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domingo, 16 de janeiro de 2022

A evolução dos seres

 

A evolução dos seres

por I. Pequeno (Antonio Wantuil de Freitas)

Reformador (FEB) Novembro 1944

             Posto que o próprio Allan Kardec, e com ele os Espíritos reveladores, tivesse julgado prudente condescender até certo ponto com os preconceitos do seu tempo, abstendo-se de pregar aberta e resolutamente a indefinita evolução de todos os seres, não transparece menos, quer no ensino dos Espíritos, quer nos comentários do Mestre a tal respeito, a insinuação, ora clara, ora velada, dessa grande lei. Ver “O Livro dos Espíritos”, parte 2ª, cap. XI, sobretudo os números 604 e 607.

            Já na “Revelação da Revelação”, dada a Roustaing, a explanação desse tema é feita com amplitude e sem tergiversações. Ver o volume 1º, nº 56, pág. 273 e segs.

             Leopoldo Cirne - Nota à página 315 do volume 1º de “Doutrina e Prática do Espiritismo”, (Edição FEB).


terça-feira, 23 de novembro de 2021

Cirne em face de Roustaing

 

‘Cirne em face de Roustaing’

por  Luciano dos Anjos

                                                         Reformador (FEB) Dezembro 1962

            Não fora a própria natureza do Espiritismo, qua a todos permite agir e pensar livremente e não saberíamos compreender o comportamento de alguns confrades que tanto se apartam dos mais ordinários postulados doutrinários. Só por isso há os que, por exemplo, chegam ao extremo de usar os mesmos métodos desleais dos que, lá fora, acerba e acriminiosamente têm tentado destruir o Espiritismo. Infelizmente, não raro, temos de lamentar a intemperança dos adversários externos e... também internos. Enfim, nenhuma Doutrina é mais liberal do que o Espiritismo e a cada qual se reserva o direito de agir como melhor lhe aprouver. Deixá-los pensar até que evoluam é apanágio inerente à própria Doutrina. Antes dessa ascensão evolutiva jamais lhes poderemos esperar melhor conduta e nem do Alto lhes será fácil, por acréscimo de misericórdia, receber a intuição precisa do entendimento das coisas. A Lei do Campo Mental (V. “Mecanismos da Mediunidade”, pág. 116 (ed. da FEB, 1960) é inflexível como qualquer outra lei, e o inesquecível Manuel Quintão já dizia, no “Reformador” de Novembro de 1942, pág. 262: “Ninguém será assistido e esclarecido extralimites do seu próprio esforço e capacidade intelectual e moral.”

            Nas obras de combate à Nova Revelação deparamos amiúde com as célebres transcrições pela metade, truncadas, mutiladas e até, às vezes, apresentadas fria, ousada e desabridamente a par de conclusões que de forma alguma se lhes poderiam inferir. Esse sistema, terrivelmente demolidor, encontramos também em trabalho d alguns confrades sôfregos por aluir (abalar) a obra de Roustaing. É o chamado “vale tudo” dialético, desde que se não deixe ninguém crer na “Revelação da Revelação”. O maranhão (grande mentira) é apresentado e fantasiado com tal desplante que custa a ser desfeito. E, ao contrário, por força de repetição – o eficiente sistema hitlerista – leva, às vezes, séculos para ser desmascarado. Durante a última hecatombe mundial o “fuehrer” explorou com galhardia esse abominável método e ele mesmo proclamava, como bom entendedor do assunto: “Uma mentira, à força de repetição, acaba sendo aceita como verdade”... Quiçá nem em “O Príncipe” se terá lido tão caviloso prolóquio...

            Uma das muitas “histórias mal contadas” é, sem dúvida, a posição do talentoso Leopoldo Cirne em face da obra de J. B. Roustaing. O ex-presidente da FEB, depois de publicar notável defesa daquela revelação, teria recuado no seu ponto de vista e desmentido tudo o que afirmara antes. Já por si só esse comportamento seria de tal jeito incompatível com o talento de Leopoldo Cirne, que talvez bastasse para ser levada à conta de calúnia a asserção. Afinal, em apenas alguns anos ninguém, da estofa intelectual de Leopoldo Cirne, reformaria tão radicalmente um ponto de vista. Recuo dessa natureza exigiria muito maior tempo, meditação, estudo aprofundado, lucubrações redobradas, cujas conclusões possivelmente só noutra encarnação aflorariam. Leopoldo Cirne não era um leviano capaz de, repentinament, “mudar a casaca”. Seu trabalho, divulgado no ano de 1903 através do “Reformador”, exatamente quando exercia  a presidência da Federação, não era um simples suelto (notícia solta, boato), mas substanciosa defesa de tese que implicitamente revelava o emprego de longo e acurado estudo filosófico. Ali, sua posição é de tal modo posta que se torna invisível crê-lo, alguns poucos anos depois, pensando diferentemente, e em termos diametralmente opostos, que torna a guinada sobremaneira absurda e ilógica. Seria quase o mesmo que, também a súbitas, passasse ele a descrer na imortalidade da alma... Nossa surpresa não seria menor. Depois, é preciso entender que a evolução espiritual conduz a uma determinada segurança interior na conceituação dos problemas filosóficos. Leopoldo Cirne tinha o necessário talento e  indispensável envergadura moral para emprestarem ao seu espírito evolucionado uma certa estabilidade consciencial e, por consequência, conceptual. A ser verdadeiro, em que lógica, dentre as cinco sugeridas por Gustave Le Bon (“As Opiniões e as Crenças”, ed. da Cia. Brasil Editora de São Paulo), se poderia enquadrar esse comportamento esdrúxulo? Em nenhuma, talvez, eis que tal comportamento não seria lógico. Assim, à sombra da própria ciência humana e oficial, temos carradas de razões para supor o absurdo da atitude que Leopoldo Cirne, de resto, nunca adotou.

            Por tudo isso, nunca poderíamos aceitar a reviravolta do pensamento de Leopoldo Cirne, como nos querem apresentar, capciosamente, alguns confrades menos sensatos. Todavia, a questão não se permite colocar em termos de aceitar ou não essa reviravolta. Isto porque, em nenhum tempo Leopoldo Cirne insinuou sequer uma alteração no seu ponto de vista. O que ocorre – e veremos a seguir – é a exploração leviana de determinado trecho da sua obra “Anticristo, Senhor do Mundo”, exploração lamentável feita pelos adversários acérrimos da doutrina rustenista. Mas nem ao menos é um trecho que comporte duas interpretções. Ele é claríssimo, cristalino e somente a técnica da mentira racionalizada, repetida assiduamente, tem tentado apresentá-lo com o sentido que Leopoldo Cirne nunca lhe emprestou. Senão, vejamos:

             “Devemos acrescentar, a propósito da “Revelação da Revelação”, que, reconhecendo embora a profundeza de muitos de seus ensinamentos, a par da magnitude do plano verdadeiramente original, em que foi plasmada, não temos dúvida em admitir que a forma expositiva, recheada de fatigantes repetições, denuncia suspeita colaboração oculta”. “Sob essa mesma epígrafe (“Espiritismo Cristão”) é que foi publicada a “Revelação da Revelação” – outro título pretencioso, constituindo uma das suspeitas inspirações que, a nosso ver, logrou o inimigo insinuar nessa obra admirável, fazendo-a um misto de luz e sombras e tornando assim necessário que, para aceitação dos magníficos ensinamentos que contém, seja empreendido um considerável trabalho de joeiramento (peneiramento) e síntese, que, eliminando as ociosas repetições do mesmo modo que certas excessivas pormenorizações, conserve em suas linhas estruturais o pensamento superior que lhe deu origem. Esse trabalho – não o duvidamos – será um dia realizado com o amor e a humildade que requer, sob a indispensável inspiração do Alto.” (“Anticristo, Senhor do Mundo”, páginas 290/291/292, 1935. Todos os grifos são nossos.)

