Quem, na Terra, acende a lâmpada do
amor e da verdade, alimentada com o azeite da fé e da humildade, e a coloca bem
alto, jamais será esquecido por seus pósteros, porque os luminosos lampejos
dessa lâmpada o farão sempre lembrado a todos os instantes, lampejos que cantam
suavemente no íntimo de nossas almas, concitando-as a sentirem Deus e a
meditarem sobre os esplendorosos ensinamentos do Cristo à luz da Terceira
Revelação.
Em sua romagem terrena, esta figura
verdadeiramente angelical, que se chamou Leopoldo Cirne, e cujo primeiro
centenário de nascimento ocorreu a 13 de Abril último, assim procedeu em sua
vida.
A ele coube a responsabilidade, não
pequena, de ser o sucessor, na presidência da Casa de Ismael, do querido e
inesquecível apóstolo do Espiritismo: - Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, quando
da sua desencarnação, nesta cidade, a 11 de Abril de 1900.
A Federação Espírita Brasileira não
sofreu qualquer solução de continuidade no seu trabalho, com a atuação de seu
novo presidente, porque Leopoldo Cirne outra coisa não fez que seguir as
pegadas de seu ilustre antecessor, que não admitia a Doutrina Espírita sem o
vínculo religioso, isto é, sem o entrelaçamento dos princípios normativos do
Evangelho.
Leopoldo Cirne nasceu na Paraíba do
Norte a 13 de Abril de 1870, e por dificuldades financeiras
não pode concluir o estudo de Humanidades.
O Dr. Leoni Kaseff, que teve o
privilégio de, por alguns anos, privar da intimidade de
Leopoldo Cirne, ao prefaciar o último livro desse seu amigo - O HOMEM
COLABORADOR DE DEUS, obra que só em 1949, portanto, oito anos após a sua
desencarnação, foi dada à
publicidade, informa-nos que “Cirne lia
muitíssimo e anotava, com sobriedade, suas impressões; que as melhores obras de
religião, filosofia, ciência, arte e literatura eram-lhe familiares; que
conhecia profundamente a Bíblia e a Imitação de Cristo, e que poucos terão
estudado, como ele, esse “quinto Evangelho”; e mais ainda, que depois dos
Evangelhos propriamente ditos, era, talvez, o livro que mais o atraía.
Guardava-lhe capítulos inteiros e aplicava-lhe as máximas, até em situações
imprevistas, com a segurança com que recorria às citações do Velho e do Novo
Testamento.”
Leopoldo Cirne veio para o Rio de
Janeiro lá pelo ano de 1891, quando, portanto, contava
mais ou menos 21 anos de idade, incorporando-se logo ao lado de Bezerra de
Menezes, com ele trabalhando ardorosamente no aprendizado e difusão do
Espiritismo, e por isso granjeou imediatamente a simpatia e a estima de seus
companheiros de ideal. A Federação Espírita Brasileira a ele é devedora por inúmeros serviços prestados,
não só como
eficiente administrador, senão também como magistral condutor dos trabalhos
evangélicos e doutrinários.
A sua sede na Avenida Passos foi,
por assim dizer, obra sua, a qual lhe exigiu esforços sem conto, no propósito
de sua conclusão ser prontamente atingida, sem jamais dar mostras de desânimo
na concretização desse seu acalentado ideal, qual o de ver a instituição, a que
presidia, instalada num prédio próprio e condizente com a magnitude da obra
espiritista em terras guanabarinas. E no prazo de dezessete meses, isto é, a 10
de Dezembro de 1911, esse prédio era inaugurado, de cujo acontecimento, aliás,
todos os periódicos desta Capital, sincera e espontaneamente, deram
extraordinária cobertura. Pela manhã desse dia, o jornal O P AIZ, em longo artigo, fazia, entre outras
considerações, a de que “a nova sede da
Federação Espírita Brasileira tinha, considerada no seu ponto de vista
particular, o valor, já hoje raro, de exprimir uma dedicação extraordinária dos
homens agremiados naquele centro de atividades, dedicação praticada em uma
quase penumbra, sem alarde, sem benemerências conclamadas, sem nomes postos em
foco, com a modéstia efetiva dos crentes sinceros e dos generosos por dever; que
em cada pedra, em cada bocado de argamassa da sua construção, havia um pouco de
coração e de consciência, dominados por um alto sentimento e um sugestivo dever”.
E Leopoldo Cirne, no ato solene da
inauguração, profundamente emocionado, sem, todavia, se afastar daquela
simplicidade que lhe era peculiar, a ela presidiu, no vasto salão de
conferências, que estava superlotado . De sua oratória, destacamos este trecho:
“Era tempo de que o Espiritismo tão
malsinado, tão pouco compreendido por uns e tão mal julgado por outros,
oferecesse este testemunho da sua força e capacidade organizadora. Era tempo de
que esta obra, que avulta pela sua significação moral para a propaganda da
verdade espírita, viesse dar lugar à aproximação, cada vez mais ampla, entre os
que a ignoram e os que já desfrutam os seus salutares benefícios.”
