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domingo, 21 de maio de 2017

Da Esperança à certeza da Imortalidade



Da Esperança  à certeza da Imortalidade 
por Kleber Harfeld

Reformador (FEB) Julho 1994


            - Corresponderia semelhante afirmativa a realidade por parte do eminente fisiologista?

            João Teixeira de Paula, em sua obra "Enciclopédia de Parapsicologia, Metapsíquica e Espiritismo", escreve ser atualmente Metapsíquica (recorde-se que Richet escreveu um tratado sobre essa matéria) termo que

            "muitos autores condenam, já por não corresponder à verdade etimológica, já
mesmo por não corresponder der à ideia que lhe quis dar o criador. Aliás o próprio Richet, ou por considerar melhor o assunto, ou por acatar a crítica dos entendidos, reconheceu, muito mais tarde (o que poucos leitores hão percebido), não ser absolutamente correta a palavra
".

            Entretanto, ao mar o termo, baseara-se ele em Aristóteles, pois escreveu:

            "Em 1905 propus o termo metapsíquica, que foi unanimemente aceito. Tem ele por si (o que não é para desprezar) a autoridade de Aristóteles. Tendo tratado Aristóteles das forças física, quis escrever em seguida um capítulo acerca das grandes leis da natureza, as quais ultrapassam as as coisas da física e chamou então o livro: Além das coisas física (Meta ta fisick).  

            Atentos às definições levantadas por Richet à Metapsíquica, podemos imaginar hoje que ao criá-la, definindo-a de acordo com seu entendimento e escorado no grande sábio da Antiguidade, terá suscitado à época um questionamento:

            - O que seriam em realidade as "forças que parece serem inteligentes (...) ou poderes desconhecidos latentes na inteligência humana", forças e poderes que influíam em variados fenômenos? (Logicamente deveriam divergir as opiniões, sobretudo se considerarmos nesse tempo a existência do Espiritismo como doutrina codificada.)

            É verdade, não deixou Richet de referir-se ao Espiritismo. Em seu trabalho "O sexto sentido" (já mencionado) no livro IV, dissertando a respeito das hipóteses da telepatia, da vibração da realidade, da criptestesia pragmática, da hiperestesia, entra ele na área espírita, embora sempre aduzindo algumas ressalvas:

            "( ... ) Assim, pois, para nós prolongar esta discussão, poderíamos classificar os fatos da maneira seguinte, sob o ponto de vista da hipótese espírita:

            1º)  Casos nos quais tanto pode admitir a hipótese espírita como a hipótese de uma vibração da realidade. Todas as alucinações e sonhos verídicos fazem parte desse grupo. Demais a hipótese do sexto sentido não está absolutamente em desacordo com a hipótese espírita.

            2º)  Casos - pouco numerosos - nos quais a hipótese espírita é a mais cômoda, mas também podem ser explicados pelo sexto sentido.

            3º)  Casos numerosíssimos, os mais numerosos certamente, nos quais nenhuma hipótese espírita pode ser seriamente invocada, não comportando outra explicação senão a da existência  de um sexto sentido, isto é, a percepção de certas vibrações (desconhecidas) da realidade.

            Eis por que me parece não dar fé a hipótese espírita. Talvez chegue a tê-la algum dia (quem sabe?). Mas ela me parece ainda (pelo menos hoje) pouco provável, pois está em contradição (pelo menos aparente) com os dados mais precisos da fisiologia, enquanto que a hipótese do sexto sentido é uma noção fisiológica nova que não contradiz nada do que a fisiologia nos ensina.

            Portanto, conquanto em certos casos raros, o Espiritismo forneça uma explicação de aparência mais simples, não posso resolver-me a admiti-lo." (...)

            (Ressaltemos aqui a sincera franqueza do grande fisiologista.)

            O último parágrafo da obra "O sexto sentido" é bem curioso, deixando em nosso íntimo um mundo de divagações. Escreve Richet, incriminando um trabalho que levantou acirradas polêmicas:

            "Parece-me que o sexto sentido é uma pequena (extremamente pequena) janela aberta para essas forças misteriosas."

            Toda a inteligência desse sincero trabalhador, desse famoso fisiologista, todas as facilidades que teve no desempenho de suas atividades são ressaltadas por Humberto de Campos em sua obra "Crônicas de Além-Túmulo".

            Consoante observação que os próprios leitores já terão feito, tenho recorrido a esse fecundo autor espiritual quando da elaboração de trabalhos pertinentes a alguns vultos de projeção mundial. Assim aconteceu com estudos alusivos a D. Pedro II, Papa Pio XI, Marilyn Monroe, Tiradentes, Hauptmann, Erich von Ludendorff, e outros.

            Na apreciação, embora rápida, sobre a vida e obra do criador da Metapsíquica, e em particular com referência à sua passagem para o Plano Espiritual, usa o cronista de construções bem elucidativas (1).

(1) “Crônicas de Além Túmulo”, Capítulo ‘A passagem de Richet’, pelo médium Francisco Cândido Xavier, 11ª Ed. FEB

            Um diálogo estabelecido entre o "Senhor que toma lugar no tribunal de sua justiça" e um Anjo solicito às perquirições que lhe são dirigidas, e após menção feita àqueles que nos meados do século XIX partiram do Espaço prometendo trabalhar no plano terrestre no sentido de levantar o moral dos homens e suavizar-lhes as lutas. e depois de se referir a Charles Richet que era no Além "um inquieto investigador, com as suas análises incessantes, e que se comprometeu a servir aos ideais da Imortalidade adquirindo a fé que sempre lhe faltou", disserta o Anjo sobre as incontáveis facilidades concedidas ao detentor do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1913.

