

            - Trabalhar e estuda cada vez mais. Os sábios das Esferas Superiores nos inspiram e guiam, mas não efetuam por nós a tarefa que nos cabe fazer.

            - Mas as fraudes mediúnicas, Sra. Hayden, que pensar das fraudes mediúnicas que plantam a dúvida e a negação entre os homens? Porque os sábios das Esferas Superiores não as proíbem irrevogavelmente? A notável seareira do Espiritismo, rica, sorri de enigmático modo e acrescentou:

            - Ah! meu amigo, a dúvida é permitida pela Bondade Divina, em benefício da fraqueza humana. A fraude mediúnica, se prejudica de um lado, mostra função seletiva de outro. Muita gente que se gaba de cultura e discernimento não suportaria, de chofre, as verdades do Mundo Espiritual. Existem Espíritos que reencarnam prometendo prodígios de fidelidade e serviço, na obra do Senhor: entretanto, depois de se constituírem seguramente no corpo físico, voltam às tentações que noutro tempo lhes conturbavam o campo íntimo e recuam dos propósitos de elevação... Ainda assim, são criaturas boas e nobres. O Senhor, então permite que elas duvidem das realidades espirituais e aceita, generosamente, que lhe neguem até mesmo a existência, de modo a que se inclinem para outras tarefas, não tão heroicas quanto as da confiança e da lealdade ao Bem até às últimas consequências, mas igualmente construtivas e meritórias... Tornarão à fé mais tarde, enquanto os companheiros mais amadurecidos seguem, com a bênção do Senhor, para a frente.

            Uma campainha retiniu.

            Os minutos previstos para a conversação haviam terminado.

            A Sra. Hayden despediu-se e nós ficamos repentinamente a sós, no grande salão, com fome de silêncio e com sede de pensar.


domingo, 2 de agosto de 2020

A proibição de Moisés



A proibição de Moisés
Irmão X (Humberto de Campos)
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Julho 1947

            Conta-se que, ao tempo de Moisés, no deserto, grandes sábios da Espiritualidade estudaram os recursos de fornecer ao mundo novo roteiro de revelações. Com semelhante empreendimento, os homens poderiam excursionar aos domínios da morte, aprendendo, pouco a pouco, a se aprimorarem, de acordo com a Lei Divina. Concretizado o projeto, cujas particularidades eram privativas das autoridades superiores, intercâmbio natural se faria entre os vivos do Planeta e os vivos do Além, religando-se a Terra, gradativamente, ao paraíso perdido, pelo reajustamento espiritual de seus filhos.

            Informado quanto à iniciativa, o grande legislador dos hebreus passou a colaborar com os instrutores desencarnados, na execução da experiência.

            Organizaram-se os primórdios do serviço.

            Necessitavam, para começar, de uma organização feminina, suficientemente passiva, que atendesse na qualidade de medianeira, entre os dois mundos. Ouviria os espíritos desencarnados e encarnados, com a serenidade precisa, colocada num campo de vibrações delicadas, entre ambas as esferas, iniciando-se o arrojado experimento.

            O assunto era novo e interessaria milhões de seres. Em razão disso, a mulher - instrumento exibiria trajes despistadores para não provocar obsessões afetivas. Não se lhe identificaria a condição pelas vestes. Envergaria túnica de homem e não seria conhecida nem pela feminilidade interior, nem pela masculinidade aparente. Seria o oráculo, destinado a abrir novos caminhos à mente do povo escolhido.

            Os hebreus teriam direito de indagar com nobreza e valer-se do serviço em necessidades importantes, numa cota de vinte por cento das atividades, reservando-se os demais oitenta por cento de possibilidades da tarefa ao plano espiritual, a benefício coletivo. Quanto ao oráculo, manter-se-ia em posição de serviço desinteressado a todos, sem grandes laços no coração para não comprometer a obra e cultivando o trabalho comum do pão de cada dia pelo suor digno, de modo a não parecer orquídea dos mortos ou sanguessuga dos vivos.

            Encontrada a pitonisa, que se submeteu às condições estabelecidas, encetou-se o trabalho.

            Moisés rejubilava-se. Quem sabe? Talvez a iniciativa viesse melhorar o espírito geral. O povo necessitava iluminação pelos dons celestes. Tentava explicar diariamente as obrigações da alma para com o Deus Único; entretanto, encontrava somente dureza e ingratidão. A intervenção pública da Esfera Maior provavelmente lançaria imensa luz sobre o Decálogo. Os mandamentos divinos, certo, seriam interpretados com a beleza sublime de que se revestiam. E o Testamento do Céu seria glorificado.

            Inaugurou-se o serviço com grandes esperanças.

            As primeiras semanas foram de ação ambientadora, que se consumou, aliás, com a rapidez do relâmpago.

            Quando o povo reconheceu que os mortos se comunicavam efetivamente e que aquela organização se constituía de bálsamo e verdade, o ministério assumiu característicos inquietantes.

            Judeus de todas as tribos afluíram de todos os lados. Do deserto em que se achavam, partiram mensageiros para as regiões circunvizinhas, espalhando a notícia. Descendentes de Abraão em Mara e Socoth, Horma e Hesebon foram cientificados. Remanescentes de Israel, no Egito e na Caldeia, receberam informes. E, em breve, rodeava-se o oráculo de impulsiva multidão.

