Eusápia Paladino (Dados biográficos)
por Paola Lombroso
Reformador (FEB) Novembro 1960
Aqui
falarei, não de Eusápia na obscuridade do gabinete mediúnico, entre os arquejos
e os balbucios do "transe", no mistério das mãos que aparecem, das
mesas que bailam, das pancadas que ressoam; porém de Eusápia tal como surge à
luz do dia, aquela que "come e dorme e veste roupa", e que, livre da
sombra paterna de John, recupera sua personalidade normal de mulher, de simples
napolitana, sempre dona de insuperável Ioquacidade.
Nos
dois meses em que Eusápia esteve em Turim, tive muitas oportunidades de vê-la e
sempre achei que a sua verdadeira personalidade é tão curiosa e Interessante
quanto sua personalidade subliminal, como espécime dos
estranhos produtos que pode produzir a raça humana!
Ela
reúne em si muitos caracteres contraditórios , tal misto de simplicidade e de
malícia, de inteligência e de ignorância, de estranhas condições de existência!
Imaginai uma mercadora de Nápoles transplantada, sem
nenhuma preparação, para os centros e para os salões mais elegantes e aristocráticos
da Europa; em parte, ela adquiriu superficial intelectualidade cosmopolita; em parte,
permaneceu ingenuamente plebeia; foi alçada nas asas de uma fama mundial e
jamais saiu do limbo do analfabetismo, providencial analfabetismo que a salva da vaidade, porque de
todos os rios de tinta, derramados por sua causa, ela nada sabe... Eis um
material de ingredientes bastante picantes para suscitar o interesse público.
O
seu aspecto e a sua palavra se apresentam absolutamente verídicos e sinceros:
ela não tem inclinação para fazer pose, nem para fingir, nem para enganar o
próximo; tem a virtude ou a habilidade, bastante rara de resto, de conservar-se
tal como a Natureza a fez: franca, sincera, instintiva. Assim, as coisas que
ela conta, por maravilhosas que pareçam, são todas, certamente, verdadeiras e
genuínas.
As
suas feições não são grosseiras, embora Barzini o tenha discretamente
insinuado; a face larga, um pouco sofredora, mostra, mais que os traços de
quinquagenária, os das sessões espíritas, os da super excitação e exaustão que
estas lhe causam.
-
Se não fosse este "maldito" Espiritismo, eu estaria melhor que urna
menina de 16 anos, fresca e esbelta como uma espinha de peixe,
costuma ela dizer.
De
sua beleza, ou pelo menos de uma certa feminilidade, conserva ainda vivos alguns traços: tem olhos belíssimos, negros,
ágeis, diabólicos; e agora põe à mostra, com um quê de coqueteria, no meio dos
cabelos negros, aquela sua célebre mecha branca.
Houve
tempo em que eu me envergonhava dessa mecha - comenta -, mas agora, que todo o
mundo a elogia, não a escondo mais ...
As
suas mãos são bonitas, e os pés, pequenos, ela os tem sempre um pouco fora da
saia, para mostrar que são calçados com botinas envernizadas bem ajustadas.
A
primeira vez que meu pai a convidou a almoçar, manifestou claramente suas condições: - Bem, aceito, mas não como uma feiticeira, e
sim como uma hóspede para conhecer a vossa família; e não quero, ao meu redor,
nem repórteres, nem jornalistas, nem fotógrafos.
Naquele
dia não houve jeito de faze-la falar da sua vida e das suas faculdades medianímicas:
em compensação, falou de suas impressões e de suas aventuras cosmopolitas, que
se poderiam considerar como um capítulo de psicologia de alta sociedade,
observada de um novo e curioso ponto de vista. De fato, Eusápia faz sempre dos
episódios, das suas recordações de viagem, das coisas e pessoas vistas, um
comentário original, pleno de sábia e penetrante filosofia popular. Os seus
juízos sobre os “grão senhores” não são nada lisonjeiros. Pode ser que Eusápia,
em transe, veja as coisas e as
pessoas através de um nevoeiro; mas, quando está acordada, tem os olhos bem
abertos e observa e nota bem todos os fatos, e externa sua impressão pessoal
com fina perspicácia.
Conta,
por exemplo, que uma vez foi convidada a passar algum tempo em um palácio de
Berlim, do Barão X...