             Ora, tais palavras não dão margem a duas interpretações. Leopoldo Cirne apenas passou a achar que houve “uma suspeita colaboração oculta” na “forma expositiva” do trabalho. Apenas na forma expositiva, que contém “ociosas repetições e excessivas pormenorizações”. Contudo, dentro do mesmo trecho, Leopoldo Cirne reconhece na obra de Roustainga profundeza de muitos de seus ensinamentos, a par da magnitude do plano, verdadeiramente original, em que foi plasmada”. E mais: “magníficos ensinamentos que contém” e “o pensamento superior que lhe deu origem”. Sugere, enfim, um trabalho de síntese para melhorar a forma expositiva. Essa sinopse, aliás, chegou a ser feita, alguns anos antes, por Antônio Luís Sayão e se intitula “Elucidações Evangélicas”. Não seria difícil explicar as razões das repetições e pormenorizações encontradas na “Revelação da Revelação”, bastando argumentar com a época e a natureza profunda do novo ensinamento, apenas assimilável se exposto, mesmo, com minúcia e repetição aclaradoras. Uma questão simples de imagem conceptual interior, necessária á apreensão do leitor. Lembramos aqui, a guisa de exemplo, o trabalho do filósofo Louis Lavelle, intitulado “Traité de Valeurs”, cujas repetições e pormenorizações se por um lado tornaram-no enfadonho, nem por isso lhe apoucaram o valor do conteúdo intríseco. O autor, assim agindo, visou a tornar claras e compreensíveis as novas ideias lançadas ao mundo. Da mesma forma, “O Capital”, de Karl Marx, pode ser considerdo excessivamente prolixo e repassado de repetições, sem que nada lhe houvesse roubado a importancia das ideias esquadrinhadas. De Emmanuel Kant as obras fundamentais; “Crítica da Razão Pura”, “Crítica da Razão Prática” ou “A Religião Dentro dos limites da Mera Razão”, podem ser igualmente incluídas ao mesmo caso. Um outro exemplo se contém, sem dúvida, na obra de Pietro UbaldiA Grande Síntese”, onde a prolixidade, a par dum sistema expositivo arrastado, são fatores incontestáveis sem que nada implique, entretanto, no inquinamento da profunda mensagem filosófica que encerra. Finalmente, os três Evangelhos  chamados sinóticos, de Mateus, Marcos e Lucas, por se repetirem, nem por isso denunciam “uma suspeita colaboração oculta”.

             Deixemos de lado, porém, esse aspecto que, se existiu, já foi corrigido pelo não menos talentoso Antônio Luís Sayão, quem sabe, até, “inspirado pelo Alto”, como era do desejo do seu confrade Leopoldo Cirne. No mais, não devemos esquecer nunca o consagrado aforismo francês: “tout est bien qui finit bien”...

            Passemos, pois, ao que mais importa. Vemos, do exposto, que Leopoldo Cirne não rejeitou a obra de Roustaing. No próprio “Anticristo, Senhor do Mundo”, pouco antes de chegar àquele malsinado trecho (pág. 290), podemos ler, sobre a natureza do corpo de Jesus, o seguinte conceito do autor:

         “Por nossa parte, não poderíamos, nem podemos, sem irreverência, compreender (a figura do Mestre) sujeita às mesmas grosseiras necessidades e contingências do comum dos homens, não menos indispensável sendo, por isso, atribuir-lhe uma corporeidade particular, a fim de não somente serem entendidas certas expressões, aparentemente enigmáticas, relativas á sua própria pessoa, mas alguns fatos capitais de sua vida, inexplicáveis a não admitir-se tal corporeidade.”

             Ora, mais claro e definitivo do que isso Leopoldo Cirne não poderia ter sido. Aliás, já à pág. 204, assim se expressava:

             “Num trabalho anterior, conformando-nos benévola e discretamente, com as explicações contidas na “Revelação da Revelação”, decorrentes da natureza do Cristo, de sua hierarquia e sua missão divinas, que aceitamos nos termos em que alí se encontra... (Grifos nossos)

             E, à pág. 280:

             “... a propósito da revelação,contemporânea de Allan Kardec, recebida igualmente na França, por J. B. Roustaing, com o concurso da médium Sra. Collignon, a qual, enfeixando admiráveis ensinamentos acerca da evolução geral dos seres, com uma profundeza e transcendência que se não encontram nas obras fundamentais codificadas pelo primeiro, e empreendendo uma explicação integral dos Evangelhos, “em espírito e verdade”, não apenas em sua parte moral, mas abrangendo, uma a uma, todas as passagens, postas em concordãncia, nos três sinóticos, relativas, inclusivamente, aos fatos da vida de Jesus e aos denominados “milagres”.”

             Fora impossível, sem dúvida, ser mais explícito. Quanto a discordar da epígrafe “Espiritismo Cristão” e do título “Revelação da Revelação” era um direito que lhe assistia e cuja externação revestia caráter meramente opiniático. Deixemos também de comentar, por um dever de caridade e respeito, os motivos inglórios que o levaram a admitir, em má hora, determinados conceitos sobre outros problemas doutrinários insertos em “Anticristo, Senhor do Mundo”. Onde se encontra já terá, por certo, compreendido seu doloroso equívoco, fruto de efêmeras desinteligencias com alguns confrades, logo após o seu afastamento da presidência da Casa de Ismael, onde deixou extraordinária folha de serviços.

             Mas, voltemos ao nosso tema. Na sua obra anterior intitulada “Doutrina e Prática do Espiritismo”, editada em 1920, como se comporta o pensamento filosófio de Leopoldo Cirne? Verifiquemos rapidamente. À pág. 279 do vol I, diz-nos ele:

             “A obra, que sob esse título (“Revelação da Revelação”) e com o subtítulo “Os Quatro Evangelhos, explicados em espírito e verdade pelos Evangelistas, com assistência dos Apóstolos”, foi recebida em forma de ditados e publicada por J. B. Roustaing (edição, traduzida, da Federação Espírita Brasileira), tem sido objeto de veementes impugnações, a pretexto e em virtude da singularidade, aos olhos de muitos inadmissível, com que é atribuída ao Cristo uma corporeidade, fora da leis da encarnação humana, constituída pela absorção e condensação de fluidos que lhe davam ao perispírito o aspecto e as condições de uma longa tangibilidade, semelhante à de Katie King (experiências de William Crookes), única entretanto compatível, na opinião de alguns que partilhamos, com a pureza e peregrina elevação daquele Espírito. À parte contudo esse ponto, em que é lícita a controvérsia, conforme o prisma por que seja individualmente examinado e contanto que dele não se faça um motivo de divisão e hostilidade, a aludida Revelação contém, de par com uma explicação minuciosa, trecho a trecho, dos textos evangélicos, sendo assim uma obra única em seu gênero, contém – dizíamos – ensinos de uma admirável transcendência, sobre os quais bem andariam os espíritas, sem ideia preconcebida, em meditar detidamente, tanto mais que se avantajam a alguns dos codificados por Allan Kardec, como por exemplo os que se referem à evolução dos seres, ali apresentada numa síntese integral, como não se encontra semelhantemente nem com tamanha clareza n’ “O Livro dos Espíritos”, em que esse ensino é ministrado sob uma forma velada e incompleta.”

