Assombração: Um fenômeno Muito Sério – Parte 1
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB) Agosto 1976
Com alguma experiência e certa dose de paciência tudo se encontra
nos sebos; para onde refluem os livros velhos que, num passado distante ou mais
recente, foram novos e até causaram impactos consideráveis. As vezes, somos
premiados com uma raridade esquecida e preciosa, como, por exemplo, o exemplar
de “Les Phénomènes de Hantise”, de
Ernesto Bozzano, em tradução de Charles de Vesme (Librairie Féllx Alcan, Paris,
1920) que enseja esta apreciação.
Em português, hanter corresponde a assombrar
sendo que não conheço a emigração da mesma raiz para o nosso rico idioma. Em
inglês diz-se to haunt, conservando o mesmo sentido básico de FREQUENTAR certo
lugar ou pessoa insistentemente. Há, até em francês, o ditado! "Dis-moi
qui tu hantes, je ti dirai qui tu es." ("Diga-me com quem andas (ou
quem frequentas) que te direi quem és.") Por isso, tanto em francês como
em inglês, o verbo é empregado para descrever as frequentes visitas de
fantasmas a determinados locais. Les Phénomènes
de Hantise, seriam, pois, fenômenos de assombramento, com as conotações da
língua.
Seja como for, o livro de Bozzano cuida da interessantíssima fenomenologia
que, em linguagem popular, denomina-se assombração, no Brasil.
*
O notável pesquisador italiano estudou 532 casos, do quais classifica
374 como de assombração propriamente
dita e 158 como "poltergeist". E aqui damos com outra palavra assombrada,
desta vez sacada à língua alemã e que se compõe de duas expressões: poltern, fazer barulho e geist, espírito.
Daí se depreende que "poltergeist" são fenômenos de
efeito físico, geralmente acompanhados de ruídos e deslocação de objetos.
E já que estamos nas definições, vejamos a de Bozzano: os fenômenos de assombração compreendem esse conjunto de manifestações misteriosas
e inexplicáveis cujo traço característico essencial é o de ligarem-se de
maneira especial a um local determinado.
Segundo sua meticulosa metodologia, o autor classifica os fenômenos
em auditivos, visuais, táteis, olfativos e
físicos. Os auditivos e visuais são subdivididos em duas categorias: coletivos e eletivos. São coletivos
aqueles percebidos por todos os presentes nos locais em que ocorrem, eletivos os que são percebidos apenas
por algumas pessoas, com exclusão de outras. Isso parece indicar que alguns
sejam objetivos e outros subjetivos, mas o competente cientista
italiano não se cansa de advertir que essas classificações são mais para efeito
didático, pois a fenomenologia não se enquadra rigidamente nos esquemas que imaginamos
para ela. Acrescenta, por isso, com a honestidade que caracteriza o homem na
busca da verdade, que a classificação deve "ser considerada provisória e convencional".
Acha ele, ainda, que os fenômenos subjetivos parecem ser,
preferentemente, de natureza telepática, enquanto os objetivos ou físicos são
de natureza mediúnica.
Que hipóteses poderiam ser formuladas para explicar tais fenômenos?
Bozzano oferece quatro. A primeira delas é de autoria de Adolphe
d'Assier, apoiada na concepção positivista do universo. Admitindo, ante provas incontestáveis,
a existência do fenômeno, realiza ele um grande esforço no sentido de testificar
que tais fenômenos não implicam sobrevivência da alma. Segundo essa doutrina
esdrúxula, a natureza do fantasma seria efêmera, e, em pouco tempo, ele estaria
desagregado sob a ação de forças físicas, químicas e atmosféricas que o obrigariam
a decompor-se, molécula por molécula, e a ser absorvido no meio ambiente.
Embora a hipótese seja acolhida com deferência, Bozzano liquida-a
sumariamente, ao lembrar não ser nada científico imaginar "que a alma sobreviva somente para morrer de
novo". Além do mais, acrescenta ele, são conhecidos casos em que
Espíritos persistem em manifestar-se durante vários séculos. Só isso bastaria
para infirmar a hipótese materialista de d'Assler.
Restam-nos três eleições.
A primeira identifica os
fenômenos de assombração com os de telepatia entre vivos. É a hipótese de Frank
Podmore. Nesse caso, as manifestações seriam resultantes da ação telepática de
pessoas encarnadas residentes ou não na casa assombrada, e que, conhecedoras
dos fatos aí ocorridos, transmitiriam as imagens às testemunhas. Bozzano não a
recusa sumariamente, porque poderia servir para explicar alguns fatos, embora
jamais pudesse revestir-se da amplitude que Podmore imaginou para explicação de
todos os fatos, como veremos.
A segunda teria seu
apoio numa "lei da física transcendental” conhecida sob o nome de persistência das imagens".
Estaríamos aqui no domínio dos "clichês astrais" dos ocultistas e das
gravações "akásicas" dos teósofos ou da “telestesia retrocognitiva"
de Myers. Os fantasmas não seriam, pois, nada mais do que "uma espécie de emanação sutil dos organismos
vivos perpetuados num ambiente habitualmente inacessível aos nossos sentidos".
Também essa hipótese não é de todo refugada por Bozzano, que a considera digna
de exame, em sua identificação com a psicometria.
- Não obstante - escreve o autor -, ela também está bem longe de
ser aplicável à maior parte dos fenômenos de assombração.
Vemos, assim, que das possibilidades examinadas, uma é totalmente
inaceitável - a de d' Assier - e as outras poderiam ser admitidas para explicar
alguns fenômenos, mas não todos.
- A terceira escolha -
escreve Bozzano - é a espírita, sem dúvida a mais Importante, a única em condições
de explicar todos os casos, cuja (s) causa
(s) são anteriores são insuficientes para perceber; ela é capaz de vencer todas
as dificuldades, desde que, todavia, se renuncie à versão popular da referida
hipótese, segundo a qual, nos casos de assombração, se trata, sempre da intervenção
direta e da presença real de "Espíritos assombradores"...
Procuremos entender bem a ressalva levantada pelo autor.
Indubitavelmente, a explicação oferecida pelo Espiritismo - ele prefere chamá-la
de hipótese espírita - é a sua predileta, e ele o diz claramente. Acha, no entanto,
que nem sempre se verifica a presença real do Espírito manifestante quando o
fenômeno se produz. Aliás, é bem mais radical ao declarar que "tudo tende a fazer supor que, na grande maioria
dos casos, a intervenção dos "Espíritos assombradores'' toma a forma de
transmissão telepática - consciente ou inconsciente - dos seus pensamentos, intensamente
voltados, naquele momento, para os lugares onde eles viveram, e para os acontecimentos
trágicos que ali se desenrolaram".
Que isso seja possível, não se discute, mas talvez Bozzano
"estique" demais a sua hipótese telepática para aplicá-la à "grande maioria dos casos". É que os
fenômenos de telepatia costumam ser, na sua própria classificação, subjetivos e
seletivos, e dificilmente se apresentam acompanhados de efeitos físicos (sons,
deslocamentos de objetos, etc.). Isto quer dizer que o percipiente os veria
subjetivamente, como uma visão interior; e mais, alguns percipientes, mais
sensíveis, com exclusão de outros (seletividade). E não parece que neste quadro
fosse possível encaixar a maioria das manifestações de assombramento.
Não resta dúvida, no entanto, para o autor, quanto a solidez indiscutível
da chamada hipótese espírita, pois, logo abaixo, ao concluir sua Introdução, quando busca encontrar o elo
de ligação para toda a fenomenologia sob exame, declara que: - "Em nesse
caso, o elemento comum a todos os fenômenos é fácil de ser reconhecido: é o espírito humano na sua dupla condição,
encarnado e desencarnado.” (Destaques no original.)
*
Segue-se um capítulo - o segundo - sobre os fenômenos de assombração
propriamente dita, seção auditiva.
O primeiro caso é extraído de um relatório da "Society for
Psychical Research", de Londres, e foi examinado por uma comissão da qual
fazia parte Frank Podmore. Cuida de ruídos espantosos observado num Vicariato
inglês pelo pastor e sua esposa. Parecia que a casa vinha abaixo, sempre às
duas horas da manhã, aos domingos. A manifestação provou ser inteligente,
porque reagia com inaudita violência quando o pastor deblaterava contra ela. Era
também eletiva, porque se verificou depois, que podia, às vezes, ser ouvida
pelos hóspedes do casal e não pelos donos da casa. Por outro lado, as manifestações
prendiam-se à casa e não às pessoas, porque os fenômenos já eram conhecidos na
redondeza por haverem ocorrido com outras famílias que ali haviam residido. Há
casos, como se sabe, em que os fenômenos acompanham as pessoas.
Um número maior de casos semelhantes - que são raros - poderia,
segundo Bozzano, conter grande valor teórico e favoreceriam consideravelmente a
hipótese espírita.
O episódio seguinte, muito complexo pela variedade da
fenomenologia apresentada, foi retirado dos "Annales des Sciences Psychiques"
(1892-1893), e está muito bem documentado por vários testemunhos de valor irrecusável.
O relato é feito pelo proprietário de um castelo assombrado localizado na
região de Calvados, na França, cuja cidade mais importante é Caen.
As manifestações ocorreram por algum tempo, entre 1861 e 1868, e
cessaram. Em 1875, recomeçaram com redobrada intensidade. Viviam no castelo o casal,
um filho menor, um abade que desempenhava as funções de mestre do menino, o
cocheiro, o jardineiro, a arrumadeira e a cozinheira. Os barulhos eram percebidos
por todos e ocorriam durante a noite. Eram pancadas nas paredes e nas portas.
Gritos e gemidos lancinantes, desesperados, ruídos de móveis que estariam sendo
arrastados e tombados ao chão, corpos pesados que caiam pareciam descer de
degrau em degrau pelas escadarias ou subi-las com incrível rapidez, objetos que
se deslocavam, desapareciam e reapareciam. Certa ocasião, em que a senhora
subia com o abade para verificar a origem de um ruído, ao se aproximar de uma porta,
a chave girou na fechadura, desprendeu-se e atingiu-lhe a mão, ferindo-a.
Medalhas e crucifixos trazidos por um sacerdote que veio exorcizar a casa,
desapareceram sem deixar traço.
Dois ou três dias depois - os exorcistas já se haviam retirado –a dona
da casa escrevia qualquer coisa em seus aposentos quando um enorme embrulho
contendo as medalhas e os crucifixos caiu diante dela, em cima da mesa.
Há também um fenômeno muito curioso, que ficou sem explicação. Um
dia, o dono da casa executou algo no harmônio (instrumento musical semelhante ao órgão), por longo tempo. Ao fechar o
Instrumento, uma parte das árias que havia tocado repetiu-se no canto oposto do
salão.