            Finda a sua palavra, é inquirido:

            - E em matéria de espiritualidade (...), que lhe deram os meus emissários e de que forma retribuiu o seu espírito a essas dádivas?

            Escreve o Espírito Humberto de Campos:

            "-Nesse particular - exclamou solícito o Anjo, muito lhe foi dado. (...) Em Carqueiranne, em Milão e na ilha Roubaud, muitas claridades o bafejaram junto de Eusápia Paladino, quando seu gênio se entregava a observações positivas com os seus colegas Lodge, Myers e Sidgwick. De outras vezes, com Delanne, analisou as célebres experiências de Argel, que revolucionaram os ambientes intelectuais e materialistas da França, que então representava o cérebro da civilização ocidental.
            "Todos os portadores das vossas graças levaram as sementes da Verdade à sua poderosa organização psíquica, apelando para o seu coração, a fim de que ele afirmasse as realidades da sobrevivência; povoaram-lhe as noites de severas meditações, com as imagens maravilhosas das vossas verdades, porém, apenas conseguiram que ele descrevesse o ''Tratado de Metapsíquica" e um estudo proveitoso, a favor da concórdia humana, que lhe valeu o Prêmio Nobel (...), em 1913, (...)
            "(...) Dentro da espiritualidade, todos os seus trabalhos de Investigador se caracterizam pela dúvida que lhe martiriza a personalidade. Nunca pode, Senhor, encarar as verdades imortalistas senão como hipótese, mas o seu coração é generoso e sincero. Ultimamente, nas reflexões da velhice, o grande lutador se vejo inclinado para a fé, até hoje inacessível ao seu entendimento de estudioso. Os vossos mensageiros  conseguiram lapidar-lhe um trabalho profundo, que apareceu no Planeta como "A Grande Esperança" e, nestes últimos dias, sua formosa inteligência realizou para o mundo uma mensagem entusiástica em prol dos estudos espiritualistas.”

            Retorna a palavra ao Senhor, resolvendo este determinar ao Anjo a volta imediata de de Richet à Espiritual idade, justificando: "Se, após oitenta e cinco anos de existência na face da Terra, ele (Richet) não pode adquirir, com a sua ciência, a certeza da Imortalidade, é desnecessária a continuação da sua estada nesse mundo ." (Grifamos.)

            As palavras realmente são duras, embora plenas de realidade. Mas o Senhor promete a bênção de uma glória ao velho pesquisador:

            "Como recompensa aos seus esforços honestos em benefício dos irmãos em humanidade, quero dar-lhe agora, com o poder do meu amor, a centelha divina da crença, que a ciência planetária jamais lhe concedeu, nos seus labores ingratos e frios. "

            O retorno do eminente homem de ciência ao Plano Espiritual, cercado das presenças de Gabriel Delanne, Léon Denis, Camille Flammarion, e ainda de antigos colaboradores da "Revista dos Dois Mundos" e dos "Anais das Ciências Psíquicas " é deveras emocionante.

            Relata Humberto de Campos que o recém desencarnado, de início, tem impressão de estar regredindo no tempo, alcançando a época das materializações da Vila Cármen. Mas, ao mesmo tempo percebendo os próprios despojos, desperta para a grande realidade, sentindo claramente estar agora no Além, no mundo dos "verdadeiros v i vos".

            Continua o autor escrevendo que nesse momento urna voz suave e profunda, vinda do Infinito, ressoa no íntimo de Richet. Interpela da razão pela qual não afirmou ele a imortalidade para o mundo que acompanhava seu trabalho; fala das oportunidades materiais que lhe haviam sido outorgadas: considera, finalmente, da longa expectativa do mundo espiritual, esperançoso de que a fé pudesse emergir de seu coração. Entretanto, em contrapartida, recordando o esforço dele, Richet, e a sinceridade de seu coração em todos os dias de sua existência terrestre, na decifração de muitos enigmas dolorosos e ainda as torturas da morte que experimentara, embora o grande acervo de conhecimento haurido nos livros, considera em tom confortador:

            - E agora, premiando os teus labores eu te concedo os tesouros da fé que te faltou, na dolorosa estrada do mundo!

            E falando sobre um coração tocado de luminosidade infinita e misericordiosa, que as ciências nunca lhe haviam dado, termina o escritor espiritual escrevendo:


            "Formas luminosas e aéreas arrebatem-no pela estrada de éter da eternidade e, entre prantos de gratidão e de alegria, o apóstolo da ciência caminhou da grande esperança para a certeza divina da Imortalidade." (Grifamos.) 

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A tela do panteão de Paris


A tela do Panteão de Paris       
Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Maio 1989

            Um conceito levantado em 1864 por Mesmer (Espírito) teria estreito relacionamento com a observação feita por André Luiz no século atual, diante de uma tela “idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França".