             Mais adiante, à pág. 191 do vol II, lemos:

             “A explicação que dessa passagem (tentação de Jesus) se encontra na “Revelação da Revelação”, apoiada na lógica, em harmonia com o conhecimento da natureza do Cristo, da sua hierarquia e missão divinas, demonstra satisfatoriamente a “... etc.

             Restaria apenas uma consulta ligeira à última e mais recente obra de Leopoldo Cirne, intitulada ‘O Homem colaborador de Deus”, edição póstuma da Gráfica Mundo Espírita, datada de 1949. À pág. 64, deparamos:

             “Era  seus traços gerais, transitando por último do reino animal para a Humanidade, não direta e imediatamente, mas consoante os razoáveis ensinamentos da “Revelação da Revelação”.

             Logo adiante:

             “Verbo de Deus, tornado objetivo aos humanos olhares, o Senhor Jesus, cuja missão”... etc. (pág. 136.)

             À pág. 140, afirma o autor:

             “Até para Espíritos de ordem mais elevada como, por exemplo, o Senhor Jesus, a ligação a um corpo, mesmo de composição especial em harmonia com a sua pureza e sua perfeição – segundo a concepção, que se nos afigura a mais acertada e constitui, divergente embora respeitável corrente entre os espíritas -, representa sempre uma restrição, pelo menos, de seus poderes e capacidade operativa.”

             Notem bem que Leopoldo Cirne considera, para si, a mais acertada concepção, e isto no seu último livro, traduzindo, afinal, o seu último ponto de vista.

             Bem, fiquemos por aqui. Esta é a real posição de Leopoldo Cirne em face de Roustaing. E estamos certos de que, mercê do Alto, não vingarão por muito tempo os métodos desleais de que vêm fazendo uso alguns daqueles que ainda não entenderam a mensagem rustenista – ou, o que é pior – nem mesmo a kardecista-cristã... Ademais, lembremos sempre que a Verdade pe eterna e nada teme. Em artigo publicado em 18 de Março de 1953, na extinta “Vanguarda”, afirmava o insquecível Fred. Fígner: “A verdade não pode ser vencida, os vencidos somos nós que não oramos e vigiamos.”

            SURSUM CORDA! (corações ao Alto!) (*)

  (*) Aquele leitor de São Paulo (rua Dr. Coutinho, 72 – Penha), que nos escreveu aconsehando a leitura de certas obras, queremos responder, a bem da verdade, que tivemos oportunidade de as ler há muito tempo e até nos desvanecemos de possuir o “Anticristo, Senhor do Mundo”, autografada pelo próprio autor. Não tem razão o nosso leitor quando nos considera desinteressados da Verdade. Nossa vida tem sido e há-de ser uma constante preocupação pelo estudo, a fim de não cometermos erros doutrinários e, em contrapartida, encontrarmos os elos doutrinários que nos dão a chave dos magnos problemas, forrando-nos assim à intolerância dos que só querem... Kardec e não Roustaing.


quarta-feira, 7 de julho de 2021

Mediunidade e Alimentação

                         

Mediunidade e Alimentação 
por Indalício Mendes
Reformador (FEB) Julho 1965
           
            São os médiuns merecedores de todo o respeito e simpatia, principalmente quando se mostram devotados ao trabalho mediúnico, revelando assiduidade revelando assiduidade e dedicação. Devem, contudo, ser tratados como simples criaturas humanas, jamais como semideuses, porque isto pode levá-los a sofrer a ação deletéria, embora dissimulada, da vaidade.

            Aceitamos a palavra do inolvidável Leopoldo Cirne: "...o exercício da mediunidade envolve sempre o desempenho de uma missão, de um compromisso, mais ou menos grave e importante, assumido pelo médium, antes de encanar. O seu primeiro cuidado deve ser, portanto, aparelhar-se das requeridas condições espirituais que o tornem, ao mesmo tempo que um veículo de luz e verdade para os homens, um instrumento flexível, um transmissor fiel das comunicações , abstendo-se tão completamente quanto possível de nelas colaborar e intervir, mesmo inconsciente ou involuntariamente. Para esse resultado é que a disciplina do pensamento e o domínio de suas aptidões psíquicas hão de poderosa  e eficazmente contribuir, permitindo-lhe, quando chegar o tempo de exercer as suas faculdades, praticar uma abstenção, um isolamento do seu próprio espírito, que assegure ao comunicante a máxima liberdade e independência de manifestação.

           "Não percamos de advertir, contudo, que cedendo os seus órgãos para esse fim a uma outra entidade, não fica o médium inibido de exercer uma prudente vigilância, a fim de obstar, quando se trate de Espírito de ordem inferior, que esse proceda com inconveniência ou pratique desatinos, prejudiciais, prejudiciais ao aparelho vivo de que se  está servindo. Porque, em tal caso- e é assim que fazem os médiuns educados -, por uma ação de Espírito a Espírito, fará ele retirar o turbulento, retornando a posse do seu organismo. Neste sentido é que deve ser entendida a sábia advertência de Paulo, ao discorrer sobre as regras e condições a observar nas assembléias dos crentes e a propósito da intervenção dos Espíritos pelos médiuns (denominados então profetas), quando afirma (I Coríntios, XIV, 32) que "os espíritos dos profetas (ou que por estes se manifestam) estão sujeitos aos profetas"."

          Aí estão, em bela síntese, os deveres dos médiuns e dos cuidados que ele precisa ter no exercício da mediunidade. Há outras partes igualmente importantes entre as quais está a alimentação. Nenhum médium é obrigado a seguir determinado regime alimentar, mas, fora de dúvida, melhores resultados poder´obter da prática dessa faculdade se adotar uma alimentação racional, abstendo-se de alimentos pesados, muito feculentos, mormente quando tiver de se entregar ao trabalho espiritual.

           O ideal seria abandonar a alimentação de carnes  derivados, preferindo o regime vegetariano, que, adequadamente estabelecido, oferecerá compensações magníficas, quando completado com o uso de frutas. Vamos citar a opinião do filósofo norte-americano, Marden, absolutamente imparcial, porque não é grande entusiasta do vegetarianismo: "Ponderando todos os argumentos pró e contra a dieta vegetal, chego à conclusão de que poderíamos facilmente abster-nos de carne, conseguindo, noutros alimentos, o azoto (nitrogênio) que tão necessário é para manter em boa condição os músculos, os nervos e os outros tecidos sólidos do corpo. Não é preciso matar animais para o nosso sustento, porque o leite, o queijo, a manteiga e os ovos substituem vantajosamente a carne.

           "Também não é preciso ser vegetalista intransigente. Considerando o meio termo, creio estar de acordo, em matéria de alimentação, com as principais autoridades que proclamam que a melhor dieta é a dieta vegetal acrescida de leite, ovos, manteiga e queijo. Estou crente em que este sistema oferece todas as vantagens, sem ter qualquer dos inconvenientes dum regime inteiramente cárneo ou inteiramente vegetal."

           Nos dias de sessão, deve o médium alimentar-se sobriamente, preferindo sempre alimentos de fácil digestão. Na verdade, a sobriedade alimentar deveria ser de regra invariável, não só da parte dos médiuns como de qualquer pessoa.