Neste caso, os fenômenos eram coletivos - todos os percebiam
nitidamente -, predominantemente auditivos porque os ruídos não eram provocados
por nenhum corpo ou objeto visível. E também de efeitos físicos pois os objetos
se deslocavam, sumiam e reapareciam inexplicavelmente.
É uma pena que em tais circunstâncias não se tenha realizado uma
sessão mediúnica para estudar as causas do fenômeno, e, talvez até resolver o
conflito espiritual do qual, evidentemente, ele resulta. Veremos um ou dois casos
em que isso foi feito.
No caso há pouco relatado, há um pormenor interessante. O castelo
em que ocorreram as manifestações havia sido construído a 150 metros do antigo,
que estava em ruínas. Como o antigo castelo fosse também assombrado, Bozzano
admite a hipótese que os fenômenos tenham sido transferidos através dos móveis
e dos materiais de demolição reutilizados. É de se perguntar se as vibrações psicométricas
ligadas aos móveis e aos aludidos materiais teriam energia suficiente para
produzir tal variedade de fenômenos, os estrondos, que abalavam até as paredes,
os gritos e por fim, os efeitos físicos de deslocamento, bem como desmaterialização
e rematerialização de objetos concretos de metal e madeira. Tudo leva a crer na
existência, atrás dessas manifestações, de espíritos bem versados na manipulação
de leis muito importantes da física transcendental.
Em outro caso, três estudantes de medicina pactuam: se um deles morresse,
os outros poderiam ficar com o esqueleto para objeto de estudo, desde que os
ossos ficassem sempre em poder de algum amigo. Se não fosse possível satisfazer
tal condição, o esqueleto deveria ser sepultado.
Quando um deles morreu, um dos sobreviventes ficou com o esqueleto
e, através dos anos, e várias peripécias, sempre que o esqueleto era relegado a
uma condição vexatória, em desacordo com o pacto, começavam os fenômenos de
assombração: ruídos de passos que iam e vinham, batidas, barulho ensurdecedor
de garrafas que se chocavam, que se quebravam
e caiam ao chão, sem nenhum fenômeno físico, ou seja, as garrafas lá estavam intactas.
Bozzano não tem dúvida alguma em indicar a hipótese espírita. Há
uma correlação perfeita entre as declarações feitas pelo jovem estudante e os fatos
póstumos. Cada vez que seus ossos eram tratados de maneira diferente do
combinado, ele evidentemente, protestava, de maneira inequívoca.
*
No capítulo 3, cuida o autor das manifestações visuais que, como
todas as relatadas por Bozzano, são escrupulosamente bem documentadas. O de
número 4, por exemplo, desenrolou-se numa casa construída em 1860, e que
durante 16 anos foi ocupada pelo seu proprietário. Nesse lapso de tempo, morreu
a primeira esposa, e, sufocado pelo desgosto, ele passou a beber
desregradamente. Dois anos depois, casou-se, em segundas núpcias, com uma jovem
disposta a curá-lo, mas que, infelizmente, também adquiriu o vício da bebida.
Em julho de 1876, deu-se a separação e a esposa foi viver em outra cidade.
Meses após, ele morreu e, em setembro de 1878, ela também. Estavam assim
desencarnadas as três personagens da tragédia. A casa em que viveram foi
adquirida por um velho que logo morreu também. Quatro anos depois, o imóvel foi
comprado pelo capitão Morton, pai da moça que fez a narrativa à "Soclety
for Psychical Research", que Bozzano reproduz, em essência.
Em abril de 1882, a nova família instalou-se na residência fatídica,
ignorando os boatos que corriam a respeito. Dois meses depois, Miss Morton
conta seu primeiro encontro com o fantasma:
- "Acabara de me recolher ao meu quarto, mas ainda não me
deitara quando percebi que alguém se aproximava da porta. Pensando tratar-se de
minha mãe, fui abri-la. Não vi ninguém mas, saindo para o corredor, percebi uma
senhora alta, vestida de preto, parada no patamar da escada. Quando cheguei perto
dela, ela começou a descer e eu a segui, curiosa de saber quem era. Infelizmente,
a lamparina que eu levava apagou-se de repente, obrigando-me a voltar. Conseguira
ver, no entanto, uma forma feminina muito alta, não produzindo qualquer ruído
ao caminhar, vestida de lã preta. Sua fisionomia ocultava-se atrás de um lenço
que ela segurava com a mão direita. A mão esquerda estava parcialmente escondida
na ampla manga na qual se via uma braçadeira negra, distintiva de seu luto de
viúva. Ela estava sem chapéu, mas era visível sobre a cabeça uma touca envolvida
num véu. Não pude observar mais nada mas em outras ocasiões consegui perceber
uma parte de sua testa e de seus cabelos.”
Nos anos seguintes, de 1882 a 1884, Miss Morton viu o fantasma cinco
ou seis vezes. Outras pessoas da casa também o viram três vezes isoladamente: sua
irmã, a empregada e enfim, seu Irmão, juntamente com outro menino. O fantasma
costumava descer a escadaria, entrar no pequeno salão e permanecer de pé ao
canto direito da varanda, onde se demorava algum tempo. Em seguida, voltava
sobre seus passos e percorria o longo corredor até a porta do jardim, onde
desaparecia.
A moça, era destemida e estava disposta a desvendar o mistério da
aparição. Em 29 de Janeiro de 1884 teve oportunidade de encontrar-se com ela face
a face. O momento ficou documentado em carta que ela escreveu, na época, a uma
amiga: - "Abri suavemente a porta do pequeno salão - diz a narradora - e
me introduzi ali junto com ela. Ela, porém, adiantou-se, alcançando o sofá,
onde permaneceu imóvel. Abordei-a logo e lhe perguntei em que poderia ser-lhe
útil. A essas palavras, ela estremeceu ligeiramente e parecia disposta a falar,
mas apenas emitiu um ligeiro suspiro. Em seguida, dirigiu-se à porta e, quando
alcançou a soleira, eu repeti minha pergunta, mas parece que ela não queria
mesmo falar. Foi até o salão e prosseguiu até à porta do jardim, onde
desapareceu, como de costume.”
Em outras ocasiões, a moça tentou tocá-la, mas o fantasma parecia
sempre fora de seu alcance; se a seguia até um canto do cômodo, ela
desaparecia, subitamente.
Convivendo, assim, praticamente durante mais de dois anos com um
fantasma, foi possível observá-lo bem, e, como assinala Bozzano, embora o caso
não tenha nada do sensacionalismo de tantos outros, presta-se a uma autenticação
indiscutível, pois foi presenciado por várias pessoas sadias e idôneas, em
diferentes oportunidades, ora sozinhas, ora acompanhadas. A visão, às vezes,
era eletiva - vista por uma ou mais pessoas à exclusão de outras - e às vezes
coletiva, ou seja, percebida por todos os presentes, como na noite de 12 de
agosto de 1884, quando foi vista pelas duas irmãs, ao mesmo tempo e, mais uma
vez, Miss Morton tentou inutilmente falar com o Espírito. Obviamente sem
conhecer nada da fenomenologia mediúnica, a narradora informa, contudo, que em
presença do fantasma, sentia "perder
algo, como se a forma retirasse dela uma força". Parece evidente que a
moça fornecia ectoplasma para a materialização parcial do Espírito, que, assim,
podia objetivar-se e produzir uma manifestação coletiva. De outras vezes,
porém, sem recorrer ao ectoplasma, a forma aparecia apenas aos médiuns videntes
e, por isso, recaia na classificação de manifestação eletiva proposta por
Bozzano.
*
No caso número 4, algumas irmãs veem simultânea ou sucessivamente
o mesmo Espírito, ao ar livre, sempre em determinado ponto do caminho, com a
mesma roupa antiquada. Bozzano elimina a hipótese da alucinação patológica
porque a vestimenta do Espírito vista por diferentes pessoas era sempre a mesma
e desconhecida de todas as testemunhas.
Em outro caso narrado por Robert Dale Owen em seu Iivro "The Debatable
Land" também não se trata de simples fenômeno de assombração, porque o Espírito
apresenta evidentes sinais que o identificam pessoalmente.
*
O caso nº 7 merece um relato mais pormenorizado, m vista das implicações
teóricas que Bozzano expõe depois de narrá-lo. Trataremos de resumi-lo, sem prejuízo do
conteúdo. A Sra. O'Donnell chegou a Brighton (lnglaterra) em 22 de março de
1898, em companhia da filha para passar alguns dias em repouso. Instalaram-se
numa pensão, em cômodos amplos e confortáveis. Eram excelentes as perspectivas
de tranquilidade e despreocupação mas, à medida que a tarde caia, uma
desagradável sensação de angústia começou a oprimir a Sra. O'Donnell. A noite,
quando se recolheu ao leito, adormeceu para acordar pouco depois sobressaltada
por uma terrível barulheira no andar superior. Teve a "impressão de que seu quarto estava cheio de
gente". Como o barulho durasse a noite toda, ela não conseguiu dormir,
e, pela manhã, exausta e nervosa, queixou-se à arrumadeira de que os hóspedes
do andar superior não tinham consideração alguma por ninguém, mas lhe foi
assegurado que os cômodos lá em cima estavam desocupados.
Durante o dia continuou a sentir-se deprimida e inquieta e, na
noite seguinte, repetiu-se o tumulto que novamente durou até a madrugada. No
terceiro dia, totalmente esgotada e insone, foi deitar-se às 23 horas, depois
de despedir-se da filha, que dormia no cômodo ao lado. Logo começaram os passos
no andar de cima, e, durante cerca de uma hora, ela continuou em estado de
tensão insuportável a contemplar a chama da lareira que havia feito acender.
- Depois - conta ela - senti necessidade de me virar e, então, com
um pavor inexprimível, percebi ao meu lado um espectro horrível que, com uma
das mãos, me indicava o quarto contíguo e com a outra apontava para mim, quase
me tocando.
Ao contrário da Miss Morton, a quem há pouco nos referimos, a Sra.
O'Donnell entrava em pânico facilmente. Escondeu a cabeça sob as cobertas,
tentando convencer-se de que aquilo era pura imaginação, mas ao olhar de novo,
lá estava o espectro.
Reunindo a coragem que ainda lhe restava, estendeu a mão, na
esperança, talvez, de que aquilo fosse realmente uma espécie de miragem, mas
tocou "uma coisa substancial". Qual não foi seu horror, no entanto,
ao sentir-se "agarrada pela mão gelada do morto"!
Diz ela que, a partir desse momento, de nada mais se lembra. Pela
manhã quando a filha veio vê-la havia perdido a voz, que, depois recuperou.
Para a quarta noite, trocou de quarto com a filha mas o fantasma
voltou. Cerca de meia-noite, ela viu-o abrir a porta, que estava fechada à
chave, e entrar. Era um jovem de pequena estatura, tez morena, maneiras
distintas e. tal como já o vira na noite anterior, tinha a roupa suja e em
frangalhos. Parecia mais um espantalho do que um ser humano,
Dessa vez ele falou:
- A senhora está ocupando agora o quarto do escocês?