            Pode Mesmer (1) ser considerado como uma figura de destaque da Ciência no século XVIII. Disto é prova o mesmerismo, doutrina médico-filosófica por ele criada, de grande repercussão não apenas na Europa, quanto em outros continentes. (2)

            (1) Mesmer (Franz Anton) nasceu em Weil (Áustria) em 23-5-1733. Desencarnou em  Meesburg (Suíça) em 5-3-1815. Seu trabalho "De Planetarium Influxus" foi motivo de muita polêmica no meio científico da época.

            (2) Tão conhecido ficou o mesmerismo que com o tempo passou o termo a ser usado por vários escritores de projeção. Camilo Castelo Branco em sua obra "Onde está a felicidade?", Capítulo 14, página 12, tem uma expressão curiosa:
            - Tu estás sendo para mim um homem de cristal: vejo-te, sem a vista dupla do mesmerismo, as menores operações do espírito.

            Como todo inovador, enfrentou Mesmer um meio hostil, bastando lembrar que em sua época fenômenos hoje catalogados como psicológicos pela Medicina, mas que os classificaríamos - muitos deles - como mediúnicos, não eram ainda reconhecidos como suscetíveis de estudo científico.

            Em síntese, o mesmerismo estabelecia a existência de um fluido específico, o célebre magnetismo animal. Em decorrência desse fluido, influências recíprocas seriam exercidas entre os corpos celestes, a Terra e os corpos animados, inclusive o ser humano.

            Explicava Mesmer que esse fluido teria extraordinárias propriedades: seria comparável ao magnetismo dos ímãs e estaria universalmente difundido. Era contínuo, sutil e naturalmente suscetível de receber, propagar e comunicar todas as impressões do movimento e capaz ainda de vivificar os tecidos doentes, tendo, portanto, ação largamente curativa.

            De início, objetivando ajudar aqueles que o procuravam, usava Mesmer imãs e varas metálicas magnetizadas. Dez anos depois, tendo-se relacionado na Suíça com o padre J. J. Gassner, verificou que este conseguia curar os doentes apenas pelo contato das mãos. Esta observação levou Mesmer a abandonar seu método, imaginando que a força oculta que residia nele próprio permitir-lhe-ia curar também os enfermos. Ao final de certo tempo certificou-se de que as curas poderiam ser obtidas até mesmo pelo simples olhar!

            Decidiu-se, primeiramente, pela abertura de um consultório em Viena, Áustria, desejoso de melhor provar sua tese. Mas as sessões que realizava com os clientes não duraram muito tempo: descoberto seu trabalho, a polícia deu-lhe um prazo de 48 horas para deixar a Capital austríaca. Contrafeito, dirigiu-se para Spa e finalmente para Paris, onde em pouco tempo ficariam famosas suas curas.

            Durante toda sua existência foi Mesmer considerado um charlatão.

            Pela Justiça e pela Medicina vigentes.

            Tal acusação, entretanto, não impediu que dezenas de doentes o procurassem diariamente buscando alívio para seus males. Em vista desse inusitado interesse,
nomeou o governo francês uma comissão de médicos e membros da Academia de Ciências para investigar os fenômenos que se desenrolavam nas sessões realizadas por Mesmer. Dois membros dessa comissão, Franklin e Baillie, elaboraram um longo e minucioso relatório. Admitiam, em verdade, a existência de muitos fatos, mas contestavam a teoria do médico austríaco relativa à existência da força denominada magnetismo animal. Atribuíam os efeitos tão-somente às causas fisiológicas.
           
            Desencarnou Mesmer, assim, carregando o título de impostor, a ele atribuído impiedosamente pelos companheiros de profissão.

            Afirmam alguns biógrafos que a utilização do magnetismo animal no tratamento dos doentes foi o ponto de partida para um escândalo que sacudiria toda a Europa.

            Esta alegação tem um sentido relativo, porquanto o que havia mesmo era uma premeditada reação por parte de quantos se opunham sistematicamente a toda e
qualquer inovação no campo da terapêutica.

*

            O mérito de Mesmer repousa no fato de que não foi ele apenas o médico preocupado no alívio do próximo; era, também, o pesquisador que, tendo descoberto horizontes outros além daqueles que a matéria poderia descortinar-lhe, não se deteve diante do ortodoxismo levantado por seus adversários.

            Seu trabalho teve duplo direcionamento.

            Para a Medicina, serviram as pesquisas de base para estudos que seriam realizados pelo abade Faria, por d'Eslon, Bertrand, Husson, Azam e outros. A continuidade das pesquisas levaria a Humanidade até o neuro-hipnotismo terapêutico de Braid, o freno-magnetismo de Grimes, a força ódica de Reichenbach.

            Sem mencionar aqui o trabalho de Charcot, quando uma conotação científica seria atribuída ao hipnotismo.

            É que continha o mesmerismo os germens do moderno tratamento por meios ditos psicológicos: sugestão, hipnotismo.

            Para o próprio Mesmer, o esforço proporcionou-lhe melhor identidade com o mundo espiritual, identidade essa tanto mais solidificada quando penetrou ele no mundo que tanto pesquisara quando encarnado.

            Tamanho foi seu aprendizado no Além, tão dignas de reflexões as teses que elaborou, que não teve Kardec receio de publicá-las na Revista que dirigia.

            Uma dessas mensagens - "Sobre as Criações Fluídicas" - foi dada ao conhecimento dos leitores da "Revista Espírita", em seu número de maio de 1865.

            A matéria fora recebida mediunicamente pelo Sr. Delanne, na reunião realizada em 14 de outubro do ano anterior, na sede da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas.