           O famoso inventor Edison, "depois de muitas experiências de alguns anos sobre a influência dos alimentos na própria saúde e inteligência, substituiu o seu regime diário de 500 a 600 gramas de alimentação pelo de 300 gramas, por ser o que lhe fornecia o maximum de saúde e de força. Edison afirma que a experiência lhe demonstrou que um homem de iniciativa e de inteligência perde parte da sua capacidade, se fatigar os órgãos digestivos; e que esta mudança de regime o fez remoçar, apesar de, então, já contar 67 anos". O excesso de alimento nunca beneficia o organismo.

           Outra condição importante é a mastigação perfeita de todos os alimentos. Existiu nos Estados Unidos um homem, Horace Fletcher, feito célebre pelo método que lançou com êxito - o "fletcherismo" - baseado na conquista e conservação da saúde pela mastigação racional. Muitas vezes a má digestão e a defeituosa assimilação decorrem, nem sempre da espécie de alimento ingerido, mas da mastigação deficiente. Nas grandes cidades, é hábito o comer-se apressadamente, engolindo-se sem mastigar. Muitos doentes de úlceras e outros males conseguem assim o prêmio da sua imprevidência. Fletcher estabeleceu tabelas que determinam o número mínimo de vezes para alimentos de cada categoria. Partia da mastigação lenta e completa de cada bocado. Fez adeptos aos milhares, porque a sua teoria é certa. Depois de haver sido recusado, oito anos antes por uma companhia de seguros, por ter precária a saúde, tornou-se, quase aos 60, um homem robusto, pesando menos, mais forte, mais capaz para o trabalho, com as ideias mais claras. quando alguém estiver apressado e não tiver tempo para comer corretamente, deve reduzir a quantidade de alimentos, de maneira a não sacrificar a boa mastigação.´

           O médium deve abster-se de qualquer bebida espirituosa, bem assim de frequentar ambientes moralmente duvidosos, para que se conserve com mais facilidade seguro de si mesmo. Uma vida moral sadia é muito importante para qualquer um, 
notadamente para quem tenha deveres mediúnicos.

           Não só o que entra pela boca como o que dela sai, deve ser cuidadosamente vigiado por quantos desejam permanecer em paz consigo mesmo.

segunda-feira, 8 de março de 2021

Símbolos

 

Símbolos

por    Leopoldo Cirne     Reformador (FEB) Junho 1944

             O Espiritismo - insistiremos nisso - não comporta símbolos. Vindo para restabelecer em toda sua pureza e integridade o Evangelho, e espiritualizar todas as crenças todas as crenças, tem, entre outras coisas, por missão emancipar os homens de preconceitos e superstições, como das escravizadoras restrições dos emblemas e alegorias, instituindo aquele culto puramente espiritual anunciado à Samaritana pelo Cristo. Nada será, portanto, mais contrário à sua essência doutrinária do que a obstinação de certos crentes em transplantar para a suas práticas a bagagem ritualística de outras religiões, de que ainda não conseguiram libertar-se.


terça-feira, 13 de outubro de 2020

Os espíritas e a política

 Leopoldo Cirne

Os espíritas e a política (1)

por Leopoldo Cirne         Reformador (FEB) 16 Outubro 1918

             Do livro, em preparo (à época), “DOUTRINA E PRÁTICA DO ESPIRITISMO” Capítulo IV da 2ª parte (final).                  

                (1) O capítulo completo abrange os seguintes assuntos, que lhe servem de epígrafes: Programa de trabalhos. -- Cursos públicos doutrinários, - Imprensa espírita.- Institutos de beneficência e de instrução.- Ação social do Espiritismo.- Os espíritas e a política. - Legionários do Cristo.- O novo abolicionisrno.”

             Esta sentença de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores pois ou há de aborrecer a um e amar o outro, ou há de unir-se a um e desprezar o outro” (Mateus VI, 24), completada com a advertência aos seus discípulos, “vós não podeis servir a Deus e as riquezas”, não se aplica unicamente ao antagonismo entre a solicitude pelos bens materiais e o serviço divino, que requer um coração livre de toda mundana servidão, mas a tudo aquilo que represente um sério estorvo a essa liberdade interior.

            Assim, por exemplo, a esta questão que se tem frequentemente suscitado “devem os espíritas envolver-se na política?” - a solução pelo menos atual, tem que ser forçosamente procurada consoante aquela sábia advertência do Divino Mestre.

            Atual, dizemos, porque, enquanto a política, em lugar de um instrumento ao serviço exclusivo do bem público, for uma corrida às posições, um entretecido de interesses pessoais de que os princípios são apenas a máscara e o pretexto, o ambiente moral em que se envolve, de pequeninas intrigas e ambições, torna-se por natureza, não apenas inadequado, mas incompatível aqueles que, fazendo da retidão a sua norma inflexível de conduta, não somente aí se sentiriam deslocados, mas correriam o risco ou de ver anulados seus esforços, reduzidos que seriam à posição de meros clamadores no deserto, ou ter que submeter-se às injunções do meio, transigindo com os princípios e atraiçoando a própria consciência, tanto vale dizer, incorrendo numa verdadeira falência espiritual.

            Dir-se-á que, para moralizar os costumes políticos, é que se faz precisamente necessária a intervenção de indivíduos como todo espírita o deve ser, portadores de uma irrepreensível autoridade e inspirados num ideal superior de abnegação e de desinteresse. Pode mesmo acrescentar-se que, não cessando de propagar-se o Espiritismo por todas as camadas sociais da - mais obscuras às mais altas, a influência de suas benéficas doutrinas terminará por se fazer sentir mesmo nas classes administrativas e políticas e, nesse caso não devem os que tais funções exercem renuncia-las a pretexto de se haver tornado espiritas, nem seria justo privar a coisa pública de uma colaboração assim tornada preciosa. Nem tal absurdo pretendemos sustentar.

            Sem dúvida, no futuro, que não se pode saber a que distancia esteja, mas que seria temerário acreditar imediato, dada a lentidão com que se opera a modificação dos costumes e a resistência que ao seu melhoramento opõe a corrente dos interesses e paixões, sempre vivazes, quando o Espiritismo houver penetrado fundo as consciências, os seus moralizadores efeitos se refletirão na própria esfera política, tornada então, mas somente então, acessível aos espíritas. Até lá, porém, melhor a estes convirá se absterem de tentar uma experiência que sobre expô-los a um regresso desiludido quando não - o que seria infinitamente pior - a uma funesta absorção pelo meio corruptor, os desviaria do apostolado que são chamados peculiarmente a exercer.

            Ora, esse apostolado requer preliminarmente, a título preparatório, exercícios espirituais de iniciação e adestramento, que se não compadecem com a simultaneidade da política, em que pretendessem operar os catecúmenos (noviços; aquele que se instrui e se prepara para receber o batismo);- seja-nos lícito usar desta expressão – e, uma vez assumida aquela investidura, exige a absorvente aplicação de todas as capacidades e energias individuais, que seriam necessariamente prejudicadas se houvessem que dispersar-se no desempenho cumulativo de um mandato de tão oposta índole. O ideal, numa palavra, para o espírita ao serviço de Jesus é repartir a sua atividade entre os misteres da profissão, que lhe assegure a subsistência, e os seus encargos nas coisas da doutrina, fugindo quanto possível ao tumulto do século e às posições de evidência, estimuladoras de vaidade e ambições para buscar, na obscuridade e na modéstia, propícias condições de em si mesmo realizar o modelo de renúncia que lhe é pelo Mestre oferecido.

