O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas
por Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Junho 1989
A
análise feita por Kardec-"Revista Espírita" -
e por
Ismael Gomes Braga
- carta ao autor do presente trabalho.
Quando
redator da revista "O Médium", um problema absorvia minha atenção no
dia-a-dia de atividade junto a esse órgão da Imprensa Espírita.
Refiro-me
às colaborações de teor mediúnico.
Lembro
que certa feita chegou a redação a ser surpreendida com a chegada de duas
mensagens recebidas, aliás, por uma criatura de longa vivência nas fileiras
espíritas!
Possuía
uma página a assinatura de Maria - mãe de Jesus!
A
outra levava o nome do próprio Mestre!
Obviamente,
sempre foi dada a semelhantes colaborações a maior atenção possível, a fim de
que não resvalássemos para o campo da credulidade incondicional.
Para
o deslumbramento diante de uma respeitável assinatura.
Para
a faixa da imprudência doutrinária, afinal.
Foi
nesse período de atividade jornalística que me defrontei com o problema que
passo a relatar.
Regularmente
recebia a redação artigos muito bem elaborados por um assinante, os quais eram normalmente publicados nas edições
mensais de "O Médium".
Um
dia o referido assinante escreveu-me longa carta, fazendo-a acompanhar de várias mensagens inspiradas pelo Espírito X -
afirmava o missivista. (1)
(1) Fui aconselhado a deixar no anonimato os nomes do
assinante da Revista e do Espírito, Da mesma forma, foram deixadas em branco as
datas das cartas nesse tempo escritas pelo Prof. lsmael Gomes Braga e pelo
mencionado assinante.
Na
dúvida de publicá-las ou não, depois de estudar pacientemente cada uma delas, resolvi escrever ao saudoso amigo e confrade
Prof. Ismael Gomes Braga, a quem devo eterno reconhecimento pelo que realizou
em favor de meu aprendizado espírita e esperantista.
Expus-lhe
a situação com todos os detalhes, chegando mesmo a sugerir a remessa dos
trabalhos a esse médium fiel que é Francisco Cândido Xavier. Era meu desejo que
o sensitivo de Uberaba também desse sua valiosa opinião.
Ismael Gomes Braga
Após
considerar os termos de minha correspondência o Prof. Ismael escreveu-me a
seguinte carta:
"Rio
de Janeiro,.......................
Prezado
Kleber,
Nada
mais fácil do que remeter-se essa cópia a Francisco Cândido Xavier, Caixa Postal, 56, Uberaba; porém, nada mais difícil do
que ele avalizar o trabalho mediúnico de uma pessoa que não sabe se é médium
nem que valor têm seus trabalhos.
Se
os trabalhos forem bons, devem ser publicados com o nome mesmo do colaborador,
e se forem maus, não ficarão bons em virtude de serem assinados por algum Espírito. Até ao contrário: não faltam por toda
parte péssimas obras escritas por desencarnados. E no caso em apreço a
responsabilidade é maior do médium, porque ele é apenas intuitivo, sem saber que é médium.
Sendo dele os trabalhos, não será tabu, podemos publicar e discutir; mas se
forem de um Espírito, presumir-se-ia um Guia, lição indiscutível de mestre. A
responsabilidade de você seria muito maior.
Talvez
melhor escrever a ele dizendo que já sendo conhecido dos leitores de "O Médium" como doutrinador , e sendo apenas
intuitivo, como toda a gente de fato o é, convém continuar divulgando seus
escritos só como doutrinador, sem a responsabilidade maior de apresentá-los
como psicografia ; porque no caso de serem de um Espírito os escritos, você
teria dificuldade em decidir se deveria ou não publicá-los , devido à grande
responsabilidade que assumimos ao divulgar trabalho doutrinário de um Espírito.
Seria uma carta mais ou menos assim:
“Considerando que Allan Kardec nos recomenda
recusar de preferência 99% de produções mediúnicas boas para não incorrer no
perigo de divulgar uma má, (*) nós temos o máximo receio em divulgar
comunicações de Espíritos, e não temos nenhum receio de publicar a colaboração
de nossos irmãos encarnados, cujas opiniões não pretendem vir do Alto. Se X,
que lhe inspira escritos doutrinários, é um Espírito elevado, não se aborrecerá
de seu nome não aparecer como Espírito, mas aparecer simplesmente como seu
pseudônimo, como foi a inspiração primitiva, mencionada na missiva de ........
ou até de não aparecer de modo algum. Portanto, preferimos publicar os
comentários com seu nome, ou com o pseudônimo X, mas sem dizer que os trabalhos
sejam mediúnicos. Fica menor a responsabilidade sua e nossa. Esperando que o irmão
concorde conosco; conservamos os escritos em nossa pasta, aguardando sua
concordância.