            Moisés, que se alegrara a princípio, tremeu de receio.

            A pitonisa, que se dedicara ao experimento, com sincero otimismo, viu-se, de instante para outro, qual frágil barquinho no dorso de vagas enfurecidas. Sustentada por um fio do plano espiritual que, a custo, lhe evitava completa imersão nos estranhos recôncavos do abismo, resistia, corajosa, nos primeiros tempos, e a missão prosseguiu curso anormal.

            O povo, ao qual se destinavam as bênçãos do intercâmbio com a esfera superior, não compreendeu o serviço instituído. Ninguém desejava elucidações referentes aos mandamentos divinos. Não desejava informar-se quanto à natureza da luz que visitara o Sinai e muito menos aceitava diretrizes edificantes para que, mais tarde, atingisse mais altos círculos da vida. Queria gozar a hora presente, assenhorear-se de patrimônios dos vizinhos, ganhar guerras com o estrangeiro, armazenar trigo e vinho, pilhar terrenos devolutos, conquistar rebanhos indefesos, construir carros de triunfos sanguinolentos. Para isso, o oráculo, ao invés de ouvir a Espiritualidade Superior que o sustentava na difícil empresa, passou a receber milhares de consultas sobre os mais rasteiros interesses da vida material. Cruelmente enganados pelas próprias ilusões, homens e mulheres de Israel cobriam-no de glórias exteriores; transportavam-no, de um lugar a outro, sob manifestações festivas e impunham-lhe destaque singular nos galarins da fama.

            E a tarefa prosseguiu.

            Abnegados orientadores da vida mais alta acompanhavam a missão sempre dispostos a beneficiar; todavia, nunca chegaram a dez por cento das realizações elevadas que lhes competiam.

            O povo apenas procurava fugir à execução dos Desígnios do Pai Supremo. Não pretendia ouvir as vozes do Alto e sim fazer vozerio e tumulto em baixo. De modo algum, desejava elevar a Terra à luz do Reino Celeste e sim converter o Reino Divino em escuro subúrbio das paixões terrestres. Em face dos benfeitores que vinham atendê-lo, solicitamente, intentava somente alijar dificuldades benéficas, resolver questões profundamente inferiores do drama evolutivo, com plena obtenção de favores baratos e elixires da juventude. Ninguém procurava trabalho, iluminação, elevação, conhecimento, aperfeiçoamento ou melhoria própria. Em vista disso, o oráculo era muito mais pomo de discórdia terrestre que elemento de construtividade espiritual. Vivia como um terreno litigioso, provocando malquerença e desentendimentos sem fim.

            Tantas lutas estéreis foram acesas, que os Missionários de Cima deliberaram interromper a experimentação. A turba era demasiado infantil para receber a revelação que não chegava nem mesmo a vislumbrar. No auge da tempestade que se fazia cada vez mais intensa para a opinião israelita, cortaram o fio de ligação e o oráculo desapareceu no torvelinho.

            Acirrou-se a tormenta. Azedaram-se os debates. Surgiram deploráveis semeaduras de ódio, desânimo e desesperação.

            O grande legislador, apavorado com as atitudes de sua gente, escreveu então as célebres palavras do Capítulo XVIII, do Deuteronômio, situando a consulta aos mortos entre os assuntos abomináveis.


            E a proibição perdurou, oficialmente, no mundo, por mais de mil anos, até que o Cristo, em pessoa, a abolisse, no cume do Tabor, conversando com o espírito do próprio Moisés, perante os discípulos espantados.

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ano Novo


Ano Novo
Humberto de Campos por Chico Xavier
Reformador (FEB) Janeiro 1944

            Quando o desvelado orientador chegou ao planeta, encaminhando o aprendiz à experiência nova, o lar estava em festa, na celebração do Ano Novo.

            Músicas alegres embalavam a casa, flores festivas enfeitavam a mesa lauta. Riam-se os jovens e as crianças, enquanto os velhos bebiam vinhos de júbilo.

            O devotado amigo abraçou o tutelado e falou:

            - Nova existência, meu filho, é qual ano novo. Enche-se o coração das esperanças mais belas. Troca-se o passado pelo presente. Rejubila-se a alma na oportunidade bendita. Promessas divinas florescem no coração.

            O tempo é o tesouro infinito que o Criador concede às criaturas. Não esqueças, todavia, que a concessão de um tesouro é título de confiança e toda confiança traduz responsabilidade. Tanto prejudica a obra de Deus o avarento que restringe a circulação dos valores, como o perdulário que os dissipa, olvidando obrigações sagradas.

            O tempo, desse modo, é benfeitor carinhoso e credor imparcial simultaneamente. Na Terra, a maioria dos homens não chegou ainda a compreendê-lo.

            Os ignorantes perdem-no.
            Os loucos matam-no.
            Os maus envenenam-no.
            Os indiferentes zombam dele.
            Os vaidosos confundem-no.
            Os velhacos enganam-no.
            Os criminosos perturbam-no.
            Riem-se dele os pândegos.
            Os mentirosos ridicularizam-no.
            Os tolos esquecem-no.
            Os ociosos combatem-no.
            Os tiranos abusam dele.
            Os irônicos menosprezam-no.
            Os arbitrários dominam-no.
            Os revoltados acusam-no.
            Aproveitam-no os trabalhadores fiéis.