            A certa altura explicava Mesmer:

            "(...) O mundo dos invisíveis é como o vosso. Em vez de ser material e grosseiro, é fluídico , etéreo, da natureza do perispírito, que é o verdadeiro corpo do Espírito, tirado desses meios moleculares, como o vosso se forma de coisas mais palpáveis, tangíveis, materiais.

            O mundo dos Espíritos não é um reflexo do vosso; o vosso é que é uma imagem grosseira e muito imperfeita do reino de além-túmulo. (3)

            (3) o grifo deste parágrafo aparece na "Revista Espírita". Não sei se usado pelo Espírito quando da transmissão da mensagem ou se colocado por Kardec...

            As relações desses dois mundos sempre existiram. Mas hoje é chegado o momento em que todas essas afinidades vos irão ser reveladas, demonstradas e tomadas palpáveis." (...)

            Não acrescentou Kardec qualquer comentário à página de Mesmer.

            A razão era assaz simples.

            Não poderiam ser as expressões usadas pelo Espírito comunicante mais simples e objetivas. Constituíam, da mesma forma, em alguns pontos, a repetição daquilo que ele, Kardec, já deixara bem explícito, não apenas na obra basilar "O Livro dos Espíritos", como através de numerosos artigos de sua autoria, publicados na "Revista Espírita".

*
            Em 1944, a Federação Espírita Brasileira lançava a obra "Os Mensageiros", a segunda da coleção de André Luiz.

            No Capítulo 16 - "No Posto de Socorro" - encontra o leitor uma das mais interessantes narrativas feitas por quem, na Terra, à semelhança de Mesmer, também fizera o juramento de Hipócrates.

            A cena do mencionado capítulo desenrola-se em grande castelo situado num dos Postos de Socorro de "Campo da Paz". Após terem sido saudados pelo casal Alfredo-Isnália, André Luiz e Aniceto são conduzidos pelo primeiro ao interior doméstico. É nessa oportunidade que o autor de "Nosso Lar" experimenta grande surpresa.

            Preocupado em não tirar qualquer pormenor do relato, transcrevo aqui as expressões que, aliás, têm correlação com o título do presente trabalho:

            "( ... ) Admirado, fixei as paredes, de onde pendiam quadros maravilhosos. Um deles, contudo, impunha-me especial atenção. Era uma tela enorme, representando o martírio de São Dinis, o Apóstolo das Gálias rudemente supliciado nos primeiros tempos do Cristianismo, segundo meus humildes conhecimentos de História. Intrigado, recordei que vira, na Terra, um quadro absolutamente igual àquele. Não se tratava de um famoso trabalho de Bonnat, célebre pintor francês dos últimos tempos? A cópia do Posto de Socorro, todavia, era muito mais bela. A lenda popular estava lindamente expressa nos mínimos detalhes. O glorioso Apóstolo, seminu, com a cabeça decepada, tronco aureolado de intensa luz, fazia um esforço supremo por levantar o próprio crânio que lhe rolara aos pés, enquanto os assassinos o contemplavam, tomados de intenso horror; do alto, via-se descer um emissário divino, trazendo ao Servo do Senhor a coroa e a palma da vitória. Havia, porém, naquela cópia, profunda luminosidade , como se cada pincelada contivesse movimento e vida." (...)

            O manuseio de algumas obras especializadas possibilitará acrescentar certos detalhes, referência feita à descrição de André Luiz.

            Bonnat (Léon Joseph Florentin) (4), Diretor da Escola de Belas-Artes de Paris, em 1905, era grande amador da arte e autor de inúmeros retratos e composições acadêmicas, tendo legado sua coleção, ao desencarnar, ao Louvre e ao Museu de Bayonne, que lhe traz o nome.

            (4) Nasceu em Bayonne , I833. desencarnando em Monchy-Sa int-Eloi , Oise , em 1922 .

            Desse vigoroso artista destacam os críticos trabalhos como "Job'", "São Vicente de Paulo tomando o lugar de um galeriano", "Cardeal Lavigerie " e "O Martírio de São Dinis".

            Mas, é exatamente essa última tela - mencionada por André Luiz - aquela de expressão mais impressionante, destacada regularmente pelos estudiosos da arte
pictórica.

            Com referência a São Dinis, sugere a experiência um cuidado todo especial por parte do pesquisador. O motivo relaciona-se:

            - à variação de ordem gráfica do nome (Dinis, Diniz, Denis , Denys, Dyonisio, Dionísio, Dyonisius, Dionusos), da qual lançam mão os historiadores; e

            - à multiplicidade de figuras ligadas ao Catolicismo, portando esses diversos nomes.

            Agravando ainda mais a situação, é de se mencionar os vários desencontros de informações por parte dos biógrafos, dificultando o trabalho de pesquisa.

            A história do mártir citado em "Os Mensageiros" é comovente, quão impressionante.

            Obras como o "Grand Dictionnaire Encyclopédique Larousse", o "Dictionnaire d'Histoire et de Géographie Ecclesiastiques", ou o trabalho realizado pelo padre Campos Góes - "Os Santos do Ano" -, fornecem-nos alguns dados a respeito dessa figura venerada pelo Catolicismo, principalmente em terras da França.

