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sábado, 24 de outubro de 2015

Literatura e Espiritismo


            Quando Napoleão fez a campanha do Egito, levou um grupo de sábios para estudar, cientificamente, a terra dos Faraós.

            Uma noite, em que as estrelas realçavam no céu profundo, mais fotogênicas do que as stars de Hollywood, viajava Napoleão e sua comitiva sobre o Nilo, a bordo de um pequeno barco. Em dado momento, os sábios pegaram uma discussão a respeito da existência de Deus.

            Enquanto isso, Napoleão passeava no tombadilho, cenho franzido e destra sobre o coração - nesse gesto clássico que a História registou - preocupado com os problemas da campanha.

            Daí a pouco, os sábios chegaram a um acordo: Deus não existia. Ouvindo essa conclusão unânime, Napoleão parou junto deles, e indagou:

            - Então, afirmam os senhores que Deus não existe?

            - Sim, general. É uma hipótese inútil no mecanismo do Universo.

            Napoleão olhou demoradamente o céu em plena floração estelar, e voltando-se para os sábios, perguntou:

            - AIors, qui a donc fait ces étoiles? (Quem foi, então, que fez essas estrelas?)

            Os sábios emudeceram, e Napoleão continuou o passeio ao longo do tombadilho.

            O problema do Além nunca esteve ausente das cogitações dos grandes mestres da literatura universal. Todos eles possuem o sentido da Espiritualidade. A obra de Shakespeare, como se sabe, está povoada de Espíritos, a começar pela mediunidade de Hamlet.

            Lê-se em Montaigne: “Se eu ouvia falar dos espíritos que voltam, das feiticeiras ou de qualquer outra história que não podia entender, vinha-me compaixão pelas pobres criaturas iludidas. Hoje, acho que, pelo menos, devia eu ser igualmente lamentado.”

            A visão espiritual de Balzac fê-lo declarar certa vez: “Tudo o que somos está na alma.”

            Ninguém ignora que toda a vida psíquica de Dostoievski foi dominada pela tortura de Deus. O sentimento divino impregna os seus romances mais expressivos, notadamente ‘Os Irmãos Karamazov’, que foi o livro de cabeceira de Tolstoi, às vésperas de deixar este mundo.

            Kafka, considerado um dos filósofos do absurdo, e cujas personagens se movem numa atmosfera de realismo fantástico, talvez não se tenha apercebido da grande verdade que lhe clareou o pensamento heterodoxo no instante em que lançou estas palavras no seu Diário: “Não há outro mundo senão o mundo espiritual. O que chamamos o mundo sensível é o Mal no mundo espiritual, e o que chamamos mal, é a necessidade de nossa eterna evolução.”

            Eis aí um trecho que qualquer espírita assinaria, a principiar por Allan Kardec. Esse mesmo Kafka, em conversa com o seu amigo e confidente Gustav Janouch, disse que “escrever é, na realidade, uma forma de evocar os espíritos”. 

            O gênio de Proust anteviu o nascimento de nossa consciente imortalidade após as núpcias com a morte, nesta passagem de “Les Plaisirs et les Jours”: Et de nos noces avec Ia mort qui sait si pourra naitre notre consciente immortalité.  
mortalité.

            E Joyce não afirmou, pela boca de uma personagem de Ulisses, que “a morte é a mais alta forma de vida”?

            Mas há o reverso da medalha, como tudo na vida. Há os modernos filósofos do desespero, como Sartre, Albert Camus e outras autoridades competentes no assunto, que chafurdam no submundo do chamado Existencialismo, armazenando compromissos cármicos. Piores do que estes, só mesmo os cultores de um certo tipo de Parapsicologia à Ia diable, que Indalício Mendes classificou, espirituosamente de espiritismo sem alma.

            São os “inocentes úteis” do Materialismo. 


 Literatura e Espiritismo
Alberto Romero
Reformador (FEB) Julho 1971

terça-feira, 4 de agosto de 2015

O Complexo de Nicodemos


            Quando Jesus andou no mundo, as pessoas socialmente importantes não lhe buscavam o convívio. O Mestre vivia com os humildes, os enfermos, os sofredores, os pobres de espírito, que deles é o reino dos céus.

