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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Espiritismo - Parte 8 e Final


Espiritismo – Parte 8 e Final
por José Amigó y Pellicer

Reformador (FEB)  Setembro 1954
(Traduzido do livro ‘Nicodemo’, edição de 1879, do mesmo autor)


            O opróbrio, a calúnia, o insulto, a perseguição, tudo se empregou e se emprega para sufocar as aspirações da verdade e da justiça que se elevam da consciência humana, e que o Espiritismo se encarrega de anunciar.

            Não precisamos dizer que tudo isto é feito quase sempre ad majorem Dei gloriam, pretextando que a nova propaganda é dirigida por Satanás em pessoa, e que essas aspirações de justiça e de verdade não são mais que diabólicas travessuras, tendo por fim seduzir os espíritos incautos e arrastá-los ao inferno pelo trilhado caminho do erro. "Nós e somente nós possuímos o fogo sagrado da verdade absoluta, clamam os escribas da época; fora de nós a verdade não é verdade, a virtude não é virtude, a justiça não é justiça. Anátema sobre quem pretender que o entendimento lhe foi dado para julgar! Só nós temos o direito de julgar as coisas, só competindo aos outros alimentar-se com as verdades que lhes fornecemos, e observar os nossos mandamentos."

            Realmente, essa servidão intelectual e moral, da razão e da consciência, prevaleceu até hoje e formou as crenças e os costumes. Os escribas interpretavam a seu talante a lei, e o povo a recebia sem exame, com os olhos vendados. Por esse caminho perigoso chegou-se aos maiores absurdos.

            Para onde nos levam? perguntaram afinal muitos ânimos inquietos; quem são esses nossos guias que não nos permitem observar? Porventura a razão que recebemos de Deus será um gérmen de perdição? Onde estará a luz, na servidão ou na liberdade?

            São deuses ou homens os nossos guias? Podem errar ou são infalíveis? Se é racional a fé que nos impõem, porque nos proíbem de raciocionar sobre ela? Que é essa fé, que começa exigindo a abdicação do juízo? Porque não podemos ver aquilo em que nos mandam crer? E se a nossa razão é um reflexo da razão eterna, se o Universo ê o verbo de Deus, e se a Ciência, segundo afirmam nossos guias, corrobora a verdade com seus ensinos, não será lógico que ensaiemos a razão no estudo da razão eterna, busquemos no Universo o pensamento divino, a divina vontade, e entreguemos nosso espírito à investigação científica., que cada vez mais confirmará as nossas crenças?

            E esses ânimos inquietos, esses espíritos receosos, esses homens vacilantes na fé, levaram a mão à venda de seus olhos; a princípio timidamente, porque lhes vinham à memória todas as ameaças fulminadas contra os desditosos que se atrevessem a fazer uso da vista, e porque se recordavam dos mil e um castigos, exemplares, providenciais, terribilíssimos, repentinos, por tentativas de independência religiosa, largamente explicados e detalhados por testemunhas presenciais e inscritos em seus livros. Depois, porém, como nem chovesse fogo do céu, nem o solo os tragasse no meio dos seus projetos de emancipação mental, acabaram por lançar fora a venda e rir-se de sua infantil credulidade.

            Os cegos de nascença abriram os olhos; mas digam-nos que sucedeu? Aí estão os exércitos do materialismo e do ateísmo, cada dia mais nutridos e numerosos; aí estão as legiões da fé, cada dia mais débeis e rarefeitas. Quando os cegos recuperaram a visão, não encontrando o Deus que lhes haviam feito conceber, exclamaram: Não há Deus! tudo é mentira! só é real a matéria em que tocamos e a força que a põe em circulação.

            Um escritor profundamente religioso e eminentemente sábio disse: "Ai da religião que se não acomode com a razão! ai da fé que não seja racional! Sem a conformidade da razão acaba-se a religião a acaba-se a fé. Chegamos a tal grau de tenebrosa ignorância, de abdicação intelectual, que deixamos a porta aberta ao ateísmo".

            De modo que a fé cega é a abertura por onde penetra nas sociedades a dissolução ateia.

            Convém repeti-lo para que sobre isso meditem os homens de boa vontade; os que suspiram pelo advento de uma era de fraternidade e justiça veem com sobressalto as correntes céticas do século. À passagem da fé cega para o ateísmo se realiza com um simples movimento, abrindo os olhos.

            Mas donde nos veio essa fé, gérmen de incredulidade? Seria do Cristianismo? Por certo que não; a grande, a universal Igreja Cristã ensinou sempre em seus eternos dogmas a fé, mas a fé nobre, esplendorosa, racional, em espírito e em verdade, ativa, companheira inseparável da liberdade e do amor. Mas como da corrupção do melhor se engendra o pior; da corrupçâo do Cristianismo se engendrou o ultramontanismo e da corrupção da fé cristã a fé cega de nossos ultramontanos. Desgraçadamente muitíssimos confundem a nova seita com a primitiva Igreja, e os erros e excessos daquela são comumente imputados às duas e as prejudicam igualmente.

            Convém, pois, e é de suma urgência, conter o movimento de decomposição que se nota, e atrair pela razão todos aqueles que, por não verem justificadas suas crenças, militam nas hostes rebeldes do ateísmo. É necessário separar a Igreja da seita, a verdade religiosa dos erros, superstições e hipocrisias, a fé cristã do fanatismo cego; anunciar ao mundo o Cristianismo em sua pureza, os dogmas eternos da Religião Universal; do contrário, a incredulidade se apodera de todos os entendimentos e a Humanidade se submerge primeiro na mais repugnante sensualidade e depois da mais grosseira barbaria. Pois bem, o Espiritismo anuncia aos povos esses altíssimos dogmas, esses dogmas universais e eternos; a Religião de todos os tempos e lugares, a fé conforme com a verdade e, por conseguinte, com a luz do entendimento humano.