            A primeira obra citada (ela usa a grafia Denis e Denys) assinala-o como o primeiro bispo de Paris e esclarece que Grégoire de Tours , no final do século VI, escreveu em sua "Historia Francorum " que à época do Imperador Décio sete bispos missionários foram enviados de Roma às Gálias. Dois desses sete bispos, Saturnin (de Tolouse) e o nosso Dinis (de Paris) morreram mártires.

            O padre Campos Góes, que o grafa com o nome de Dionísio, tem -no como ateniense, membro do Areópago, posteriormente convertido ao Cristianismo por Paulo de Tarso.

            A respeito da figura daquele que seria futuro mártir, deixa esse autor transparecer uma vibração muito carinhosa:

            "(...) Modelou a sua vida pela de quem era mestre consumado. E saiu-se um discípulo austero, mas sem arestas, simples, sem ser ingênuo , zeloso, mas indulgente, animado de ardor que não via sacrifícios. De inteligência excepcional e espírito versado nos variados conhecimentos da época, todo ele era uma chama ardente. De ora em diante, só pensando, e falando, e agindo, pela glória do Cristo, era um retrato de Paulo."

            Referindo-se ao seu deslocamento para as Gálias, continua:

            "(...) Bispo de Atenas por algum tempo, passou a diocese a S. Públio, indo oferecer--se ao Papa S. Clemente para evangelizar os povos que ele designasse. O Papa enviou-o acompanhado do padre Rústico, do diácono Eleutério e de outros pregadores, para doutrinar as Gálias. (...) A sua palavra foi ouvida pelo povo, tendo convertido uma multidão imensa de pagãos que, sob a direção espiritual dos novos pastores, formaram uma comunidade cristã fervorosa. O Evangelho era difundido entre as populações que o recebiam com agrado, quando estalou uma terrível perseguição contra os cristãos. Com mais de cem anos, S. Dionísio foi uma maravilha de firmeza, coragem, desprendimento. Preso, submetido à tortura, ele encoraja a cristandade nascente. Amarrado a uma cruz, prega o mistério da redenção do mundo." (...)

            As informações sobre sua desencarnação , embora coerentes quanto ao modo pelo qual foi sacrificado, penetram, concomitantemente, no campo do fantástico, o que faz emergir, entre os estudiosos, querelas sem fim.

            São do autor de "Os Santos do Ano" estas palavras:

            "(...) Depois de confortado por uma aparição do Salvador, S. Dionísio, em companhia de uma multidão de cristãos, tem a cabeça cortada no lugar que hoje se chama Montmartre.

            Diz uma antiga tradição que, depois de executado, o corpo ergueu-se por si mesmo e, tomando a cabeça entre as próprias mãos, levou-a a duas léguas de Paris, ao lugar que, mais tarde, denominaram S. Dionísio, em memória deste fato." (...)

            Confrontando-se o relato de André Luiz com os esclarecimentos fornecidos pelos compêndios de nossas bibliotecas, chega-se à conclusão pacífica de que tudo se conjuga harmoniosamente: a tela que o autor espiritual encontrou no Posto de Socorro de "Campo da Paz" seria cópia de outra existente no plano terrestre, ou melhor, no Panteão de Paris. Entretanto, a leitura restante do Capítulo 16 de "Os Mensageiros" reserva-nos desfecho imprevisto.

            Conta-nos o autor:

            "Observando-me a admiração, Alfredo falou, sorrindo: - Quantos nos visitam, pela primeira vez, estimam a contemplação desta cópia soberba.

            - Ah! Sim - retruquei -, o original, segundo estou informado, pode ser visto no Panteão de Paris.

            - Engana-se -- elucidou o meu gentil interlocutor -, nem todos os quadros, como nem todas as grandes composições artísticas são originariamente da Terra. É certo que devemos muitas criações sublimes à cerebração humana; mas, neste caso, o assunto é mais transcendente. Temos aqui a história real dessa tela magnífica. Foi idealizada e executada por nobre artista cristão, numa cidade espiritual muito ligada à França. Em fins do século passado, embora estivesse retido no círculo carnal, o grande pintor de Bayonne visitou essa colônia em noite de excelsa inspiração, que ele, humanamente, poderia classificar de maravilhoso sonho. Desde o minuto em que viu a tela, Florentino Bonnat não descansou enquanto não a reproduziu, palidamente, em desenho que ficou célebre no mundo inteiro. As cópias terrestres, todavia, não têm essa pureza de linhas e luzes, e nem mesmo a reprodução, sob nossos olhos, tem a beleza imponente do original, que já tive a felicidade de contemplar de perto, quando organizávamos, aqui no Posto, homenagens singelas para a honrosa visita que nos fez o grande servo do Cristo. Para movimentar as providências necessárias, visitei pessoalmente a cidade espiritual a que me referi." (...) 

            Para melhor fixação de nossa parte, frisemos, então, dois pontos:

            1. A tela intitulada "O Martírio de São Dinis", pintada por Bonnat e existente no Panteão de Paris, é cópia daquela encontrada em uma cidade espiritual muito ligada à França. O original é trabalho de um artista cristão.

            2. O quadro que André Luiz viu, portanto, no Posto de Socorro de "Campo da paz", é igualmente uma cópia, uma reprodução.

            Quando Alfredo faz referência à beleza inconfundível da tela criada pelo artista cristão - posteriormente copiada por Bonnat -, indiretamente está alargando seu pensamento não apenas para outras produções pictóricas, como ainda vai mais longe,
relacionando toda expressão da arte em geral.