Leopoldo Cirne, através de sua já
citada obra -- O HOMEM COLABORADOR DE DEUS, deixou
bem positivado seus nobres e alcandorados sentimentos cristãos, e sua
inabalável fé e
confiança na bondade e justiça infinita de nosso Pai Celestial, tanto que
inicia o seu primeiro capítulo, dizendo: “Erguei
o coração para o Alto e tende confiança no futuro que vem próximo.
“Porque eu vos anuncio a nova aurora
de que são precursoras as sombras que de todos os lados nos envolvem neste
angustioso crepúsculo da história e da existência humanas.”
Sua arraigada convicção de que a
finalidade precípua da Doutrina Kardequiana, através de suas teses de alta
filosofia transcendental, era justamente a de recristianizar as criaturas,
disse, ao iniciar a obra que ele intitulou ANTICRISTO -- SENHOR DO MUNDO: “Só o
amor pode salvar o mundo, que se perde. O amor e a humildade. Porque o mundo
evidentemente se perde, no sentido espiritual, transcendente, portanto, do vocábulo,
por excesso de indiferença e de orgulho.”
E ele foi o exemplo vivo, constante,
da humildade, e esta humildade constituía a sua maneira
de ser, era espontânea, natural, sem afetação, e por isso deixou consignado, em
seu citado livro ANTICRISTO - SENHOR DO MUNDO (1) , que “O Espiritismo, convencendo o homem da sua
contingente pobreza espiritual e adotando a doutrina tão animadora, do Anjo da
Guarda, ou Espírito protetor, a toda a criatura proposto neste mundo, faz da
humildade, que é o broquel por excelência contra as funestas sugestões do
Espírito maligno, a pedra angular do seu aperfeiçoamento, humildade que foi a
primeira lição dada por Jesus, no presépio de Belém, aos orgulhosos filhos
deste mundo. Humildade, finalmente, sem a qual não pode haver no homem nenhuma
outra virtude, nem fé, nem paciência, nem caridade, nem mesmo sapiência”.
(1) Do Blog: Temos este livro
parcialmente postado aqui.
Leopoldo Cirne jamais ocupou a
tribuna da Casa de Ismael sem que, durante cerca de uma
hora antes de iniciar a sessão a que então presidia, permanecesse isolado de
todos, em profunda meditação. E a sua oratória era um cascatear verdadeiramente
admirável, cheio de belas imagens que tocavam fundo o coração de todos os
assistentes. É que suas palavras tinham vida, respondiam às mais diversas e
íntimas indagações que, em pensamento, eram feitas pelos assistentes. E quantas
lágrimas rolavam dos olhos dessas criaturas!
Conforme consta do substancioso
livro organizado por Zêus Wantuil e intitulado GRANDES ESPÍRITAS DO BRASIL, “Cirne possuía o dom precioso de expositor da
Doutrina Espírita, e ele mais se afirmou, presidindo a Federação Espírita
Brasileira, exímio pregador e instrutor notável,
a cuja penetração mental nenhum embaraço insuperável oferecia qualquer ponto da
matéria que versava, por mais obscuro que fosse”.
Durante toda a sua vida, foi um
constante estudioso de tudo que lhe pudesse iluminar o espírito, que melhor lhe
alegrasse o coração e lhe transmitisse forças para continuar a trabalhar com entusiasmo
até os derradeiros instantes da permanência de seu espírito em corpo somático,
tal como aconteceu a seu idolatrado mestre Allan Kardec, porque a vida na Terra
nos foi concedida não para ficarmos indolentes, mas, sim, para, com nosso
trabalho honesto, sermos úteis à coletividade.
E seu fulgurante Espírito, há alguns
anos, lá das etéreas paragens, disse-nos, através de uma mensagem medianímica:
-- “Estudemos e trabalhemos, amemo-nos e instruamo-nos, para melhorar a nós
mesmos e para soerguer a vida que estua, soberana, junto de nós. A obra
gloriosa do Codificador trouxe, como sagrado objetivo, a recuperação do amor e
da sabedoria, da fraternidade e da justiça, da ordem e do trabalho, entre os
homens, para a redenção do mundo.” (*)
Leopoldo Cirne foi um marido
exemplar, de extremo carinho para com a sua companheira e esposa muito querida.
E foi com os olhos postos nessa
companheira que tão bem soube compreendê-lo, amá-lo e encorajá-lo na sua
laboriosa vida farta de espinhos, e balbuciando uma doce e compassiva prece,
que o Espírito de Leopoldo Cirne abruptamente partiu, em 31 de Julho de 1941,
para essa pátria que ele tanto amou!
(*) Instruções Psicofônicas,
pág. 207. Edição da FEB, 1956.
Centenário de
nascimento de
Leopoldo Cirne
Sylvio Brito Soares
Reformador (FEB) Junho 1970
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