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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 8 e Final


Espiritismo – Parte 8 e Final
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Setembro 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)


            O opróbrio, a calúnia, o insulto, a perseguição, tudo se empregou e se emprega para sufocar as aspirações da verdade e da justiça que se elevam da consciência humana, e que o Espiritismo se encarrega de anunciar.

            Não precisamos dizer que tudo isto é feito quase sempre ad majorem Dei gloriam, pretextando que a nova propaganda é dirigida por Satanás em pessoa, e que essas aspirações de justiça e de verdade não são mais que diabólicas travessuras, tendo por fim seduzir os espíritos incautos e arrastá-los ao inferno pelo trilhado caminho do erro. "Nós e somente nós possuímos o fogo sagrado da verdade absoluta, clamam os escribas da época; fora de nós a verdade não é verdade, a virtude não é virtude, a justiça não é justiça. Anátema sobre quem pretender que o entendimento lhe foi dado para julgar! Só nós temos o direito de julgar as coisas, só competindo aos outros alimentar-se com as verdades que lhes fornecemos, e observar os nossos mandamentos."

            Realmente, essa servidão intelectual e moral, da razão e da consciência, prevaleceu até hoje e formou as crenças e os costumes. Os escribas interpretavam a seu talante a lei, e o povo a recebia sem exame, com os olhos vendados. Por esse caminho perigoso chegou-se aos maiores absurdos.

            Para onde nos levam? perguntaram afinal muitos ânimos inquietos; quem são esses nossos guias que não nos permitem observar? Porventura a razão que recebemos de Deus será um gérmen de perdição? Onde estará a luz, na servidão ou na liberdade?

            São deuses ou homens os nossos guias? Podem errar ou são infalíveis? Se é racional a fé que nos impõem, porque nos proíbem de raciocionar sobre ela? Que é essa fé, que começa exigindo a abdicação do juízo? Porque não podemos ver aquilo em que nos mandam crer? E se a nossa razão é um reflexo da razão eterna, se o Universo ê o verbo de Deus, e se a Ciência, segundo afirmam nossos guias, corrobora a verdade com seus ensinos, não será lógico que ensaiemos a razão no estudo da razão eterna, busquemos no Universo o pensamento divino, a divina vontade, e entreguemos nosso espírito à investigação científica., que cada vez mais confirmará as nossas crenças?

            E esses ânimos inquietos, esses espíritos receosos, esses homens vacilantes na fé, levaram a mão à venda de seus olhos; a princípio timidamente, porque lhes vinham à memória todas as ameaças fulminadas contra os desditosos que se atrevessem a fazer uso da vista, e porque se recordavam dos mil e um castigos, exemplares, providenciais, terribilíssimos, repentinos, por tentativas de independência religiosa, largamente explicados e detalhados por testemunhas presenciais e inscritos em seus livros. Depois, porém, como nem chovesse fogo do céu, nem o solo os tragasse no meio dos seus projetos de emancipação mental, acabaram por lançar fora a venda e rir-se de sua infantil credulidade.

            Os cegos de nascença abriram os olhos; mas digam-nos que sucedeu? Aí estão os exércitos do materialismo e do ateísmo, cada dia mais nutridos e numerosos; aí estão as legiões da fé, cada dia mais débeis e rarefeitas. Quando os cegos recuperaram a visão, não encontrando o Deus que lhes haviam feito conceber, exclamaram: Não há Deus! tudo é mentira! só é real a matéria em que tocamos e a força que a põe em circulação.

            Um escritor profundamente religioso e eminentemente sábio disse: "Ai da religião que se não acomode com a razão! ai da fé que não seja racional! Sem a conformidade da razão acaba-se a religião a acaba-se a fé. Chegamos a tal grau de tenebrosa ignorância, de abdicação intelectual, que deixamos a porta aberta ao ateísmo".

            De modo que a fé cega é a abertura por onde penetra nas sociedades a dissolução ateia.

            Convém repeti-lo para que sobre isso meditem os homens de boa vontade; os que suspiram pelo advento de uma era de fraternidade e justiça veem com sobressalto as correntes céticas do século. À passagem da fé cega para o ateísmo se realiza com um simples movimento, abrindo os olhos.

            Mas donde nos veio essa fé, gérmen de incredulidade? Seria do Cristianismo? Por certo que não; a grande, a universal Igreja Cristã ensinou sempre em seus eternos dogmas a fé, mas a fé nobre, esplendorosa, racional, em espírito e em verdade, ativa, companheira inseparável da liberdade e do amor. Mas como da corrupção do melhor se engendra o pior; da corrupçâo do Cristianismo se engendrou o ultramontanismo e da corrupção da fé cristã a fé cega de nossos ultramontanos. Desgraçadamente muitíssimos confundem a nova seita com a primitiva Igreja, e os erros e excessos daquela são comumente imputados às duas e as prejudicam igualmente.

            Convém, pois, e é de suma urgência, conter o movimento de decomposição que se nota, e atrair pela razão todos aqueles que, por não verem justificadas suas crenças, militam nas hostes rebeldes do ateísmo. É necessário separar a Igreja da seita, a verdade religiosa dos erros, superstições e hipocrisias, a fé cristã do fanatismo cego; anunciar ao mundo o Cristianismo em sua pureza, os dogmas eternos da Religião Universal; do contrário, a incredulidade se apodera de todos os entendimentos e a Humanidade se submerge primeiro na mais repugnante sensualidade e depois da mais grosseira barbaria. Pois bem, o Espiritismo anuncia aos povos esses altíssimos dogmas, esses dogmas universais e eternos; a Religião de todos os tempos e lugares, a fé conforme com a verdade e, por conseguinte, com a luz do entendimento humano.

            Anuncia que a Igreja é a assembléia de todos os homens virtuosos, de todos os espíritos amantes da justiça. Para pertencer à Igreja não se precisa de outro noviciado que o do sentimento do justo, nem de outro sinal exterior que o da bondade das obras.

            Anuncia que Deus é o Pai de todos os seres inteligentes e livres, a Bondade infinita e a Justiça absoluta e que nenhum de seus filhos será jamais excluído de sua amorosa providência; mas, para nos aproximarmos d'Ele, precisamos ser justos e bons. Anuncia que é uma lei da criação a redenção universal,  e que a redenção individual depende do uso da liberdade de cada um. São redentores da Humanidade os Espíritos elevados que com a palavra e o exemplo inoculam nas gerações humanas o amor e a justiça.

            Anuncia que o único Templo digno do Criador é a criação. Chegará o dia em que todos sentirão essa verdade e então os homens, ao invés de templos de pedra, terão somente aquele cujo teto é formado pelas estrelas.

            Anuncia que a Revelação na justiça e na verdade é a luz que Ilumina todo homem que vem ao mundo. É o divino facho que dissipa as trevas da consciência. Sem a revelação não se concebe o progresso espiritual dos seres. E como a Terra não é a única morada da vida, do pensamento e da liberdade, nem a Humanidade terrena a Humanidade universal - o Espiritismo proclama a unidade de origem e de destinos de todas as criaturas racionais disseminadas pelos infinitos mundos do espaço.

            Proclama que, assim como orbes transmitem reciprocamente sua luz, as humanidades que neles moram transmitem os eflúvios de seu pensamento e vontade. Com a luz dos sóis nos chega a inspiração das almas puras, para as quais a liberdade não tem mais limite que a onipotência. São eles os ditosos mensageiros da revelação divina.

            Proclama, por último, que a vida terrena não é mais que uma jornada da vida perene dos Espíritos. Nosso destino é ascender sempre, pela liberdade e pela justiça. Havemos de visitar todas as cidades, onde temos irmãos, para abraçá-los e estreitar nossos vínculos fraternais. Para que edificaria Deus essas cidades e as exporia à nossa vista, se não pudéssemos visitá-las? Para que nos daria irmãos, se não devêssemos conhecê-los, amá-los e com eles constituir uma família? A constituição dessa família universal, pelo triunfo da verdade, da justiça, da adoração e do amor, é o ideal do Espiritismo, sua suprema aspiração. Ainda os erros nos oprimem e ofuscam os entendimentos: ainda prosperam entre nós a falsidade, a mentira e o orgulho; ainda há corações que destilam ódio, e mãos que destilam sangue; ainda abundam as consciências rebeldes, que esquecem os celestiais benefícios, filhos ingratos que negam o Pai, de quem receberam a luz, a vida e a liberdade; mas, que é isso? Não saímos das mãos de Deus? Não somos, vivemos e nos movemos n'Ele? Acaso podemos fugir de seu regaço, emancipar--nos de sua paternal tutela? Aonde iremos, que Deus não esteja conosco. Onde poderemos esconder-nos de sua bondade?