Sorriu, amavelmente (diz ela) e voltou sobre seus passos, saindo
do quarto como havia entrado.
Na manhã seguinte, a pobre Sra. O'Donnell estava desesperada.
Embora a dona da pensão continuasse a negar que sua casa fosse assombrada, uma
investigação pela redondeza revelou que ali se suicidara há pouco tempo um
jovem, o que, aliás, a dona da pensão acabou confirmando. Tinha 24 anos, era
franzino, de pele morena e bem-educado. Sofria de bronquite crônica e estava
muito deprimido. Certa manhã declarou que se sentia melhor, mas, assim que se
encontrou sozinho, atirou-se pela janela e espatifou-se no pátio interno de
onde foi recolhido ainda com vida, sujo e com a roupa dilacerada como a Sra.
O"Donnell o vira. Era verdade, também, que no quarto ao lado se hospedara
um escocês, amigo dele. Daí sua observação à Sra. O'Donnell.
O caso foi minuciosamente investigado pela "Society for Psychical
Research" e comentado por Frederick Myrs. Descobriu-se que o jornal local
- "The Sussex Daily News” - anunciara realmente o suicídio de um jovem por
nome Walter Overton Luckman, na casa de número 58, à York Road, onde se
hospedara a Sra. O'Donnell com a filha.
Observou-se, também, que a moça nada ouvira de todo o barulho e
não viu fantasma algum, o que toma uma aparição eletiva, na classificação de
Bozzano. É certo também que ele conseguiu identificar-se nitidamente, materializar-se
o suficiente para agarrar a Sra. O'Donnell, falar com ela e dar-lhe uma
informação que ela não podia conhecer, ou seja, a de que ela estava dormindo no
quarto do escocês. Quanto ao fenômeno da porta, parece ter sido subjetivo, ou
seja, a porta não foi aberta de fato, mesmo porque fora encontrada depois
fechada à chave, como antes. Isso não quer dizer que, às vezes, os fantasmas
materializados não abram portas. Isso fazem, e deixam-nas abertas para
verificação posterior, produzindo, portanto, um fenômeno objetivo.
Pois, com tudo isso, Myers, que, aliás, aceita perfeitamente a
sobrevivência (veja-se sua obra clássica intitulada "Humann
Personality"), nega a objetividade da maioria das aparições, admitindo
apenas que, em certo número de casos, há "uma modificação qualquer no
espaço" onde se localiza o fantasma. Se entendo bem, isto quer dizer que
não se trataria de uma presença real do Espírito naquele ponto, mas de uma
"modificação no espaço", promovida talvez telepaticamente ou, como
diz ele, "no mundo metaetérico", e não no mundo da matéria.
Bozzano promete comentar a tese da manifestação telepática mais adiante
no livro, mas não deixa de fazer uma observação absolutamente válida e
pertinente: é que, em inúmeros exemplos, a aparição do fantasma é precedida por
uma impulsão mais ou menos irresistível de parte do percipiente para voltar-se
e olhar na direção onde se encontra o ser manifestado. Isso acontece, de fato,
nas manifestações que ele classifica como telepático-subjetivas, porque, mesmo
que o fantasma não esteja localizado num ponto específico do espaço físico,
como acontece nas percepções objetivas, a visão interior provocada por um
impulso telepático não se fixa no espaço físico como a manifestação objetiva de
um espírito materializado, ou pelo menos suficientemente provido de ectoplasma
para ser visto, simultaneamente, por várias pessoas, mas bem pode dar-se no
mundo metaetérico, com localização própria, a partir do impulso gerador.
Não e fácil, porém, remover a teimosia dos céticos, porque os
partidários da telepatia teorizam um pouco mais para dizer que, no caso de uma
percepção coletava, se todos veem o fantasma caminhar da mesma maneira e fazer
os mesmos gestos, ou dizer as mesmas palavras, isso se deve a que o agente
transmitiu aos percipientes as mesmas impressões mentais. Assim não é possível!
Na realidade, a teoria não encontra o menor apoio na bem
documentada experiência de inúmeros casos analisados, pois cada observador
percebe o fantasma "em plena correspondência
com as leis da perspectiva isto é, de frente, de perfil ou de costas, segundo a
posição que ocupe relativamente ao percebido, exatamente como acontece com as percepções objetivas."
A despeito disso, porém, Bozzano é de opinião que o problema da
objetividade ou subjetividade dos fantasmas está longe de ser resolvido, pois
as manifestações são, às vezes, algo desconcertantes pelo fato de conterem
elementos de uma e de outra forma concomitantemente. Um bom exemplo, como
vimos, é o próprio caso que acabamos de resumir. O fantasma é, ao mesmo tempo,
suficientemente objetivo para falar com a Sra. O'Donnell e até mesmo agarrá-la
pelo braço, e. no entanto, entra por uma porta fechada à chave que permanece
fechada, como depois se verificou.
Assombração: Um fenômeno Muito Sério – Parte 2
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB) Agosto 1976
Para o caso número 9, Bozzano informa que a "hipótese espírita é a única que se revela capaz
de explicar os fatos de modo satisfatório".
Vejamo-lo, em resumo. O fantasma de uma idosa senhora pequenina e
frágil é visto várias vezes, tanto pelas crianças como pelo pai, que, a princípio,
imponente e agressivo coma tantos incrédulos, acaba recebendo o Impacto de uma
visita do fantasma em seu gabinete de trabalho, a plena luz de gás. (Os
fenômenos passam-se em 1854, na Inglaterra e foram investigados minuciosamente
por Gurney, por conta da S. P. R.) A
dona da casa vê, além da senhora, o fantasma de um homem. Ouvem-se ruídos,
cantos, choro de um recém-nascido e gritos lancinantes.
Algo, porém, ainda intriga Bozzano: é a persistência das manifestações.
- Nada de mais misterioso no fenômeno de assombração - diz ele à pág.
92 - do que esse prolongamento através dos séculos, e, se é verdade que não
existem hipóteses naturalistas capazes de explicar o mistério, não se diria que
a tarefa houvesse de ser fácil para a hipótese espírita.
Essa persistência parece realmente embaraçar o eminente pesquisador
italiano, pois ele menciona-a em outros pontos de sua obra. Como o fenômeno da
assombração está, em sua esmagadora maioria, ligado ao problema da morte,
parece-lhe difícil admitir que o fantasma possa ficar durante tão largo tempo
preso a um determinado local, onde viveu, sofreu, foi assassinado, ou cometeu
algum crime, ou onde se encontram seus bens. No entanto, isso é indiscutível,
pois a fixação do Espírito desencarnado a certos locais está na razão direta da
intensidade daquilo que o próprio Bozzano classifica de monoideismo. Por anos e anos, e até por séculos, ele não consegue
pensar noutra coisa senão em seu drama íntimo, nas tragédias que viveu, nas vinganças
que pretende exercer, perambulando nos locais onde sofreu, alienado, fixado,
obcecado pelas suas angústias.
Tivemos disso um exemplo extremo, certa vez, na experiência mediúnica.
O Espírito manifestante ainda estava preso ao contexto da Roma dos Césares e,
diante de nós, orou a Diana, a Júpiter e a Apolo. Sentia, ainda a aflição respiratória
causada pela lança que o matara há séculos, e contou-nos, mais tarde, já em
melhor estado, que continuava preso àquelas ruínas, onde vagava atormentado
pelos impiedosos comentários dos turistas que visitavam aqueles locais onde ele
vivera e sofrera na inconsciência de muitas loucuras.
Para o Espírito desencarnado o tempo não conta como para nós, e não
está separado metodicamente em minutos, horas, dias, anos e séculos ou
milênios, e muitos são os que perderam de vista os pontos de referência que permitem
avaliar o deslocamento na direção do futuro.
*
Como disse e repito, é impraticável reproduzir e comentar todos os
notáveis casos relatados por Bozzano. Mesmo selecionando pouco mais de três
dezenas de episódios dos 532 que estudou, Bozzano escreveu mais de 300 páginas.
Vamos, pois, apenas mencionar alguns, como o caso em que a aparição
se reflete num espelho, outro em que, apesar de estar diante de um espelho, a
aparição não se reflete nele. Ou daquele outro, este entre vivos, em que um
jovem cochila na poltrona de um clube e "sonha" que chega à casa, abre
a porta e sobe a escada às pressas, a fim de vestir-se para o jantar. Ao subir,
volta-se e vê o pai que o contempla. Nesse ponto, desperta e, verificando que é
tarde, vai às pressas para casa, onde constata que seu pai havia assistido ao
seu "sonho" e sua mãe estranhou que ele tivesse passado à porta do
seu quarto sem cumprimentá-la, como de costume.
Bozzano arrisca uma classificação, a meu ver, inaceitável: clarividência
telepática em sonho. Mas não parece satisfeito com a sua própria teoria, e
propõe outra, dizendo; "a menos que desejemos considerá-lo como um caso de
“bilocação durante o sonho",
hipótese perfeitamente válida, pois, a meu ver, o Espírito do jovem
desprendeu-se e foi a sua casa onde foi visto pelo pai e entrevisto ou ouvido
pela mãe, pois também provocou efeitos sonoros ao abrir a porta e caminhar.
Há um caso semelhante passado na Escócia, onde uma senhora sonhava
constantemente com uma casa, sempre a mesma, que ela acabou conhecendo nos seus
mínimos detalhes. Tempos depois, o marido alugou uma casa e, quando trouxe a
esposa, esta reconheceu a casa dos seus sonhos. Há, porém, um aspecto ainda
mais curioso: a proprietária da casa reconheceu na sua nova inquilina o
espectro que vinha causando ali contínuos fenômenos de assombração.
- Ah! - diz a proprietária, ao vê-la - a senhora é a dama que assombrava
meu quarto de dormir...
Bozzano lembra que a telepatia não pode explicar este episódio.
Em outro ensejo, os fenômenos de assombração (ruídos, estrondos,
queda de objetos pesados, arrastamento de móveis) levam duas senhoras a realizar
uma pequena sessão mediúnica, na qual o Espírito manifestante diz apenas que se
trata de uma advertência e declara, tudo pela tiptologia, chamar-se Lewis. No dia
seguinte, os jornais noticiam que um homem desconhecido foi morto por um trem.
Alguém informa depois, a uma das senhoras que conheceu o morto e que ele se
chamava Lewis. Três dias depois do acidente, em nova sessão, ele se manifesta
novamente e diz que não pudera ter sossego enquanto não identificaram seu
cadáver.