            Quantos espiritas, presumindo-se talhados para grandes feitos no cenário do mundo ou não sabendo resistir à sedução dos seus aplausos e gloríola, mal dissimulada sob o pretexto de simultaneamente servir à pátria e à doutrina, propugnando a a obtenção de leis assecuratórias da realização de seus humanitários ideais - como se o Espiritismo, portador de Lei que a todas sobrepuja, necessitasse do favor dos homens - se têm esterilizado na carreira política, não colhendo mais que decepções para os seus ilusórios propósitos e nada produzindo de verdadeiramente útil à causa de si mesma - insistiremos nisto - indiferente e sobranceira a tais cogitações!

            Um caso, horrivelmente significativo em seu desfecho, poderia ser invocado como exemplo da rematada inconveniência, para os espíritas militantes, de pretenderem conciliar com a serenidade, em que se deve exercer o ministério apostólico, a agitação, tantas vezes tumultuária, de um mandato político. É o do nosso ilustre e malogrado confrade mexicano Dr. Francisco Madero, até há poucos anos uma das mais laboriosas e eminentes figuras da propaganda espirita no México e que, tendo interrompido essas funções para assumir a presidência, num dos primeiros governos que sucederam à deposição e expatriação do velho Porfirio Diaz, não tardou por sua vez a ser deposto por um contragolpe revolucionário, terminando por sucumbir barbaramente arcabuzado, ao ser transferido da prisão a que fora recolhido para responder a julgamento dos seus adversários. Resgatou indubitavelmente uma dívida do passado, pois que um sucesso dessa natureza, como tudo ao demais não ocorre sem motivo, mas nem por isso é menos eloquente, em sua crudelíssima lição, esse fato, que privou as nossas fileiras de um membro proeminente, cujos serviços à causa se vinham afirmando de real valor.

            Sem mesmo a perspectiva de um trágico desfecho dessa ordem, as posições políticas, em épocas normais ou agitadas - pouco importa - devem tanto menos seduzir a atividade dos espiritas quanto, além da apontada incompatibilidade, não constituem uma profissão de que, por força da necessidade, houvessem de auferir a subsistência. O mandato político, eletivo em sua outorga, qualquer que seja a natureza das funções a exercer é, com efeito, sempre temporário nas democracias, assim não havendo sequer para os que o ambicionem a justificativa daquela necessidade, posto que haja, aqui e em toda parte, uma classe denominada de políticos profissionais, isto é, de indivíduos que por vocação ou, não raro, por interesse e hábito adquirido se obstinam em pleitear a indefinida renovação dos mandatos em que, desse modo, se vão perpetuando.

            Entre esses profissionais da política alguns haverá que tenham aceitado, ou venham a aceitar o Espiritismo sem com isso, todavia, modificarem os seus hábitos nem promoverem a tão salutar e imperiosa reforma dos próprios sentimentos, permanecendo o que se pode classificar de adeptos externos, cujo número é considerável e que, reconhecendo embora a verdade dos fenômenos e admirando a beleza da doutrina, podem ostensivamente professá-la, mas estão muito longe daquela conversão, cujo profundo significado oportunamente explanaremos.

            Que esses políticos profissionais se não resignem a abandonar as sedutoras posições a que, por um motivo ou outro, se têm afeiçoado, é o seu direito. Não é a eles que se dirigem as nossas observações mas aos espíritas militantes que de par com as ocupações de que aufiram a subsistência, alimentando na vida um ideal mais alto, necessitam com o seu serviço repartir o tempo e a atividade. A estes, que seriam cúmplices de uma verdadeira calamidade, se pretendessem constituir um partido político no seio do Espiritismo, ou enreda-lo na trama dos interesses partidários, esquecidos das desastrosas consequências que para o ideal cristão acarretou o extravio da igreja nesse rumo, é que e aplica a imperativa restrição: não podem servir ao Cristo e à política.

            Porque, nessa obra de renovação religiosa que se vem há mais de meio século, operando, é preciso não esquecermos a natureza do mandato que assumimos, não de campeões do mundo, mas de legionários do Cristo, sob cuja suprema direção se está vitoriosamente afirmando esse movimento, para cujo serviço não é possível nos apercebermos sem de vez nos despojarmos dos sentimentos, tendências e paixões que representam em no homem velho, para os substituirmos pelas cristalinas virtudes que, únicas, nos tornarão merecedores da excelsa investidura.

            Há cerca de 38 anos mergulhava o século em seu último quartel - o nosso Brasil foi teatro de uma fecunda agitação, perpetuamente memorável em seus anais de povo livre. Dir-se-ia que subitamente desperta aos clamores de uma raça trisecularrnente aviltada, a consciência nacional, em sua quase unanimidade, somente então - nunca pelo menos com tamanho vigor e extensão o fizera em tal sentido - se resolvera a considerar na ignomínia com que a escravidão de três milhões de humanos seres maculava os foros de civilização em que se presumia. Assistimos então aquela inolvidável campanha abolicionista que, nas colunas dos jornais, nos comícios populares e no Parlamento, pelo verbo dos mais inspirados tribunos e apóstolos, tanto como pelos feitos de obscuros jangadeiros, transportando para a “terra da luz”, em que se tornara o Ceará, os míseros cativos, arrebatados à tirania liberticida dos senhores devia, sacudindo o torpor das consciências, em pouco mais de um lustro, derrubar a execrada instituição e integrar aqueles milhões de proscritos na livre comunhão dos brasileiros, em meio de festas delirantes, como jamais, com o mesmo alvoroço e a mesma efusiva e entusiástica intensidade, se hão de talvez reproduzir em nossa pátria.

                Pois bem, mais importante que a liberdade civil outorgada em 13 de Maio de 1888 aos nossos irmãos negros há uma campanha abolicionista em que andamos empenhados os espíritas. Como disse o espírito do grande Luiz Gama desencarnado pouco antes daquele vitorioso desenlace, numa comunicação transmitida a um grupo de crentes, por ocasião daquelas festas, “libertados os corpos, trata-se agora de libertar os espíritos”.

            Sim, é uma cruzada pela emancipação das trevas da ignorância e da maldade, em que jazem os homens sepultados, que se trata de levar por diante, e é preciso que em sua prossecução ponhamos o mesmo apostólico fervor, a mesma dedicação exclusiva, absorvente e inquebrantável que os heróis do abolicionismo liberalizaram, até verem consumada a obra, com que se haviam espiritualmente identificado, da redenção dos cativos.

            Como eles, e melhor que eles, pois que Jesus é o nosso inspirador e o nosso chefe concentremos os máximos esforços em quebrar os grilhões da escravidão moral que oprime as almas, começando por dela nos emanciparmos a nós mesmos, e sem desfalecimentos, sem nos determos nas seduções com que o mundo nos acena, induzindo-nos a atraiçoar o sagrado ministério, mostremo-nos fieis à investidura do Mestre recebida, renunciando a tudo mais, se queremos ser contados entre os legítimos e diligentes operários da renovação religiosa, em que fomos chamados a intervir, e participar das aleluias com que se prepara a humanidade para saudar o novo dia que no horizonte do planeta não tarda a alvorecer.


segunda-feira, 22 de junho de 2015

Centenário de nascimento de Leopoldo Cirne


            Quem, na Terra, acende a lâmpada do amor e da verdade, alimentada com o azeite da fé e da humildade, e a coloca bem alto, jamais será esquecido por seus pósteros, porque os luminosos lampejos dessa lâmpada o farão sempre lembrado a todos os instantes, lampejos que cantam suavemente no íntimo de nossas almas, concitando-as a sentirem Deus e a meditarem sobre os esplendorosos ensinamentos do Cristo à luz da Terceira Revelação.

