Conta
Eugène Muller, em Curiosités historiques
et littéraires, que certa vez a padre Bridaine, após pregar longo sermão
sobre a brevidade da vida, anunciou ao povo que lhe seguia os passos numa procissão
:
- Meus irmãos, agora vou levá-los às
suas casas.
E, sem mais explicação, conduziu os
fiéis ao cemitério.
Estou por dizer que esse sacerdote,
como o Papa Alexandre VI, era ateu. Melhor teria
feita
ele se elucidasse as seus paroquianos sobre a eternidade da vida, a exemplo dos
sacerdotes de Ísis, que chamavam casas dos vivos às necrópoles, por
considerarem a morte uma ressurreição, verdadeira metamorfose no itinerário da
vida humana.
Segundo alguns ocultistas, a
embalsamamento era praticado na Egito para guardar os Espíritos
dos mortos, permitindo mais facilmente sua evocação e sua ajuda nas rituais da magia.
Reza a tradição que os judeus do
tempo do Cristo não saíam à noite por causa dos assaltantes, e também dos maus
Espíritos. Confúcio já afirmava que os Espíritos estão em toda parte e em volta
de nós.
A ideia da sobrevivência da alma era
ponto pacífico nas diferentes civilizações antigas, e sobre isto existem provas
históricas, até mesmo em documentes arqueológicos vindos ultimamente à luz da
publicidade. Como se vê, o Espiritismo figura nas tradições escritas e orais da
antiguidade. Kardec sabia tudo isso, e creio que não seria lá muito fácil
ensinar Espiritismo a Kardec.
A vida de Stuart Mill, a célebre
filósofo inglês, regista comovente episódio . Quando. lhe morreu a esposa, a
quem amava com delírio, comprou ele uma granja solitária, vizinha da cemitério,
e dali contemplava diariamente, para cima das árvores, a branca sepultura da
amada. No entanto, como diz Maeterlinck, “não
é nos cemitérios, e sim no espaço, na luz e na vida que devemos procurar nossos
mortos”. E para tornar a vê-los
(salvo nos casos de vidência e materialização) teremos que transpor aquela porta
que só se abre uma vez em cada existência. Se, para entrar no mundo dos mortos
que vivem, é preciso sair do mundo dos vivos que morrem, não devemos jamais
forçar essa porta. Do contrário, bem sabemos o que espera aos que a atravessam
sem serem chamados.
Ninguém ignora que o medo da morte,
melhor diria, o pavor da morte, é um fenômeno epidêmico da condição humana. Não
tanto pela morte em si, mas pela morte particular de cada um e de seus íntimos.
Porque, em geral, a morte das pessoas estranhas não nos causa estranheza. Para
livrar-nos desta fúnebre obsessão, não é necessário proceder como aqueles
frades de um convento medieval, que quando passavam uns pelos outros diziam,
invariavelmente, com voz soturna:
- Irmão! Lembra-te de que hás de morrer
um dia!
Para alguém afastar o espantalho da
morte, basta convencer-se de que é imortal. Nada mais imortal que a morte. A
personalidade do homem sofre, necessariamente, substancial transformação quando
ele perde o medo da morte e entra em preparativos para receber-lhe a visita a
qualquer momento.
“Feliz
daquele que tem sempre presente a hora da morte e cada dia se prepara para morrer”
, reza a Imitação de Cristo.
E já dizia Heráclito: “Quando vivemos a nossa vida atual, a alma
está morta e enterrada no corpo; mas quando morremos é o contrário: a alma
renasce para a vida real.” Também cito a propósito - e de propósito - esta frase
com que Carl du Prel define a palingenesia: “O nascimento e a morte não são antagônicos, pois cada nascimento é uma
morte relativa, e cada morte um nascimento relativo.”
Nunca é demais lembrar que nós morremos
todas as noites, pois o homem dorme a terça
parte de sua vida. Não chega esse treinamento para a gente se acostumar com a transferência
compulsória para o mundo espiritual?
Quanto a mim, ciente e consciente
desta verdade, aguardo, com o decreto da Providência, a laboriosa aposentadoria
da morte, que traz a insônia do Espírito. E certo de que, na jurisprudência
divina, a morte é o habeas-corpus da
alma.
O Medo da
Morte
por Alberto Romero
Reformador (FEB) Setembro 1970
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