            Ó Deus meu, suprema Lei, eterna Sabedoria que penetras tudo, Ser de meu ser, Vida de minha vida, Alma de minha alma! Eu sei que de ti sai, que estou em ti e que para ti hei de ascender eternamente. Tuas bondades me engedraram, e não me precipitarás; acendeste a luz de minha alma, e não a apagarás. Enriqueceste-me com a liberdade, para glória tua e felicidade de meu espírito. Gravaste tua lei no mais íntimo de meu ser, e essa lei é um dulcíssimo chamamento, uma inefável atração que acaba por vencer todas as resistências humanas. Poderei esquecer-me de ti; poderei desconhecer-te; poderei dentro de minha liberdade deter o movimento ascensional de minha alma; poderei voluntariamente enlamear-me na injustiça, rebolcar-me no lodaçal da iniquidade, fazendo-me assim credor por séculos de acerba expiação; porém tu tornarás a chamar-me, porque és meu Pai; tu me abrirás o caminho, por onde eu possa voltar para reparar as minhas injustiças?, e me perdoarás, porque és Deus. E depois que meu espírito se tiver desprendido do erro, e quando minha alma se tiver purificado de todo o egoísmo, de toda a injustiça, de toda a mancha da terreal miséria; então, ó Deus meu! me receberás na comunhão dos justos, na vida das almas purificadas ali onde o sol de uma felicidade sempre nascente não se esconde vez alguma sob os horizontes.

            É isto o que me anuncia o Espiritismo, o Evangelho, a eterna Religião. E é a isto que uns chamam extravios da razão e outros mistérios de iniquidade. Extravios da razão! Em que, pois, consiste a sensatez dos sensatos? Mistério de iniqüidade! Onde está, pois, a justiça desses justos? Mas o mundo marcha, as gerações se sucedem e a verdade tarde ou cedo se apoderará dos espíritos!, ainda os mais obcecados.

            O progresso humano acelera a cada instante a sua carreira e, suprimindo séculos, precipita as soluções de todos os problemas transcendentais esboçados no berço das civilizações dos povos. Reinarão um dia sobre a Terra,a verdade e a justiça, e então os mesmos que hoje não tem para o Espiritismo senão desdéns, maldições e opróbrios, se assombrarão de sua obstinada cegueira, se enobrecerão com esses opróbrios, se honrarão com essas maldições e crescerão com esses desdéns. Todos somos irmãos, e uma amorosa reconciliação há de pôr termo aos egoísmos que nos separam para marcharmos estreitamente unidos à conquista da felicidade comum.


FIM

Espiritismo - Parte 7

Espiritismo – Parte 7
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Agosto 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

Em que motivos baseia o Espiritismo a necessidade de sua aparição no atual momento histórico? Seus fundamentos religiosos, sua moral, suas crenças  essenciais, não são de hoje; a adoração, a revelação e a caridade foram em todos os tempos o meio de aperfeiçoamento e progresso das gerações humanas. Desde o começo dos séculos Deus se revelou o na onipotência de suas leis, na harmonia de suas obras, no esplendor de sua providência, e também desde o principio o homem conquistou sua progressiva felicidade pela adoração e pelo amor. Sob esse ponto de vista o Espiritismo é tão antigo quanto o homem, quanto a criação, eterno como o Supremo Ser, que de toda a eternidade cria seres que o glorificam e louvam. Hoje,  porém, o Espiritismo se apresenta com que uma irradiação mais luminosa do divino Sol da Verdade, necessária aos futuros desenvolvimentos do espírito do homem, e só nesta nova fase é que vamos considerá-lo e estudá-lo para exigir-lhe os rótulos que legitimem seu advento em nossa época.

            Colocada assim a questão no terreno conveniente, a primeira coisa que temos a fazer é dirigir uma vista ao redor e examinar, com imparcial juízo, se as velhas instituições satisfazem ou não às exigências morais do nosso século, se o testamento religioso de nossos avós conserva toda aquela virtude de que precisa para desvanecer as dúvidas e dirigir os sentimentos, ou se é, pelo contrário, um legado ineficaz, mais no caso de perturbar que de tranquilizar as consciências .

            Ah! a árvore, a veneranda árvore de nossas seculares tradições religiosas carece inteiramente daquela pujança, com que em outro tempo resistia aos mais fortes embates do erro; sob ela o viajante terreno não encontra nem a deliciosa 
sombra, porque perdeu a louçania e a frondosidade de sua ramagem; nem nela saboroso fruto, porque deixou de circular por seus tecidos a selva fecunda de seus primeiros crescimentos. É uma árvore  degenerada, enferma, carunchosa, cujos ramos vão secando um a um ao sopro da Ciência, sua inimiga natural.

            A Ciência é intransigente e desapiedada; afasta tudo o que se apresenta em seu caminho, dificultando-lhe a marcha, e destrói com vigoroso e irresistível impulso tudo o que o erro e a ignorância tem edificado através das idades. Como a luz, afugenta as trevas, onde quer que estabeleça seu império benéfico. Ao chamar a juízo as crenças herdades, estas não puderam resistir ao exame, à critica filosófica da Ciência, e desde então a tradição tem na Ciência a sua mais terrível inimiga.

            E que sucede? O que não podia deixar de suceder. O número dos discípulos da Ciência a aumenta diariamente, ao passo que o número e o cego entusiasmo dos tradicionalistas decresce ostensivamente. Dão-se formidáveis batalhas, e em cada uma a tradição perde algum de seus baluartes, dos quaís por tantos séculos deu leis aos povos. Ao fanatismo sucede a incredulidade; à fé, o ceticismo; ao sentimento religioso, o apego aos gozos materiais.

            O templo, segundo a expressão feliz de um sacerdote,notabilíssimo escritor, arde por suas quatro faces e ameaça desabar e sepultar o senso  moral em suas fumegantes ruínas. Erguem-se toda a parte vozes queixosas assinalando o perigo próximo; mas os que poderiam e deveriam evitá-lo, fazendo à Ciência prudentes prudentes  concessões, se apegam torpemente aos erros em cimentaram seu poder e com os quais esperam ainda reconquistar a soberania do mundo.

            Não sabem compreender que o entendimento humano já saiu da infância e busca nas verdades seu espiritual alimento. Acusam de descrença a sociedade atual, sem aperceber-se de que a acusação cai sobre eles, que são os verdadeiros
 causadores dos males que lamentam. Porque, quem, senão eles, formou o sentimento religioso e dirigiu as consciências? Não foi o ultramontanismo, escola corruptora da primeira tradição cristã, quem educou os povos desde os princípios
século décimo-primeiro até meados do décimo-nono? A quem culpará, com justiça. pelos perniciosos efeitos de uma educação exclusivamente sua?

            O mal, porém, existe; para negá-lo seria necessário cerrar os olhos à evidência. Haverá, porventura, um coração limpo que se não sinta mal no meio da atmosfera moral que se respira na Terra? Haverá um entendimento reto, que não veja o horizonte social prenhe de ameaçadoras tempestades? O utilitarismo, a hipocrisia e a mentira são a trindade olímpica do século, as deidades exaltadas no céu das aspirações humanas.

            A ciência tirou o cetro do Universo ao Deus DOS ultramontanos; e o resultado imediato foi a negação de Deus e o triunfo dos que proclamavam a inutilidade do sentimento religioso.

            Ainda são muitos os que aparentam crer, mas pouquíssimos os que creem realmente; as conveniências sociais influem não pouco na subsistência exteriormente de uma fé que os desenganos já arrancaram das almas. Ponha-se à
religiosidade de todos os que blasonam de sentimentos religiosos, e ver-se-á que  maioria  a venderia por um prato de lentilhas; seu sensualismo, sua desmesurada ambição, os ódios que alimentam, os meios de que lançam mão para se enriquecer,
a facilidade com que se atiram à difamação, à calúnia, à perseguição e à vingança, desmentem de modo terminante as crenças de que hipocritamente fazem alarde.

            E isso que nós ligeiramente apontamos, os bispos insinuam em suas pastorais. Os oradores sagrados deploram em seus sermões, e até os os escritores ultramontanos, que tanto contribuíram para desmoralizar a sociedade, discorrem
sobre o mesmo tema. em artigos longos nos periódicos e revistas de seita.