Em caso ocorrido na Itália, dois amigos combinam uma forma de manifestação
post mortem como, por exemplo,
quebrar alguma coisa na sala em que conversam, como a luminária que pende sobre
a mesa. Se o dono da casa morrer primeiro, ele irá à casa do outro fazer coisa
semelhante. Como combinado, morre um e vem quebrar o objeto com "golpes secos, de um timbre especial, como se
provocados pelas juntas dos dedos da mão". Bozzano opina que a experiência
possui o valor de uma prova de identificação espírita, tendo sido realizada "conforme a promessa feita pela entidade
comunicante”, quando viva, ou seja, encarnada. Neste, como em tantos outros
exemplos, a teoria telepática é inaceitável, pois a “mensagem” seria incapaz de quebrar um objeto sólido. Ficamos, pois,
com "a intervenção direta e a
presença real da entidade comunicante", como diz Bozzano.
Ao conclui
esta longa exposição e análise dos casos apresentados, dos quais oferecemos apenas
uma discricionária amostragem, Bozzano declara ter provado o seguinte:
1) Que
todas as formas de manifestações características de fenômenos de “assombração propriamente dita" são
idênticas nos fenômenos de telepatia entre vivos".
2) que, analisando os casos de “telepatia entre vivos", se descobre
a via de transição pela qual os fenômenos telepáticos se transformam em casos
de "assombração propriamente dita";
3) que disso ressalta evidente a origem
comum dos dois tipos de fenomenologia e, por conseguinte, que os fenômenos de
"assombração propriamente dita"
podem ser, em grande parte, explicados pela teoria 'telepático-espírita";
4) que os automatismos dos fantasmas assombradores
encontram perfeita correspondência, nos automatismos dos "fantasmas telepáticos" o que confirma,
ulteriormente a origem telepática dos primeiros e refuta a opinião daqueles
que, ante o fato do automatismo, concluem pela inexistência de ligações causais
entre defuntos e fantasmas;
5) que os fenômenos telepáticos ensinam-nos que o
automatismo dos fantasmas depende do fato de que frequentemente o agente ignora
que transmite ao percipiente a visão de seu próprio fantasma donde deriva logicamente
que as andanças automáticas correspondente a dos fantasmas assombradores
deveriam ser atribuídas à ação do pensamento inconsciente dos defuntos que se
manifestam;
6)
que as formas de manifestação tão frequentemente vulgares e absurdas das duas
espécies de fenomenologia explicam-se pelo fato de que mais comumente eles
procurem o "curso de menor resistência"
percorrido pela mensagem supranormal para saltar do subconsciente para a consciência
ou, também, para se projetarem sob forma objetiva, o que nos levaria a dizer
que as manifestações de assombração não tem senão um valor de anúncio ou lembrança,
com que os defuntos se esforçam por atrair a atenção dos vivos;
7)
que a teoria e as regras expostas, como todas as regras e todas as teorias, não
são absolutas, mas relativas, e comportam numerosas exceções.
Muito teríamos a comentar aqui mas
receio que o artigo se prolongue demais, especialmente sobre a brilhante e irrefutável
análise crítica que o autor faz a seguir das teorias de Podmore. Não resisto à
imposição de citar algumas frases: não é
lícito nem lógico converter em “regra” uma “exceção", para, em seguida,
servir-se dela a fim de explicar fenômenos de assombração e negar as
manifestações dos defuntos em geral.
Logo adiante, ao iniciar o capítulo 5,
declara o ilustre autor que não é
possível aplicar tais conclusões (anteriormente esboçadas e aqui reproduzidas)
aos fenômenos de assombração sem lançar
mão da hipótese espírita...
Ou, ainda à página 149: não
há razão para não admitir que um "espírito desencarnado" não esteja sujeito
às mesmas leis psicológicas que um "espirito encarnado" e, por consequência,
que não haveria motivos para não admitir que, desde que a consciência de um
agonizante esteja perturbada por emoções ou preocupações ansiosas, ele não
pudesse constituir certas formas de "monoideísmos post mortem" análogas
às a que estão sujeitos os vivos. Daí os fenômenos de assombração.
A tese de Bozzano aqui é a mesma defendida alhures no seu
magnífico livro “Animismo ou Espiritismo?” (edição da FEB), ou seja, a de que
os Espíritos desencarnados podem provocar fenômenos idênticos ou semelhantes
aos que produzem os encarnados, pois o animismo confirma o Espiritismo.
É preciso deixar bem claro que ele chama de monodeísmo post mortem às fixações do Espírito
desencarnado que leva anos ou séculos a pensar
repetidamente, obsessivamente, as mesmas ideias, a evocar as mesmas lembranças, a revolver as mesmas cenas, a sofrer as mesmas dores.
Assombração: Um fenômeno Muito Sério – Parte 3
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB) Agosto 1976
Com o capítulo 6 penetramos pelo fascinante domínio da
psicometria, que Bozzano considera como uma das hipóteses dignas de
consideração no estudo dos fenômenos de assombração, em alguns casos
específicos. Veremos isso.
Sempre preocupado com o espaço, creio desnecessário recapitular
aqui as noções acerca da psicometria, questão, aliás, tratada pelo próprio
Bozzano em um dos seus muitos trabalhos, também editado pela FEB, sob o título
"Os Enigmas da Psicometria".
Lamenta o autor a impropriedade do termo psicometria, mas reconhece que ele está de tal forma implantado que
seria prejudicial recomendar outro. Diz mais: que o fenômeno se reporta - se
bem que com ligeira diferença - ao que os ocultistas chamam de "clichês
astrais", os teósofos, de "impressões akásicas", e Myers, de
"telestesia retrocognitiva", e, outros pesquisadores, de
"persistência das imagens".
- Segundo a hipótese da psicometria - escreve Bozzano -, a matéria
inanimada teria a faculdade de registrar e conservar em estado potencial toda
sorte de vibração e emanação física, psíquica e vital, da mesma forma que a
substância cerebral possui a propriedade de registrar e conservar em estado
latente as vibrações do pensamento.
Haveria, pois, além da memória cerebral, uma espécie de memória
cósmica que documentaria, como num vídeo tape, os acontecimentos verificados
pelo universo afora. Acha Bozzano que a analogia é perfeita e que nada do ponto
de vista científico, como as leis físicas ou fisiopsíquicas formuladas pela
ciência, contrariam a hipótese.
O tema é deveras atraente e se presta a pesquisas e especulações
que raiam pelo campo da ficção científica. A impressão que se tem é a de que este
setor do conhecimento humano, ainda pouco explorado, guarda surpresas
espetaculares em que teremos de nos haver com os próprios e misteriosos
mecanismos do tempo. Mas isso é outra história.
Lembra Bozzano as especulações de Paracelso, Schopenhauer e
Fechner sobre o assunto, e, de maneira mais específica, o Dr. Buchanan e seu
discípulo Dr. Denton, que, com a esposa deste, fizeram interessantíssimas
experiências, relatadas no livro "The Soul of Things" ("A Alma
das Coisas") e em "Nature's Secrets or Psychometric Researches"
("Segredos da Natureza ou Pesquisas Psicométricas").
Recorda, a seguir, a hipótese formulada por Monsenhor Benson (publicada
em "Light", de 1912, pág. 460), segundo a qual as tragédias, como um
assassinato, impregnariam a substância das coisas materiais com vibrações de
intensa emotividade emanadas das violentas cenas ali desenroladas, o que
possibilitaria a visão posterior naqueles locais por pessoas dotadas de
sensibilidade apropriada. Embora reconhecendo a força da hipótese, que é a da psicometria, ainda que não com esse
nome, Bozzano declara-a insustentável, dado que existem inúmeros episódios aos
quais ela não se adapta, e uma hipótese somente é aceitável quando nela cabem
todos os fatos da mesma natureza.
Há, no entanto, algumas experiências curiosas que parecem
justificá-la. Uma delas foi narrada à Sociedade Biológica de Paris, em 10 de
fevereiro de 1894, pelo Dr. Luys.
Andava ele experimentando com uma espécie de coroa de aço imantada
que colocava na cabeça de pacientes seus em estado de hipnose. A coroa
circundava o crânio, deixando livre a região frontal. Certa vez, uma coroa fora
utilizada na cabeça de uma mulher em estado de profunda melancolia, com ideia
de perseguição, agitada e com tendência ao suicídio. O tratamento foi realizado
cinco ou seis vezes com a referida senhora, e, em vista das melhoras que ela
apresentou, o Dr. Luys deu-lhe alta após dez dias. Cerca de duas semanas depois
ele colocou a mesma coroa na cabeça de outro paciente, um homem que sofria
crises frequentes de histeria e letargia. Qual não foi sua surpresa ao
verificar que o seu paciente, em estado sonambúlico, queixava-se dos mesmos
sintomas da senhora que ele tratara anteriormente. Falava de si mesmo como se
fosse do sexo feminino e mencionava perseguições, assumindo, enfim, a
personalidade da doente que lhe precedera no uso da coroa imantada.
O Dr. Luys conclui que a coroa teria "conservado a lembrança
de seu estado anterior". Embora ele afirme ter reproduzido esse fenômeno
muitas vezes, por vários anos, com esse paciente e outros, não me parece muito
conclusivo o seu trabalho. Não é de se desprezar a hipótese de que o homem,
tido por histérico, com crises constantes de letargia, não fosse mais do que um
médium a incorporar o mesmo espírito que se apossara da mulher doente, caso em
que a coroa imantada seria apenas um suporte material da manifestação. É
preciso, no entanto, evitar especulações ociosas com base em fatos escassamente
documentados. De qualquer forma, não é fora de propósito a teoria de que os
espíritos se ligam por tempo indeterminado a certos objetos ou locais, pois isso
constitui a verdadeira essência do fenômeno de assombração.
Um caso desses é relatado por Katharine Bates, em seu livro
"Seen and Unseen" ("Visível e Invisível").
Miss Bates hospedou-se numa pensão à Rua Trumpington, número 35,
em Cambridge, em maio de 1896, e, embora estivesse viajando com uma amiga,
ficou só por uma noite, pois a amiga fora a Shelford. Naquela noite, duas vezes
durante a semana, ela teve o mesmo sonho, no qual lhe aparecia com insistência
um homem que em tempos idos tivera com ela um profundo envolvimento emocional e
que agora vinha queixar-se por não tê-lo permitido esposá-la. Ela despertava
angustiada e, ao readormecer, o mesmo homem lá estava a queixar-se dela. O
quarto parecia realmente assombrado. Miss Bates pôs-se tenazmente a investigar
o caso, pois seu antigo amado havia estudado em Cambridge durante dois anos.
Parecia, no entanto, algo fantástico que após 28 anos, em visita à cidade, ela
fosse hospedar-se no mesmo quarto que ele ocupara então. E, no entanto, isso
era estritamente verdadeiro, como ela apurou por processos que seria longo
relatar aqui.
