sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas



O Delicado Problema das Comunicações Mediúnicas 
por Kleber Halfeld
Reformador (FEB) Junho 1989

A análise feita por Kardec-"Revista Espírita" -
e por Ismael Gomes Braga
-  carta ao autor do presente trabalho.



            Quando redator da revista "O Médium", um problema absorvia minha atenção no dia-a-dia de atividade junto a esse órgão da Imprensa Espírita.

            Refiro-me às colaborações de teor mediúnico.

            Lembro que certa feita chegou a redação a ser surpreendida com a chegada de duas mensagens recebidas, aliás, por uma criatura de longa vivência nas fileiras espíritas!

            Possuía uma página a assinatura de Maria - mãe de Jesus!

            A outra levava o nome do próprio Mestre!

            Obviamente, sempre foi dada a semelhantes colaborações a maior atenção possível, a fim de que não resvalássemos para o campo da credulidade incondicional.

            Para o deslumbramento diante de uma respeitável assinatura.

            Para a faixa da imprudência doutrinária, afinal.

            Foi nesse período de atividade jornalística que me defrontei com o problema que passo a relatar.

            Regularmente recebia a redação artigos muito bem elaborados por um assinante, os quais eram normalmente publicados nas edições mensais de "O Médium".

            Um dia o referido assinante escreveu-me longa carta, fazendo-a acompanhar de várias mensagens inspiradas pelo Espírito X - afirmava o missivista. (1)

                (1) Fui aconselhado a deixar no anonimato os nomes do assinante da Revista e do Espírito, Da mesma forma, foram deixadas em branco as datas das cartas nesse tempo escritas pelo Prof. lsmael Gomes Braga e pelo mencionado assinante.

            Na dúvida de publicá-las ou não, depois de estudar pacientemente cada uma delas, resolvi escrever ao saudoso amigo e confrade Prof. Ismael Gomes Braga, a quem devo eterno reconhecimento pelo que realizou em favor de meu aprendizado espírita e esperantista.

            Expus-lhe a situação com todos os detalhes, chegando mesmo a sugerir a remessa dos trabalhos a esse médium fiel que é Francisco Cândido Xavier. Era meu desejo que o sensitivo de Uberaba também desse sua valiosa opinião.

   Ismael Gomes Braga        
Após considerar os termos de minha correspondência o Prof. Ismael escreveu-me a seguinte carta:
           
            "Rio de Janeiro,.......................

            Prezado Kleber,

            Nada mais fácil do que remeter-se essa cópia a Francisco Cândido Xavier, Caixa Postal, 56, Uberaba; porém, nada mais difícil do que ele avalizar o trabalho mediúnico de uma pessoa que não sabe se é médium nem que valor têm seus trabalhos.

            Se os trabalhos forem bons, devem ser publicados com o nome mesmo do colaborador, e se forem maus, não ficarão bons em virtude de serem assinados por algum Espírito. Até ao contrário: não faltam por toda parte péssimas obras escritas por desencarnados. E no caso em apreço a responsabilidade é maior do médium, porque ele é apenas intuitivo, sem saber que é médium. Sendo dele os trabalhos, não será tabu, podemos publicar e discutir; mas se forem de um Espírito, presumir-se-ia um Guia, lição indiscutível de mestre. A responsabilidade de você seria muito maior.

            Talvez melhor escrever a ele dizendo que já sendo conhecido dos leitores de "O Médium" como doutrinador , e sendo apenas intuitivo, como toda a gente de fato o é, convém continuar divulgando seus escritos só como doutrinador, sem a responsabilidade maior de apresentá-los como psicografia ; porque no caso de serem de um Espírito os escritos, você teria dificuldade em decidir se deveria ou não publicá-los , devido à grande responsabilidade que assumimos ao divulgar trabalho doutrinário de um Espírito. Seria uma carta mais ou menos assim:

            “Considerando que Allan Kardec nos recomenda recusar de preferência 99% de produções mediúnicas boas para não incorrer no perigo de divulgar uma má, (*) nós temos o máximo receio em divulgar comunicações de Espíritos, e não temos nenhum receio de publicar a colaboração de nossos irmãos encarnados, cujas opiniões não pretendem vir do Alto. Se X, que lhe inspira escritos doutrinários, é um Espírito elevado, não se aborrecerá de seu nome não aparecer como Espírito, mas aparecer simplesmente como seu pseudônimo, como foi a inspiração primitiva, mencionada na missiva de ........ ou até de não aparecer de modo algum. Portanto, preferimos publicar os comentários com seu nome, ou com o pseudônimo X, mas sem dizer que os trabalhos sejam mediúnicos. Fica menor a responsabilidade sua e nossa. Esperando que o irmão concorde conosco; conservamos os escritos em nossa pasta, aguardando sua concordância.

            Em caso contrário, pedir-lhe-emos permissão para devolver os comentários.”

