O preço dum
minuto de cólera
Ismael Gomes Braga
Reformador
(FEB) Julho 1951
Quando a família do senador Públio
Lentulus, cercada de todas as garantias a que tinha direito o Enviado de
Tíbério e Representante do Senado, se encaminhava para Jerusalém, da margem da
estrada partiu uma pedra que veio ferir levemente o rosto da esposa do senador.
A dama ferida soltou um grito de susto.
O chefe da segurança, Sulpício
Tarquinius, lançou o cavalo a galope em perseguição de um rapaz de uns dezoito
anos que procurava fugir, como sendo o autor do atentado. Pouco depois conduzia
preso o jovem à presença do Senador, que determinou fosse ele impiedosamente
açoitado diante de todos, como exemplo para quantos ousassem levantar mãos
contra o Poder Imperial. Depois de cruelmente vergastado o rapaz, interrogaram
ao Senador o destino que lhe deveriam dar. A resposta do orgulho ferido foi...
- Para as galeras!..
Todos estremeceram de horror, porque
era a escravidão e a morte.
Três dias depois que o Senador se
achava em Jerusalém, já no exercício de suas funções, foi-lhe pedida uma
audiência por um pobre lavrador que era o pai do jovem condenado tão sumariamente,
e vinha implorar perdão para o filho leviano. Suplicou, cheio de humildade, o
perdão para o filho, mas foi rudemente repelido pelo orgulhoso senador. O
suplicante, diante de tanta crueldade, enfureceu-se e retirou-se jurando
vingança.
Depois de refletir um momento, o precipitado
juiz se arrependeu de sua austeridade e determinou lhe fosse trazido o
prisioneiro; porém este havia desaparecido da prisão; supunham houvesse
evadido, o que deu inteira tranquilidade à consciência do senador. Determinou que ele não fosse
perseguido pela justiça e ficou certo de que o moço regressaria tranquilamente
aos braços do pai. Muito ao contrário, porém, o moço tinha sido raptado pelos
guardas da prisão e vendido a um mercador de escravos que o levou para Roma,
como cativo, onde foi vendido.
O ódio tremendo de pai e filho, um
em Jerusalém e o outro em Roma, executaram os mais tremendos planos de
vingança, durante quarenta anos, contra o senador e sua família, O primeiro ato
dessa tremenda rede de vinganças foi o rapto de um filhinho do senador, de um
ano de idade, pejo pai do condenado. O menino raptado foi criado como escravo,
com a máxima crueldade, nos rudes trabalhos da lavoura, nas quais viveu quarenta
anos.
A ama do menino, cúmplice do rapto,
foi envenenada pelo raptor, para que não viesse a trair o segredo.
Com o passar dos anos aquele humilde
lavrador conquistou posição social e veio a ser um dos comandantes rebeldes de
Jerusalém, numa tentativa louca de libertação da Palestina. Durant a guerra,
quando Jerusalém se achava sitiada por Tito, o senador, como um dos
conselheiros civis de Tito, caiu em poder do inimigo e foi condenado pelo seu antigo
inimigo a ter os olhos vasados com ferro em brasa.
O executor da sentença, escravo
daquele comandante judeu, foi o próprio filho do senador, raptado quarenta anos
antes, por um requinte de perversidade na vingança. Esse escravo, que nunca
conheceu seu pai, logo depois de ser compelido a executar a horrorosa sentença,
caiu morto pelos golpes dos soldados romanos que tomaram o posto militar dos
rebeldes.
Estas linhas são breve e pálido
resumo de um episódio relatado dois mil anos mais tarde, pelo mesmo senador, no
romance "Há dois mil anos"... ", de Emmanuel, recebido por
Francisco Cândido Xavier.
É uma lição profunda que todos devemos
estudar, a série de consequências horríveis que teve aquele minuto de irreflexão
e orgulho do senador, ao repelir a súplica do pai angustiado.
Ele mesmo o compreendeu, alguns
minutos depois, mas já era demasiado tarde: já havia desencadeado uma
tempestade de ódio que durou quarenta anos de amarguras.
A sabedoria, como ensina Rudyard
Kipling, é aproveitar um minuto para que ele se espraia em benefícios pelos
séculos:
"Se
quem conta contigo encontra mais que a conta;
Se podes empregar
os sessenta segundos
Dum minuto
que passa, em, obra de tal monta,
Que o minuto
se espraie em séculos fecundos...”
Mas o inverso não é menos
verdadeiro, infelizmente: assim como podemos lançar sementes do bem que
germinem por longo tempo, assim, num minuto, podemos lançar sementes que
envenenem durante séculos.
"Há dois mil anos... ", como
todas as obras de Emmanuel, encerra lições profundas, de sabedoria eterna, que
merecem longa reflexão e séria aplicação na vida"
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