-Não
quero declinar o nome – disse, contida por um escrúpulo de delicada reserva -,
porque é um homem que todos conhecem.
Aproximando-se
a hora – ela havia chegado pela manhã -, o anfitrião a chama e lhe anuncia que,
para apresentá-la à alta sociedade de Berlim, dará um jantar de gala.
-
“Diplomatas, condes, príncipes e barões, tudo gente que figura no “catálogo” de
Gotha, uma coisa como jamais você viu, Eusápia.”
“-
Imagine, como se eu já não conhecesse muitos príncipes e barões!”
Em
seguida, ele me levou a dar uma volta pelos salões:
“-
Estes tapetes são do século XV; isto – e me mostrava a prataria sobre a mesa –
é propriedade de nossa família há quatrocentos anos; estes pratos são da nossa
família da Saxônia, de um valor incalculável; as cadeiras, são forradas com
couro de Córdoba.”
Enfim,
não deixou escapar nem um prego.
Depois
de escutar com impaciência mal dissimulada, ela se voltou para seu
interlocutor:
“-Mas,
escute Barão - disse-lhe - , que valor o senhor acredita terem para mim estas
coisas velhas e antiquadas? E o senhor, se já as possui há quatrocentos saeculorum, ainda não está acostumado a
tê-las?”
A
sua impertinência e arrogância de plebéia, e de napolitana por cima, assume às
vezes uma forma de dignidade pessoal nada antipática.
-
Uma vez – é ela quem conta – estava em casa do grão-duque da Rússia, em
Petersburgo;a grã duquesa mandava chamá-la frequentemente, para conversar e
fazer-lhe companhia em seus aposentos. Porém, quando se aproximava alguém,
fazia a ela um gesto imperioso, indicando-lhe a porta. Por duas vezes, Eusápia,
um pouco desorientada, obedeceu; mas, depois, rebelou-se, e, postando-se
resolutamente diante da princesa, disse-lhe claro e sem rodeios:
-Oh,
senhora grã-duquesa, com certeza a senhora a senhora me julga uma cesta que,
quando necessário, se leva ao mercado e, depois, se larga num canto, o resto do
dia. Ou eu fico no salão ou me vou embora desta casa...
E
a princesa de sangue, para não desagradar a princesa do Espiritismo, consentiu
que ela permanecesse no salão, à sua vontade, a bocejar.
A
arrogância, a soberbia e sobretudo aquilo que se chama “falta de consideração”
irritam-na profundamente.
Em
Turim, o Duque de Abruzos solicitou-lhe e obteve uma sessão e a recompensou
generosamente, mas Eusápia não se satisfez.
-
Enfim, que me vale uma nota de quinhentas liras? Eu sou capaz de rasgar as
cédulas de quinhentas liras em quatro (na verdade, ela a tinha nas mãos, mas
não a rasgou!). Presto meus serviços com gentileza e quero que me tratem da
mesma forma.
Em
suma, ela se sentia muito ofendida, porque o Príncipe não lhe havia também
mandado o cartão de visita.
Este
é, como se vê, um preconceito adquirido do grande mundo; no entanto, em relação
a muitos outros preconceitos análogos, se manteve refratária.
Conta-se
que um dia quiseram censurá-la porque cortava o pão com os dentes, sem parti-lo
antes, como mandava o bom-tom:
-Chi,
Madame Eusápia – disseram-lhe em francês – a senhora come como as crianças!
-
Saiba o Senhor – respondeu no seu francês estropiado – que no meu país as
crianças comem como os homens!..
Mas
o modo de vida dos grão-senhores é uma inesgotável fonte de chacotas e de
desprezo para ela; contou-nos, entre outras, uma anedota que faz lembrar os
tempos de Luis XIV, que pedia uma taça cerimonial da corte e não conseguia
bebê-la senão quando estava gelada...