            O tempo, contudo, meu filho, pertence ao Senhor e ninguém pode subverter a ordem de Deus.

            É por isso que, ao fim da existência, cada um recebe, conforme usou o divino patrimônio.

            Vale-te, pois, da oportunidade nova, sem olvidar o dever, convicto de que ninguém falará ou agirá no mundo, em vão.

            O homem precipita-se. O tempo espera. O primeiro experimenta. O segundo determina. Se atingiste a alegria de recomeçar, alcançarás, igualmente, o dia de acertar.

            Lembra-te que o tempo ensinará aos ignorantes.

            Anulará os loucos.
            Envenenará os maus.
            Zombará dos indiferentes.
            Confundirá os vaidosos.
            Esclarecerá aos velhacos.
            Perturbará os criminosos.
            Surpreenderá os pândegos.
            Ridicularizará os mentirosos.
            Corrigirá os tolos.
            Combaterá os ociosos.
            Ferirá os tiranos.
            Menosprezará os irônicos.
            Prenderá os arbitrários.
            Acusará os revoltados.
            Compensará os trabalhadores fiéis.

            Calou-se o venerável ancião.

            Havia risos à mesa doméstica, expectativas no candidato à reencarnação, sorrisos paternais no velhinho experiente. 

            O sábio abraçou novamente o discípulo e despediu-se, rematando: - Não esqueças de que o tempo é generoso nas concessões e justo nas contas. Vai, porém, meu filho, e não temas. Nesse instante, à maneira do homem, cheio de esperanças, que penetra o ano novo, o aprendiz reingressou na onda do renascimento.

terça-feira, 5 de maio de 2020

A crucificação - Prodígios



A Crucificação/ Prodígios

27,32 E, quando  O iam levando, tomaram um certo Simão, de Cirene, que vinha do campo, e puseram-lhe a cruz às costas, para que a levasse após Jesus. 
27,33 Chegaram ao lugar chamado “Gólgota”, isto é, lugar do crânio. 
27,34 Deram-Lhe de beber vinho misturado com fel. Ele provou mas, se recusou a beber. 27,35 Depois de o haverem crucificado, dividiram Suas vestes entre si, tirando a sorte. Cumpriu-se, assim, a profecia do profeta: “Repartiram entre si minhas vestes e sobre meu manto lançaram a sorte (Salmo 21,19) 
27,36 Sentaram e montaram guarda 
27,37 Por cima se Sua cabeça penduraram um escrito trazendo o motivo de sua crucificação: - Este é Jesus, o Rei dos Judeus. 
27,38 Ao mesmo tempo foram crucificados com Ele dois ladrões, um à Sua direita e outro à Sua esquerda. 
27,39 Os que passavam O injuriavam, sacudiam a cabeça e diziam... 
27,40 Tu, que destruís o Templo e o reconstruís em três dias, salva-Te a Ti mesmo! Se és Filho de Deus, desce da cruz! 
27,41 Os sacerdotes, os escribas e os anciãos também zombavam Dele. 
27,42 Ele salvou a muitos e a Si mesmo não pode salvar-se! Se é Rei de Israel, desça agora da cruz e nós creremos Nele! 
27,43 Confiou em Deus, Deus O livre agora, se O ama, porque Ele disse: “ -Eu sou Filho de Deus!”

Para Mt (27,42), - Salvou a muitos e a Si mesmo não pode salvar-se...- encontramos em “Fonte Viva” (Ed. FEB), por Emmanuel:

            “Sim, ele redimira a muitos...

            Estendera o amor e a verdade, a paz e a luz, levantara enfermos e ressuscitara mortos.

            Entretanto, para Ele mesmo erguia-se a cruz, entre ladrões. Em verdade, para quem se exaltara tanto, para quem atingira o pináculo, sugerindo indiretamente a própria condição de Redentor e Rei, a queda era enorme...

            Era o Príncipe da Paz e achava-se vencido pela guerra dos interesses inferiores. Era o Salvador e não se salvara. Era o justo e padecia a suprema injustiça.

             Jazia o Senhor flagelado e vencido. Para o consenso humano era a extrema perda.

            Caíra, todavia, na cruz. Sangrando, mas de pé. Supliciado, mas de braços abertos. Relegado ao sofrimento, mas suspenso da Terra. Rodeado de ódio e sarcasmo, mas de coração içado ao Amor.

            Tombara, vilipendiado e esquecido, mas, no outro dia, transformava a própria dor em glória divina. Pendera-lhe a fronte, empastada de sangue, no madeiro, e ressurgia, à luz do sol, ao hálito de um jardim.

            Convertia-se a derrota escura em vitória resplandescente. Cobria-se o lenho afrontoso de claridades celestiais para a Terra inteira.

            Assim também ocorre no círculo de nossas vidas. Não tropeces no fácil triunfo ou na auréola barata dos crucificadores. Toda vez que as circunstâncias te compelirem a modificar o roteiro da própria vida, prefere o sacrifício de ti mesmo, transformando a tua dor em auxílio para muitos, porque todos aqueles que recebem a cruz, em favos dos semelhantes, descobrem o trilho da eterna ressurreição.”