            Em sua romagem terrena, esta figura verdadeiramente angelical, que se chamou Leopoldo Cirne, e cujo primeiro centenário de nascimento ocorreu a 13 de Abril último, assim procedeu em sua vida.

            A ele coube a responsabilidade, não pequena, de ser o sucessor, na presidência da Casa de Ismael, do querido e inesquecível apóstolo do Espiritismo: - Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, quando da sua desencarnação, nesta cidade, a 11 de Abril de 1900.

            A Federação Espírita Brasileira não sofreu qualquer solução de continuidade no seu trabalho, com a atuação de seu novo presidente, porque Leopoldo Cirne outra coisa não fez que seguir as pegadas de seu ilustre antecessor, que não admitia a Doutrina Espírita sem o vínculo religioso, isto é, sem o entrelaçamento dos princípios normativos do Evangelho.

            Leopoldo Cirne nasceu na Paraíba do Norte a 13 de Abril de 1870, e por dificuldades financeiras não pode concluir o estudo de Humanidades.

            O Dr. Leoni Kaseff, que teve o privilégio de, por alguns anos, privar da intimidade de Leopoldo Cirne, ao prefaciar o último livro desse seu amigo - O HOMEM COLABORADOR DE DEUS, obra que só em 1949, portanto, oito anos após a sua desencarnação, foi dada à publicidade, informa-nos que “Cirne lia muitíssimo e anotava, com sobriedade, suas impressões; que as melhores obras de religião, filosofia, ciência, arte e literatura eram-lhe familiares; que conhecia profundamente a Bíblia e a Imitação de Cristo, e que poucos terão estudado, como ele, esse “quinto Evangelho”; e mais ainda, que depois dos Evangelhos propriamente ditos, era, talvez, o livro que mais o atraía. Guardava-lhe capítulos inteiros e aplicava-lhe as máximas, até em situações imprevistas, com a segurança com que recorria às citações do Velho e do Novo Testamento.”

            Leopoldo Cirne veio para o Rio de Janeiro lá pelo ano de 1891, quando, portanto, contava mais ou menos 21 anos de idade, incorporando-se logo ao lado de Bezerra de Menezes, com ele trabalhando ardorosamente no aprendizado e difusão do Espiritismo, e por isso granjeou imediatamente a simpatia e a estima de seus companheiros de ideal. A Federação Espírita Brasileira a ele é devedora por inúmeros serviços prestados, não só como eficiente administrador, senão também como magistral condutor dos trabalhos evangélicos e doutrinários.

            A sua sede na Avenida Passos foi, por assim dizer, obra sua, a qual lhe exigiu esforços sem conto, no propósito de sua conclusão ser prontamente atingida, sem jamais dar mostras de desânimo na concretização desse seu acalentado ideal, qual o de ver a instituição, a que presidia, instalada num prédio próprio e condizente com a magnitude da obra espiritista em terras guanabarinas. E no prazo de dezessete meses, isto é, a 10 de Dezembro de 1911, esse prédio era inaugurado, de cujo acontecimento, aliás, todos os periódicos desta Capital, sincera e espontaneamente, deram extraordinária cobertura. Pela manhã desse dia, o jornal  O P AIZ, em longo artigo, fazia, entre outras considerações, a de que “a nova sede da Federação Espírita Brasileira tinha, considerada no seu ponto de vista particular, o valor, já hoje raro, de exprimir uma dedicação extraordinária dos homens agremiados naquele centro de atividades, dedicação praticada em uma quase penumbra, sem alarde, sem benemerências conclamadas, sem nomes postos em foco, com a modéstia efetiva dos crentes sinceros e dos generosos por dever; que em cada pedra, em cada bocado de argamassa da sua construção, havia um pouco de coração e de consciência, dominados por um alto sentimento e um sugestivo dever”.

            E Leopoldo Cirne, no ato solene da inauguração, profundamente emocionado, sem, todavia, se afastar daquela simplicidade que lhe era peculiar, a ela presidiu, no vasto salão de conferências, que estava superlotado . De sua oratória, destacamos este trecho: “Era tempo de que o Espiritismo tão malsinado, tão pouco compreendido por uns e tão mal julgado por outros, oferecesse este testemunho da sua força e capacidade organizadora. Era tempo de que esta obra, que avulta pela sua significação moral para a propaganda da verdade espírita, viesse dar lugar à aproximação, cada vez mais ampla, entre os que a ignoram e os que já desfrutam os seus salutares benefícios.”

            Leopoldo Cirne, através de sua já citada obra -- O HOMEM COLABORADOR DE DEUS, deixou bem positivado seus nobres e alcandorados sentimentos cristãos, e sua inabalável fé e confiança na bondade e justiça infinita de nosso Pai Celestial, tanto que inicia o seu primeiro capítulo, dizendo: “Erguei o coração para o Alto e tende confiança no futuro que vem próximo. 

            “Porque eu vos anuncio a nova aurora de que são precursoras as sombras que de todos os lados nos envolvem neste angustioso crepúsculo da história e da existência humanas.”

            Sua arraigada convicção de que a finalidade precípua da Doutrina Kardequiana, através de suas teses de alta filosofia transcendental, era justamente a de recristianizar as criaturas, disse, ao iniciar a obra que ele intitulou ANTICRISTO -- SENHOR DO MUNDO: “Só o amor pode salvar o mundo, que se perde. O amor e a humildade. Porque o mundo evidentemente se perde, no sentido espiritual, transcendente, portanto, do vocábulo, por excesso de indiferença e de orgulho.”

            E ele foi o exemplo vivo, constante, da humildade, e esta humildade constituía a sua maneira de ser, era espontânea, natural, sem afetação, e por isso deixou consignado, em seu citado livro ANTICRISTO - SENHOR DO MUNDO (1) , que “O Espiritismo, convencendo o homem da sua contingente pobreza espiritual e adotando a doutrina tão animadora, do Anjo da Guarda, ou Espírito protetor, a toda a criatura proposto neste mundo, faz da humildade, que é o broquel por excelência contra as funestas sugestões do Espírito maligno, a pedra angular do seu aperfeiçoamento, humildade que foi a primeira lição dada por Jesus, no presépio de Belém, aos orgulhosos filhos deste mundo. Humildade, finalmente, sem a qual não pode haver no homem nenhuma outra virtude, nem fé, nem paciência, nem caridade, nem mesmo sapiência”.

                (1) Do Blog: Temos este livro parcialmente postado aqui.

            Leopoldo Cirne jamais ocupou a tribuna da Casa de Ismael sem que, durante cerca de uma hora antes de iniciar a sessão a que então presidia, permanecesse isolado de todos, em profunda meditação. E a sua oratória era um cascatear verdadeiramente admirável, cheio de belas imagens que tocavam fundo o coração de todos os assistentes. É que suas palavras tinham vida, respondiam às mais diversas e íntimas indagações que, em pensamento, eram feitas pelos assistentes. E quantas lágrimas rolavam dos olhos dessas criaturas!

            Conforme consta do substancioso livro organizado por Zêus Wantuil e intitulado GRANDES ESPÍRITAS DO BRASIL, “Cirne possuía o dom precioso de expositor da Doutrina Espírita, e ele mais se afirmou, presidindo a Federação Espírita Brasileira, exímio pregador e instrutor notável, a cuja penetração mental nenhum embaraço insuperável oferecia qualquer ponto da matéria que versava, por mais obscuro que fosse”.