-
Uma vez em que eu estava na França, no castelo de... (estes castelos são todos
iguais; quando se viu um, viram-se todos: sempre mordomos, lacaios, automóveis,
baixelas de prata e nenhuma comodidade), veja que coisa me aconteceu: senti
frio uma noite e pedi um cobertor de lã. Se eu estivesse numa casa comum, de
gente de minha classe, a dona da casa sem mais delongas tiraria um cobertor do
armário; entretanto, tive que pedi-lo à camareira, que se dirigiu por sua vez
ao mordomo. O mordomo, sem a menor pressa, transmitiu o pedido à roupeira; esta
deu ordens à sua auxiliar. Anotaram tudo em seus registros, como os notários, e
eu, à espera, continuei a bater os dentes por duas noites! E os pobres, que
estão de fora, invejam tanto a vida destes grandes senhores, que são escravos
humílimos da sua estúpida etiqueta! – sentenciava com humor esta vendedora de
frutas que havia provado o pomo da grandeza!
As
casas de que ela gosta são as casas “com família”.
A
casa de Richet é o seu ideal:
Estar
ali três meses me parece três dias! Porque ali não só são belas as paredes,
como é boa a gente que está dentro! Richet é como um irmão! Sabe que uma vez
pensou em regalar-me? Presenteou-me com três galinhas, que botavam ovo, para
que eu tivesse a ilusão de estar em minha casa, em Nápoles. Aquelas galinhas me
deram maior prazer que um colar de brilhantes.
*
O
meu maior desejo e a minha curiosidade eram interrogá-la sobre sua faculdade
mediúnica, como a tinha descoberto e como a tinha descoberto e como começou a
exercitá-la; isso, porém, não era fácil, porque, assim como se mostra loquaz
quando fala sobre um assunto ventilado espontaneamente, ela se torna
desconfiada quando é interrogada, pois em cada pergunta suspeita a curiosidade
jornalística, pela qual nutre violenta repulsa.
-
Os jornalistas são gente que acomoda às palavras a mentira, compondo tais ladainhas
que, ao se ler uma delas, a língua se resseca antes de a gente chegar ao fim -
dizia-me Eusápia.
E,
como se sabe, ela evita cuidadosamente esse perigo.
Um
dia, afinal, a sorte me ajudou, porque uma pergunta aflita que lhe foi feita ingenuamente,
por uma comensal, provocou um desabafo que nos esclareceu sobre o assunto:
-
Como lhe veio à ideia - perguntou-lhe a senhora - de dedicar-se a esta
carreira?
-
Por caridade, senhora. Não diga "carreira"! - protestou Eusápia. --
Carreira é aquela que se escolhe por vocação; ao revés, eu jamais desejei ser
médium; e pelo que tenho ganho, nunca me teria deixado seduzir; não é uma carreira,
é um destino. De resto, a minha história é longa, e nela há muito de incrível.
Apraz-me conta-la, se bem que haja muitos que pretendem conhecê-la - os jornalistas,
compreende? - e que, nada sabendo dela, desenrolam sobre a minha vida uma
porção de mentiras.
Disse,
então, ter nascido em Minervino Murge, lugarejo de montanha, perto de Bari; sua
mãe morreu pouco depois de seu nascimento e o pai, que era um camponês, a mandou
para uma herdade próxima; entretanto, tão pouco cuidado dedicavam os granjeiros
à pobre órfãzinha que um a feita, antes que completasse um ano, deixaram-na
cair de mau jeito, do que resultou uma brecha na cabeça -
e que é a famosa fenda craniana da qual nos momentos de crise, se sente sair um
sopro frio. Sobre esta cicatriz é que cresceu aquela mecha de cabelos brancos
desde a infância, e que se distingue bem na fotografia do Dr. Herlitzka.
-
Como se já não fosse bastante desventurada - continuou a contar --, ainda
menina perdi meus pai; assim, eu me vi completamente abandonada, porque não
tínhamos parentes próximos; então, um meu conterrâneo, residente em Nápoles,
quando soube do meu triste caso, disse que me tomaria a seus cuidados. Depois,
em Nápoles, ele me colocou junto de uns senhores estrangeiros que desejavam
adotar uma rapariga como filha. Mas, eu não correspondi à expectativa deles,
porque era uma selvagem, um pássaro da floresta. Ignorante e tendo vivido sempre
como uma pobre criatura, eles pretendiam tornar-me, de repente, sapiente e educada,
queriam que eu tomasse banho todos os dias, que todos os dias me penteasse e
que comesse com o garfo, estudasse francês e piano e aprendesse a ler e a
escrever, - em suma, cada hora devia ter uma ocupação e eu não podia acostumar-me.