A Crucificação / Prodígios

27,44  E os ladrões crucificados com Ele, também O maltrataram. 
27,45  Desde a hora sexta até a nona, cobriu-se a terra de trevas. 
27,46  Próximo da hora nona, Jesus exclamou em voz forte:“ Eli, Eli, Lamma Sabactâni!” o que quer dizer “ -Meu Deus,  Meu Deus, por que me abandonaste?”
27,47 A estas palavras, alguns dos que lá estavam,   diziam:  -Ele chama por Elias...
27,48 Imediatamente, um deles tirou uma esponja, embebedou-a em vinagre e apresentou-Lha na ponta de uma vara para que   bebesse.   
27,49 Os outros diziam:
-Deixa, Deixa, vejamos se Elias virá socorrê-Lo. 
27,50  Jesus de novo soltou um grande brado e entregou Sua alma. 
27,51 E, eis que o véu do templo se rasgou em duas partes, de alto a baixo, a terra tremeu, fenderam-se as rochas. 
27,52  Os sepulcros se abriram e os corpos dos mortos justos ressuscitaram, 
27,53  Saindo de suas sepulturas, entraram na cidade santa, depois da ressurreição de Jesus, e apareceram à muitas pessoas. 
27,54  O centurião e seus homens, que montavam guarda a Jesus, diante do estremecimento da terra e de tudo o que se passava, disseram entre si,, possuídos de grande temor:
-Verdadeiramente, este Homem era Filho de Deus!
27,55  Havia ali algumas mulheres que, de longe olhavam, e que tinham seguido     Jesus desde a Galileia, para o servir.    
27,56  Entre Elas se achavam Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago e de José e Salomé, esposa de Zebedeu;                                          
        
         Para  Mt (27,45 et 51-53),  lemos  em “A Gênese”, de A. Kardec, no seu Cap. XV,  a orientação sobre essa passagem do evangelho:

            “É singular que tais prodígios, operando-se no momento mesmo em que a atenção da cidade se fixava no suplício de Jesus, que era o acontecimento do dia, não tenham sido notados, pois que nenhum historiador os menciona. Parece impossível que um tremor de terra e o ficar toda a Terra envolta em trevas durante três horas, num país onde o céu é sempre de perfeita limpidez, hajam podido passar despercebidos.

            A duração de tal obscuridade teria sido quase a de um eclipse do Sol, mas os eclipses dessa espécie só se produzem na lua nova, e a morte de Jesus ocorreu em fase de lua cheia, a 14 de Nissan, dia da Páscoa dos judeus.

            O obscurecimento do Sol também pode ser produzido pelas manchas que se lhe notam na superfície. Em tal caso, o brilho da luz se enfraquece sensivelmente, porém, nunca ao ponto de determinar obscuridade e trevas. Admitido que um fenômeno desse gênero se houvesse dado, ele decorreria de uma causa perfeitamente natural.

            Quanto aos mortos que ressuscitaram, possivelmente algumas pessoas tiveram visões ou viram aparições, o que não é excepcional. Entretanto, como então não se conhecia a causa desse fenômeno, supuseram que as figuras vistas saíam dos sepulcros.

            Compungidos com a morte de seu Mestre, os  discípulos de Jesus sem dúvida ligaram a essa morte alguns fatos particulares, as quais noutra ocasião nenhuma atenção houveram prestado. Bastou, talvez, que um fragmento de rochedo se haja destacado naquele momento, para que pessoas inclinadas ao maravilhoso tenham visto nesse fato um prodígio e, ampliando-o, tenham dito que as pedras se fenderam.

            Jesus é grande pelas suas obras e não pelos quadros fantásticos de que um entusiasmo pouco ponderado entendeu de cercá-lo.”

         Humberto de Campos, em “Boa Nova” (Ed. FEB), obra mediúnica de Chico Xavier, nos concede esse inesquecível...

Maria
            Junto da cruz, o vulto agoniado de Maria produzia dolorosa e indelével impressão. Com o pensamento ansioso e torturado, olhos fixos no madeiro das perfídias humanas, a ternura materna regredia ao passado em amarguradas recordações. Ali estava, na hora extrema, o filho bem-amado.
            Maria deixava-se ir na corrente infinda das lembranças. Eram as circunstâncias maravilhosas em que o nascimento de Jesus lhe fora anunciado, a amizade de Isabel, as profecias do velho Simeão, reconhecendo que a assistência de Deus se tornara incontestável nos menores detalhes de sua vida. Naquele instante supremo, revia a manjedoura, na sua beleza agreste, sentindo que a Natureza parecia desejar redizer aos seus ouvidos o cântico de glória daquela noite inolvidável. Através do véu espesso das lágrimas, repassou, uma por uma, as cenas da infância do filho estremecido, observando o alarma interior das mais doces reminiscências. 

            Nas menores coisas, reconhecia a intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, seu pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações.