            Anuncia que a Igreja é a assembléia de todos os homens virtuosos, de todos os espíritos amantes da justiça. Para pertencer à Igreja não se precisa de outro noviciado que o do sentimento do justo, nem de outro sinal exterior que o da bondade das obras.

            Anuncia que Deus é o Pai de todos os seres inteligentes e livres, a Bondade infinita e a Justiça absoluta e que nenhum de seus filhos será jamais excluído de sua amorosa providência; mas, para nos aproximarmos d'Ele, precisamos ser justos e bons. Anuncia que é uma lei da criação a redenção universal,  e que a redenção individual depende do uso da liberdade de cada um. São redentores da Humanidade os Espíritos elevados que com a palavra e o exemplo inoculam nas gerações humanas o amor e a justiça.

            Anuncia que o único Templo digno do Criador é a criação. Chegará o dia em que todos sentirão essa verdade e então os homens, ao invés de templos de pedra, terão somente aquele cujo teto é formado pelas estrelas.

            Anuncia que a Revelação na justiça e na verdade é a luz que Ilumina todo homem que vem ao mundo. É o divino facho que dissipa as trevas da consciência. Sem a revelação não se concebe o progresso espiritual dos seres. E como a Terra não é a única morada da vida, do pensamento e da liberdade, nem a Humanidade terrena a Humanidade universal - o Espiritismo proclama a unidade de origem e de destinos de todas as criaturas racionais disseminadas pelos infinitos mundos do espaço.

            Proclama que, assim como orbes transmitem reciprocamente sua luz, as humanidades que neles moram transmitem os eflúvios de seu pensamento e vontade. Com a luz dos sóis nos chega a inspiração das almas puras, para as quais a liberdade não tem mais limite que a onipotência. São eles os ditosos mensageiros da revelação divina.

            Proclama, por último, que a vida terrena não é mais que uma jornada da vida perene dos Espíritos. Nosso destino é ascender sempre, pela liberdade e pela justiça. Havemos de visitar todas as cidades, onde temos irmãos, para abraçá-los e estreitar nossos vínculos fraternais. Para que edificaria Deus essas cidades e as exporia à nossa vista, se não pudéssemos visitá-las? Para que nos daria irmãos, se não devêssemos conhecê-los, amá-los e com eles constituir uma família? A constituição dessa família universal, pelo triunfo da verdade, da justiça, da adoração e do amor, é o ideal do Espiritismo, sua suprema aspiração. Ainda os erros nos oprimem e ofuscam os entendimentos: ainda prosperam entre nós a falsidade, a mentira e o orgulho; ainda há corações que destilam ódio, e mãos que destilam sangue; ainda abundam as consciências rebeldes, que esquecem os celestiais benefícios, filhos ingratos que negam o Pai, de quem receberam a luz, a vida e a liberdade; mas, que é isso? Não saímos das mãos de Deus? Não somos, vivemos e nos movemos n'Ele? Acaso podemos fugir de seu regaço, emancipar--nos de sua paternal tutela? Aonde iremos, que Deus não esteja conosco. Onde poderemos esconder-nos de sua bondade?

            Ó Deus meu, suprema Lei, eterna Sabedoria que penetras tudo, Ser de meu ser, Vida de minha vida, Alma de minha alma! Eu sei que de ti sai, que estou em ti e que para ti hei de ascender eternamente. Tuas bondades me engedraram, e não me precipitarás; acendeste a luz de minha alma, e não a apagarás. Enriqueceste-me com a liberdade, para glória tua e felicidade de meu espírito. Gravaste tua lei no mais íntimo de meu ser, e essa lei é um dulcíssimo chamamento, uma inefável atração que acaba por vencer todas as resistências humanas. Poderei esquecer-me de ti; poderei desconhecer-te; poderei dentro de minha liberdade deter o movimento ascensional de minha alma; poderei voluntariamente enlamear-me na injustiça, rebolcar-me no lodaçal da iniquidade, fazendo-me assim credor por séculos de acerba expiação; porém tu tornarás a chamar-me, porque és meu Pai; tu me abrirás o caminho, por onde eu possa voltar para reparar as minhas injustiças?, e me perdoarás, porque és Deus. E depois que meu espírito se tiver desprendido do erro, e quando minha alma se tiver purificado de todo o egoísmo, de toda a injustiça, de toda a mancha da terreal miséria; então, ó Deus meu! me receberás na comunhão dos justos, na vida das almas purificadas ali onde o sol de uma felicidade sempre nascente não se esconde vez alguma sob os horizontes.

            É isto o que me anuncia o Espiritismo, o Evangelho, a eterna Religião. E é a isto que uns chamam extravios da razão e outros mistérios de iniquidade. Extravios da razão! Em que, pois, consiste a sensatez dos sensatos? Mistério de iniqüidade! Onde está, pois, a justiça desses justos? Mas o mundo marcha, as gerações se sucedem e a verdade tarde ou cedo se apoderará dos espíritos!, ainda os mais obcecados.

            O progresso humano acelera a cada instante a sua carreira e, suprimindo séculos, precipita as soluções de todos os problemas transcendentais esboçados no berço das civilizações dos povos. Reinarão um dia sobre a Terra,a verdade e a justiça, e então os mesmos que hoje não tem para o Espiritismo senão desdéns, maldições e opróbrios, se assombrarão de sua obstinada cegueira, se enobrecerão com esses opróbrios, se honrarão com essas maldições e crescerão com esses desdéns. Todos somos irmãos, e uma amorosa reconciliação há de pôr termo aos egoísmos que nos separam para marcharmos estreitamente unidos à conquista da felicidade comum.


FIM

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