Começaram os conflitos, as revoltas, disseram-me que eu era teimosa e
preguiçosa... O fato é que em menos de um ano eles me escorraçaram de casa. Eu estava
desesperada - continua Eusápia - e tratei de procurar aquela família de conterrâneos
que me ofereceu abrigo por alguns dias, até que fizessem os arranjos
que me permitissem entrar para um convento. Havia poucos dias que eu ali me encontrava,
quando uma noite apareceram uns amigos que começaram a falar das mesas que
batem e dançam, das quais também por aquele tempo parece que se faziam grandes comentários;
e assim, por mero divertimento, propuseram fazer-se a prova de mover uma
mesinha. Escolheram uma, sentaram-se todos em torno e chamaram-me também para formar a
corrente. E eis que não eram decorridos dez minutos, quando a mesinha começou a
levantar-se, as cadeiras se puseram a bailar, as cortinas a se agitar,
passeavam as garrafas e os copos, retiniam as campainhas, de tal forma que
todos ficaram estupefatos, como quem invoca o diabo por brincadeira e o vê
comparecer de verdade. Fez-se a prova, um por um, para ver quem é que produzia todos
aqueles fenômenos, e concluíram que era eu.
Assim, proclamaram-me médium e fizeram um grande barulho,
e começaram a convidar amigos e conhecidos para as sessões. Faziam-me ficar à
mesa noites inteiras, o que, em verdade, me deixava contrariada. Mas eu me
conformava porque era uma maneira de retribuir os meus hospedeiros, os quais,
pelo desejo de ter-me entre eles, a fazer bailar a mesa, não falavam mais em
mandar-me para o convento, Eu, porém, me pus a aprender a costurar, pensando em
poder tornar-me, assim, independente e viver à vontade, sem fazer mais as
sessões espíritas.
Mas,
como apareceu, depois, em cena John King? - pergunto eu.
Este
é o mais estranho fato da minha história, ao qual tanta gente não quer dar
crédito. Na época em que ou comecei a participar de sessões espíritas, estava
em Nápoles uma senhora de origem inglesa que havia desposado um napolitano, um
senhor Damiani, irmão do deputado, que ainda é vivo. Esta senhora era
apaixonada pelo Espiritismo. Um dia em que ela participava de uma sessão,
foi-lhe dirigida urna mensagem escrita dizendo que havia chegado há pouco a Nápoles uma pessoa que
estava na rua tal número tal e se chamava Eusápia, e que era médium poderosa; e
o Espírito comunicante, John King, dizia-se disposto manifestar-se com
fenômenos maravilhosos. O Espírito não falou a um surdo, porque a senhora quis
verificar imediatamente a veracidade da mensagem e se dirigiu direto à rua tal,
número tal, subiu ao terceiro andar, bateu em uma porta e perguntou se ali morava urna certa Eusápia; e me encontrou,
a mim, que jamais havia imaginado que um tal John King houvesse vivido neste ou
no outro mundo. E eis que, mal me colocaram a uma mesa com esta senhora, John
King se "manifestou", e daí por diante não me largou mais.
Isto
tudo, sim, eu o juro - disse Eusápia com certa ênfase, é a pura verdade, embora
muita gente creia que eu haja ajeitado os fatos, Aí está como entrei neste
ingrato oficio, que nunca desejei que existisse! Dizem que trabalho por dinheiro.
Quem o diz não me conhece, Porque deverei ter avidez de ganhar, eu? Sou sozinha,
sem filhos, sou uma mulher que tem poucas necessidades: mil liras por ano, e
até mais, me dava a quitanda que eu tive que fechar, E outra coisa: que tenho
ganho com isso? Ser considerada "digna" de me tornar conhecida por uma sociedade ilustre que eu nunca
teria sonhado que existisse, se continuasse a ser a modesta mercadora. Porém,
digna, digna, que quer dizer digna? digna me julgo eu por possuir o dom da
mediunidade; mas digna sempre teria sido, porque, quando uma filha nasce de pai
e mãe honestos e se comporta sempre corretamente, é digna de tudo! Eu não me
sinto inferior a nenhum rei, e sempre tive prazer de viver no meio da gente do
meu bairro e da minha terra, vestida com uma simples saia e a comer macarrão,
Não me causa propriamente nenhum prazer o haver-me tornado a famosa Eusápia e
ser o assunto de todo o mundo: ganhei, sim, muitos bons amigos, como Richet.
como vós, como Lombroso, como Ruspoli... e isto foi o único lucro que eu tirei
disso..