            Que fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Não o vira crescer de sentimentos imaculados, sob o calor de seu coração? Desde os mais tenros anos, quando o conduzia à fonte tradicional de Nazaré, observava o carinho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Frequentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desamparados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas conduziam à carpintaria de José!... Lembrava-se bem de que, um dia, a divina criança guiara a casa dois malfeitores publicamente reconhecidos como ladrões do vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude com que seu vulto pequenino cuidava dos desconhecidos, como se fossem seus irmãos. Muitas vezes, comentara a excelência daquela virtude santificada, receando pelo futuro de seu adorável filhinho.

            Depois do caricioso ambiente doméstico, era a missão celestial, dilatando-se em colheita de frutos maravilhosos. Eram paralíticos que retomavam os movimentos da vida, cegos que se reintegravam nos sagrados dons da vista, criaturas famintas de luz e de amor que se saciavam na sua lição de infinita bondade.

            Que profundos desígnios haviam conduzido seu filho adorado à cruz do suplício?

            Uma voz amiga lhe falava ao espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam ser aceitas para a redenção divina das criaturas. Seu coração rebentava em tempestades de lágrimas irreprimíveis; contudo, no santuário da consciência, repetia a sua afirmativa de sincera humildade; -Faça-se na escrava a vontade do Senhor!

            De alma angustiada, notou que Jesus atingira o último limite dos padecimentos inenarráveis. Alguns dos populares mais exaltados multiplicavam as pancadas, enquanto as lanças riscavam o ar, em ameaças audaciosas e sinistras. Ironias mordazes eram proferidas a  esmo, dilacerando-lhe a alma sensível e afetuosa.

            Em meio de algumas mulheres compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria reparou que alguém lhe pousara as mãos, de leve, sobre os ombros.

            Deparou-se-lhe a figura de João que, vencendo a pusilanimidade criminosa em que haviam mergulhado os demais companheiros, lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. 

Silenciosamente, o filho de Zebedeu abraçou-se àquele triturado coração maternal. Maria deixou-se enlaçar pelo discípulo querido e ambos, ao pé do madeiro, em gesto súplice, buscaram ansiosamente a luz daqueles olhos misericordiosos, no cúmulo dos tormentos. Foi aí que a fronte do divino supliciado se moveu vagarosamente, revelando perceber a ansiedade daquelas duas almas em extremo desalento.

            “Meu Filho! Meu amado Filho!...” -exclamou a mártir, em aflição diante da serenidade daquele olhar de melancolia intraduzível.

            O Cristo pareceu meditar no auge de suas dores, mas, como se quisesse demonstrar, no instante derradeiro, a grandeza de sua coragem e a sua perfeita comunhão com Deus, replicou com significativo movimento dos olhos vigilantes:

             “ -Mãe, eis aí teu filho!...” -E dirigindo-se, de modo especial, com um leve aceno, ao apóstolo, disse: - “ -Filho, eis aí tua mãe!

            Maria envolveu-se no véu de seu pranto doloroso, mas o grande evangelista compreendeu que o Mestre, na sua derradeira lição, ensinava que o amor universal era o sublime coroamento de sua obra. Entendeu que, no futuro, a claridade do Reino de Deus revelaria aos homens a necessidade da cessação de todo egoísmo e que, no santuário de cada coração, deveria existir a mais abundante cota de amor, não só para a círculo familiar, senão também para todos os necessitados do mundo, e que no templo de cada habitação permaneceria a fraternidade real, para que a assistência recíproca se praticasse na Terra, sem serem precisos os edifícios exteriores, consagrados a uma solidariedade claudicante.

            Por muito tempo, conservaram-se ainda ali, em preces silenciosas, até que o Mestre, exânime, fosse arrancado à cruz, antes que a tempestade mergulhasse a paisagem castigada de Jerusalém num dilúvio de sombras.

            Após a separação dos discípulos, que se dispersaram por lugares diferentes, para a difusão da Boa Nova, Maria retirou-se para a Bataneia, onde seus parentes mais próximos a esperavam com especial carinho.

            Os anos começaram a rolar, silenciosos e tristes, apara a angustiada saudade de seu coração.
            Tocada por grande dissabores, observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Na Bataneia, pretendia-se manter uma certa aristocracia espiritual, por efeito dos laços consanguíneos que ali a prendiam, em virtude dos elos que a ligavam a José. Em Jerusalém, digladiavam-se os cristãos e os judeus, com veemência e acrimônia. Na Galileia, os antigos cenáculos simples e amoráveis da Natureza estavam tristes e desertos.

            Para aquela mãe amorosa, cuja alma digna observava que o vinho generoso de Caná se transformara em vinagre do martírio, o tempo assinalava sempre uma saudade maior no mundo e uma esperança cada vez mais elevada no céu.

            Sua vida era uma devoção incessante ao rosário imenso da saudade, às lembranças mais queridas. Tudo que o passado feliz edificara em seu mundo interior revivia na tela de sua lembranças, com minúcias somente conhecidas do amor, e lhe alimentavam a seiva da vida.   