            Ora bem; semelhante estado de coisas não pode continuar sem gravíssimo perigo. O mal-estar que se sente, devido ao relaxamento dos vínculos sociais, aumenta dia a dia, e é sintoma de imediata decomposição. Mas, uma vez reconhecida a causa da enfermidade, sua cura não será difícil. Devemos opor ao ateísmo a afirmação de Deus, e ao ceticismo crenças racionais, harmonizando de uma vez para sempre os dogmas da fé com as legítimas conclusões da Ciência. A Ciência não é ateia, mas não pode aceitar deuses caprichosamente imaginados; não é cética, mas repele toda crença que não traga o cunho da justiça e a sanção das leis naturais. Por isso ela rejeita o Deus arbitrário e a fé cega da seita ultramontana.

            Essas considerações justificam a aparição do Espiritismo no atual momento histórico  porque a filosofia espírita é a noção científica de Deus e o dogma racional da fé. O ultramontanismo nos leva a todos os erros e abominações da Idade Média; e o Espiritismo, aliando-se à Ciência, vem reivindicar as verdades cristãs,
torpemente escurecidas, designando de passagem aos receios universais os manejos da procacidade ultramontana. Ai das nações, ai da Humanidade, se a seita saísse vencedora, no combate que sustenta contra o direito moderno, que é o direito da dignidade humana e da civilização dos povos! Pois o que ela pretende, é nada menos que o império da teocracia nos governos, a tirania das consciências, o senhorio despótico dos corpos e das almas. Sua concepção política ê a regra de São Benedito, de São Francisco, ou a constituição de Santo Inácio, como constituição dos povos; sua concepção social, cada nação constituindo um imenso cenóbio tendo à frente um reverendissimo padre; seu código penal, a inquisição e o in pace. Nada de liberdade, nada de igualdade, nada de caridade recíproca; em uma palavra, nada do que Jesus nos veio ensinar pela palavra e pelo exemplo.

            O Espiritismo, ao mesmo tempo que reforça, com a sua filosofia religiosa, a Ciência em sua luta empenhada com o dogma ultramontano, vem grupar os núcleos dispersos da sociedade cristã para iniciar com eles a Igreja do porvir e o renascimento da fé. É essa a sua missão, que ele saberá cumprir sem outros auxiliares que o racionalismo e a liberdade, e essa é a razão do seu advento em nossa época.     

            Seus sacerdotes serão os homens honestos de todas as escolas. que suspiram por uma era de paz, de mútua benevolência, de moralidade nos costumes; seus santos, os benfeitores e luminares da linhagem humana em todos os tempos e países; seu Deus, a inteligência universal, onipotente e próvida, vida da vida, alma das almas, princípio fundamental do Universo.

            Jesus Cristo disse que as portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja, e o Espiritismo é o cumprimento da promessa do Cristo.


            Ele fará reviver a fé que os fariseus amorteceram com as suas hipocrisias e erros. Tirando o candeeiro de sob o alqueire, o Espiritismo o expõe à vista de todos os entendimentos, a fim de que os homens vejam com toda a clareza que o Deus de Jesus é o Deus da filosofia, e sejam por convicção deístas e cristãos. Inoculando nas sociedades a religião do amor, que é a seiva dos ensinos evangélicos, e o sentimento de tolerância, sem o qual não há progresso nem regeneração possíveis, destruirá o fanatismo tradicional, origem da decadência do sentimento religioso. Os ídolos caírão de seus altos pedestais, e não haverá outro altar, além do que erigirão em seu coração as criaturas ao Criador, nem se elevará outro incenso a não ser o da adoração íntima das almas. 

Espiritismo - Parte 6


Espiritismo – Parte 6
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Julho 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)


            Pretendem alguns, com certas aparências de razão, que ao calor das doutrinas espíritas tomam corpo ridículos fanatismos; tão contrários ao bom senso filosófico quanto à santidade da moral, muitas superstições perigosas, a cuja generalização se devem opor os verdadeiros amantes do progresso. Vangloriamo-nos de ser amantes do progresso e termos vindo para combater as superstições e abusos; que o digam o fanatismo católico e o mercantilismo ultramontano, cuja perniciosíssima influência francamente procuramos minar e destruir.

            Guerra ao fanatismo! guerra à superstição! é o mote que adotamos para divisa de nossa propaganda e não havemos de desmenti-lo, quer se trate da escola espírita, quer da ultramontana.

            Sim, guerra à superstição! seja qual for a sua procedência, o seu colorido, o seu caráter. Seu hálito imundo mancha tudo em que toca, e é preciso destruÍ-Ia a todo transe.

            Mas, será certo que do Espiritismo nasçam crenças supersticiosas, dignas de reprovação?

            É uma questão para nós de transcendental importância, de primordial interesse, porque a superstição só pode ser filha do erro, e nós não defendemos o Espiritismo senão pelo considerar a verdade filosófico-religiosa de nossos tempos e o mais eficaz demolidor dos fanatismos, a nós legados pela opressão da Idade Média.

            Depois do que dissemos, estudando o Espiritismo em todos os seus aspectos, depois de havermos demonstrado que, como religião, ele é o Evangelho e a caridade e, como filosofia, a única solução racional dos mais árduos problemas entregues à investigação dos homens, bem nos poderíamos escusar de entrar em novas considerações relativas, antes que à bondade de seus princípios, à sua mais ou menos acertada tradução na prática; apesar disso, ainda nesse terreno temos de seguir os nossos detratores, já por estarmos intimamente persuadidos de que os vícios que deploram nada tem que ver com o Espiritismo prático, já porque assim se nos oferece uma ocasião oportuna de condenar ante a opinião pública certas corruptelas, filhas da ignorância ou jesuiticamente arquitetadas e que fazem passar como fatos do Espiritismo, a fim de atrair-lhe a odiosidade das pessoas sensatas, Urge dizer a verdade, mas toda a verdade, nesse vital assunto, sem considerações e nem contemplações que redundem em prejuízo da ideia; estabelecer um cordão sanitário, um ante muro que defenda nossas doutrinas de tanta imputação caluniosa, como propalam os nossos naturais adversários.

            A escola espírita não pode, não deve consentir, sem formal protesto, que continuem por mais tempo a ignorância e a malícia usurpando o nome do Espiritismo para sancionar aberrações, necessidades, fanatismos, embustes, espetáculos grotescos que só provocam o desprezo ou o sarcasmo. É isto exatamente o que o verdadeiro Espiritismo, o Cristianismo filosófico, condena e condenará sempre com a inflexibilidade de sua moral e a majestade de seus luminosos ensinos.

            Há certos intitulados espíritas que, julgando virtude a ignorância e crendo que o céu é o patrimônio dos néscios, olham com aversão para os livros e revistas onde poderiam ilustrar-se, e se compadecem sinceramente dos que se dedicam à leitura e ao estudo. (1) Toda a sua ciência consiste em duas dúzias de versículos da Bíblia, nem sempre expostos com a fidelidade e a oportunidade convenientes. A ser real a intervenção que dão aos Espíritos em seus atos individuais, obrariam antes como autômatos que como criaturas dotadas de liberdade;  o que pensam, o que falam, o que fazem, o fazem, falam e pensam por- inspiração dos Espíritos. Distinguem com o qualificativo de imundas muitas carnes e bebidas, o caranguejo, algumas espécies de moluscos, assim terrestres que aquáticos; inclusive o caracol e o calamar, e todos os licores e bebidas fermentadas, sem excetuar o vinho comum e a cerveja; e se guardam muito de contaminar-se com tais alimentos e bebidas, quando não se achem comendo e bebendo entre gentios que é como eles apelidam os profanos. Reputam idólatra tanto aquele que entra num templo para orar, como o que tem em sua casa, uma imagem qualquer representando algum ilustre benfeitor da Humanidade, levando ainda alguns o seu puritanismo a ponto de olhar com aversão os retratos fotográficos. Rechaçam a medicina como inútil, confiando aos Espíritos a cura de todas as suas enfermidades; sua panaceia universal é a água evangélica ou evangelizada  que preparam por meio da oração e aplicam interna e externamente. Não há enfermidade nem mal curável que resista à benéfica ação dessa água prodigiosa. São geralmente simples, compassivos e benéficos. Costumam reconhecer um superior entre eles, espécie de santão ou profeta, que tanto pode ser um homem de bem, como um consumado tratante, instrumento quase sempre, em um e outro caso, de influências jesuíticas. É impossível dissuadi-los de seu fanatismo e erros pois submetem todos os seus juízos à resolução infalível do santão, que é o órgão do pensamento de todos.

(1) Não falamos figurativamente. 
(2) Não há o menor exagero nessa rápida resenha, escrita à vista de dados recolhidos por nós mesmos e por pessoas cuja veracidade é para nós de toda a confiança.