            Durante toda a sua vida, foi um constante estudioso de tudo que lhe pudesse iluminar o espírito, que melhor lhe alegrasse o coração e lhe transmitisse forças para continuar a trabalhar com entusiasmo até os derradeiros instantes da permanência de seu espírito em corpo somático, tal como aconteceu a seu idolatrado mestre Allan Kardec, porque a vida na Terra nos foi concedida não para ficarmos indolentes, mas, sim, para, com nosso trabalho honesto, sermos úteis à coletividade.

            E seu fulgurante Espírito, há alguns anos, lá das etéreas paragens, disse-nos, através de uma mensagem medianímica: -- “Estudemos e trabalhemos, amemo-nos e instruamo-nos, para melhorar a nós mesmos e para soerguer a vida que estua, soberana, junto de nós. A obra gloriosa do Codificador trouxe, como sagrado objetivo, a recuperação do amor e da sabedoria, da fraternidade e da justiça, da ordem e do trabalho, entre os homens, para a redenção do mundo.” (*)

            Leopoldo Cirne foi um marido exemplar, de extremo carinho para com a sua companheira e esposa muito querida.

            E foi com os olhos postos nessa companheira que tão bem soube compreendê-lo, amá-lo e encorajá-lo na sua laboriosa vida farta de espinhos, e balbuciando uma doce e compassiva prece, que o Espírito de Leopoldo Cirne abruptamente partiu, em 31 de Julho de 1941, para essa pátria que ele tanto amou!

                (*) Instruções Psicofônicas, pág. 207. Edição da FEB, 1956.

Centenário de nascimento de
Leopoldo Cirne
Sylvio Brito Soares

Reformador (FEB) Junho 1970

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

7e. AntiCristo senhor do mundo

7e

*

            Transitoriamente, sim; porque o mundo, em meio dos formidáveis desmoronamentos a que, de dezesseis anos para cá, vimos assistindo, característicos da terminação de um ciclo evolutivo e histórico, está sendo preparado para um fecundo e definitivo renascimento espiritual, que só pode e só há de operar-se, consoante vozes proféticas o têm anunciado, com a eloquente confirmação dos fatos de que mais adiante falaremos, pela restauração da doutrina de Jesus em espírito e verdade.

            Sente-se, com efeito, ou melhor, sentia-se na fase precedente a que nos temos reportado, um anseio, de ano para ano acentuado, pelo advento de uma Era Nova. Ao mesmo tempo que as almas generosas, a que aludíamos há pouco, tornando-se eco das aspirações gerais, multiplicavam esforços na cogitação de medidas convergentes para a consecução da paz universal, nos círculos espiritualistas ganhava corpo a ideia de uma próxima renovação. Estimulava-se mediante o estudo comparativo de religiões, a tendência conciliadora no sentido de uma unificação religiosa, para a qual, esperava-se, contribuiria, mais que a simples divulgação, a propaganda intensa das doutrinas orientais, com o objetivo de uma aproximação preparatória. Anunciava-se a segunda vinda do Cristo, empenhando-se os fundadores da Ordem da Estrela do Oriente em preconizar a sua manifestação por um "veículo" adequado - um moço indiano, que estava sendo adestrado para essa mística investidura (1) - tendo, por seu lado, um eloquente orador e sacerdote católico - o padre Júlio Maria - realizado aqui no Rio uma série de conferências sobre o assunto de atualidade, que era aquele próximo advento, e "o fim do mundo", tomando por tema impressionantes passagens do Apocalipse.

            (1) Apreciaremos oportunamente a significação desse fato em nosso ponto de vista.

            Quaisquer que fossem os intuitos particularistas, os motivos tendenciosos ou as origens ocultas, de varia natureza, a que o movimento se prendia, certo é que, como um sinal dos tempos, acentuava-se desse modo a rumorosa expectativa da Era Nova, que viesse mudar a face do mundo e pôr termo às iniquidades pluriseculares, que o têm infelicitado.

            Mas sobreveio a grande conflagração, com os seus gigantescos esboroamentos, o colapso vital e financeiro das nações nela empenhadas e a considerável modificação do mapa politico da Europa, desviando, por força do imediatismo dos problemas postos em equação, a atenção de tudo o que não fosse a reparação dos calamitosos efeitos da catástrofe. A partir daí um precipitar de sucessivas crises não tem cessado de abalar os fundamentos da velha ordem político-social em que assentava a existência dos povos. A implantação do regime soviético na Rússia, cuja influência contagiosa não pretendeu atingir somente a remota China, tentando propagar ao Oriente, mediante repetidas guerras civis, a mesma violenta subversão dos valores humanos que inclui no seu programa de governo, mas tem procurado insinuar-se no ocidente, com idêntico objetivo; a tentativa republicana posta em prática na Alemanha, como um derivativo à formidável desorganização causada pela guerra, cujo desfecho acelerou; a transformação da mentalidade otomana, expressa no banimento de algumas das tradições, usos e costumes nacionais, como um índice de adaptação às tendências renovadoras de que a grande conflagração foi, por excelência, a geratriz ; esses e outros vertiginosos sucessos, mais tarde seguidos de outros, como a recente “desobediência civil" na Índia, em que o Mahatma Gandhi, interrompendo momentaneamente a sua função de líder religioso, se tem convertido em agitador político, para promover a emancipação de sua pátria e de sua raça do secular domínio britânico, de tal modo têm absorvido as atividades no velho mundo, asiático e europeu, como uma necessidade imediata e preparatória de outros sucessos de mais elevada significação e importância, que o problema da renovação espiritualista teve que ser, forçosa e temporariamente, posto de lado.

            Complicando as subversões e tentativas de subversão politica, senão constituindo, sob determinado aspecto, o seu fator primacial, os interesses econômicos têm determinado um retrocesso nas tendências e aspirações de certos povos, como sucedeu na Itália, em que o fascismo, instituído num rasgo de audácia, para salva-la da anarquia, e seguido da implantação do regime ditatorial em outras nações latinas, vítimas da mesma inquietude e desorganização suscitadas pela guerra, outra coisa não fez senão abrir caminho para o que um estadista inglês denominou "a crise do liberalismo", e restaurar, como nas sociedades semibárbaras do passado, a supremacia da força no governo dos povos, com proscrição de todo idealismo, sobre o qual pretende consolidar o seu triunfo, assegurando a ordem material, sim, mas cometendo o grave erro de fazer consistir no bem estar dessa natureza, de resto só transitoriamente conseguido, o supremo objetivo da nacionalidade a cujos destinos vem presidindo.

            Sem duvida a vida material tem para o homem implacáveis exigências que o arrastam, quando não satisfeitas, à prática de desvarios, imposta pela natureza animal nele preponderante. E é por isso que a generalização, verdadeiramente mundial, da crise econômica nos últimos, recentes anos, gerada pela superprodução, avolumando de modo assustador o exército internacional dos "sem trabalho", vem constituindo a absorvente e, por assim dizer, exclusiva preocupação dos estadistas de todas as latitudes, obrigados a procurar-lhe urgente solução, antes que as graves e ameaçadoras perturbações, que traz no bojo, se convertam em realidade. Quando, pois, o instinto de conservação, imperioso no individuo como nos conglomerados humanos, formula por tantos rugidos surdos as suas exigências, perder-se-iam no vácuo as vozes que falam de espiritualidade.

            E, todavia, são esses mesmos pródromos da grande crise final que se avizinha, agravados pelas calamidades que lhes farão cortejo - convulsões da natureza física, peste, fome, possivelmente a "guerra química" em diabólico preparativo - que hão de compelir o mundo à cogitação do magno problema.