Em caso contrário, pedir-lhe-emos permissão
para devolver os comentários.”
(*)
A recomendação do Espírito Erasto, em mensagem inserida por Kardec no Capítulo
XX (da 2ª Parte) de "O Livro dos Médiuns", nos seguintes termos:
"Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só
teoria errônea." (Nota de "Reformador".)
O Chico e o Waldo, bem como seus Guias,
andam apavorados com a quantidade imensa de trabalhos banais, medíocres e maus
que estão aparecendo no Pais como mediúnicos, e encarregaram um amigo, professor de História, de
escrever um livro mostrando os inconvenientes de dar-se publicidade a tais obras. Esse
professor de História, homem de grande capacidade está preparando o livro e
veio ao Rio, a conselho mesmo dos médiuns de Uberaba, mostrar-nos O plano geral
do livro que deverá ser oportunamente publicado. (2) Por "acaso"
achava-se ele nesta sua casa, onde foi nosso hóspede durante três dias,
tratando exclusivamente desse assunto. Leu a correspondência e acha que a
melhor solução é seguir o conselho que estou ousando lhe dar.
(2) Ausentei-me
nessa época de minha cidade por longo período e perdi o contato com o Prof.
lsmael Gomes Braga, Com a sua desencarnação não fiquei sabendo se o livro foi
publicado.
Emmanuel já disse ao
Chico que 70% dos meus escritos são puramente mediúnicos, mas eu não ousaria
pedir a ninguém que publicasse um só artigo meu como mediúnico. Prefiro por-lhes
um pseudônimo ou meu nome, porque o leitor tem a liberdade de não aceitar o que
eu escrevo e a dizer simplesmente: “esse camarada está errado, é um tolo”. Se
pusesse um nome de Guia, o leitor teria que tratar o escrito como respeitável.
Perdoe-me, caro
Kleber, se eu estiver errado e receba um fraternal abraço do irmão muito dedicado lsmael."
Acredito
que a carta-resposta do Prof. Ismael Gomes Braga, que enviei ao assinante, contém matéria para reflexão de quantos, na
direção de órgãos da Imprensa Espírita, defrontam-se com o problema das páginas
de origem mediúnica.
O
maior cuidado em semelhante caso é sempre recomendado.
*
O
assunto relativo à publicação de comunicações mediúnicas é antigo. Já em seu
tempo Kardec teve que enfrentá-lo durante anos seguidos, editor e redator que
era da "Revista Espírita".
Foi
na edição de maio de 1863 que ele tratou do assunto de forma clara, objetiva e profunda.
Vários ângulos do problema foram por
ele analisados sem meias palavras, exatamente porque considerava o Codificador matéria
de máxima importância dentro do contexto doutrinário.
Com
intuito de não adulterar o pensamento cristalino de Kardec em qualquer segmento
de seu estudo, mas atento igualmente em não alongar muito a apresentação do
presente trabalho, transcrevo apenas os tópicos que, devidamente catalogados (3) me foram apresentados como "chaves"
para o estudo sobre o assunto que ainda nos tempos atuais se reveste de suma
importância.
(3) Os períodos classificados constam, todos, do trabalho de Kardec,
apenas não estão na ordem estabelecida pelo Codificador.
Para
facilidade de concatenação de ideias, dei aos segmentos titulações que julguei
adequadas.
l - Frequência das mensagens mediúnicas - Confirma-se neste segmento o
que foi dito há pouco: o problema das páginas mediúnicas
é, realmente, antigo.
De
início, escreve Kardec:
"Muitas comunicações nos foram enviadas por
diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas tendências, já,
como umas poucas, na esperança de publicação na Revista. ( ... ) Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados
da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já
publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si só, teriam absorvido
cinco anos completos da Revista ( ...)."
ll - Frequência das
produções mediúnicas mais extensas - Observa-se
que o número dessas era bem mais reduzido:
"(...) Resta-nos dizer algumas palavras
sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, sobre trinta, encontramos cinco ou seis
de real valor." ( ... )
III
- Classificação - Revela-nos este
segmento dados curiosos:
"(...) diremos que em 3.600 há mais de
3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que
desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste
". ( ... )
IV - Procedência das
comunicações mediúnicas - É neste segmento que
sobressai uma particularidade, a par da observação-advertência de Kardec:
"( ... ) Circunstância digna de nota é
que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a
fascinação poderia levá-los a ser tomados a sério, e impedir-se visse o lado
ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as
reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões." (...)