         Há outros que fazem consistir o Espiritismo na evocação. Nem mais nem menos que se todo o mundo espiritual estivesse sujeito è sua vontade e caprichos, prometem à desconsolada mãe notícias imediatas e autênticas de sua perdida filha, à filha de sua mãe, ao esposo de sua esposa. Reúnem-se e celebram suas sessões com aparato teatral e certa misteriosa gravidade, que faz lembrar a trípode da sacerdotisa de Apolo e a árvore sagrada dos druidas. Ali alternam as contorções dos possessos com os chamamentos aos Espíritos de mais renome e elevada hierarquia, aos quais conjuram para que deem solução a difíceis problemas ou descubram os arcanos do porvir. Tratam os Espíritos vulgares como de superior a inferior, de mestre a discípulo, de confessor a penitente, obrigando-os a manifestarem suas inclinações, pensamentos, vícios, virtudes e propósitos. Não pensam em estudos úteis, mas somente em fenômenos. A sessão aproveitável e deleitável é aquela em que houve maior número de possessos, e em que foram mais frequentes as convulsões epilépticas.

            Outros aspiram a exercer em sua nova igreja as funções que os sacerdotes católicos exercem na sua. Batizam, casam, enterram, tudo, já se sabe, Com a intervenção de algum médium; e não será estranho, dada a sua predileção pelas práticas sacerdotais, que amanhã introduzam  nas suas a confissão auricular. Não lhes hão de faltar versículos da Bíblia para apoiarem esta e outras ridículas inovações. A vertente das superstições é assaz resvaladiça e, uma vez nela,  posto o pé, só por um milagre se poderá ser detido antes de chegar ao fundo do abismo.

            Outros, finalmente, julgam que ainda se pode vantajosamente explorar a ignorância, e se oferecem, em espetáculo público retribuído, como médiuns de efeitos físicos, não mais que prestidigitadores e charlatães. Seu fim é viver à custa do próximo, e o conseguem fazendo da curiosidade ou da credulidade dos outros o seu gênero de negócio. Pouco lhes importa que lhes arranquem a máscara, contanto que o embuste lhes renda. Uma vez conhecido o jogo e explorado o público, carregam com os utensílios do ofício e vão com a sua música para outro ponto. São esses os fanatismos, aberrações e necedades que atribuem ao Espiritismo seus apaixonados detratores. Mas o Espiritismo rechaça semelhante paternidade e, ainda, em muitos casos, poderia com justiça devolvê-la; porque, quem, senão os inimigos de uma ideia, procurarão ridicularizá-la e prostituí-la ? Serão, porventura, desconhecidos os maquiavélicos procedimentos do jesuitismo que se introduz nas lojas para destruir os planos da maçonaria, que se faz revolucionário para desviar a revolução; que envia seus satélites aos centros espíritas para impeli-los às maiores extravagâncias? Não se esqueçam desta insinuação os centros de propaganda; quando apareça em seu seio algum desses indivíduos suspeitos que, possuindo uma inteligência clara, procura distraí-los de seus propósitos racionais, despeçam--no com a maior cortesia, e enviem-no ao general de sua ordem, para que lhe dê um emprego mais honroso.

            Além disso, a que título se apelidam espíritas os que se entregam a práticas que o Espiritismo condena? Sê-lo-ão teóricos? Não, porque, nem conhecem as doutrinas da escola nem se dão ao trabalho de estudá-las. Se-lo-ão práticos? Tão pouco, porque a prática do Espiritismo é a moral cristã, e esta repele suas extravagantes corruptelas. Não basta para ser espírita aceitar a existência dos Espíritos e a revelação; precisa-se de certo bom senso para compreender que solidariedade se pode racionalmente admitir entre os Espíritos e os homens, e uma dose não escassa de sentimento para gozar ou sofrer com os gozos ou sofrimentos dos outros. O Espiritismo é a ciência, é a revelação, é a caridade; mas a ciência humilde que busca Deus e os puros gozos do entendimento nas harmonias da natureza; a revelação majestosa que fecunda todos os germens de vida e de virtudes latentes no seio das gerações humanas; a caridade nobre, expansiva, tolerante e universal, que olha para todos os tempos, estende a todos os mundos e abraça todas as humanidades.


            Ó vós que, talvez sem conhecê-lo, lançais vossos anátemas contra o Espiritismo! Se quiserdes ser justos, não o busqueis nas práticas extravagantes de alguns iludidos ou mal aconselhados, inspiradas pela ignorância ou pela malícia. Sua filosofia, achá-la-eis em sua imensa literatura. Sua revelação, filha da ação providencial, progressiva como o entendimento humano, achá-la-eis nos grandes ensinos dessa moral eterna, cujo desenvolvimento histórico começa, relativamente a nós, nos pés do Sinai. E suas práticas, achá-las-eis no trabalho honroso, no exercício das virtudes domésticas e sociais, na beneficência, no perdão das ofensas, no amor, na abnegação, no sacrifício voluntário de tantos benfeitores da Humanidade que deram a sua liberdade e a sua vida nas aras da emancipação e felicidade de seus irmãos. 

Espiritismo - Parte 5


Espiritismo – Parte 5
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Junho 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Vimos que o Espiritismo, sob o ponto de vista religioso, não é senão a adoração em espírito e em verdade e o sentimento e a prática do amor; precisamente o contrário do ultramontanismo, dessa escola corrupta e corruptora que, antepondo aos mandamentos de Deus seus próprios mandamentos, faz depender a perfeição espiritual da observância de certas fórmulas e cerimônias exteriores, que em nada modifica nem melhora as condições internas do indivíduo.

            Resolvida essa questão, da qual nos ocupamos com algum desenvolvimento, a fim de desvanecer certas preocupações, certas imputações injuriosas jesuiticamente propaladas, passemos a estudar o Espiritismo em seu aspecto filosófico, propondo-nos demonstrar que, se como religião e moral, é O Evangelho e a caridade, como filosofia é a única solução racional dos mais árduos problemas providencialmente entregues à investigação dos homens para os seus indefinidos progressos.

            As crenças religiosas se acham no Espiritismo tão intimamente enlaçadas com as conclusões filosóficas, que com dificuldade se poderá fixar entre umas e outras uma linha perfeitamente divisória. As soluções filosóficas, expondo aos nossos olhos as grandezas do universo, nos levam a admirar ao esplendorosa sabedoria que anima todos os seres e, por conseguinte, a erigir em nosso coração um altar a essa mesma sabedoria inescrutável, vida de nossa vida, alma de nossa alma; e, fazendo-nos compreender a comunidade de nossa origem espiritual, despertam em nós dulcíssimos sentimentos de benemerência, prólogo dessa fraternidade que há de reinar um dia entre os homens, pois que a lei do progresso tem de cumprir-se. E quando quer que todas as investigações científicas venham a confirmar, em último termo, a verdade religiosa fundamental, Deus, agente absoluto, substância universal vivificante, alma da natureza, podemos neste sentido dizer que a filosofia é a teoria da religião.

            As principais afirmações filosóficas da escola espírita, além de Deus, da alma humana imortal e responsável, e da comunicação recíproca dos seres espirituais, de que já nos ocupamos, são a pluralidade de mundos habitados, a pluralidade das existências da alma e o progresso indefinido dos Espíritos por meio de recompensas ou castigos em harmonia com os merecimentos ou com as infrações voluntárias da lei.

            Não falta quem, com o fim de despojar o Espiritismo de sua importância, o acuse de se haver apropriado de idéias e doutrinas que não são suas, colhendo-as, por assim dizer, em campos pertencentes a outras igrejas e a outros sistemas filosóficos; mas, além de não serem as verdades, tanto religiosas como científicas, um patrimônio exclusivo de tal ou qual individuo, de tal ou qual coletividade, como não o são o oxigênio que respiramos, e a luz em cujo seio vivemos, poderá isso considerar-se como uma acusação formal? Foi, porventura, o Evangelho alguma coisa mais que um corpo de doutrina formado com as verdades morais pressentidas por eminentes filósofos anteriores a Jesus? Que é a filosofia senão a ciência de todos os povos e de todos os séculos, edificada lenta e sucessivamente em suas partes, por todas as escolas que tiveram alguma participação nas conquistas que aumentaram e enriqueceram os domínios do entendimento humano? O Espiritismo tirou dos mais eminentes filósofos e dos mais distintos moralistas, e ligando ao que havia de melhor nestes e naqueles os ensinos da revelação, formou o seu código moral e a sua filosofia, a mais luminosa filosofia para explicar o sapientíssimo plano da Criação, e o mais perfeito código moral para poder a Humanidade, sem tropeço, seguir a via de seus eternos destinos.