            Relembrava-se o seu Jesus pequenino, como naquela noite de beleza prodigiosa, em que o recebera nos braços maternais, iluminado pelo doce mistério. Figurava-se-lhe escutar o balido das ovelhas que vinham, apressadas, acercar-se do berço que se formara de improviso. E aquele primeiro beijo, feito de carinho e de luz ? As reminiscências envolviam a realidade longínqua de singulares belezas para o seu coração sensível e generoso. Em seguida, era o rio das recordações desaguando, sem cessar, na sua lama rica de sentimentalidade e ternura. Nazaré lhe voltava à imaginação, com as suas paisagens de felicidade e de luz. A casa singela, a fonte amiga, a sinceridade das afeições, o lago majestoso e, no meio de todos os detalhes, o filho adorado, trabalhando e amando, no erguimento da mais elevada concepção de Deus, entre os homens da Terra. De vez em quando, parecia vê-lo em seus sonhos repletos de sua presença e participava da carícia de suas recordações.

            A esse tempo, o filho de Zebedeu, tendo presentes as observações que o Mestre lhe fizera da cruz, surgiu na Bataneia, oferecendo àquele espírito saudoso de mãe o refúgio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento, com satisfação imensa.

            E João lhe contou a sua nova vida. Instalara-se definitivamente em Éfeso, onde as idéias cristãs ganhavam terreno entre almas devotadas e sinceras. Nunca olvidara as recomendações do Senhor e, no íntimo, guardava aquele título de filiação como das mais altas expressões de amor universal para com aquela que recebera o Mestre nos braços veneráveis e carinhosos.

            Maria escutava-lhe as confidências, num misto de conhecimento e de ventura.

            João continuava a expor-lhe os seus planos mais insignificantes. Levá-la-ia consigo, andariam ambos na mesma associação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado, enquanto receberia de sua alma generosa a ternura maternal, nos trabalhos do Evangelho. Demorara-se a vir, explicava o filho de Zebedeu, porque lhe faltava uma choupana, onde se pudessem abrigar; entretanto, um dos membros da família real de Adiabene, convertido ao amor do Cristo, lhe doara uma casinha pobre, ao sul de Éfeso, distando três léguas aproximadamente da cidade. A habitação simples e pobre demorava num promontório, de onde se avistava o mar. No alto de pequena colina, distante dos homens e no altar imponente da Natureza, se reuniriam ambos para cultivar a lembrança permanente de Jesus. Estabeleceriam um pouso e refúgio aos desamparados, ensinariam as verdades do Evangelho a todos os espíritos de boa-vontade e, como mãe e filho, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.

            Maria aceitou alegremente.

            Dentro de breve tempo, instalaram-se no seio amigo da Natureza, em frente ao oceano. Éfeso ficava pouco distante; porém, todas as adjacências se povoavam de novos núcleos de habitações alegres e modestas. A casa de João, ao cabo de algumas semanas, se transformou num ponto de assembleias adoráveis, onde as recordações do Messias eram cultivadas por espíritos humildes e sinceros.

            Maria externava suas lembranças. Falava dele com maternal enternecimento, enquanto o apóstolo comentava as verdades evangélicas, apreciando os ensinos recebidos. Vezes inúmeras, a reunião somente terminava noite alta, quando as estrelas tinham maior brilho. E não foi só. Decorridos alguns meses, grandes fileiras de necessitados acorriam ao sítio singelo e generoso. A notícia de que Maria descansava, agora, entre eles, espalhara um clarão de esperança por todos os sofredores. Ao passo que João pregava na cidade as verdades de Deus, ela atendia, no pobre santuário doméstico, aos que a procuravam exibindo-lhe suas úlceras e necessidades.  Sua choupana era, então, conhecida pelo nome de “Casa da Santíssima”.

            O fato tivera origem em certa ocasião, quando um miserável leproso, depois de aliviado em suas chagas, lhe osculou as mãos, reconhecidamente murmurando:

            - “Senhora, sois a Mãe de nosso Mestre e nossa Mãe Santíssima!”

         A tradição criou raízes em todos os espíritos. Quem não lhe devia o favor de uma palavra maternal no momentos mais duros? E João consolidava o conceito, acentuando que o mundo lhe seria eternamente grato, pois fora pela sua grandeza espiritual que o Emissário de Deus pudera penetrar a atmosfera escura e pestilenta do mundo para balsamizar os sofrimentos da criatura. Na sua humildade sincera, Maria se esquivava às homenagens afetuosas dos discípulos de Jesus, mas aquela confiança filial com que lhe reclamavam a presença era para sua alma um brando e delicioso tesouro do coração. O título de maternidade fazia vibrar em seu espírito os cânticos mais doces. Diariamente, acorriam os desamparados, suplicando a sua assistência espiritual. Eram velhos trôpegos e desenganados do mundo, que lhe vinham ouvir as palavras confortadoras e afetuosas, enfermos que invocavam a sua proteção, mães infortunadas que pediam a bênção de seu carinho.

            “ -Minha mãe -dizia um dos mais aflitos- como vencer as minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida...”

            Maria lhe enviava o olhar amoroso da sua bondade, deixando nele transparecer toda a dedicação enternecida de seu espírito maternal.

            “ -Isto também passa!  -dizia ela, carinhosamente  - só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de nossas almas, como eterna realização do amor celestial.”

            Seus conceitos abrandaram a dor dos mais desesperados, desanuviavam o pensamento dos mais acabrunhados.