            Por exemplo, na mesma obra atrás citada, no Capítulo 32 - "Melodia Sublime" -, fala-nos André Luiz de uma melodia que teve oportunidade de ouvir, executada ao órgão por Ismália. O relato, mesclado de emoção e simplicidade, faz-nos concluir pela existência, na Espiritualidade, de um mecanismo que nos é inteiramente difícil ao entendimento de encarnados, tamanha a sua beleza e complexidade. Disto é atestado o trecho a seguir:

            "(...) A melodia, tecida em misteriosa beleza, inundava-nos o espírito em torrentes de harmonia divina. Penetrava-me o coração um campo de vibrações suavíssimas, quando fui surpreendido por percepções absolutamente inesperadas. Com assombro indefinível, reparei que a esposa de Alfredo não cantava, mas no seio caricioso da música havia uma prece que atingia o sublime - oração que eu não escutava com os ouvidos mas recebia em cheio na alma, através de vibrações sutis, como se o melodioso som estivesse impregnado do verbo silencioso e criador (Destaquei; o grifo é de A.L.)

            É ainda o próprio André Luiz que depois pergunta a si mesmo:

            “Que melodia era aquela que se ouvia através de sons inarticulados?”

            Fosse talvez em decorrência dessas considerações, ou seja, da beleza da música nos Planos Superiores, que Rossini, o grande compositor italiano, tenha afirmado, da Espiritualidade , que no momento em que a harmonia chega a um estágio deveras sublimado

            "confunde -se com a prece, glorifica a Deus e leva ao deslumbramento aquele mesmo que a produz ou a concebe". (5) (Grifei.)

            (5) Mensagem através do médium Sr. Nivard, na data de 17-1-1869. (“Revista Espírita" de março de 1869.)

            O mesmo Espírito, em outra passagem, tem ensejo de dissertar sobre o "processo" das criações artísticas, dentro de seu entendimento:

            "(...) Rossini juntou notas, compôs melodias, provou a taça que contém todas as harmonias; roubou algumas centelhas ao fogo sagrado; mas esse fogo sagrado, nem ele criou, nem os outros! - Nada inventamos: copiamos do grande livro da Natureza e a multidão aplaude quando não deformamos muito a partitura." (6) (...)

            (6) Mensagem através do médium Sr. DesIiens, em seu Grupo, na data de 9-12-1868. ("Revista Espírita" de janeiro de I869.)

            Hoje, com esclarecimentos proporcionados por novos autores espirituais, podemos considerar que no momento em que o artista, liberto da matéria através do processo do sono, entra em contato com o Plano Maior, grava no íntimo as expressões elevadas de sua Arte. Mas, de regresso ao vaso físico, nem sempre logra expressar com a devida fidelidade quanto viu, ouviu ou sentiu.

            Daí confessar André Luiz (no citado Capítulo 16) que

            "via, agora, explicada a tortura santa dos grandes artistas, divinamente inspirados na criação de obras imortais; agora, reconhecia que toda arte elevada é sublime na Terra, porque traduz visões gloriosas do homem na luz dos planos superiores".

            Como arremate de semelhante pensamento, temos igualmente a palavra esclarecedora de Alfredo, expressa no mesmo capítulo:

            "(...) Ninguém cria sem ver, ouvir ou sentir, e os artistas de superior mentalidade costumam ver, ouvir e sentir as realizações mais altas do caminho para Deus." (...) (Grifei.)

*
            “O Martírio de São Dinis", tela de Bonnat, apreciada por milhares de pessoas que visitam a Capital francesa, constitui cópia daquela que um dia ele viu em uma colônia espiritual.

            Seria o caso de subtrair-lhe o mérito?

            Penso que não.

            Sem mencionar o valor do quadro, resultante da beleza de cor e vigorosidade de traço, há que considerar o "prêmio" que a Bonnat foi concedido: embora de forma fugaz, ver o célebre original!

            E aqui uma indagação:

            - Quantos encarnados terão tido essa feliz oportunidade?


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas



O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas 
por Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Junho 1989

A análise feita por Kardec-"Revista Espírita" -
e por Ismael Gomes Braga
-  carta ao autor do presente trabalho.



            Quando redator da revista "O Médium", um problema absorvia minha atenção no dia-a-dia de atividade junto a esse órgão da Imprensa Espírita.

            Refiro-me às colaborações de teor mediúnico.

            Lembro que certa feita chegou a redação a ser surpreendida com a chegada de duas mensagens recebidas, aliás, por uma criatura de longa vivência nas fileiras espíritas!

            Possuía uma página a assinatura de Maria - mãe de Jesus!

            A outra levava o nome do próprio Mestre!

            Obviamente, sempre foi dada a semelhantes colaborações a maior atenção possível, a fim de que não resvalássemos para o campo da credulidade incondicional.

            Para o deslumbramento diante de uma respeitável assinatura.

            Para a faixa da imprudência doutrinária, afinal.

            Foi nesse período de atividade jornalística que me defrontei com o problema que passo a relatar.

            Regularmente recebia a redação artigos muito bem elaborados por um assinante, os quais eram normalmente publicados nas edições mensais de "O Médium".