                (*) A recomendação do Espírito Erasto, em mensagem inserida por Kardec no Capítulo XX (da 2ª Parte) de "O Livro dos Médiuns", nos seguintes termos: "Melhor é repelir dez verdades do que admitir uma única falsidade, uma só teoria errônea." (Nota de "Reformador".)

            O Chico e o Waldo, bem como seus Guias, andam apavorados com a quantidade imensa de trabalhos banais, medíocres e maus que estão aparecendo no Pais como mediúnicos, e encarregaram um amigo, professor de História, de escrever um livro mostrando os inconvenientes de dar-se publicidade a tais obras. Esse professor de História, homem de grande capacidade está preparando o livro e veio ao Rio, a conselho mesmo dos médiuns de Uberaba, mostrar-nos O plano geral do livro que deverá ser oportunamente publicado. (2) Por "acaso" achava-se ele nesta sua casa, onde foi nosso hóspede durante três dias, tratando exclusivamente desse assunto. Leu a correspondência e acha que a melhor solução é seguir o conselho que estou ousando lhe dar.

                (2) Ausentei-me nessa época de minha cidade por longo período e perdi o contato com o Prof. lsmael Gomes Braga, Com a sua desencarnação não fiquei sabendo se o livro foi publicado.

            Emmanuel já disse ao Chico que 70% dos meus escritos são puramente mediúnicos, mas eu não ousaria pedir a ninguém que publicasse um só artigo meu como mediúnico. Prefiro por-lhes um pseudônimo ou meu nome, porque o leitor tem a liberdade de não aceitar o que eu escrevo e a dizer simplesmente: “esse camarada está errado, é um tolo”. Se pusesse um nome de Guia, o leitor teria que tratar o escrito como respeitável.

            Perdoe-me, caro Kleber, se eu estiver errado e receba um fraternal abraço do irmão muito dedicado lsmael."

            Acredito que a carta-resposta do Prof. Ismael Gomes Braga, que enviei ao assinante, contém matéria para reflexão de quantos, na direção de órgãos da Imprensa Espírita, defrontam-se com o problema das páginas de origem mediúnica.

            O maior cuidado em semelhante caso é sempre recomendado.

*

            O assunto relativo à publicação de comunicações mediúnicas é antigo. Já em seu tempo Kardec teve que enfrentá-lo durante anos seguidos, editor e redator que era da "Revista Espírita".

            Foi na edição de maio de 1863 que ele tratou do assunto de forma clara, objetiva e profunda. 

            Vários ângulos do problema foram por ele analisados sem meias palavras, exatamente porque considerava o Codificador matéria de máxima importância dentro do contexto doutrinário.

            Com intuito de não adulterar o pensamento cristalino de Kardec em qualquer segmento de seu estudo, mas atento igualmente em não alongar muito a apresentação do presente trabalho, transcrevo apenas os tópicos que, devidamente catalogados (3) me foram apresentados como "chaves" para o estudo sobre o assunto que ainda nos tempos atuais se reveste de suma importância.

            (3) Os períodos classificados constam, todos, do trabalho de Kardec, apenas não estão na ordem estabelecida pelo Codificador.

            Para facilidade de concatenação de ideias, dei aos segmentos titulações que julguei adequadas.

            l - Frequência das mensagens mediúnicas - Confirma-se neste segmento o que foi dito há pouco: o problema das páginas mediúnicas é, realmente, antigo.

            De início, escreve Kardec:

            "Muitas comunicações nos foram enviadas por diferentes grupos, já pedindo conselho e julgamento de suas tendências, já, como umas poucas, na esperança de publicação na Revista. ( ... ) Fizemos o seu exame e classificação, e não fiquem admirados da impossibilidade de publicá-las todas, quando souberem que além das já publicadas, há mais de três mil e seiscentas que, por si só, teriam absorvido cinco anos completos da Revista ( ...)."

            ll - Frequência das produções mediúnicas mais extensas - Observa-se que o número dessas era bem mais reduzido:

            "(...) Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos mandaram, entre os quais, sobre trinta, encontramos cinco ou seis de real valor." ( ... )

            III - Classificação - Revela-nos este segmento dados curiosos:

            "(...) diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número não há 300 para publicidade, e apenas 100 de um mérito inconteste ". ( ... )

            IV - Procedência das comunicações mediúnicas - É neste segmento que sobressai uma particularidade, a par da observação-advertência de Kardec:

            "( ... ) Circunstância digna de nota é que a quase totalidade das comunicações dessa categoria emana de indivíduos isolados e não de grupos. Só a fascinação poderia levá-los a ser tomados a sério, e impedir-se visse o lado ridículo. Como se sabe, o isolamento favorece a fascinação, ao passo que as reuniões encontram controle na pluralidade de opiniões." (...)