Mesmo assim, não sei se o episódio pode ser explicado como um
fenômeno de psicometria. Acho que não, pela simples razão de que ela não vê ali
o desenrolar de cenas que teriam ocorrido, como se o ambiente guardasse a
memória dos acontecimentos, como é da essência do fenômeno psicométrico, mas,
sim, ela vê, em sonhos - ou seja, desdobrada pelo sono - um ser humano que a
censura por não ter concordado em casar-se com ele. Encontra-se ele, pois, num
contexto atual, a reclamar de um evento passado, ocorrido há muito tempo. Ao
que parece, o antigo namorado - que ela não esclarece se estava encarnado ou
não à época do "sonho" - aproveitou a oportunidade de estar a sua
amada em local no qual viveu para interpelá-la. Honestamente, não vejo aí as
características da psicometria.
O caso seguinte, é relatado pela Senhora Denton, num dos seus
livros já mencionados.
Aguardava ela, em companhia do marido e dos filhos pequenos, um
trem que os levaria à cidade de Peru, no Estado de Illinois, nos Estados
Unidos. Quando o trem parou, uma voz gritou aos passageiros, alertando-os de
que dispunham de 20 minutos para jantar, e eles se precipitaram para a
plataforma. Ela apanhou as crianças pela mão, enquanto o marido cuidava da
bagagem. Grande foi sua surpresa ao ver que, ao contrário de sua expectativa, o
vagão estava ainda cheio de gente. "Muitos passageiros - diz ela -
continuavam sentados e imóveis como se lhes fosse indiferente acharem-se naquela
estação, enquanto que muitos outros se preparavam para descer. Quanto a estes,
eu os via confusamente."
No entanto, ela vira, pouco antes, todos descerem para jantar!
Estava disposta a procurar outro vagão, quando observou que as figuras imóveis
nos bancos começaram a se desfazer, deixando-a ainda com tempo para observar
fisionomias e detalhes de suas vestes. Quando os companheiros de viagem
voltaram do jantar, ela pode conferir algumas faces e as mesmas roupas que já
havia visto.
Que se passou aqui? A hipótese da Sra. Denton é perfeitamente
cabível. Ela acha que uma pessoa imobilizada durante algum tempo, no mesmo
local, irradia em torno de si uma "espécie de fluido que, de alguma sorte,
fixou-se na atmosfera e aí imprimiu sua imagem".
Isto parece confirmado por pesquisas recentes que, por meio de
filmes especiais, conseguem obter fotografias ainda algo imprecisas mas
suficientemente nítidas para mostrarem o contorno de figuras humanas que não se
acham mais no local fotografado.
*
Os dois episódios seguintes, embora reproduzidos no capítulo
dedicado à hipótese psicométrica, são extremamente complexos do ponto de vista
teórico, como o próprio autor reconhece.
O primeiro foi narrado à Sra. Sidgwick, em documento datado de 7
de fevereiro de 1882, por uma das testemunhas oculares dos fatos.
A narradora havia ido à igreja da sua pequena cidade em companhia
de uma irmã e da empregada. A cerração
velava um tanto a visão das coisas mas a lua aparecia circundada por um halo.
Ao regressar a casa, depois da cerimônia religiosa, a narradora viu que uma
pessoa caminhava em sua direção com a respiração sibilante. Aliás, ouviram-na
mesmo antes de vê-la. Ela passou ao lado da irmã, e seguiu em frente. Pouco
depois ela distinguiu outra pessoa que caminhava atrás de sua irmã, sem
produzir o menor ruído ao caminhar. Como a irmã não a havia notado, ela
puxou-lhe a manga e sussurrou-lhe, já algo assustada:
- Deixa esse homem passar.
Enquanto dizia isso, viu o homem "desaparecer no corpo"
de sua irmã. Embora caminhassem as três juntas, lado a lado, as outras não
viram o homem, mas, ao cabo de alguns instantes, começou desenrolar-se, diante
dos olhos atônitos das três, um espetáculo inesquecível e fantástico. A rua
povoou-se instantaneamente de figuras apressadas: homens, mulheres, crianças e
cães que se entrecruzavam, surgindo de todas as direções, e desaparecendo
misteriosamente nas margens da estrada. Alguns vinham sós, outros em grupos,
mas nenhum deles produzia o menor ruído, e todos se apresentavam com aquela
mesma cor cinzenta que envolvia toda a paisagem, e desapareciam nas margens da
estrada cobertas por uma vegetação rasteira. Com frequência, porém, as formas
humanas sumiam também ao penetrar o corpo de uma das senhoras; enquanto outras
pareciam surgir das margens da estrada para juntarem-se ao estranho e
silencioso movimento. A medida que prosseguia a caminhada das três, renovava-se
a multidão de seres. Alguns destes atravessavam-nas e ressurgiam do outro lado,
seguindo sempre seu inexplicável destino. As formas eram de pequeno porte,
quase anãs, exceto uma delas, que era de um homem de elevada estatura e que
caminhou o tempo todo ao lado delas. As vestimentas dos homens eram antigas,
bem como o penteado das mulheres, os xales, os casacos, as saias amplas. Para
certificarem-se daquela fantasmagórica realidade, as mulheres começaram a
trocar impressões em voz baixa, conferindo assim as visões. Quando uma delas
apontava para um homem, por exemplo, as outras duas viam também um homem tal
como descrito e assim por diante. O ar, acima, estava relativamente claro e os
fantasmas caminhavam todos com os pés no chão, como gente normal. Em mais de
uma oportunidade, viram dois homens estranhíssimos que traziam em torno do
rosto uma auréola cintilante e que as encaravam com olhar zombeteiro. Um deles
era uma figura repugnante, insuportável até de olhar-se. Enquanto isso tudo
sucedia, o homem maior caminhava impassível ao lado delas, sem uma palavra, um
ruído, nada. Os outros vultos continuavam a se entrecruzarem e a se perderem
nas sombras do caminho. Se elas apressavam o passo, ele também o fazia, nunca,
porém, voltando os olhos para elas. Ao chegarem à alameda que conduzia à casa
onde moravam, as visões desapareceram, exceto a do homem grande.
- Tinha ele – escreve a narradora – um aspecto diferente dos
outros fantasmas e era extremamente repugnante. Caminhava de maneira
característica e era duas vezes maior do que os demais. Dir-se-ia que tinha um
objetivo determinado, o que não parecia ocorrer com os outros fantasmas.
Ao entrarem pelo caminho que levava à casa delas, o fantasma do
homem grande seguiu pela estrada, para imenso alívio das pobres e assustadas
senhoras, passando por elas com o seu passo medido e firme.
- Quando nos viramos para olhar pela última vez, era ele a única
forma visível.
O documento foi atestado pela irmã da narradora e minuciosamente
investigado pela S.P.R. inglesa.
*
Como afirma Bozzano, o episódio é "muito curioso" e
profundamente embaraçante, dado que nenhuma hipótese conhecida consegue
explicar todo os fenômenos testemunhados. Trata-se de uma visão coletiva,
desenrolada “cinematograficamente”, como dizia Bozzano, o que torna a hipótese
alucinatória “absolutamente insustentável”, pois, ao se entrecruzarem de um
lado para outro, mostravam-se às observações sob ângulos diferentes a cada uma.
A hipótese psicométrica não tem melhor sorte, em vista da ação
caótica da multidão fantasmal, mas principalmente porque não poderia explicar,
como lembra Bozzano, as estranhas figuras com os rostos faiscantes, a estatura
quase anã de praticamente todos eles e o comportamento do gigante que caminhou
ao lado das testemunhas o tempo todo, ao contrário dos outros, que pareciam caminhar
a esmo. Ao passo que o fenômeno psicométrico é, em essência, um “replay” de
acontecimentos passados, de cujas vibrações impregnou o local ou o objeto que
os presenciaram, há na manifestação, há pouco narrada, fenômenos
incompreensíveis dentro da hipótese, como as figuras envolvidas em fagulhas, ao
mesmo passo em que o caminhar deliberado do fantasma grande, ao lado das
senhoras, implica, obviamente, uma ação presente e não passada.
A hipótese telepática também não serve, porque as dificuldades de
acolher todos os pormenores são intransponíveis.
Diante disso, Bozzano não se arrisca a uma formulação teórica, e o
caso permanece inexplicável.
Assombração: Um fenômeno Muito Sério – Parte 4
Hermínio
C. Miranda
Reformador (FEB) Agosto 1976
O outro caso, para o qual ele
(Bozzano) propõe, mesmo antes de resumi-lo, a
hipótese psicométrica, combinada com a que ele chama de “telepático-espírita", é não menos
complexo nem menos fascinante do que as experiências anteriores.
O episódio tem sido mencionado com frequência na literatura espírita
e consta in extenso do livro "An Adventure" ("Uma
Aventura"), publicado em Londres, em 1911, pela editora Macmillan. A obra
foi escrita pelas suas duas protagonistas sob os pseudônimos de Elizabeth
Morison e Frances Lamont, e despertou o mais vivo interesse do público e da
imprensa à época, em longos trabalhos especulativos, como no sisudo
"Times", no "Mornlng Post" e no "Daily Telegraph".
As duas jovens inglesas foram, em agosto de 1901, a Versailles
pela primeira vez, e, de lá, ao Petit Trianon, onde contemplaram cenas e
paisagens com personagens que não existiam mais, e que, no entanto, haviam existido
à época da Revolução Francesa.
Somente uma semana após a fantástica experiência é que as duas
moças começaram a desconfiar de que havia algo estranho na visita ao famoso
palácio, mas levaram três meses para se convencerem da sua realidade.
Empenharam-se, daí em diante, numa pesquisa histórica das mais meticulosas para
reunir todos os elementos de que necessitavam para documentar os fatos que presenciaram.
Somente ao cabo de 9 anos de estudos sentiram-se em condições de escrever o
livro... Como eram filhas de sacerdotes da Igreja Anglicana, não estavam habituadas
a práticas espíritas nem a pesquisas metapsíquicas, muito embora tenham demonstrado
com a notável experiência que viveram, evidentes dom mediúnicos. Estavam, no
entanto, bem preparadas intelectualmente para a tarefa nada fácil de relatar
com fidelidade o caso, em narrativas independentes, sumarizadas três meses após
os fatos observados. A essência do episódio, não obstante, já havia sido fixada
dentro de uma semana, em carta que Miss Morison escrevera a uma de suas amigas.
- Vamos tentar um resumo, com base no relato de Miss Morison.
Após visitarem Versailles, as duas decidiram ir também ao Petit Trianon.
Parece que, nesse ponto, mergulharam no passado. Dirigiam-se a dois guardas de
aspecto sombrio e preocupado, vestidos de libre verde e com chapéus tricórnio,
para pedir informações e seguiram caminhando e conversando animadamente. De certo
ponto em diante, porém, Elizabeth Morison começou a experimentar inexplicável e
crescente sensação de opressão. No ponto em que a trilha que seguiam cruzava outra,
encontraram-se diante de um pequeno bosque à sombra do qual havia um quiosque circular
e uma cascata.