            A igreja de Éfeso exigia de João a mais alta expressão de sacrifício pessoal, pelo que, com o decorrer do tempo, quase sempre Maria estava só, quando a legião humilde de necessitados descia o promontório desataviado, rumo aos lares mais confortados e felizes.  Os dias e as semanas, os meses e os anos passaram incessantes, trazendo-lhe as lembranças mais tenras. Quando sereno e azulado, o mar lhe fazia voltar à memória o Tiberíades distante. Surpreendia no ar aqueles perfumes vagos que enchiam a alma da tarde, quando seu filho, de quem nem um instante se esquecia, reunindo os discípulos amados, transmitia ao coração do povo as louçanias da Boa Nova. A velhice não lhe acarretava nem cansaços nem amarguras. A certeza da proteção divina lhe proporcionava ininterrupto consolo. Como quem transpõe o dia em labores honestos e proveitosos, seu coração experimentava grato repouso, iluminado pelo luar da esperança e pelas estrelas fulgurantes da crença imorredoura. Sua meditações eram suaves colóquios com as reminiscências do filho muito amado.

            Súbito recebeu notícias de que um período de dolorosas perseguições se havia aberto para todos os que fossem fieis à doutrina do seu Jesus divino. Alguns cristãos banidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Em obediência aos éditos mais injustos, escravizavam-se os seguidores de Cristo, destruíam-se-lhes os lares, metiam-nos nas prisões. Falava-se de festas públicas, em que seus corpos eram dados como alimento a fera insaciáveis, em horrendo espetáculos.

            Então, num crepúsculo estrelado, Maria entregou-se às orações, como de costume, pedindo a Deus por todos aqueles que se encontrassem em angústias do coração, por amor de seu filho.

            Embora a soledade do ambiente, não se sentia só: uma como força singular lhe banhava a alma toda. Aragens suaves sopravam do oceano, espalhando os aromas da noite que se povoava de astros amigos e afetuosos e, em poucos minutos, a luz plena participava, igualmente, desse concerto de harmonia e de luz.

            Enlevada nas suas meditações, Maria viu aproximar-se o vulto de um pedinte.

            -Minha Mãe - exclamou o recém-chegado, como tantos outros que recorriam ao seu carinho -, venho fazer-te companhia e receber a tua bênção.

            Maternalmente, ela o convidou a entrar, impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. O peregrino lhe falou do céu, confortando-a delicadamente. Comentou as bem-aventuranças divinas que aguardam a todos os devotados e sinceros filhos de Deus, dando a entender que lhe compreendia as mais tenras saudades do coração. Maria sentiu-se empolgada por tocante surpresa. Que mendigo seria aquele que lhe acalmava as dores secretas da alma saudosa, com bálsamos tão dulçorosos? Nenhum lhe surgira até então para dar; era sempre para pedir alguma coisa. No entanto, aquele viandante desconhecido lhe derramava no íntimo as mais santas consolações!? Que emoções eram aquelas que lhe faziam pulsar o coração de tanta carícia ? Seus olhos se umedeceram de ventura, sem que conseguisse explicar a razão de sua terna emotividade.

            Foi quando o hóspede anônimo lhe estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo acento de amor:

            “ -Minha Mãe, vem aos meus braços!”

            Nesse instante, fitou as mãos nobres que se lhe ofereciam, num gesto da mais bela ternura. Tomada de comoção profunda, viu nelas duas chagas, como as que seu filho revelava na cruz e, instintivamente, dirigindo o olhar ansioso para os pés do peregrino amigo, divisou também aí as úlceras causadas pelos cravos do suplício. Não pode mais. Compreendendo a visita amorosa que Deus lhe enviava ao coração, bradou com infinita alegria:

            - “Meu Filho! Meu Filho! as úlceras que te fizeram!...”

            E precipitando-se para ele, como mãe carinhosa e desvelada, quis certificar-se, tocando a ferida que lhe fora produzida pelo último lançaço, perto do coração. Sua mãos ternas e solícitas o abraçaram na sombra visitada pelo luar, procurando sofregamente a úlcera que tantas lágrimas lhe provocara ao carinho maternal. A chaga lateral também lá estava, sob a carícia de suas mãos. Não conseguiu dominar o seu intenso júbilo. Num ímpeto de amor, fez um movimento para se ajoelhar. Queria abraçar-se aos pés do seu Jesus e osculá-los com ternura. Ele, porém, levantando-a, cercado de um halo de luz celestial, se lhe ajoelhou aos pés e, beijando-lhe as mãos, disse em carinhoso transporte:

            “Sim, minha mãe, sou Eu!... Venho buscar-te, pois meu Pai quer que sejas no meu reino a Rainha dos Anjos...”

            Maria cambaleou, tomada de inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade, manifestar seu agradecimento a Deus; mas o corpo como que se lhe paralisara, enquanto aos seus ouvidos chegavam os ecos suaves da saudação do Anjo, qual se entoassem mil vozes cariciosas, por entre as harmonias do céu.

            No outro dia, dois portadores humildes desciam a Éfeso, de onde regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela que lhes era a devotada Mãe Santíssima.

            Maria já não falava. Numa inolvidável expressão de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços que a prendiam à vida material.