Outro
episódio sensacional na vida de Eusápia, interessante também porque representa
n intervenção de suas misteriosas faculdades é o célebre furto de que fui vítima
e que, contado por ela, tem um verdadeiro sabor de novela de Edgar Poe.
O
fato ocorreu há cerca de dez anos. Ela possuía, diz, brincos de brilhantes,
pulseiras incrustadas de esmeraldas, cordões de ouro maciço, anéis com pedras
preciosas, Os seus ricos amigos Sardou, Aksakof
, Richet, Ochorowicz, Simieradsky e FIammarion, conhecendo o seu gosto de napolitana
pelas "coisas douradas", haviam combinado entre si para enchê-la de presentes. Para maior segurança, ela
guardava seu tesouro dentro de uma espécie de caixa-forte.
-
Uma noite - conta ela - tive um sonho de espantosa evidência, Eu via que um
homem, do qual eu distinguia não apenas a fisionomia mas também todas as particularidades
das vestes - o chapéu mole, cachecol no pescoço, tecido quadriculado nas calças
- havia entrado na loja e estava forçando o cofre, enquanto dois companheiros
guardavam a porta A impressão foi tão viva que ela acordou o marido e lhe disse
que estavam assaltando a loja. Ele não lhe deu atenção: ela, então, se levantou
(eram 2 horas da madrugada) , dirigiu-se à loja c encontrou-a, em perfeita
ordem. Porém, por precaução, resolveu levar suas preciosas joias para casa,
onde as guardou em um móvel, depois de havê-las conferido cuidadosamente, uma
por uma. E qual não foi a sua surpresa quando, no dia seguinte, viu perto da porta de sua casa
um indivíduo em tudo igual ao que entrevira em sonho! Preocupada com estes
acontecimentos, procurou aconselhar-se com um delegado de Polícia seu
conhecido, que lhe disse: "por muito adivinha que Você seja, eu não posso
policiar os sonhos: por isso, se Você deseja ficar tranquila, guarde suas joias no cofre-forte de um banco, que poderá
custodiá-las melhor do que eu".
Seguindo
este prudente e singelo conselho, ela levou as suas preciosas joias a um banco,
mas chegou fora de hora e encontrou-o já fechado; e então, sempre preocupada
com aquela ideia fixa, voltou ao comissário e lhe rogou mandasse colocar dois
guardas à porta de sua casa, por aquela noite.
Assim
se fez: os dois guardas permaneceram de sentinela toda a noite, e também
naquela noite se repetiu o sonho do furto e, por isso, o seu primeiro cuidado,
ao levantar-se, foi o de verificar se o seu pequeno tesouro se encontrava no
escrínio onde ela o havia guardado. Cerca de dez horas da manhã, ela saiu para
a loja, porém, quando ali chegou (a loja não distava mais de cem passos de sua
residência), assomou-lhe a ideia de ter feito mal deixando as joias na caixinha, em casa, e
retornou precipitadamente para apanhá-las, Encontrou a porta de entrada
fechada, mas, assim que entrou no quarto, notou que o escrínio havia
desaparecido. Correu para fora, gritando como uma possessa: "Nossa
Senhora, Nossa Senhora, roubaram as minhas joias, pega ladrão!" - porque
não haviam decorrido dez minutos que ela saíra de casa, e o ladrão não podia
estar longe.
O
comissário, pelos sinais que ela forneceu do indivíduo entrevisto em sonho,
reconheceu que se tratava de um dos mais famosos gatunos de Nápoles: e mais
tarde ela veio a saber que ele, de cumplicidade com uma sua empregada, havia
feito uma chave falsa: o golpe estava evidentemente planejado havia muito tempo
e o sonho premonitório não pudera evita-lo.
Veja
- dizia com amargura a pobre Eusápia, como se o fato tivesse acontecido ontem: para
que serve esta grande faculdade mediúnica nem ao menos me ajudou a salvar
minhas joias, que eu estimava como se fossem as meninas de meus olhos. O que tem
que acontecer, acontece mesmo!