Ao lado dessa pequena construção estava um homem sentado. Não havia
ali bonitos gramados nem belas árvores; o chão estava coberto de mato e folhas
mortas. As árvores pareciam sem vida, como as de um cenário de teatro. A inexplicável
sensação de opressão intensificou-se quando o homem fixou nelas seu olhar.
Tinha um “ar” repugnante, a expressão de “ódio", a aparência rude.
Enquanto e decidiam por que caminho seguir ouviram ruído de alguém que corria
desabaladamente pela trilha, mas, voltando-se, para ver do que se tratava, não
viram ninguém; notaram, porém, atrás delas, outro homem, este de aparência distinta,
alto, olhos grandes, cabelos encaracolados, chapéu de abas largas. Elas o acharam
multo belo e semelhante a uma gravura antiga. Estava, extremamente excitado e
se dirigiu a elas em alta voz, dizendo que não era preciso passar por lá. E
estendendo o braço, acrescentou com vivacidade:
- Por que aqui? Procurem a casa.
Miss Morison não podia atinar com os motivos de tanta excitação no
jovem e simpático cavalheiro, mas como o roteiro indicado por ele coincidia com
o que ela havia escolhido, elas seguiram em frente.
O desconhecido ainda as olhou "com um estranho sorriso".
Quando ela virou-se para agradecer, o homem havia desaparecido. Ao se aproximarem
da "casa", indicada pelo informante, ou seja, o "Petit Trianon",
as moças viram outra figura humana (Maria Antonieta?);
- Sentada sobre a relva, de costas para o terraço, havia uma
senhora ocupada em olhar atentamente um cartão que segurava com o braço
estendido. Supus que ela se divertia fazendo um esboço do grupo de árvores que se
encontrava diante dela. Quando passamos por ela, ela virou-se para nos olhar.
Não era muito jovem, e, a despeito de ser bonita, não me atraiu.
Segue-se a descrição dos trajes da senhora com as minúcias de que
somente outra mulher é capaz. Eram roupas completamente fora de moda.
Persistiam as estranhas sensações, especialmente intensificadas
depois que as jovens subiram para o terraço onde Elizabeth Morison teve a impressão
de "encontrar-se num ambiente de
sonho." Reinava ali um silêncio mortal que lhes parecia opressivo e
anormal. Novamente olhou para a senhora sobre o gramado, agora de costas, e
observou que seu vestido era verde-pálido. Quando atravessavam o terraço,
abriu-se uma porta e por ela saiu um jovem que a fechou em seguida com certo ruído.
Tinha as maneiras desenvoltas, mas não se vestia de libré. Dirigiu-se as moças
e deu as indicações de que elas precisavam para encontrar a "Cour d’honneur” do palácio.
- Quando chegamos à soleira - escreve ela - reencontramos subitamente
nosso bom humor.
Agora, algumas observações necessárias: nenhuma das pessoas vistas
existia, bem como uma parte considerável da paisagem, inclusive o quiosque e a
cascata diante da qual haviam parado para falar com o primeiro informante, o
belo cavalheiro distinto. O mais estranho, porém, é que os jardins do Petit Trianon
estavam àquela hora abertos à visitação pública e, por certo, animados pelas
vozes e risos de muitas pessoas que caminhavam pelas aleias. Em suma: as moças
viam o que não existia e não viam o que existia em torno delas.
Segue-se uma longa é cuidadosa análise de Bozzano que acrescenta
outros pormenores à fascinante narrativa de Miss Morison.
- Foram necessários nove anos – escreve Elizabeth Morison - de laboriosas
pesquisas para acumular os dados que demonstram as peculiaridades da nossa experiência,
justificando nossa convicção de que, do momento em que colocamos o pé à soleira
do Trianon, caminhamos sobre terreno encantado.
Como explicar tudo isso, de uma realidade inegável? Seria uma transmissão
telepática do espírito sobrevivente de Maria Antonieta, como parece admitir a
autora? Um fenômeno psicometria durante o qual as jovens sensitivas
desentranharam daqueles locais as esquecidas, mas indeléveis vibrações de um dramático
passado? Como explicar, porém, ante essas duas hipóteses, o fato de que elas se
encontraram com pessoas que as olharam, deram indicações precisas sobre
roteiros a seguir? E o aspecto algo artificial das árvores da primeira cena?
O professor Hyslop, citado por Bozzano, após analisar o caso,
conclui tratar-se de uma nova ilustração
da possibilidade para os vivos de tomarem conhecimento de fatos ocorridos num passado
distante, e isto, provavelmente, em virtude de “ligações telepáticas com os defuntos”
interessados nos acontecimentos em questão.
Bozzano conclui observando que esse parágrafo contém a hipótese telepático-espírita
que tenho defendido neste livro e que se prestará, sem dúvida alguma, a explicar
os fatos de maneira bastante mais satisfatória.
Para Bozzano, a coisa parece tão óbvia por si mesma que se dispensa
do trabalho de demonstrar a futilidade de hipóteses formuladas por eminentes
autores como Willian James e Théodore Flournoy (1), que se prevaleceram da psicometria, certos de que ela seria capaz
de explorar todas as manifestações supranormais de ordem inteligente, de modo a
substituir ou, pelo menos, a tornar supérflua a necessidade de recorrer às intervenções
espirituais.”
(1) Ver, sobre Flournoy, o artigo “Das índias ao Planeta Marte”,
Reformador e novembro de 1972
Na segura
observação do meticuloso pesquisador italiano, os ramos da metapsíquica são
ligados entre si por um elemento causal comum, de sorte que a hipótese que não
resolve os mistérios de um deles não resolve em nenhum deles.
Resta, ainda, um longo capítulo sobre fenômenos de poltergeist, que se estende da página
209 à 294, Bozzano inicia sua exposição com uma longa teorização, uma vez mais
lembrando que, embora o fenômeno se apresente sob forma objetiva ou mediúnica,
a classificação geral das manifestações supranormais entre objetivas e
subjetivas é meramente convencional, dado que, na maioria das vezes, os
fenômenos observados não se prestam nitidamente à separação numa ou noutra
forma. Diria, pois, que uns seriam manifestações predominantemente telepáticas
e os outros predominantemente mediúnicas, mas que, "no fundo, a inteira fenomenologia é uma só".
Os fenômenos de poltergeilt
em tanto à noite como durante o dia, “parecem
ser regulados por uma forma qualquer intencional que se concretiza, às vezes,
em uma personalidade oculta capaz de entrar em ligação com os assistentes”.
É possível, por isso, dialogar com tais personalidades por meio de um código convencionado
- batidas, sinais etc. - e com frequência se percebe que elas são capazes de
ler o pensamento dos assistentes. Os fenômenos, por outro lado, estão sempre relacionados
com a presença de um sensitivo, mais frequentemente uma jovem adolescente, às
vezes, um rapazinho.
Acresce que, devido a certa espetaculosidade, que é da própria essência
do fenômeno, os casos de poltergeist
rapidamente viram noticia e começam ao ser investigados, quase sempre, por
equipes policiais despreparadas, voltadas apenas para a ideia fixa de apanhar o
"engraçadinho" que se empenha em promover aquelas "brincadeiras
de mau gosto". Enquanto isso, o público leitor que segue as notícias aceita
a versão policial e sorri com superioridade daqueles que se dedicam, em seriedade,
a pesquisar as causas do fenômeno. De certa forma, porém, esse quadro tem seus
méritos, porque, a despeito de toda a vigilância e interesse em apanhar o autor
das proezas, os fenômenos continuam a ocorrer e acabam por ficar muito bem documentados
nos relatórios da polícia, e nas reportagens sensacionalistas.
Outra característica do fenômeno - lembra Bozzano, é a sua grande
uniformidade, "que se mantém em
todos os tempos e em todos os lugares". Distinguem-se dos fenômenos
normais de assombração por serem de curta duração, enquanto que aqueles, às
vezes, duram séculos. Parece também haver neles uma causa local, além de mediúnica,
pois frequentemente eles cessam quando se afasta o médium. Como muito bem observa
o eminente cientista italiano, as manifestações são nitidamente intencionais.
Inúmeros fenômenos parecem indicar uma clara intenção de criar dificuldades a fim
de assustar e acabar expulsando de uma casa os habitantes que os desencarnados
parecem considerar como intrusos.
É fácil de compreender tais disposições em seres que desencarnaram,
mas não se desprenderam da paixão da posse de seus bens e continuam "do lado de lá" a se sentirem donos
de suas casas e dos objetos e móveis com os quais conviveram. Por isso, o
fenômeno é localizado.
Cabe referir, ainda, que Bozzano lembra aqui também a possibilidade
de tais ocorrências resultarem não apenas de manifestações essencialmente espíritas, como também anímicas, o que as levaria à classificação
de fenômenos de telecinesia, na
terminologia parapsicológica. Uma hipótese não exclui a outra, porque elas se
completam e podem até coexistir. Em outras palavras: se o Espírito desencarnado
é capaz de provocar efeitos físicos, o Espírito encarnado também pode fazê-lo.
Creio, porém, que não se deve atribuir demasiado valor às condições
locais, como se elas pudessem predominar até sobre a própria condição da mediunidade
ou seja, como se pudessem ocorrer fenômenos de efeito físico sem a presença de
alguma forma de mediunidade específica.
A coletânea de fenômenos de poltergeist
bem observados e bem documentados é muito grande, respeitável e mesmo indiscutível,
exatamente por ser um tipo de manifestação amplamente conhecido através do
tempo, em inúmeros locais, sob as mais variadas condições. O comportamento dos
corpos materiais, no bojo dessa interessante fenomenologia, é totalmente incompreensível
se nos amarrarmos inarredavelmente às leis conhecidas da física. Objetos
sólidos pesados, como pedras, talheres e pratos, por exemplo, descrevem
trajetórias totalmente inabituais, param no ar, deslocam-se em linha ondulada e
ou quebrada, aceleram ou diminuem velocidade da queda, parecem surgir do nada,
caem abundantemente em torno de várias pessoas sem ferir ninguém (às vezes ferem
deliberadamente também). Enfim, uma gama enorme de efeitos surpreendentes
somente explicáveis se admitirmos que forças conscientes manipulam tais objetos
com um fim deliberado. As manifestações são às vezes acompanhadas de vozes, de
sons, de música, de gritos, de risos, como também ocorrem em desrespeito às
leis de propagação do som. Corpos sólidos atravessam outros corpos sólidos, sem
rompê-los. As pedras e objetos comumente apresentam-se mornas ou extremamente
quentes como se tivessem passado por um violento processo de desintegração e reintegração,
à custa de incalculáveis dispêndios de
energia física.