            Deus não fez nem podia fazer senão o mais belo, o melhor e o mais justo; aquela filosofia e aquela moral, cujas soluções estão mais conformes com a ideia que temos da beleza, da bondade e da justiça, serão as que mais se aproximam da verdade da Natureza, cujos segredos não podemos descobrir senão aos poucos e em virtude de perseverantes e bem encaminhados esforços. Ora bem! Pode-se conceber alguma coisa mais bela que a imensidade povoada, de rutilantes estrelas e de mundos cheios de inteligência e vida, como notas harmônicas do progresso, como estações de parada, onde as criaturas racionais, encontram um descanso às suas fadigas e os meios necessários para continuar a sua eterna ascensão até uma felicidade sempre crescente? Poder-se-á idear alguma coisa mais bela, justa, e consoladora que a substância espiritual humana persistindo eternamente em suas individualizações, purificando-se e aperfeiçoando-se de organismo em organismo, de mundo em mundo, de século em Século, expiando e se adiantando em méritos por sua liberdade, marchando sempre após um progresso cujo ideal é para cada ser inteligente e livre a plena posse de si mesmo e dos tesouros esplendidamente derramados no Universo pelo divino amor, pela sabedoria infalível?

            Onde está Deus, arquétipo da beleza, da bondade e da justiça, puríssima essência da verdade, manancial inesgotável da sabedoria, única sanção da liberdade humana, dos atos do entendimento e da moralidade das ações? Porventura no conceito materialista que, arrebatando à Inteligência o cetro da criação, destrói toda a liberdade, fazendo assim secar os mananciais do belo, do bom e do justo? Será no dogma católico com a sua trindade bramânica, com os seus deuses e semideuses tomados do paganismo, com os seus milagres como soluções de continuidade no plano da sabedoria, com a sua predestinação fatal, com as suas divinas vinganças e preferências? Porventura na absorção panteísta, no Nirvana que promete por toda a felicidade um sono eterno, o aniquilamento de cada um no oceano da vida universal, depois de uma existência de luta sem causa, sem plano e sem objeto?

            Substituamos todas essas teorias incompletas, caprichosas, desconsoladoras e infundadas pelos princípios racionais da filosofia cristã que resolve satisfatoriamente as grandes questões relativas ao plano da natureza e aos destinos humanos, Deus é a causa de todos os seres, a substância ativa por si mesma, a inteligência suprema, o amor universal; o espírito do homem é como que uma emanação da divina substância, como que uma centelha da suprema inteligência, ser relativo, perfectível por sua liberdade e pelo cumprimento da lei; o mundo visível é a substância passiva, teatro da atividade e crisol de depuração dos Espíritos.

           A vida e a Inteligência tem assento e se desenvolvem não somente na Terra, mas também nesses astros que aos milhões vemos fulgurar no fundo azulado dos céus, todos povoados por humanidades Irmãs, filhas de Deus, que avançam por vias distintas à conquista de seus ditosos destinos.

            A vida do Espírito é eterna e cada uma de suas existências um anel dessa eternidade. Estamos na vida derramando lágrimas, e essas lágrimas não podem ser um protesto contra a justiça de Deus; portanto; devemos tê-las merecido por infrações da lei, cometidas em existências anteriores. Deus é nosso pai e nosso juiz, há de sujeitar-nos ao cumprimento da lei; como pai, jamais poderá cerrar-nos a porta de seu amor nem privar-nos dos meios necessários para nos reabilitarmos aos seus olhos. Que é a vida presente? Um minuto de nossa eternidade; e poderá um momento de prova fixar a nossa sorte... para sempre? Não, não, mil vezes não; porque Deus é juiz mas discerne com justiça; é pai, mas pai amorosíssimo que não quer a morte, mas a redenção e a salvação dos filhos de seu amor. Poderá o homem ficar estacionado, retardar o advento de sua felicidade, voluntariamente desviar-se não escutando a voz da sua consciência e cerrando os olhos à luz; sofrer séculos e séculos as consequências de sua cegueira voluntária; mas Deus é o ímã das criaturas e sua atração benéfica acabará por fazer que o homem volte à senda donde jamais se deveria ter separado. A felicidade espiritual consiste na posse do poder, da sabedoria e do amor, atributos que, em sentido absoluto,são próprios exclusivamente da natureza divina; o homem, porém, irá enriquecendo-se progressivamente com eles, sem transpor jamais os limites da sucessão e da relação.

            O livre arbítrio é também relativo, como tudo aquilo que possui a criatura em sua natureza finita e imperfeita. Nossa liberdade está em harmonia com a elevação de nosso espírito; apenas perceptível no alvorecer da consciência, vai alargando sua atividade à medida que crescem os horizontes do espírito, originando-se daí os diferentes graus de responsabilidade segundo os sucessivos conceitos do dever. Quanto mais puro for o espírito, mais livre; e quanto mais livre, mais responsável perante a lei. Claramente nos manifestam as condições da vida humana que o dever é mais restrito na idade varonil que na juventude ou na infância, nos povos civilizados que nos selvagens, no homem douto ou experimentado que no inexperto ou ignorante.

            O dever absoluto e a liberdade sem limites só são compatíveis com a sabedoria infinita; por isso Deus é a lei e o dever absoluto a um mesmo tempo. E não sendo absoluto o nosso dever nem onipotente a nossa liberdade, quem, sem discordar da retidão e da lógica e sem perverter o sentimento de justiça, deixará de compreender que por nossas obras nem podemos tomar-nos dignos da felicidade suprema nem credores de perduráveis tormentos?

            No cumprimento da lei moral presidem a justiça e a misericórdia, mas sempre a misericórdia acima da justiça. Pela misericórdia saímos do caos, da misteriosa origem donde procede a existência dos seres, e chegamos à vida, à luminosa vida do espírito na qual começamos a antever Deus e a lei divina do progresso; pela justiça somos obrigados a obrar de conformidade com as prescrições da consciência, voz do céu, revelação permanente, facho aceso pelo Criador no mais íntimo de nosso ser para iluminar o caminho de nossa progressiva perfeição. Pela misericórdia desce sobre a Humanidade o rocio da inspiração superior, sem a qual lhes seria impossível dar um passo para adiante e emancipar-se da impureza e do erro, e essa inspiração vem aos homens por intermédio dos bons Espíritos, em observância do amoroso preceito de caridade imposto, às criaturas inteligentes e pela justiça a inspiração se levantará contra nós para acusar-nos, se menosprezarmos seus sábios ensinos.

            Esta é a filosofia cristã, isto o Espiritismo.

            É a isso que alguns chamam loucura do século décimo-nono.

            Loucura!. .. Porém, quem são os sensatos? Os indiferentes em matérias filosófico-religiosas, que nem afirmam nem negam, porque não se dão ao trabalho de estudar; que não se preocupam com essas coisas.. porque não se querem incomodar com discussões? Os materialistas que, para não transigirem com a ideia de Deus e do espírito imortal, transigem com o absurdo, pretendendo que a consciência, é o efeito de uma causa inconsciente, que a liberdade é filha de uma lei fatal, que o sentimento procede da insensibilidade, que a inteligência emana de uma lei inteligente e cega? Os uItramontanos, os fariseus, os traficantes religiosos, que nos falam de um Deus parcial e vingativo, de um espírito infernal criado para, torturar eternamente as almas com uma justiç;a que castiga, em filhos inocentes, as culpas dos pais até à última geração? Sim são estes os sensatos de nosso século, os redentores da Humanidade, os homens da sabedoria!


            Ó santa moral do Evangelho! Ó filosofia cristã! Ó Espiritismo! Os que te condenam ou não te conhecem ou te caluniam.

Espiritismo - Parte 4


Espiritismo – Parte 4
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Maio 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Dentro do Espiritismo, a religião consiste na moral e somente na moral; porque a moral é o cumprimento do dever e somente por esse meio o homem pode aproximar-se da sua felicidade e de Deus.        

            Por isso a religião se há de estribar nessas três grandes afirmações, nesses três grandes princípios fundamentais: Deus, a alma imortal e livre, prêmios e castigos espirituais na justa proporção dos merecimentos; porque, sem a aceitação dessas verdades fundamentais, à moral falta a base, e a vida humana, mesmo dos seus mais nobres exercícios, cai toda sob a jurisdição da mecânica.