            A alvorada desdobrava o seu formoso leque de luz quando aquela alma eleita se elevou da Terra, onde tantas vezes chorara de júbilo, de saudade e de esperança, Não mais via seu filho bem-amado, que certamente a esperaria, com as boas vindas, no seu reino de amor; mas, extensas multidões de entidades angélicas a cercavam cantando hinos de glorificação.

            Experimentando a sensação de se estar afastando do mundo, desejou rever a Galileia com os seus sítios preferidos. Bastou a manifestação de sua vontade para que a conduzissem à região do lago de Genesaré, de maravilhosa beleza. Reviu todos os quadros do apostolado de seu filho e, só agora, observando do alto a paisagem, notava que o Tiberíades, em seus contornos suaves, apresentava a forma quase perfeita de um alaúde. Lembrou-se, então, de que naquele instrumento da Natureza Jesus cantara o mais belo poema da vida e amor, em homenagem a Deus e à humanidade. Aquelas águas mansas, filhas do Jordão marulhoso e calmo, haviam sido as cordas sonoras do cântico evangélico.

            Dulcíssimas alegrias lhe invadiam o coração e já a caravana espiritual se dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela crueldade do mundo e desejou abraçar os que ficariam no vale das sombras, à espera das claridades definitivas do Reino de Deus. Emitindo esse pensamento, imprimiu novo impulso às multidões espirituais que a seguiam de perto. Em poucos instantes, seu olhar divisava uma cidade soberba e maravilhosa, espalhada  sobre colinas enfeitadas de carros e monumentos que lhe provocavam assombro. Os mármores mais ricos esplendiam nas magnificentes vias públicas, onde as liteiras patrícias passavam sem cessar, exibindo pedrarias e peles, sustentadas por misérrimos escravos. Mais alguns momentos e seu olhar descobria outra multidão guardada a ferros em escuros calabouços. Penetrou os sombrios cárceres do Esquilino, onde centenas de rostos amargurados retratavam padecimentos atrozes. Os condenados experimentaram no coração um consolo desconhecido.

            Maria se aproximou de um a um, participou de suas angústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimento e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembléia de torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a claridade misericordiosa de seu espírito entre aquelas fisionomias pálidas e tristes. Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens que depunham no Evangelho do Reino toda a sua esperança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? Deveria suplicar a Deus para eles a liberdade?!  Mas, Jesus ensinara que com Ele todo jugo é suave e todo fardo seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo. Recordou que seu filho deixara a força da oração como um poder incontrastável entre os discípulos amados. Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria. Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcerada, de rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvido:

            “-Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo! ... Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu!...

            A triste prisioneira nunca saberia compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamento luminoso, através das grades poderosas, ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e enternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas, transformando todas as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era acompanhado pelas centenas de vozes dos que choravam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.

            Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mestre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm cantado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua alegria, guardando a suave herança de nossa Mãe Santíssima.

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            Por essa razão, irmãos meus, quando ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do Cristianismo, não vos esqueçais de fazer no coração um brando silêncio, para que a Rosa Mística de Nazaré espalhe aí o seu perfume!

            Para (Mt 27,46) -Senhor, por que me desamparaste? - leiamos a Bittencourt Sampaio por Frederico Jr em “Jesus perante a Cristandade”:

            “Antes., porém, tendo o Divino Mestre prometido ao bom ladrão, assim chamado na frase do Evangelho, que consigo ele seria no paraíso, este, vendo baixar a fronte do Senhor, proferiu estas palavras que foram atribuídas a Jesus; Ely, Ely, lamma sabachtani! -Senhor, Senhor, por que me abandonaste!?

            Tal era a confusão, tão medonha a tragédia, tão negro o quadro, que, conturbados os espíritos, julgaram partirem dos divinos lábios do Amantíssimo Cordeiro essas palavras de aflição e desalento!

            Mas, assim não foi, nem poderia ser: Jesus, o Justo pré-eleito, cujo Espírito se eleva constantemente aos pés do seu glorioso Pai; Jesus, que afrontara todas as iras, todas as maldades dos homens, não podia, nesse momento supremo, participar desses desfalecimentos que só provam as almas pecadoras.

             Não, cristãos em Cristo, eu vos afirmo, como Espírito que sou, e pela verdade que recebo dos meus maiores, os Espíritos elevados que me assistem neste trabalho: a palavras de Jesus, nos seus últimos momentos, foram estas e unicamente estas:

             Tudo está consumado! A Vós, Senhor, entrego o Meu Espírito!

            Respeitado e tomado como verdadeiro o texto de Bittencourt Sampaio não podemos deixar de fazer constar nesta compilação uma nota, fruto da pesquisa do virtuoso Antônio Lima que, em “Vida de Jesus”, em nota de rodapé, informa que o Rev. J. Davis em sua obra ‘In League with Life‘ diz ser possível que Jesus houvesse exclamado; “Eli, Eli, Lama Azahhthani”, que significa: Senhor, Senhor, como me glorificas! cuja frase era pronunciada pelos iniciados quando passavam por uma grande prova. Essa frase também parece uma reminiscência de Davi, nos Salmos Cap. XXI, v.1: Deus meu, Deus meu, olha para mim; por que me desamparaste? Os clamores dos meus pecados são causa de estar longe de mim a salvação.’