Resisto bravamente ao impulso de reproduzir alguns casos interessantes
de poltergeist relatados por Bozzano,
a fim de não prolongar ainda mais este artigo, mas não posso deixar de referir
dois dos mais interessantes e bem documentados, ambos, aliás, recolhidos pelo
eminente pesquisador russo Alexandre Aksakof.
O primeiro foi incluído em um livro de Aksakof sob o título de
"Os Precursores do Espiritismo nos
últimos 250 Anos". O caso passou-se numa pequena cidade russa e, por
se ter desenrolado num imóvel de propriedade do governo, foi minuciosamente e
escrupulosamente investigado e posteriormente relatado em documentos oficiais.
Em janeiro de 1853, um certo Capitão Jandachenko comandava um
destacamento milltar em Lipsty, residindo com a esposa numa casa de 4 cômodos,
cedida pelo governo local ao comandante da unidade. Além do casal, moravam na
casa duas empregadas e três soldados, um dos quais era o ordenança do capitão.
Em 4 de janeiro, a coisa começou. Quando os servidores apagaram a
luz, para dormir, ouviram-se várias batidas, enquanto alguns copos de madeira
foram atirados em várias direções, na cozinha.
Quando a luz se acendeu novamente os objetos continuaram a voar
daqui para lá, movendo-se, no entanto, quando ninguém os olhava.
No dia seguinte, o capitão procurou o sacerdote local para contar
o ocorrido, e, no dia 6, o sacerdote lá foi à casa com alguns acólitos. Logo ao
entrar, uma pedra precipitou-se no corredor. Em seguida, uma terrina cheia de
sopa caiu-lhe aos pés, embora - diz ele - eu estivesse rodeado pelos acólitos
munidos de ícones. (1)
(1) o ícone é uma Imagem ou um quadro representando o Cristo, a
Virgem ou algum santo da Igreja ortodoxa grega ou russa.
Ouviram-se, depois, várias batidas. O capitão acrescentou que, ao
ser aspergida a água benta, uma acha de lenha destacou-se da pilha e foi
lançada com grande estrépito sobre a porta.
Outro sacerdote que visitou a casa, dias depois, assistiu a nova série
de fenômenos, como o de uma garrafa de verniz que voou pelos ares e
espatifou-se na porta do corredor. A garrafa, segundo testemunho do capitão,
estava fechada a chave num armário do salão.
A exibição não desanimou os bravos sacerdotes. Voltaram no dia
seguinte com o que o autor da narrativa classifica de "artilharia
pesada" de seu ministério, reforçados com um terceiro padre, muitos acólitos,
numerosos ícones e, naturalmente, nova provisão de água benta. Seria um ritual
religioso dos mais completos e solenes.
Mal começaram, uma pedra estilhaçou o vidro da janela da cozinha.
Depois disso, um pedaço de pau e um balde d’água levantaram voo a partir da
cozinha e a água do balde derramou-se à vista dos pobres sacerdotes. O pior,
porém, aconteceu quando uma pedra, vinda não se sabe de onde, precipitou-se,
sem a menor cerimônia, dentro da vasilha que continha água benta! A água foi
aspergida com certa pressa e os sacerdotes trataram de abandonar prudentemente
a casa, deixando seus assustados moradores entregues à própria sorte.
Os fenômenos continuaram, a despeito de outro ritual de exorcismo
requisitado pelo aturdido capitão. No dia seguinte ao do exorcismo, o leito em
que dormia o casal pegou fogo. E enquanto eles o apagavam de um lado, o fogo
recomeçou do outro. Ao mesmo tempo, dois pedaços de tijolo chocavam-se
continuamente contra a janela, reduzindo quatro vidros a cacos.
Nessa altura, o capitão resolveu abandonar a casa, mas tentou,
antes, um quarto exorcista que parece ter obtido algum êxito, porque os
fenômenos se reduziram por algum tempo a certos gemidos lúgubres. Ao cabo de
alguns dias, tudo recomeçou. Dia 22 o capitão convidou vários amigos e os
fenômenos se realizaram na presença de todos. O ordenança, soldado Vasil, foi
ferido ligeiramente por uma faca que voou na sua direção. As coisas iam de mal
a pior. A casa ficou sob vigilância permanente de soldados, mas tudo em vão,
até que, a 23, após a meia-noite, o teto incendiou-se e em pouco tempo o imóvel
ficou totalmente destruído. Foi impossível conter o fogo, porque os bombeiros
eram recebidos por "nuvens de fumaça densa e fétida atiradas ao
rosto".
Os fenômenos, porém, acompanharam o capitão na sua nova
residência. Os objetos continuaram a voar de um lado para outro. Dia 24 de
junho, às oito horas da manhã, o teto pegou fogo, mas foi possível extinguir as
chamas. As três horas da tarde, novo incêndio, iniciado no celeiro, também foi
extinto graças à bravura e iniciativa de um soldado, mas, às cinco horas, as
chamas irromperam novamente de vários pontos do teto e não somente a casa do
capitão, mas quatro outras foram totalmente destruídas.
Rigorosa investigação oficial foi então realizada, mas serviu
apenas para registrar os fatos e documentá-los com o selo da fé pública, pois
nada havia a fazer. Três anos depois, nova sindicância inútil, do ponto de
vista prático, pois não havia o que julgar, condenar ou absolver na justiça
comum, e os juízes concluíram inconclusivamente, se assim podemos dizer, que
"nenhuma suspeita existia contra quem quer que fosse". O processo foi
remetido ao arquivo e lá é que o ilustre sábio e Conselheiro de Estado Aksakof
foi consultá-los para o seu relato.
*
O outro caso foi aproveitado por Aksakof em seu livro
"Animismo e Espiritismo" e se passou na residência de um senhor
Shchapoff, na cidade de Iletsky, nos Urais, Rússia. O relato de que se serve
Bozzano é do próprio Shchapoff.
Chegando a casa em 16 de novembro de 1870, após ausência de alguns
dias, este senhor encontrou a esposa profundamente impressionada com alguns
estranhos fenômenos ocorridos na casa, o que ele procurou levar à conta de
brincadeira. A família compunha-se da esposa, uma criança de peito, a mãe do
dono da casa e a sogra, bem como uma cozinheira e mais dois empregados.
Na noite do dia 14, como a menina se mostrasse inquieta e agitada,
a jovem senhora havia pedido à empregada que tocasse um pouco de acordeão para
acalmá-la. Pouco depois, com a menina já adormecida, a Sra. Shchapoff
conversava com uma vizinha quando tiveram a impressão de ver passar por elas um
vulto, diante da janela aberta. Iam sair para verificar, quando irrompeu num
cômodo da casa o som do acordeão executando a mesma música que a empregada
tocara antes, desta vez, porém, acompanhada de danças. Pensaram, naturalmente,
que a artista doméstica estivesse a exercitar-se, embora aquela hora imprópria,
mas encontraram-na dormindo profundamente. Desperta, ajudou os outros
habitantes da casa, e mais a vizinha, na busca infrutífera por toda parte,
enquanto a música e as danças prosseguiam, e na verdade prosseguiram pela noite
a dentro, até madrugada, não deixando ninguém dormir.
Na noite seguinte, às dez horas, recomeçou o estranho baile, que
varou a noite, sem que alguém pudesse descobrir a causa do fenômeno.
O Sr. Shchapoff, no entanto, não estava convencido. Fez uma
prelação à esposa sobre os riscos da superstição, e não pensou mais no assunto.
A noite, após o chá, a casa posta na maior tranquilidade, apanhou um livro para
ler. Após duas horas de leitura, começou a música e o bailado fantasmagórico,
sendo que o som parecia provir de um ponto debaixo da cama da sua esposa,
aliás, profundamente adormecida. Enquanto ele se achava cautelosamente
investigando o assunto, ouviu pancadas ritmadas sobre o vidro da janela, no
quarto dela, como se tamborilados por alguns "dedos carnudos". Pouco
depois o som tornou-se mais nítido, batido agora - supunha ele - pelas unhas.
Nesse momento, ouviu-se um golpe violento que acordou a jovem senhora e,
enquanto conferiam suas impressões, pois ele lhe perguntava se fora ela quem
fizera o ruído, ouviram bater à janela do quarto contíguo. Foi ele para lá e
escondeu-se perto da janela, em tensa expectativa, a olhar para fora, sob o
luar claro da noite. Foi quando soaram dois golpes do lado de dentro, na
parede, à altura de seus ouvidos, tão violentos que - diz ele - "ecoaram
pela casa toda como um terremoto".
Nesse ponto, ele pôs um agasalho, chamou o jardineiro, apanhou o
fuzil e foram dar uma batida em torno da casa, acompanhados dos cães soltos, a
fim de apanharem o culpado. Nada! A lua brilhava tranquila e claríssima sobre o
manto de neve, onde não havia rastro nem de gente nem de animal.
Ao retornarem a casa, foram informados de que a dança não se
interrompera. Subiram à mansarda, de onde parecia provir, e tudo silenciou, mas
nada encontraram. Quando desciam a escada, o balé fantástico recomeçou.
No dia seguinte, as manifestações foram menos violentas e, após
dois dias, cessaram por completo.
No dia 20 de dezembro, porém, o Sr. Shchapoff teve a ideia de
pedir à empregada que tocasse seu acordeão e dançasse um pouco para algumas
visitas, e, mal começou ela a "performance", o ritmo passou a ser
acompanhado pelas batidas habituais nos vidros da janela. Os fenômenos duraram
até cerca de meia-noite. Na noite seguinte, recomeçaram, desta vez acompanhados
por deslocamentos de objetos, que voavam daqui para ali e se chocavam contra o
chão, as paredes ou o teto. Havia uma particularidade nesses choques: objetos
macios chocavam-se com estrépito, enquanto objetos mais pesados e sólidos,
caíam mansamente, sem ruído.
Em 8 de janeiro, a senhora viu sair um pequeno globo luminoso de
sob a sua cama, crescer de tamanho e desaparecer. Na noite seguinte, os
fenômenos duraram até às 3 horas da manhã e pareciam agora acompanhar a jovem
senhora, pois aconteciam sempre à sua volta.
Ante aquela série impressionante de manifestações, a família
resolveu abandonar a casa por um mês, deixando apenas os empregados. Tudo
voltou à calma. Certo dia em que o Sr. Shchapoff visitava a casa em companhia
de um amigo, pediu à empregada para tocar e dançar, mas nada aconteceu.
Em 21 de janeiro, voltaram e, com eles, os fenômenos. Assim que a
esposa deitava-se para dormir começavam os golpes e os objetos disparavam a
voar de um lado para outro. Com receio de algum acidente mais sério, pois uma
faca foi atirada com grande violência, trancaram os talheres num armário, mas,
mesmo assim, eles eram misteriosamente retirados e continuavam a voar em todos
os sentidos.