(4)
Não ignoramos a existência, na atualidade, de médiuns de respeitável produção,
tanto em quantidade como em qualidade, todavia, é oportuna a ponderação de
Kardec quanto ao valor da pluralidade de opiniões, sobretudo, em se referindo a
médiuns iniciantes ou àqueles que embora com longa vivência na Doutrina, ainda
não têm uma justa qualificação de suas faculdades.
A
par, contudo, dessa advertência, somos tranquilizados com um esclarecimento
logo a seguir:
"Reconhecemos,
contudo, com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma
pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes
conselhos (...)."
V - Orientações para
os médiuns psicógrafos que almejam a publicação de seus trabalhos e,
paralelamente, para os editores e redatores de órgãos da Imprensa Espírita:
1.
"(...) Para apreciar as comunicações, relativamente à publicidade, não
podem ser vistas de seu ponto de vista, mas do público.
Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo
quando se começa; mas além de que certas pessoas podem ter ilusões
relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que há centenas de outros
lugares onde se obtêm coisas semelhantes; e o que é de poderoso interesse
individual pode ser banalidade para a massa." (...)
2.
"(...) é preciso considerar que, de algum tempo para cá, as comunicações
adquiriram, sob todos os respeitos, proporções e qualidade que deixam muito
para trás as que eram obtidas há alguns anos. (...) Na maioria dos Centros
realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do
Espiritismo. Desde que por toda a parte, são recebidas instruções mais ou menos
idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar
qualidades destacadas como forma e como alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão
crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas.
Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção; hoje, que
os espíritas e os médiuns não se contam mais, o que era uma raridade é um fato
quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das
comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho adulto".
( ... )
3.
"(...) convém delas (ou seja, das comunicações mediúnicas) afastar tudo
quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele
que lhe concerne. (5) Depois, tudo
quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou pueril pelo assunto. Uma coisa pode
ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal; mas o
que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o
homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O
mais hábil pode enganar-se; tudo está em enganar-se o menos possível". (
... )
(5) Há que evidenciar, no presente, as comunicações
obtidas por médiuns de comprovada fidelidade e irrepreensível moral. Entre
muitos, cito o caso de Francisco Cândido Xavier, que nas reuniões do Grupo
Espírita da Prece, em Uberaba, tem recebido um sem-número de mensagens ditadas,
muitas delas, por jovens que desencarnaram vitimados por acidentes.
Na
verdade, ditas mensagens - dirigidas principalmente aos seus familiares -, têm,
é óbvio, um aspecto todo particular, mas não deixam de constituir, em razão dos
pormenores nelas contidos, insofismável prova da identidade dos Espíritos
comunicantes, atestando, dessa forma, o abençoado princípio da imortalidade da
alma, para quantos se debatem nas malhas da descrença quanto à vida de
Além-Túmulo!
VI - Conclusões de
Kardec:
1.
"Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente
tudo quanto vem dos Espíritos, se se quiser atingir o
objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quando do efeito
moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo;" ( ...
)
2.
"Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em
tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da
causa." (...)
3.
"(...) publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil.
Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que
bem. Uma consideração não menos importante é a da
oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva e, por isso, prejudicial. Cada coisa
deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto
que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as
circunstâncias e o seu objetivo".
*
Do
que foi dado apreciar e atentos à própria vivência doutrinária, podemos
levantar os seguintes conceitos para íntima reflexão:
1.
O problema das comunicações mediúnicas é muito delicado, tanto para o médium
quanto para um editor ou redator de periódico espírita. O assunto requer o
máximo de atenção, pois, a inobservância desse preceito pode gerar lamentáveis
consequências para as partes, sem considerar ainda o leitor, que igualmente
será afetado.
2.
Possui a Biblioteca Espírita vasta literatura produzida por estudiosos
encarnados e desencarnados. O estudo dessas obras propiciará ensejo de se
enfrentar o problema com o discernimento que o caso requer.
3.
Sirvo-me, neste último item, das próprias palavras de Kardec:
"O que dizemos não é para desencorajar de
fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha
rigorosa, condição sine qua non do
sucesso."
Kleber Halfeld
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