            Convém distinguir entre o Espiritismo prático e o teórico, religião e filosofia. O primeiro é a moral em ação, o segundo investiga os fundamentos da moral. O Espiritismo teórico estuda as leis do progresso do Espírito, o prático realiza esse progresso. Pelo teórico entramos no conhecimento de que uma inteligência infinita governa tudo, de que somos eternamente perfectíveis e, portanto, imortais, de que o nosso porvir será o fruto de nossas obras presentes; e pelo prático adoramos a Deus e amamos os nossos semelhantes, lavrando assim a felicidade em nosso espírito,

            Não há dúvida de que a prática se avantaja muito sobre a teoria, debaixo do ponto de vista do progresso individual: mas a teoria é quem principalmente há de destruir os antigos erros e derramar pela convicção as crenças que hão de levantar o novo templo.

            O Espiritismo, como religião, está explicado e sancionado nas seguintes palavras de Jesus: "Crede-me, que vai chegar a hora em que não mais adorareis o Pai nesta montanha ou em Jerusalém. Será a hora em, que os verdadeiros admiradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João, IV, 21 e 23)

            Nos primeiros séculos das civilizações, os povos têm necessidade de materializar a adoração, a fim de que penetrem pelos olhos do corpo as primeiras noções da Divindade, quando os da alma estão cerrados a tudo o que não seja concupiscência e egoísmo. Um altar de pedras amontoadas no cume do monte e mais adiante um templo artisticamente fabricado na cidade, poderão ser considerados como alma e templo dignos da majestosa Sabedoria na qual, segundo a expressão de São Paulo, somos, nos movemos e vivemos?

            De nenhum modo; o altar simboliza o sacrifício, e o único sacrifício grato aos olhos divinos é o de nossos protervos apetites; o templo simboliza a elevação do sentimento, o incenso de nossa gratidão, e o Ser supremo tem direito a que as criaturas cantem sua glória de todos os pontos da Terra e de todos os mundos do espaço.

            Para essa adoração em espírito e em verdade o altar não pode ser outro senão o coração do homem; nem há outro templo digno de tanta grandeza senão o Universo em toda a sua inefável imensidade. Isso exprimiu Jesus, e isso é o Espiritismo em seu aspecto religioso, Sim, é isto o Espiritismo, apesar de tudo o que diz em contrário a escola clerical, que vive à custa dos altares de pedra. A eles ela se aferra como o avaro ao seu tesouro, como náufrago à única tábua que vê flutuar sobre as águas. Mas o mundo marcha disse Pelletan em gráfica expressão, e os ultramontanos não poderão deter a marcha do mundo. Seu conceito religioso, cada dia mais estreito e egoísta, amesquinha o altar e o templo e amesquinha a Deus. Sua adoração é uma mal dissimulada idolatria; seu fim, o domínio universal. Impotentes para a discussão, fazem consistir o bom êxito de seus manejos na opressão das consciências, Empunham o fuzil do faccioso ou o bordão do romeiro, segundo convém aos seus planos a violência ou a hipocrisia. Ah! os ultramontanos não constituem uma escola nem tão pouco uma igreja; eles formam antes uma internacional perturbadora, uma falange belicosa, inimiga da ordem pública, contrária ao direito, à justiça, à liberdade e à cultura dos povos.

            O conceito religioso do Espiritismo é a adoração em espírito e em verdade, qual a entendia e pregava Jesus, nosso mestre.

            Precisamos demonstrâ-Io?t Pois nós o fazemos consignando que o Espiritismo é o sermão da montanha e o amor a Deus e ao próximo, resumo de todas as prédicas de Jesus. Reptamos os detratores do Espiritismo para nele indicarem um só ponto que contrarie a doutrina da redenção tão sabiamente exposta nas Bem-aventuranças e no capítulo XXII de São Mateus. E como são os ultramontanos os nossos mais apaixonados adversários, vejamos se é a nossa ou a sua moral a que se afasta do Evangelho, para o que vamos colocar uma em frente da outra, tomando para termo de comparação a moral do Cristianismo.

            Os ultramontanos de hoje são os fariseus da época de Augusto. Alardeiam ser os mais escrupulosos cumpridores da lei e não cessam de cantar seus próprios merecimentos e virtudes.

            Tem dois céus, um na Terra para eles e o outro, não sabemos onde, para os outros. Seu reino é deste mundo, riquezas, comodidades, deleites, consideração e fausto; o espiritual eles o reservam para as ovelhas obedientes, para os cândidos que os reconhecem como guias infalíveis das almas. Sua moral lhes permite preparar, acender e alimentar fogueiras, onde ardam em antecipado inferno vítimas humanas, guerras desoladoras que mergulham os povos no desespero e na miséria. Têm maldições e anátemas para quem pregue a fraternidade universal, e sentimentos de tolerância e perdão para os incendiários e assassinos, quando o assassínio se chama fuzilamentos de liberais e o incêndio recai sobre povos que não abriram suas portas às ferozes hordas ultramontanas. Leiam seus órgãos na imprensa, e verão que não tiveram uma palavra, uma só palavra de censura contra os perpetradores dos crimes consumados em Igusquiza, em Igualada, em Cuenca, em Olot, e ensurdecem o Céu e a Terra, com os seus clamores, quando alguém se atreve a duvidar da legitimidade do dízimo ou a dificultar alguma de suas romarias onde a piedade aparente serve de máscara a nefandos propósitos, a planos liberticidas e criminosos.

            A eles convêm perfeitamente as palavras de Jesus: “Este povo me honra com os lábios; mas o seu coração está longe de mim” e em vão me honra ensinando doutrinas e mandamentos dos homens”, (Mateus XV, 8 e 9.)

            Nisto se distinguem os ultramontanos e se avantajam a todos os cultos nascidos da árvore do Cristianismo; é que eles multiplicaram os mandamentos até desnaturar completamente a árvore do Evangelho.

            O Evangelho está edificado sobre o amor, sobre a humildade e sobre o perdão; e a moral ultramontana sobre o temor, o egoísmo, o orgulho e o anátema; o primeiro estabelece como lei de perfeição a prática da caridade; o ultramontanismo antepõe-lhe as cerimônias exotéricas.

            Jesus disse: “Embainha a tua espada; porque os que com a espada ferem, por ela morrerão.” (Mateus XXVI, 52), os ultramontanos, ao contrário, asseveram que só é licito, mas obrigatório, desembainhar a espada a favor ou contra os príncipes do mundo, segundo convenha à seita. “O que quiser ser o primeiro., faça-se servo dos outros” (Marcos, X, 44); os ultramontanos, porém, desprezando esse ensino, estabeleceram primeiro, segundos e terceiros. "Dai de graça o que de graça recebestes. Não possuais ouro nem prata nem dinheiro em vossos alforjes" (Mateus X, 8 e 9); a isso respondem os nossos fariseus pondo à venda todos os serviços espirituais e enriquecendo às vistas das gentes. Amaldiçoam a quem quer que ouse revelar ao povo sua avareza e seus abusos puníveis, lançando ao esquecimento as máximas evangélicas com que Jesus lhes prescreveu perdoar às ofensas até setenta vezes sete vezes (Mateus. XVIII, 21 e 22). 

            E são esses os que se escandalizam do Espiritismo, como os escribas e fariseus se escandalizavam das verdades que Jesus derramava. Do Mestre disseram que era um impostor e que obrava em virtude de Belzebú, príncipe dos demônios (Mateus XII, 24); não é, pois, de espantar que digam outro tanto dos apóstolos da Boa-Nova os fariseus e escribas de nossos tempos. Reproduzem-se os mesmos efeitos, porque as causas são as mesmas.

            O Espiritismo, como Jesus, condena as exterioridades (Mateus VI, 1 e seguintes) e aplaude a adoração em espírito e em verdade; recomenda, como Jesus, a oração à porta cerrada e, em seguida, como muito superior à oração pública nas sinagogas (Mateus VI, 6 e seguintes); faz depender, como Jesus, toda a lei e os profetas do amor a Deus e ao próximo (Mateus  XXII, 37, 39 e 40), e promete, como Jesus, a salvação e a felicidade, não aos cumpridores das fórmulas, mas aos que praticarem obras de misericórdia. Porque deste de comer ao faminto e de beber ao sedento, hospedastes aos peregrinos, vestiste aos nus e visitastes o enfermo e encarcerado, vinde benditos de meu pai possuí o reino que vos está  preparado desde a criação do mundo (Mateus. XXV,  31 e seguintes). Este, e não outro, é o conceito religioso-moral do Espiritismo, conforme em tudo com a moral evangélica, apesar do quanto em contrário propalam os que fingem não conhecê-lo para terem ocasião de caluniá-lo.