            Certo, entre os representantes autorizados da chamada elite pensante daquele tempo existiam admiradores ocultos do divino mensageiro da redenção. O próprio Herodes sonhava com a oportunidade  de ver o Cristo, de quem lhe contavam coisas estranhas ao seu entendimento.

            Houve ainda aquele moço rico, que só abriu mão da vida eterna porque Jesus lhe sugeriu vender todos os bens, distribuir o produto com os pobres e depois segui-lo. Deve ter havido outros, cujo orgulho e preconceito paralisaram os passos na direção do Nazareno, Por tudo isso, não me parece justo negar-se coragem moral a Nicodemos na visita que fez a Jesus, para o elucidativo diálogo do renascimento. Mas, na interpretação do episódio evangélico, aprendemos que o mestre em Israel foi procurar o Rabi da Galileia na calada da noite, para não dar na vista. O Evangelista João refere que "havia um homem dentre os fariseus, chamado Nicodemos, principal entre os judeus, e este foi ter com Jesus, à noite" - e neste particular, nada mais disse nem lhe foi perguntado. Poder-se-ia argumentar que tanto foi à noite, como poderia ter sido pela manhã ou à tarde. O fato, porém, é que o velho Nicodemos, comprometido com a religião farisaica, entrou na História como o exemplo clássico do cristão-novo irresoluto, preferindo acomodar-se como discípulo secreto de Jesus... 

            Pois o que aconteceu com Jesus acontece hoje com o Espiritismo. Pondo de parte o materialista, que tem a negação por princípio e o nada por fim, é muito maior do que geralmente se presume o número de espíritas dominados pelo complexo de Nicodemos.  Mesmo vencidos e convencidos pela teimosia dos fatos metapsíquicos e pela dialética do ensinamento doutrinário, esses eminentes confrades jamais se proclamam espíritas. Talvez porque a palavra espírita, com a qual implicam, implica, realmente, uma tremenda responsabilidade moral. Então se dizem vagamente espiritualistas, - e ei-los em paz com a consciência. Um deles, duplamente imortal - pela graça de Deus e por uma academia de letras - chegou a confessar-me que não faz profissão de fé espírita porque... o que irão dizer por aí, não é mesmo? Um outro me confidenciou: "Dá-se comigo um fenômeno paradoxalmente curioso: Quanto mais creio no Espiritismo menos me considero espírita, e isto porque não estou à altura de professar a doutrina...”

            Como se vê, pura evasiva, e que não faz sentido. O poeta Manuel Bandeira chamaria "espíritas bissextos" a esses que, ante a suspeita de serem portadores de enfermidades incuráveis, recorrem, pressurosos, à medicina do além-túmulo. Mas, passado o susto, voltam à estaca zero da incredulidade. Há, também - e quantos! - os que, apesar de cientes e conscientes da verdade imortalista, se dão ao luxo de deixar para mais tarde ou para outra encarnação o cuidado de ingressar, oficialmente, no Espiritismo. E assim procedem no resguardo de seus interesses inconfessáveis, quem sabe lá! Nesse terreno, há uma inflação de subterfúgios. E, como eu ia dizendo, o intelectual é, de ordinário, quem mais se mostra arredio em tornar pública a sua adesão à Doutrina dos Espíritos. É o caso, por exemplo, daquele meu velho amigo (e confrade nas horas vagas) que compra todo santo dia não sei quantos livros sobre os mais diferentes e extravagantes assuntos. Mas, quando se trata de ler livros espíritas, pede os meus emprestados...

O complexo de Nicodemos
por Alberto Romero

Reformador (FEB) Julho 1971

quarta-feira, 24 de junho de 2015

O Medo da Morte



             Conta Eugène Muller, em Curiosités historiques et littéraires, que certa vez a padre Bridaine, após pregar longo sermão sobre a brevidade da vida, anunciou ao povo que lhe seguia os passos numa procissão :

            - Meus irmãos, agora vou levá-los às suas casas.