            Um dia o referido assinante escreveu-me longa carta, fazendo-a acompanhar de várias mensagens inspiradas pelo Espírito X - afirmava o missivista. (1)

                (1) Fui aconselhado a deixar no anonimato os nomes do assinante da Revista e do Espírito, Da mesma forma, foram deixadas em branco as datas das cartas nesse tempo escritas pelo Prof. lsmael Gomes Braga e pelo mencionado assinante.

            Na dúvida de publicá-las ou não, depois de estudar pacientemente cada uma delas, resolvi escrever ao saudoso amigo e confrade Prof. Ismael Gomes Braga, a quem devo eterno reconhecimento pelo que realizou em favor de meu aprendizado espírita e esperantista.

            Expus-lhe a situação com todos os detalhes, chegando mesmo a sugerir a remessa dos trabalhos a esse médium fiel que é Francisco Cândido Xavier. Era meu desejo que o sensitivo de Uberaba também desse sua valiosa opinião.

   Ismael Gomes Braga        
Após considerar os termos de minha correspondência o Prof. Ismael escreveu-me a seguinte carta:
           
            "Rio de Janeiro,.......................

            Prezado Kleber,

            Nada mais fácil do que remeter-se essa cópia a Francisco Cândido Xavier, Caixa Postal, 56, Uberaba; porém, nada mais difícil do que ele avalizar o trabalho mediúnico de uma pessoa que não sabe se é médium nem que valor têm seus trabalhos.

            Se os trabalhos forem bons, devem ser publicados com o nome mesmo do colaborador, e se forem maus, não ficarão bons em virtude de serem assinados por algum Espírito. Até ao contrário: não faltam por toda parte péssimas obras escritas por desencarnados. E no caso em apreço a responsabilidade é maior do médium, porque ele é apenas intuitivo, sem saber que é médium. Sendo dele os trabalhos, não será tabu, podemos publicar e discutir; mas se forem de um Espírito, presumir-se-ia um Guia, lição indiscutível de mestre. A responsabilidade de você seria muito maior.

            Talvez melhor escrever a ele dizendo que já sendo conhecido dos leitores de "O Médium" como doutrinador , e sendo apenas intuitivo, como toda a gente de fato o é, convém continuar divulgando seus escritos só como doutrinador, sem a responsabilidade maior de apresentá-los como psicografia ; porque no caso de serem de um Espírito os escritos, você teria dificuldade em decidir se deveria ou não publicá-los , devido à grande responsabilidade que assumimos ao divulgar trabalho doutrinário de um Espírito. Seria uma carta mais ou menos assim:

            “Considerando que Allan Kardec nos recomenda recusar de preferência 99% de produções mediúnicas boas para não incorrer no perigo de divulgar uma má, (*) nós temos o máximo receio em divulgar comunicações de Espíritos, e não temos nenhum receio de publicar a colaboração de nossos irmãos encarnados, cujas opiniões não pretendem vir do Alto. Se X, que lhe inspira escritos doutrinários, é um Espírito elevado, não se aborrecerá de seu nome não aparecer como Espírito, mas aparecer simplesmente como seu pseudônimo, como foi a inspiração primitiva, mencionada na missiva de ........ ou até de não aparecer de modo algum. Portanto, preferimos publicar os comentários com seu nome, ou com o pseudônimo X, mas sem dizer que os trabalhos sejam mediúnicos. Fica menor a responsabilidade sua e nossa. Esperando que o irmão concorde conosco; conservamos os escritos em nossa pasta, aguardando sua concordância.

            Em caso contrário, pedir-lhe-emos permissão para devolver os comentários.”

                (*) A recomendação do Espírito Erasto, em mensagem inserida por Kardec no Capítulo XX (da 2ª Parte) de "O Livro dos Médiuns", nos seguintes termos: "Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea." (Nota de "Reformador".)

            O Chico e o Waldo, bem como seus Guias, andam apavorados com a quantidade imensa de trabalhos banais, medíocres e maus que estão aparecendo no Pais como mediúnicos, e encarregaram um amigo, professor de História, de escrever um livro mostrando os inconvenientes de dar-se publicidade a tais obras. Esse professor de História, homem de grande capacidade está preparando o livro e veio ao Rio, a conselho mesmo dos médiuns de Uberaba, mostrar-nos O plano geral do livro que deverá ser oportunamente publicado. (2) Por "acaso" achava-se ele nesta sua casa, onde foi nosso hóspede durante três dias, tratando exclusivamente desse assunto. Leu a correspondência e acha que a melhor solução é seguir o conselho que estou ousando lhe dar.

                (2) Ausentei-me nessa época de minha cidade por longo período e perdi o contato com o Prof. lsmael Gomes Braga, Com a sua desencarnação não fiquei sabendo se o livro foi publicado.

            Emmanuel já disse ao Chico que 70% dos meus escritos são puramente mediúnicos, mas eu não ousaria pedir a ninguém que publicasse um só artigo meu como mediúnico. Prefiro por-lhes um pseudônimo ou meu nome, porque o leitor tem a liberdade de não aceitar o que eu escrevo e a dizer simplesmente: “esse camarada está errado, é um tolo”. Se pusesse um nome de Guia, o leitor teria que tratar o escrito como respeitável.

            Perdoe-me, caro Kleber, se eu estiver errado e receba um fraternal abraço do irmão muito dedicado lsmael."

            Acredito que a carta-resposta do Prof. Ismael Gomes Braga, que enviei ao assinante, contém matéria para reflexão de quantos, na direção de órgãos da Imprensa Espírita, defrontam-se com o problema das páginas de origem mediúnica.