                (4) Não ignoramos a existência, na atualidade, de médiuns de respeitável produção, tanto em quantidade como em qualidade, todavia, é oportuna a ponderação de Kardec quanto ao valor da pluralidade de opiniões, sobretudo, em se referindo a médiuns iniciantes ou àqueles que embora com longa vivência na Doutrina, ainda não têm uma justa qualificação de suas faculdades.

            A par, contudo, dessa advertência, somos tranquilizados com um esclarecimento logo a seguir:

            "Reconhecemos, contudo, com prazer que as comunicações dessa natureza formam, na massa, uma pequena minoria. A maioria das outras encerra bons pensamentos e excelentes conselhos (...)."

            V - Orientações para os médiuns psicógrafos que almejam a publicação de seus trabalhos e, paralelamente, para os editores e redatores de órgãos da Imprensa Espírita:

            1. "(...) Para apreciar as comunicações, relativamente à publicidade, não podem ser vistas de seu ponto de vista, mas do público. Compreendemos a satisfação que se experimenta ao obter algo de bom, sobretudo quando se começa; mas além de que certas pessoas podem ter ilusões relativamente ao mérito intrínseco, não se pensa que há centenas de outros lugares onde se obtêm coisas semelhantes; e o que é de poderoso interesse individual pode ser banalidade para a massa." (...)

            2. "(...) é preciso considerar que, de algum tempo para cá, as comunicações adquiriram, sob todos os respeitos, proporções e qualidade que deixam muito para trás as que eram obtidas há alguns anos. (...) Na maioria dos Centros realmente sérios, o ensino dos Espíritos cresceu com a compreensão do Espiritismo. Desde que por toda a parte, são recebidas instruções mais ou menos idênticas, sua publicação poderá interessar apenas sob a condição de apresentar qualidades destacadas como forma e como alcance instrutivo. Seria, pois, ilusão crer que toda mensagem deve encontrar leitores numerosos e entusiastas. Outrora, a menor conversa espírita era novidade e atraía a atenção; hoje, que os espíritas e os médiuns não se contam mais, o que era uma raridade é um fato quase banal e habitual, e que foi distanciado pela amplidão e pelo alcance das comunicações atuais, assim como os deveres escolares o são pelo trabalho adulto". ( ... )

            3. "(...) convém delas (ou seja, das comunicações mediúnicas) afastar tudo quanto, sendo de interesse privado, só interessa àquele que lhe concerne. (5) Depois, tudo quanto é vulgar no estilo e nas ideias, ou pueril pelo assunto. Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal; mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é inclinado a supor que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se; tudo está em enganar-se o menos possível". ( ... )

                (5) Há que evidenciar, no presente, as comunicações obtidas por médiuns de comprovada fidelidade e irrepreensível moral. Entre muitos, cito o caso de Francisco Cândido Xavier, que nas reuniões do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, tem recebido um sem-número de mensagens ditadas, muitas delas, por jovens que desencarnaram vitimados por acidentes.
                Na verdade, ditas mensagens - dirigidas principalmente aos seus familiares -, têm, é óbvio, um aspecto todo particular, mas não deixam de constituir, em razão dos pormenores nelas contidos, insofismável prova da identidade dos Espíritos comunicantes, atestando, dessa forma, o abençoado princípio da imortalidade da alma, para quantos se debatem nas malhas da descrença quanto à vida de Além-Túmulo!       

            VI - Conclusões de Kardec:

            1. "Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se se quiser atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quando do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo;" ( ... )

            2. "Todas as precauções são poucas para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa." (...)

            3. "(...) publicando comunicações dignas de interesse, faz-se uma coisa útil. Publicando as que são fracas, insignificantes ou más, faz-se mais mal do que bem. Uma consideração não menos importante é a da oportunidade. Umas há cuja publicação é intempestiva e, por isso, prejudicial. Cada coisa deve vir a seu tempo. Várias delas que nos são dirigidas estão neste caso e, posto que muito boas, devem ser adiadas. Quanto às outras, acharão seu lugar conforme as circunstâncias e o seu objetivo".

*

            Do que foi dado apreciar e atentos à própria vivência doutrinária, podemos levantar os seguintes conceitos para íntima reflexão:

            1. O problema das comunicações mediúnicas é muito delicado, tanto para o médium quanto para um editor ou redator de periódico espírita. O assunto requer o máximo de atenção, pois, a inobservância desse preceito pode gerar lamentáveis consequências para as partes, sem considerar ainda o leitor, que igualmente será afetado.

            2. Possui a Biblioteca Espírita vasta literatura produzida por estudiosos encarnados e desencarnados. O estudo dessas obras propiciará ensejo de se enfrentar o problema com o discernimento que o caso requer.

            3. Sirvo-me, neste último item, das próprias palavras de Kardec:

            "O que dizemos não é para desencorajar de fazer publicações. Longe disso. Mas para mostrar a necessidade de escolha rigorosa, condição sine qua non do sucesso."

 Kleber Halfeld


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