            Queiram, com efeito, ou não queiram os materialistas de todos os matizes, "nem só de pão vive o homem", segundo a palavra da Escritura. Vive, e deve sobretudo viver, "de toda palavra divina". Porque essa palavra tem sido sonegada ao povo, em sua clara e verídica expressão, e feito objeto de exploração das castas sacerdotais em todo o mundo, é que a humanidade se vê, de todos os lados, premida de males que os seus responsáveis visíveis se tornaram incapazes de remediar.

            Crises politicas, crise econômica e financeira, crise religiosa - porque ela aí está também visível no desprestígio e impotência das religiões para restabelecer a confiança, a paz e a harmonia entre os homens - são modalidades várias de uma crise única, isto é, crise espiritual, que se traduz pela depressão do caráter, nas classes intelectualmente superiores, e em todas as camadas sociais pela dissolução de costumes, a hipertrofia do egoísmo e o culto excessivo da matéria. Quando essa crise atingir o apogeu, a que rapidamente se encaminha, e as calamidades de toda ordem lançarem a humanidade na anarquia e desespero, será forçoso procurar a salvação.

            De onde virá ela? Da ciência? - Mas a ciência humana, fragmentaria, materialista e orgulhosa, cuja falência, de resto, já foi, há meio século, proclamada por Brunetière, será capaz de realizar esse prodígio? Poderá vir de uma nova religião a salvação para a humanidade?

            Numa época menos angustiosa que a nossa, pelo menos em seus caracteres universais, um clarividente sacerdote cristão - e dizemos propositadamente cristão e não católico - o abade Lamennais, golpeado de decepções pelo partido politico do Vaticano, formulou no livro ‘Affaires de Rome’, em que teve necessidade de lançar a público a odisseia do seu ministério na França, historiando com vivacidade e intrepidez, não destituídas contudo de humildade, da qual jamais se apartou, o malogro de seus esforços no sentido de reconciliar a igreja com o espirito do Cristianismo, formulou - dizemos - uma admirável profecia, com que nos apraz encerrar esta primeira parte do nosso trabalho.

            Precedeu-a de uma síntese expressiva da situação geral dos espíritos e das aspirações e necessidades do seu tempo, nestes termos, que convém reproduzir para mais clara e coordenada compreensão do vaticínio que pôs, como, remate, no seu livro:

            "Observai - disse ele - o estado dos espíritos: após uma época de dúvida, efeito inevitável de causas de ora em diante suficientemente conhecidas, sentiram-se eles mal no vácuo produzido. Ao homem é necessária alguma coisa mais que a mera ciência circunscrita em limites que tão rapidamente são alcançados. Uma eterna aspiração rumo do infinito, isto é, da causa perpetuamente incompreensível de tudo o que existe, constitui o instinto religioso nele imperecível. Despertado, em nossos dias, no recesso das almas, onde se havia como, transitoriamente adormecido, esse instinto as inquieta e atormenta, fazendo-as experimentar, no que de mais elevado e íntimo possuem, uma d'essas dores, inexprimíveis que empolgam as criaturas, ao ser violada uma das leis primordiais de sua natureza. Daí essas tentativas tão veementes quão frustrâneas, esses esforços inauditos empenhados em criar uma religião, como se tal coisa se criasse, como se a religião não fosse, de par e simultaneamente, a lei invariável e a palpitante energia que une entre si os seres criados, unindo-os ao seu autor. Falhou e devia falhar a tentativa, porque o Cristianismo, quaisquer que sejam as aparências contrárias, não tem cessado de dominar os povos, nem dele se podem estes separar mais do que poderiam separar-se de si mesmos, pois que que ele, e somente ele, encerra o que lhes há a de satisfazer os desejos que os agitam, possui em si o principio real de seu desenvolvimento futuro; tanto como o de seu desenvolvimento passado. Em sua essência, expressão perfeita das leis da humanidade, não será jamais esgotado pela humanidade. O mundo, que o parece desconhecer atualmente, a ele tornará, porque é ele que impulsiona o mundo: Mens agitat molem..."
           
            "Mas, se os homens - continua - premidos pela imperiosa necessidade de reconciliar-se, por assim dizer, com Deus, de preencher o vácuo imenso neles produzido pela ausência da religião, se tornarem novamente cristãos, não se suponha que o Cristianismo, a que se hão de apegar, possa jamais ser o que lhes é apresentado sob o nome de catolicismo. Já o explicamos porque, mostrando em um futuro inevitável e próximo o Cristianismo concebido e o Evangelho interpretado de um modo pelos povos e do outro pelo entendimento de Roma; de um lado o pontificado e do outro a raça humana: está dito tudo. Não será, menos ainda, coisa alguma que se assemelhe ao protestantismo, sistema espúrio, inconsequente, estreito, que, sob uma falaciosa aparência de liberdade, se resolve, para as nações, no brutal despotismo da força e, no que respeita aos indivíduos, no egoísmo."

            E aqui vem, positivo, clarividente, o vaticínio:

            "Ninguém poderá prever como se há de operar essa transformação ou, se o preferirem assim denominar, esse movimento novo do Cristianismo no seio da humanidade; mas há de, sem a mínima dúvida, operar-se, e grandes massas de homens serão atraídas para a sua órbita, não por um repentino impulso, o que significaria não mais que uma transitória perturbação. Há de ser, ao começo, como um ponto apenas perceptível, uma diminuta agregação, de que se hão de rir talvez. Pouco a pouco esse ponto crescerá, essa agregação se há de ampliar, para ela hão de os homens afluir de toda parte, porque será um refúgio para quem padece na alma e no corpo. E a humilde planta se converterá numa árvore cujos ramos cobrirão a terra, e sob a sua fronde virão abrigar-se os pássaros do céu. É o que não vacilamos em anunciar com profunda convicção. Os que se ufanam de conduzir o gênero humano por caminhos que o extraviam de seu objetivo, perigosamente se equivocam. Mas é necessário que aconteça o que deve acontecer e que cada qual vá para onde deve ir. Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens de boa vontade!"

            Essa resoluta profecia, feita "com profunda convicção" e rematada, como se vê, com o mesmo hino de glorificação entoado pela "multidão da milícia celestial" que aos humildes pastores, nas montanhas da Judeia, viera anunciar o nascimento do Salvador do mundo - cumpre assignalar - foi estampada na edição de 1836-1837 do mencionado livro Affaires de Rome (páginas 301 a 303), formulada, portanto, muitos anos antes de esboçar-se o movimento de renovação espiritualista contemporâneo, cujas primeiras, indecisas manifestações, mais tarde contudo acentuadas no sentido de restabelecer, em espírito e verdade, o Evangelho, não vieram a público senão depois da segunda metade do século passado. Nas páginas subsequentes às considerações que nos parece oportuno, como esclarecedor intermédio, aduzir em seguida, ver-se-á com que surpreendente exatidão essa profecia se realizou, pelo menos em sua primeira parte.

            Mas o que não pode o abade Lamennais prever - e é essa a tarefa que nos temos, penosa e voluntariamente, imposto - foram as obstinadas investidas que mais uma vez lançaria o AntiCristo contra a humilde planta renascida, para impedir-lhe o crescimento e sufocar lhe a expansão.

            Por quanto tempo? - Ao Senhor pertence abrevia-lo, a nós, homens, cooperar com Ele, orando, vigiando e agindo, a fim de que a segunda parte da profecia e sua radiosa culminância tenham também completa realização.

            Antes que este século haja terminado.

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            Como informamos, pararemos aqui a postagem desse livro raro. A partir daqui, sua temática passaria a abordar uma difícil situação acontecida a 100 anos atrás que deve ficar guardada no passado. O Blog