Dia 24, à noite, certificaram-se de que o fenômeno era
inteligente, pois acompanhava os diferentes ritmos de algumas canções que
cantaram com um amigo da família. A resposta era inteligente, até mesmo para os
ritmos "modulados mentalmente". Estabeleceu-se então o seguinte
diálogo precário, mas suficiente para se formular um juízo:
- Você que se manifesta é um homem?
Silêncio.
- É um Espírito?
Um golpe.
- Bom?
Silêncio.
- Mau?
Dois golpes violentos.
Ao tentar identificar o Espírito por um nome, os circunstantes não
foram muito felizes, mas, depois de muita hesitação e temor, o dono da casa
pronunciou o nome do demônio e deu-se um rebuliço terrível ao recuarem todos
espavoridos ante o tremendo golpe sobre a porta.
Houve outros diálogos com "a força", mas Bozzano salta
sobre eles para prosseguir a sua longa citação deste caso tão interessante. Uma
comissão de três pessoas de excelente nível intelectual foi designada pelo
Governador da Província para investigar a fenomenologia. Instalaram-se em casa
do Sr. Shchapoff com seus aparelhos e, sem tardança, as manifestações
começaram: objetos voadores, ruídos, diálogos codificados com "a
força". Shchapoff e a esposa consentiram em ser observados na cidade, por
dois médicos, um dos quais, o Dr. Dubinsky, não conseguia aceitar a validade do
fenômeno. Primeiro, disse que a pobre senhora produzia os ruídos com a língua, mas,
ao obrigá-la a ficar com a língua de fora, verificou que os sons continuavam.
Depois, achou que eram as batidas do coração dela! Como se sabe, até hoje, vale
tudo em matéria de "explicação", para muita gente.
A influência de Dubinsky sobre a comissão foi decisiva, ao
declarar que fenômenos semelhantes já haviam sido investigados antes e acabavam
sempre em revelações mais ou menos engenhosas de fraude. A comissão, que estava
inclinada a atestar os fatos, recuou, e a família Shchapoff teve o desprazer de
ler no jornal local um relato assinado pelos três membros - um dos quais era o
próprio diretor do jornal -, declarando que os fenômenos eram devidos a ação
exclusivamente humana. Logo em seguida, recebeu o Sr. Shchapoff um ofício do
Governador, dizendo que a investigação havia apurado que os fenômenos eram
perfeitamente explicáveis e, por conseguinte, ficava ele advertido de que
incorreria em punições severas se eles voltassem a produzir-se.
Qual não foi, pois, a aflição da família, quando, aí pela altura
do mês de março, recomeçou o espetáculo, mesmo na ausência da jovem esposa que
parecia ser a geradora de energias que alimentavam a fenomenologia. Um
incidente algo espetacular ocorreu logo de início: o sofá, em que estava
sentada a velha senhora Shchapoff, deu quatro saltos no assoalho, deixando-a em
pânico, enquanto o filho presenciava a inusitada cena, em plena luz do dia.
Daí em diante, os fenômenos se intensificavam. Certa noite,
destacou-se de um lavabo na sala uma fagulha azulada que deslizou rapidamente
em direção ao quarto da senhora e lá ateou fogo num "peignoir" de
algodão que se encontrava sobre uma pequena mesa de canto. As chamas foram
extintas pela sogra do dono da casa, que ali se achava providencialmente.
Enquanto o Sr. Shchapoff passou dois dias na cidade, confiando a
guarda da sua casa a um vizinho e amigo, repetiram-se os fenômenos luminosos
com fagulhas deslizando daqui para ali. Numa dessas oportunidades as vestes da
senhora pegaram fogo e, ao socorrê-la, o vizinho ficou com as mãos gravemente
queimadas. De outra vez, foi o leito dela que se incendiou.
Em outra oportunidade, estavam a conversar o vizinho e um dos
empregados, quando ouviram um grito desesperado no interior da casa. Acudiram
espavoridos e deram com a senhora envolta numa coluna de fogo, que a cercava
por todos lados. Novas queimaduras para o dedicado vizinho, que conseguiu
extinguir o fogaréu. Desmaiada, com a roupa carbonizada, foi ela conduzida para
um leito, mas sem queimaduras.
Era o fim. Nessa mesma noite deixaram a casa fatídica e foram
dormir na vizinhança, com uma família de cossacos, onde ficaram por algum
tempo. A casa assombrada foi vendida, e quando a família mudou-se para outra os
fenômenos felizmente não a acompanharam.
O Sr. Shchapoff relata ainda fenômenos curiosos de materialização
de mãos em várias oportunidades.
Observa-se, portanto, neste caso, uma grande riqueza de fenômenos:
efeitos sonoros, luminosos, materializações, deslocamentos de objetos, além dos
diálogos, o que leva Bozzano a ressaltar, mais uma vez, "a unidade fundamental de todas as manifestações
metapsíquicas, sejam elas espontâneas, como nos fenômenos de assombração, seja
nas provocadas como nas sessões experimentais".
Ao analisar o caso com a sua costumeira precisão e clareza,
Bozzano mais uma vez insiste numa das poucas teses com as quais não me sinto
muito à vontade, ou seja, a da causa
local.
Como os fenômenos não se produziram mais na nova residência,
conclui ele que a causa suficiente das manifestações não estava na mediunidade
da jovem senhora. E prossegue:
- Pode-se, portanto, concluir que os fenômenos de assombração se
produzem quando se combinam dois fatores igualmente necessários: a presença de
um sensitivo num ambiente mediunizado.
Não me parece que a questão deva ser colocada de maneira tão
dogmática, embora seja de admitir-se considerável influência do ambiente. Não,
porém, pelas razões que invoca o eminente pesquisador, pelo menos a meu ver. Ao
que suponho, ele não examinou uma hipótese inteiramente válida, que explicará
muito melhor o fato, mesmo porque, em inúmeros exemplos, os fenômenos
acompanham as pessoas em novas residências, como vimos, há pouco, no caso do
Capitão Jandachenko. Nas manifestações que acabamos de relatar, parece bastante
evidente que um Espírito desencarnado (ou mais de um) desejava apenas expulsar
a família daquela casa. Conseguido seu intento, ele deixou em paz seus ex-inquilinos.
Quanto à óbvia mediunidade da Sra. Shchapoff, nada mais se diz dela, mas é de
esperar-se que a faculdade permaneceu com ela, ainda que inativa. Não vejo
razão para invocar a teoria do ambiente mediunizado para explicar o fenômeno,
de vez que o ambiente é apenas cenário passivo da ação desenrolada e não
componente ativo desta.
É notável, ainda, neste caso, o fato de que as chamas que atingem
a senhora não lhe causam dano algum, ao mesmo tempo que provocam graves
queimaduras na pessoa que a socorre por duas vezes.
Conclui Bozzano que "a
origem espírita dos fatos não deixa dúvida alguma".
Há, ainda, um caso misto que o autor extrai do livro de Robert
Dale Owen, intitulado "Footfalls on the Boundary of Another World",
em que fenômenos físicos se mesclam a fenômenos intelectuais, além de notável
manifestação de voz direta, em repetidas ocasiões, no seio de uma família
inglesa.
*
Segue-se um capítulo final de conclusões, do qual extrairemos
apenas os últimos períodos, por mais que nos atraiam as inteligentes discussões
do autor:
- Recapitulemos, portanto, dizendo que, segundo a análise
comparativa aplicada aos fenômenos de assombração, conseguimos colocar em
evidência que a hipótese espírita, compreendida sob as duas formas de transmissão
telepática do pensamento entre mortos e vivos e de manifestações de defuntos
pela mediunidade, é a única verdadeiramente suscetível de explicá-los na maior
parte dos casos, ao passo que as hipóteses da "telepatia entre os
vivos" e da "psicometria" e a do "animismo", se é que
são necessárias à plena compreensão dos fatos, não podem ser consideradas senão
como hipóteses complementares. (O destaque é da tradução francesa.)
Pouco restaria a dizer, mas é preciso ressaltar, ainda uma vez,
que não faltam pesquisas sérias e extremamente bem documentadas sobre enorme
gama de fenômenos mediúnicos. É mais fácil rir dessas manifestações, e até
mesmo ridicularizar os pesquisadores que a elas se dedicam, do que contestar as
conclusões de um trabalho de fôlego, como o de Bozzano. Vemos, aliás, que, em
muitos dos casos relatados, encontramos o chamado "espírito forte", o
qual plantado, pelo menos de início, numa posição de olímpica superioridade,
procura descartar o fenômeno com uma atitude muito cômoda de descrença ante
tais "superstições populares". A muitos desses, o sorriso morreu cedo
nos lábios, amarelo de medo, de surpresa ou de perplexidade. Outros preferiram
ficar do lado mais tranquilo, junto aos que não querem investigar o assunto
para continuarem a desempenhar com seriedade o papel de "espíritos
fortes". É importante, porém, observar que não falta hoje, para o
estudioso de boa-vontade, material para exame e meditação. Varia, porém, ao
infinito a reação das criaturas. Mesmo entre aqueles que se convencem da realidade
dos fenômenos encontramos os que preferem arquivar o assunto na memória ou numa
gaveta de coisas sem importância, dizendo que são vulgares e inúteis os
fenômenos. Bozzano responde também a estes.
De fato, é vulgar, em si, o fato de uma faca de cozinha ou uma
pedra voar de um, lado para outro. É vulgar a resposta de uma "força
inteligente" que deseja passar pelo demônio. No fundo, porém, a própria
vida é vulgar, quotidiana, rotineira, sem grandes e espetaculares lances. Além
do mais, são vulgares muitos dos Espíritos desencarnados, tal como muitos dos
reencarnados. O grande argumento de Bozzano, não obstante, é o de que os
fenômenos de assombração escolhem sempre a linha de menor resistência, numa
espécie de economia energética, o que é bastante provável.
É tolice, porém, dizer que são inúteis, porque, na vulgaridade da
sua aparência, revelam eles uma essência de tremenda importância para todos
aqueles que buscam respostas claras e aceitáveis às indagações humanas, desde o
mistério da vida até os segredos da "morte".
O livro da vida está aberto diante de nós, as palavras nele
escritas fazem sentido e nos contam a história fascinante da evolução humana em
direção à paz espiritual. Agora, se bocejamos e dormimos em cima dele, quando
acordarmos, um dia - onde? quando? como? -, descobriremos, constrangidos e
decepcionados conosco mesmos, que o relógio cósmico seguiu em frente e nós
ficamos.
Enquanto escrevo isto, lembro-me do pungente depoimento do nosso
amado Emmanuel. Um dia, como orgulhoso senador romano, recebeu o convite à vida
dos lábios do próprio Cristo. Resolveu "deixar para depois"... E, por
isso, somente após um punhado de séculos acordou para descobrir que o tempo
havia passado, a glória efêmera se dissolvera e era preciso recomeçar tudo de
novo, pois até então estivera a caminhar e viver como um sonâmbulo...