            E, sem mais explicação, conduziu os fiéis ao cemitério.

            Estou por dizer que esse sacerdote, como o Papa Alexandre VI, era ateu. Melhor teria
feita ele se elucidasse as seus paroquianos sobre a eternidade da vida, a exemplo dos sacerdotes de Ísis, que chamavam casas dos vivos às necrópoles, por considerarem a morte uma ressurreição, verdadeira metamorfose no itinerário da vida humana.

            Segundo alguns ocultistas, a embalsamamento era praticado na Egito para guardar os Espíritos dos mortos, permitindo mais facilmente sua evocação e sua ajuda nas rituais da magia.

            Reza a tradição que os judeus do tempo do Cristo não saíam à noite por causa dos assaltantes, e também dos maus Espíritos. Confúcio já afirmava que os Espíritos estão em toda parte e em volta de nós.

            A ideia da sobrevivência da alma era ponto pacífico nas diferentes civilizações antigas, e sobre isto existem provas históricas, até mesmo em documentes arqueológicos vindos ultimamente à luz da publicidade. Como se vê, o Espiritismo figura nas tradições escritas e orais da antiguidade. Kardec sabia tudo isso, e creio que não seria lá muito fácil ensinar Espiritismo a Kardec.

            A vida de Stuart Mill, a célebre filósofo inglês, regista comovente episódio . Quando. lhe morreu a esposa, a quem amava com delírio, comprou ele uma granja solitária, vizinha da cemitério, e dali contemplava diariamente, para cima das árvores, a branca sepultura da amada. No entanto, como diz Maeterlinck, “não é nos cemitérios, e sim no espaço, na luz e na vida que devemos procurar nossos mortos”. E para  tornar a vê-los (salvo nos casos de vidência e materialização) teremos que transpor aquela porta que só se abre uma vez em cada existência. Se, para entrar no mundo dos mortos que vivem, é preciso sair do mundo dos vivos que morrem, não devemos jamais forçar essa porta. Do contrário, bem sabemos o que espera aos que a atravessam sem serem chamados.

            Ninguém ignora que o medo da morte, melhor diria, o pavor da morte, é um fenômeno epidêmico da condição humana. Não tanto pela morte em si, mas pela morte particular de cada um e de seus íntimos. Porque, em geral, a morte das pessoas estranhas não nos causa estranheza. Para livrar-nos desta fúnebre obsessão, não é necessário proceder como aqueles frades de um convento medieval, que quando passavam uns pelos outros diziam, invariavelmente, com voz soturna:

            - Irmão! Lembra-te de que hás de morrer um dia!

            Para alguém afastar o espantalho da morte, basta convencer-se de que é imortal. Nada mais imortal que a morte. A personalidade do homem sofre, necessariamente, substancial transformação quando ele perde o medo da morte e entra em preparativos para receber-lhe a visita a qualquer momento.

            “Feliz daquele que tem sempre presente a hora da morte e cada dia se prepara para morrer” , reza a Imitação de Cristo.

            E já dizia Heráclito: “Quando vivemos a nossa vida atual, a alma está morta e enterrada no corpo; mas quando morremos é o contrário: a alma renasce para a vida real.” Também cito a propósito - e de propósito - esta frase com que Carl du Prel define a palingenesia: “O nascimento e a morte não são antagônicos, pois cada nascimento é uma morte relativa, e cada morte um nascimento relativo.”

            Nunca é demais lembrar que nós morremos todas as noites, pois o homem dorme a terça parte de sua vida. Não chega esse treinamento para a gente se acostumar com a transferência compulsória para o mundo espiritual?

            Quanto a mim, ciente e consciente desta verdade, aguardo, com o decreto da Providência, a laboriosa aposentadoria da morte, que traz a insônia do Espírito. E certo de que, na jurisprudência divina, a morte é o habeas-corpus  da alma.

O Medo da Morte
por Alberto Romero
Reformador (FEB) Setembro 1970


quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Verdade do Espírito



‘A Verdade
 do Espírito’


            Sempre achei que para ser materialista basta a ignorância, que está ao alcance de todos. Mas é engano pensar que basta a criatura virar Espírito para acreditar na imortalidade.