Perguntamos-lhe
então se os Espíritos ou ao menos a sua faculdade mediúnica tinham exercido
influência em outros acontecimentos de sua vida.
Não
- respondeu ela - eu nunca pressinto a presença dos Espíritos, mas, algumas
vezes, sem que eu o quisesse ou soubesse, os Espíritos devem ter-me auxiliado.
Há dois anos, eu estava em Paris, doente, e me haviam dado uma enfermeira preguiçosa
e negligente que, em vez de me cuidar e dar-me os remédios, se deitava na cama
e dormia profundamente, e eu me cansava de chamá-la e tocar a campainha... sem
que ninguém me respondesse. E, então, que acontecia? A preguiçosa enfermeira
era acordada por assobios e beliscões que eu não tinha nenhuma intenção de
dar-lhe. E tanto a enfermeira se assustou com o estranho fenômeno que ela não
quis mais saber de mim nem das minhas feitiçarias.”
Todos
aqueles que tem observado e estudado Eusápia notaram que, estando ela em transe,
os movimentos de suas mãos e de seus dedos repercutem a distância, sobre
objetos e pessoas. Os movimentos que ela fazia com as mãos, enquanto estava
irritada com a enfermeira, provocavam, provavelmente, aqueles beliscões que a
enfermeira realmente sentia...
No
meio dos esplendores de sua nova vida, Eusápia conserva, de sua origem humilde,
aquela generosidade espontânea, aquele prazer de ajudar e de agradar, que é bem
mais difundido nas classes mais pobres do que nas ricas. Tanto quanto ganha,
gasta; recebe, especialmente de seus conterrâneos, um número enorme de pedidos
de dinheiro, muitas vezes injustificados, e, aos que a concitavam a indagar,
a sindicar se os pedintes realmente tinham necessidade, respondia: -
"Querem saber de uma coisa? Vocês jamais passaram fome; eu sei o que é isso,
e portanto não vou esmiuçar: se eles não tem a miséria em casa, tem-na à
porta...
Durante
as sessões espíritas realizadas na Clínica psiquiátrica, ela se tomou de interesse
por urna louca que ela afirmava ser sã.. e não sei quantas preces e rogativas fez
para curá-la e quanto dinheiro gastou para oferecer-lhe guloseimas, roupas,
presentes.
Curiosas
são, em tal natureza simples e franca, certas tentativas de enganar, que, entretanto,
foram constatadas: um estudioso que fez experiências com ela em mais de trinta
sessões e a viu produzir, em plena luz do dia, fenômenos maravilhosos, assevera
que duas ou três vezes ela recorreu ao artifício, à fraude - mas de modo tão
grosseiro que foi facilmente descoberta. E não era porque naqueles momentos lhe falhasse a faculdade mediúnica, visto que, fiscalizada, produziu logo
em seguida fenômenos que não podiam ser postos em dúvida.
De
resto, tais estranhas associações de verdadeiro e falso se observam mesmo em
mentalidades mais apuradas: um nosso grande poeta, ainda vivo - que sabe fazer,
em verdade versos magníficos, - se
rebaixa a copiar servilmente estrofes inteiras de poetas estrangeiros e a impingi-las
como suas... São aberrações momentâneas e com certeza incoercíveis a que são
sujeitos tais indivíduos, extremamente nervosos e excitáveis.
Eu
mesma fui testemunha ocular de um belo gesto de desinteressada delicadeza de
Eusápia: enquanto de todos os lados lhe chegavam ofertas tentadoras para
realizar novas sessões, que sua saúde, abalada por um começo de diabetes, não
lhe permitia realizar, ela atendia a compromissos anteriormente assumidos, e,
com compensação pecuniária bem mais modesta.
A
impressão geral, no entanto, que Eusápia dá à pessoa que com ela convive ou a vê
pela primeira vez, é absolutamente boa: de uma pessoa suficientemente
inteligente, sagaz e ao mesmo tempo simples e sincera - e isto me parece
importante anotar, não só pelo que respeita à sua personalidade real, mas
também no que diz respeito à sua personalidade mediúnica.
Traduzida de “La Lettura” – (Maio de 1907 págs. 389 a 394)
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