            Mas, será só isso o Espiritismo? Certamente não, como o Catolicismo não é somente o dogma.  O Espiritismo é religião e é filosofia, e no presente parágrafo só o estudamos em seu aspecto religioso, a fim de fazer ressaltar a injustiça com que o tratam os doutores do Catolicismo oficial. Quem já os não ouviu qualificar de monstruosa, de obra infernal, a moral espírita? Que consciência timorata não se sentiu ainda dominada de formidável pavor ao ouvir que, do fundo das iniquidades do século, acabava de surgir uma seita estreitamente ligada, por meio de tenebrosos pactos, com o próprio diabo para acabar com a Igreja? Que fanático já não viu em sonhos o aspecto do Espiritismo como um fantasma descarnado, rodeado de serpentes, vomitando fogo, fendendo os ares nas costas de um dragão descomunal ou de um medonho morcego? Pois bem, é preciso que os mais timoratos se persuadam de que o aspecto religioso do Espiritismo nada tem de iníquo e horripilante, de que a sua moral e a do Evangelho, e de que ele não vem destruir a religião, mas combater o tráfico religioso. 

Espiritismo - Parte 3


Espiritismo – Parte 3
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Abril 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)


             Cremos haver demonstrado que os princípios fundamentais da Doutrina Espírita vêm ao público baseados em ideias sancionadas pela observação, pela autoridade humana, pelo testemunho religioso e pela crítica cientifica, constituindo um corpo de filosofia digno de profundo estudo. Acrescentaremos agora que o Espiritismo, além de filosofia, é também religião, e poderíamos dizer ainda: a única religião natural e racional. Só ela explica satisfatoriamente sem violentar o bom senso nem chocar o sentimento, os destinos da criatura e suas relações com o supremo Autor do universo.

            Não se creia, porém, quando afirmamos que o Espiritismo é religião, que entendemos como tal o culto externo, esse conjunto de cerimônias e fórmulas aparentes com que as religiões chamadas positivas procuram sustentar a fé, excitando a imaginação de seus adeptos.

            Ao nosso modo de ver as cerimônias exteriores do culto, organizadas ou regulamentadas pelas respectivas igrejas, não são, não podem ser indispensáveis para o progresso espiritual, nem por consequência formar parte integrante da verdadeira religião.

            Claramente São Paulo o dá a entender em sua segunda epístola aos Romanos, quando diz que não é judeu aquele que o é manifestamente, nem circuncisão a que se faz na carne, e que só é judeu e circunciso o que o é no interior; doutrina clara, justa, racional, que explica com toda a perfeição a necessidade do sentimento religioso e a superfluidade das fórmulas.

            É  preciso não esquecer que a religião é de origem divina e os cultos, instituições humanas; eterna e imutável a primeira, mutáveis e perecíveis os últimos. Podem as exterioridades satisfazer aos homens em suas relações sociais, porque sua vista não pode sondar o coração alheio; mas a Deus, que penetra no íntimo de nosso ser, só pode satisfazer a adoração espiritual.

            Entendemos por religião o culto íntimo da alma, o sentimento de adoração que sobe da criatura ao Criador, a observância das leis que presidem ao nascimento espiritual, à inefável economia moral do Universo. Nessa religião o templo é o espaço sem limites, o altar o coração da criatura, o sacerdote o homem, e a igreja é formada por todas as famílias humanas derramadas na imensidade dos céus. E neste sentido o Espiritismo é religião; porque ensina que Deus é o centro de todas as perfeições e felicidades, pelo cumprimento do dever. Crê em Deus, na liberdade humana, na supremacia do Espírito e na responsabilidade individual efetiva pelos sentimentos e obras voluntárias. Para o Espiritismo, religião e moral são a mesma coisa, porque só o cumprimento do dever pode aproximar-nos de Deus e da felicidade, e a moral é a ciência do dever.

            Qual será o homem verdadeiramente religioso? - Aquele que pratica a justiça, levanta no fundo de sua alma um altar ao Pai do universo e, tendo em conta a comunidade de origem das criaturas racionais, considera todos os homens como irmãos e o justifica em suas obras.

            Daí se deduz que o Espiritismo é a religião cristã em sua pureza original, sem fórmulas exteriores e sem mercantilismo, tendo por único código a moral do Evangelho.

            Jesus Cristo não fez indispensável culto algum para a salvação das almas, mas fê-la depender do amor ao Criador e à criatura.

            Porque, pois, fazem tão crua guerra ao Espiritismo sob o ponto de vista. religioso e procuram sublevar contra ele a consciência dos povos? Não costumam apresentá-lo como um conjunto de máximas absurdas e imorais de práticas diabólicas? Não fulminam contra seus adeptos os mais terríveis anátemas? Certamente isso sucede, e as coisas ainda iriam mais longe, se a Igreja não tivesse, segundo a expressão de um escritor católico apostólico romano, as mãos encadeadas (1).

            (1) ‘A Fé Católica e o Espiritismo’ pelo Dr. Niceto Alonso Perujo

            Porque foi Jesus caluniado, escarnecido e crucificado?

            Porque os sacerdotes sublevaram as turbas contra ele? Porque o ódio sacerdotal chegou até o extremo de preferir a morte do filho de Maria à morte de Barrabás? A religião naqueles tempos não era mais que comércio e hipocrisia; e Jesus veio desmascarar os hipócritas e expelir do templo os vendilhões. A religião era a oração na sinagoga e na praça pública, e Jesus veio condenar essas exterioridades, recomendando a oração que se eleva a Deus, no segredo do mais recôndito lar. A religião era o templo de pedra, e Jesus veio substituí-lo pelo templo do sentimento.

            Em resumo, a religião falava aos sentidos pela pompa das cerimônias, e Jesus as punha de parte, só ligando Importância à bondade e às obras do espírito.

            Vejamos agora o que faz o Espiritismo, e talvez não nos seja difícil conjecturar os motivos da guerra encarniçada que lhe declararem os descendentes daqueles fariseus que crucificaram o Cristo.

            Em primeiro lugar ele proclama a ilegitimidade do sacerdócio que não se funde na prática das virtudes e na prédica da verdade; isso só é suficiente para que se aprestem para a luta as hostes ultramontanas.
           
            Ele recusa aos homens o direito de condenar, fazendo depender a redenção da bondade das obras: não acredita na eficácia da oração paga, nem que o dinheiro possa influir de modo algum na sorte das almas.

            A única infalibilidade que ele conhece é a de Deus, e só a Deus presta homenagem de adoração, repelindo, portanto, o culto dos semi-deuses, tão em uso em todas as religiões positivas, sem excetuar a Católica romana. Considera dentro do Cristianismo e herdeiros das promessas de Jesus todos os que adoram a Deus e praticam a caridade, seja qual for a sua filiação religiosa ou mesmo que não pertençam a alguma igreja conhecida, E, por último, combate sem trégua nem descanso a seita ultramontana, a maior e mais nociva praga da época, que fez do Cristianismo o transunto de suas misérias, do culto um esplêndido mercado e do sacerdócio um emprego lucrativo e um elemento de resistência contrário ao progresso e a emancipação dos povos.

            O Espiritismo é a prédica do Evangelho de Jesus; por isso os escribas e fariseus do século concitam contra ele as turbas e clamam aos ouvidos de César: Crucifigatur... crucifigatur!


terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 2


Espiritismo – Parte 2 
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Março 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)

            Que é o Espiritismo? Um sistema filosófico que estabelece, como o espiritualismo, além da existência de Deus, Ser de natureza incompreensível, a de seres distintos dos corpos e de uma ordem superior, nos quais residem, em grau mais ou menos adiantado de desenvolvimento, a inteligência, a vontade e o sentimento; esses seres, imortais por sua natureza, são os mesmos que animam os organismos humanos, dos quais se separam, quando a morte sobrevém.

            Admite também a solidariedade universal desses seres dentro da criação, e afirma que podem entrar e entram em comunicação uns com os outros, por meios às vezes conhecidos e às vezes desconhecidos, mas sempre naturais.

            Deus, inteligência suprema, causa de todos os seres e fonte de toda a realidade; a criatura racional, inteligência relativa, perfectível, emanação de Deus; atração recíproca, pelo amor, dos seres inteligentes, espíritos eis aí os princípios capitais da Filosofia Espírita, dos quais são derivações lógicas todas as doutrinas que ela ensina.

            O Espiritismo, pois, está firmado sobre a existência de Deus e dos Espíritos e sobre a comunicação recíproca dos seres espirituais.

            Para julgar da solidez do edifício convirá em primeiro lugar examinar a solidez dos alicerces; na certeza de que se estes fossem falsos, a obra careceria de estabilidade e facilmente viria ao chão.