            É sabido que muitas pessoas, após o regresso à pátria espiritual, ainda se julgam vivendo na Terra. Os que desencarnam materialistas geralmente continuam materialistas, - pelo menos por algum tempo. Perambulam no astral, numa espécie de sonho acordado, sem se aperceberem da realidade do mundo fluídico. E quando tomam gradualmente consciência do novo estado, mostram-se perplexos, como se estivessem exilados num país estrangeiro. É o caso, por exemplo, daquele general inglês, indagando: “Pois se eu morri, onde diabo estou? Se isto é o céu, não é lá grande coisa; se é o inferno, é bem melhor do que eu esperava.”

            Por aí se vê que não é negócio ser materialista ou descrente, pois cada um tem um encontro marcado consigo mesmo no mundo dos Espíritos.

            Houve um tempo em que era muito natural a discussão em torno do então chamado sobrenatural. Mas hoje, que o Espiritismo está consolidado, qualquer tentativa de convencer os seus opositores é um desperdício de tempo. Eles sabem o que não querem, mas não sabem o que querem. E' preciso ainda considerar que os homens têm a crença que merecem. Cada pessoa tem sua hora de conhecer a Verdade.

            Muita gente não quer nada com o Espiritismo porque tem um medo que se pela dos Espíritos. Mas nem só dos Espíritos vive o Espiritismo. O Espiritismo é, antes de tudo, uma doutrina que conduz ao aprimoramento moral. E depois, para a criatura evoluir não é preciso ser, necessariamente, espírita, já que todas as religiões podem ter a sua parcela de divindade. “Mais vale acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão”, disse Confúcio.

            O leitor conhece a história do preto velho? Um preto velho, dono de um roçado, encontrou um dia um padre que lhe perguntou qual a religião que professava. O preto respondeu: “Seu vigário, há três caminhos para eu ir à cidade: a estrada principal, a da praia e a que atravessa o banhado. Agora repare: quando eu chego à cidade, ninguém me pergunta que caminho tomei. A única coisa que querem saber é se o legume que levo é bom.”

            Então, cultivemos o nosso legume.

            O conhecimento da vida espiritual confere uma responsabilidade consciente e indissociável da noção do bem e do mal. Cada criatura deveria fechar-se todas as noites para o balanço da consciência. Veria, então, que cada um é responsável pelo próprio destino, pois tem o livre-arbítrio, que gera o determinismo cármico. A conhecida expressão “os extremos se tocam” se ajusta perfeitamente à velha controvérsia entre determinismo e livre-arbítrio . No caso, não apenas se tocam, como se entrelaçam. Às vezes atuam simultaneamente. É da Lei.

            Cumpre levar a sério o estudo das grandes mensagens mediúnicas . Isto nos faz penetrar na faixa das ondas psíquicas que o Alto nos transmite a cada passo através de médiuns autênticos, que funcionam como sismógrafos do mundo espiritual. No entanto, quantas pessoas, de respeitável saber nos diferentes domínios da inteligência, deixam de fazê-lo? Evidentemente, essas pessoas não perdem o que sabem, mas não sabem o que perdem.

            Nunca é demais repetir: os tempos são chegados! Estamos em plena era apocalíptica, profetizada pelos videntes bíblicos. Quem não vê que o mundo anda em muito mau estado? Com um pouco mais, será feita a triagem no vasto presídio planetário. Os que tiverem muita culpa no cartório da Espiritualidade serão banidos para outros mundos menos evoluídos do que o nosso. Quantos de nós estamos em dia com a contabilidade divina? Quantos de nós ficaremos à direita do Cristo? Quantos de nós encarnados e desencarnados, estamos em condições de habitar a civilização do terceiro milênio? Aí é que bate o ponto.

            Mas há uma verdade que, uma vez acesa na consciência, é luz que não se apaga: a Revelação Espírita. Até porque não há nada além do Espiritismo, que já é do Além...


por  Alberto Romero
Reformador (FEB) Janeiro  1971