            O maior cuidado em semelhante caso é sempre recomendado.

*

            O assunto relativo à publicação de comunicações mediúnicas é antigo. Já em seu tempo Kardec teve que enfrentá-lo durante anos seguidos, editor e redator que era da "Revista Espírita".

            Foi na edição de maio de 1863 que ele tratou do assunto de forma clara, objetiva e profunda. 

            Vários ângulos do problema foram por ele analisados sem meias palavras, exatamente porque considerava o Codificador matéria de máxima importância dentro do contexto doutrinário.

            Com intuito de não adulterar o pensamento cristalino de Kardec em qualquer segmento de seu estudo, mas atento igualmente em não alongar muito a apresentação do presente trabalho, transcrevo apenas os tópicos que, devidamente catalogados (3) me foram apresentados como "chaves" para o estudo sobre o assunto que ainda nos tempos atuais se reveste de suma importância.

            (3) Os períodos classificados constam, todos, do trabalho de Kardec, apenas não estão na ordem estabelecida pelo Codificador.

            Para facilidade de concatenação de ideias, dei aos segmentos titulações que julguei adequadas.

            l - Frequência das mensagens mediúnicas - Confirma-se neste segmento o que foi dito há pouco: o problema das páginas mediúnicas é, realmente, antigo.

            De início, escreve Kardec:

            "Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas tendências, já, como umas poucas, na esperança de publicação na Revista. ( ... ) Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si só, teriam absorvido cinco anos completos da Revista ( ...)."

            ll - Frequência das produções mediúnicas mais extensas - Observa-se que o número dessas era bem mais reduzido:

            "(...) Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, sobre trinta, encontramos cinco ou seis de real valor." ( ... )

            III - Classificação - Revela-nos este segmento dados curiosos:

            "(...) diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste ". ( ... )

            IV - Procedência das comunicações mediúnicas - É neste segmento que sobressai uma particularidade, a par da observação-advertência de Kardec:

            "( ... ) Circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a fascinação poderia levá-los a ser tomados a sério, e impedir-se visse o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões." (...)

                (4) Não ignoramos a existência, na atualidade, de médiuns de respeitável produção, tanto em quantidade como em qualidade, todavia, é oportuna a ponderação de Kardec quanto ao valor da pluralidade de opiniões, sobretudo, em se referindo a médiuns iniciantes ou àqueles que embora com longa vivência na Doutrina, ainda não têm uma justa qualificação de suas faculdades.

            A par, contudo, dessa advertência, somos tranquilizados com um esclarecimento logo a seguir:

            "Reconhecemos, contudo, com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos (...)."

            V - Orientações para os médiuns psicógrafos que almejam a publicação de seus trabalhos e, paralelamente, para os editores e redatores de órgãos da Imprensa Espírita:

            1. "(...) Para apreciar as comunicações, relativamente à publicidade, não podem ser vistas de seu ponto de vista, mas do público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa; mas além de que certas pessoas podem ter ilusões relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que há centenas de outros lugares onde se obtêm coisas semelhantes; e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa." (...)

            2. "(...) é preciso considerar que, de algum tempo para cá, as comunicações adquiriram, sob todos os respeitos, proporções e qualidade que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos. (...) Na maioria dos Centros realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo. Desde que por toda a parte, são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades destacadas como forma e como alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns não se contam mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho adulto". ( ... )

            3. "(...) convém delas (ou seja, das comunicações mediúnicas) afastar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele que lhe concerne. (5) Depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou pueril pelo assunto. Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal; mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se; tudo está em enganar-se o menos possível". ( ... )

                (5) Há que evidenciar, no presente, as comunicações obtidas por médiuns de comprovada fidelidade e irrepreensível moral. Entre muitos, cito o caso de Francisco Cândido Xavier, que nas reuniões do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, tem recebido um sem-número de mensagens ditadas, muitas delas, por jovens que desencarnaram vitimados por acidentes.
                Na verdade, ditas mensagens - dirigidas principalmente aos seus familiares -, têm, é óbvio, um aspecto todo particular, mas não deixam de constituir, em razão dos pormenores nelas contidos, insofismável prova da identidade dos Espíritos comunicantes, atestando, dessa forma, o abençoado princípio da imortalidade da alma, para quantos se debatem nas malhas da descrença quanto à vida de Além-Túmulo!       

            VI - Conclusões de Kardec:

            1. "Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se se quiser atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quando do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo;" ( ... )

            2. "Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa." (...)

            3. "(...) publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem. Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva e, por isso, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo".

*

            Do que foi dado apreciar e atentos à própria vivência doutrinária, podemos levantar os seguintes conceitos para íntima reflexão:

            1. O problema das comunicações mediúnicas é muito delicado, tanto para o médium quanto para um editor ou redator de periódico espírita. O assunto requer o máximo de atenção, pois, a inobservância desse preceito pode gerar lamentáveis consequências para as partes, sem considerar ainda o leitor, que igualmente será afetado.

            2. Possui a Biblioteca Espírita vasta literatura produzida por estudiosos encarnados e desencarnados. O estudo dessas obras propiciará ensejo de se enfrentar o problema com o discernimento que o caso requer.

            3. Sirvo-me, neste último item, das próprias palavras de Kardec:

            "O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso."

 Kleber Halfeld