            Deus é a verdade fundamental, porque é a única verdade absoluta, sem a qual não há filosofia possível. A filosofia é o conhecimento das coisas por suas causas e seus efeitos, e claro está que, faltando uma verdade fundamental, uma causa primária a que referir as causas secundárias, a filosofia teria de girar necessariamente em um círculo vicioso, explicando os efeitos por outros efeitos e estes por outros, até chegar a um efeito sem causa. Será a matéria essa verdade fundamental, essa causa primária? Não, por certo; a matéria segue suas incessantes evoluções fatalmente impelida pela força, que não pode ser uma propriedade sua, porque aquela é regida por esta. Do mesmo modo que não é uma propriedade da folha da árvore o sopro que a põe em movimento; assim não é uma propriedade dos átomos o sopro que os aproxima ou separa. Será a força aquela verdade fundamental? A força, por sua vez obedece a leis matemáticas, as quais de nenhum modo se pode subtrair, e essas leis, sabiamente concebidas e infalivelmente ordenadas, acusam a realidade de uma inteligência suprema; esta e não outra pode e há de ser a verdade fundamental de toda a filosofia.

            A existência de Deus não é uma verdade exclusivamente metafísica, mas pertence, de certo modo, ao domínio da ciência experimental. Como conhecemos a existência do fluido eletro-galvânico pelo estudo dos fenômenos que se produzem com o auxílio da pilha de Volta, assim sabemos que Deus existe pelo estudo e análise dos seres. Haverá, porventura, no universo uma partícula, uma molécula, um átomo, que não circule obediente a uma força com inteligência dirigida, a um plano sabiamente preordenado? E se na análise dos seres não encontramos um só no qual não obre uma atividade matemática, inteligente, poderemos racionalmente duvidar de que existe um poder, uma virtualidade inteligente universal, que preside ao cumprimento das leis naturais, e que é a alma, o espírito da Criação?

            A observação, porém, nos ensina que, além da substância inteligente universal, da alma da Natureza, existe uma infinidade de individualizações de outra substância, também inteligente, com aptidões limitadas, emanação da Inteligência suprema, individualizações que se manifestam na Terra por meio de organismos aos quais animam, como a inteligência infinita anima o universo. E do mesmo modo que não se perde na criação nem se aniquila, um só dos átomos materiais, também não se perderá um só dos inteligentes, os espíritos. Não há razão plausível fundada na natureza para que, sendo eternas as unidades atômicas, deixem de sê-lo as unidades espirituais. O que a experiência ensina é que umas e outras evolucionam constantemente, entregues à lei das transformações, que é a lei eterna do progresso.

            Cada um tem em si mesmo a evidência da existência do espírito; porém os materialistas afirmam que a causa do espírito é a matéria, que as funções do espírito não são mais que resultados fatais de propriedades da matéria, convenientemente disposta; de modo que átomos, sem serem inteligentes nem com inteligência dirigidos, se combinam de sorte que chegam a produzir o pensamento. Dirão que semelhantes combinações procedem de uma lei, e que essa lei é uma propriedade da matéria.

            Assim, nesse caso, chegaremos à conclusão de que a matéria, carecendo de vontade e pensamento, deu a si mesma uma lei sapientíssima e infalível, em virtude da qual combina e elabora seus inconscientes elementos e produz a consciência. Querem alguma coisa mais ilógica, mais anti-científica, mais disparatada, mais absurda? E como as sábias leis universais e as manifestações inteligentes individuais não podem ser propriedades da matéria, mas efeitos de causas inteligentes, resulta que há uma Inteligência Universal animando a criação, e uma multidão inumerável de inteligências relativas ou limitadas, individualizações de uma substância ativa, distinta da matéria, Deus e os espíritos.

            Nisso se conformam todas as escolas espiritualistas, qualquer que seja a sua comunhão religiosa; mas o Espiritismo quer mais alguma coisa, e essa alguma coisa é o cavalo de batalha, a linha que divide em dois campos os que militam sob uma bandeira comum.

            Essa linha divisória é a comunicação espiritual.

            Dizem os espíritas: Supondo que as almas vivem depois da decomposição dos organismos que animaram na Terra, compreende-se, sem dificuldade, que se podem aproximar de nós e comunicar-nos por um meio ou outro seus desejos e pensamentos. Porventura romper-se-ão todos os laços espirituais com a decomposição do corpo? Não deixarão os Espíritos, no mundo, afetos, simpatias, seres amados, que hão de exercer sobre eles uma atração irresistível? Não irão em busca desses seres que tanto amaram e com quem compartilharam suas alegrias e suas penas? E se a ocasião se lhas oferecer de manifestar-lhes sua proximidade ou fazer-lhes sensível a sua presença, não acharão nisso um vivo prazer, uma satisfação inefável?

            Os Espíritos não são livres, replicam uns; seu destino é definitivo depois da morte: ou o céu com os seus sempiternos gozos, ou o inferno com as suas chamas inextinguíveis. Soberba objeção! Mas, donde tiraram certos espiritualistas esse céu e esse inferno localizados, em que as almas permanecerão eternamente confinadas? Que grosseira e pobre concepção formam do Espírito, aqueles que fazem depender de um lugar os deleites e os sofrimentos morais! Qualquer que seja a fonte onde tenham bebido semelhante concepção, em relação ao destino dos seres espirituais, suas afirmações chocam a sã razão e não resistem ao mais ligeiro exame da crítica. O que o bom senso ensina a esse respeito é que tanto a felicidade quanto o sofrimento dependem da harmonia ou do desequilíbrio moral dos Espíritos, conforme o seu estado relativo de progresso, e que eles têm em si mesmos, independentemente da região do espaço em que se achem, o inferno de seus remorsos, se infringiram as leis da consciência, ou o céu de sua ventura, se derramaram o bem a mãos cheias. O céu da filosofia é a inefável satisfação que experimenta o justo pelas bênçãos que o seguem, pelos amores que o acompanham, pela contemplação das belezas que o rodeiam, pela liberdade de que goza, pelas esperanças de um porvir mais venturoso dentro do livre cumprimento de seus deveres; e o inferno, a aterradora lembrança dos crimes, o eco das maldições, a obscuridade, o Insulamento, a necessidade de recomeçar a prova e reparar as injustiças, a convicção de se haver apartado do caminho que conduz à posse da felicidade e do amor.

            A comunicação entre as almas dos que morreram e os homens é impossível dizem outros; entre o espiritual e o corpóreo não se concebe meio de relação. Não se concebe meio de relação! Poderá desconhecer-se o meio, mas a experiência demonstra que a relação existe e que a substância espiritual obra sobre a matéria corpórea.

            Não vemos nas leis universais a atividade incessante do Espírito supremo obrando sobre a natureza sensível? Não se serve dos órgãos do corpo para as suas manifestações o espírito do homem?

            É, portanto, à plena luz, infundada a teoria que nega aos Espíritos a faculdade de se revelarem aos homens, supondo que não possa haver laço de relação entre o mundo espiritual e o corporal.

            Aos espiritualistas que aceitam como autoridade indiscutível as Sagradas Escrituras, recomendamos a leitura do capítulo V de Tomás, capitulo IV de Job, XLVI do Eclesiástico, VIII, XX, XXX e XXXVII de Isaías, XXX de Jeremias, II de Ezequiel, VIII, IX e X de Daniel, II de Joel, XI de São Lucas, VI, X, XI e XVI dos Atos dos Apóstolos, II de São Paulo aos FiIipenses, as Epístolas e o Apocalipse de São João, e em todos esses lugares, além de outros mil que poderíamos citar, acharão as mais terminantes provas da realidade da comunicação espiritual, tal o Espiritismo a entende.

            E se ao testemunho das Escrituras quiséssemos juntar o testemunho humano, citaríamos centenas de livros em que se faz constar a realidade do fato, e dúzias de periódicos que o atestam com a autoridade de uma multidão de pessoas pertencentes a todas as classes e categorias sociais.

            Demonstrada a possibilidade da comunicação entre os mundos espiritual e corporal, o testemunho humano e o dos historiadores sagrados têm uma força incontestável.

            Desse modo os princípios fundamentais da Doutrina Espírita se fundamentam nas ideias sancionadas pela autoridade humana, no testemunho religioso e na critica filosófica.

            A isto se deve que militem nas fileiras do Espiritismo, cada dia mais numerosas e compactas, homens eminentíssimos, de conhecida reputação científica, verdadeiros luminares da humanidade, procedentes de várias igrejas, formados em diferentes escolas e espalhados por entre todos os povos cultos. Já se devem ir persuadindo os interessados detratores da nova ideia da ineficácia de seus esforços para apaga a esplendorosa luz que começa a brilhar sobre o escuro fundo dos erros passados. Toca a seu termo a infância dos povos e com ela a tirania dos que medravam com prejuízo do progresso.