A palavra Caridade
por Lino
Teles (Ismael Gomes Braga)
pág. 310 Reformador (FEB) 1949 (?)
As traduções da Bíblia em inglês e esperanto não seguiram a tradução
latina, como fizeram as traduções em português e francês, e nelas não aparecem
a palavra ‘caridade’, mas sempre o termo ‘amor’, que traduz mais literalmente a
expressão grega.
Assim, os versículos 1 e 2 do Cap. 13 de I Coríntios, dizem em inglês:
“If I speak with the tongues of men and of angels, but have not love, I
am become sounding brass, or a clanging cymbal. And if I have the gift of
prophecy, and know all mysteries and all knowledge; and if I have all faith, so
as to remove mountains, but have not Love, I am nothing.”
Em esperanto dizem os mesmos versículos: “Se mi parolus la lingvojn de
homoj kaj angelloj, sed ne havus Amon, mi farigus sonanta kupro au tintanta
cimbalo. Kaj se mi posedus la profetpovon, kaj komprenus ciujn misterojn kaj
cian scion; kaj se mi havus cian fidon, tiel ke mi povus formovi montojn, sed
ne havus Amon, mi estus nenio.”
Aí temos duas excelentes traduções, nas quais a palavra ‘caridade’ está
traduzida por ‘amor’, seu verdadeiro sentido nas escrituras. Vejamos agora a
significação latina da palavra.
O substantivo ‘caritas’ (genitivo caritatis), é derivado do adjetivo
‘carus’ que tem dois sentidos: 1º) caro, custoso, de preço elevado; 2º) caro, querido, amado. O substantivo tem
os mesmos dois sentidos. Exemplo: 1º sentido: in caritate (Cícero), na
carestia; quando o trigo estava caro; exspectare caritatem (Catão), esperar que
os gêneros estejam caros; 2º sentido; caritas quae est inter natos et parentes
(Cícero), o amor que existe entre os filhos e os pais; caritas filiae (Tácito),
o amor que se tem pela filha; caritas patriae (Cícero). o amor à pátria.
Todos estes exemplos são colhidos no Dicionário Latin-Français, por L.
Quicherat et A. Daveluy. Por aí vemos que o adjetivo ‘caro’ em português
conservou o mesmo sentido do latino carus (cara, carum); mas, o substantivo
vernáculo ‘caridade’ perdeu ambos os
sentidos do latino caritas, caritatis. De fato, não podemos dizer: ‘a caridade
dos gêneros’; ‘a caridade à Pátria’; temos que dizer em linguagem moderna: ‘a
careza dos gêneros’; ‘o amor à Pátria’.
Portanto, a tradução da Bíblia em
latim está fiel aos originais, porque a palavra caritas significava ‘amor’, no
sentido superior (não genético ou erótico) deste vocábulo; a voz vernácula,
‘caridade’, porém, perdeu esse sentido original e passou a significar ‘esmola’,
‘auxílio aos necessitados’, ‘amparo aos fracos’, como vemos nas expressões
‘Casa de Caridade’, ‘Irmã de Caridade’.
As pessoas que só estudam a Bíblia em grego, inglês ou esperanto (e
talvez em outras línguas) desconhece, este sentido que em português e francês
damos à palavra ‘caridade’. Leem sempre ‘amor’. A diferença é grande e
lamentável porque ser ‘objeto de caridade’, se não chega a ser uma humilhação,
é uma desventura, um motivo de tristeza; ao passo que ‘ser objeto de amor’ é
uma felicidade, uma graça a que todos aspiram.
Quem pratica a caridade, por mais delicado que seja, constrange o
beneficiado, em posição superior. Ao contrário, quem ama eleva o ser amado,
rende-lhe certo culto. Amamos a Deus, amamos aos nossos pais e temos caridade
para com os necessitados, os enfermos, os miseráveis.
Não seria tempo de mudarmos esta palavra em nossos discursos, em nossos
livro doutrinários? Não podemos supor que ‘caridade’ volte à significação
primitiva do latim, porque é termo da língua comum e nunca se restitui sentido
antigo a uma palavra de uso comum.
Para nós, espiritistas, o assunto tem importância capital, porque o
nosso Mestre Allan Kardec, imprimiu a divisa: “Fora da Caridade não há salvação”
em oposição à frase católica romana
“Fora da Igreja não há salvação”
e podemos cair num erro semelhante ao em que caem alguns católicos,
raciocinando assim: “Fora da Igreja não há salvação; ora eu estou dentro da
Igreja, logo, estou salvo, nada mais tenho que fazer pela minha salvação”.
Parece-nos que nós, espiritistas, tendemos a pensar que estaremos
salvos, desde que façamos alguma coisa pelos necessitados, sem cogitarmos da
nossa reforma pessoal, de vencermos o orgulho, a vaidade, o egoísmo que nos
impedem de amar igualmente aos bons e aos maus, aos amigos e aos inimigos, aos
confrades e aos adversários, aos concidadãos e aos estrangeiros.
Aí ficam estas linhas à consideração dos estudiosos que conheçam a força
perigosa da palavra. Desnecessário dizer que já fizemos a substituição
proposta; em nossas palestras doutrinárias, evitamos quanto possível a palavra
‘caridade’, com receio de levar os ouvintes a pensar em esmola, beneficência e
outras coisas tristes e dolorosas.
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