Assim não dá para explicar...
Maria Ocampo
Reformador (FEB) Novembro 1972
"Em verdade, em verdade,
digo-te:
ninguém pode ver o reino de Deus,
se não
nascer de novo" ( João, cap. III, v. 3).
Há
certos acontecimentos de nossa vida diária que nos colocam em situação dupla.
Junto com os sentimentos de felicidade e de segurança, proporcionados pelo conhecimento da Doutrina, assomam-nos tristeza e
até mesmo pena ante a recusa de certas pessoas em reconhecerem o acerto e a
lógica dos preceitos espíritas.
Em
nosso ambiente de trabalho convivemos com um grupo formado por mongolóides,
imbecis, etc. Para a maioria das pessoas é apenas um grupo diferente, horrível.
Mas, toda vez que deparamos com ele somos tomada por uma angústia
indescritível, por vislumbrarmos ali espíritos como nós, fagulhas divinas, que
por muito falirem acharam-se, um dia, satisfeitos em poder
reencarnarem numa situação como esta.
Uma
tarde, indagaram-nos sobre a razão das crianças ditas mongolóides. Apresentamos
então a justificativa da ciência: trissomia do cromossomo 21, motivada por diferentes razões. O interlocutor mostrou-se
insatisfeito, pois queria saber o motivo primeiro pelo qual ocorria tal anomalia
cromossômica. Respondemos com uma indagação: “Você aceitaria se nós disséssemos
que isto acontece em face de reajustes expiatórios de erros passados?” Veio
então a resposta entristecedora: “Não me venha com beatices de Espiritismo, que
assim não dá para conversar...”
Agora
somos nós que dizemos: assim não dá para explicar...
O
espírito humano, rodeado de materialismos enganadores, às vezes é incongruente
consigo mesmo. Ele morre de sede. Apresentamos-lhe a água saciadora. Ele a
recusa. Não podemos entender a dificuldade e a ojeriza de alguns em aceitar os
preceitos doutrinários a respeito da reencarnação. Mais ainda porque isto
ocorre em uma época em que, aos poucos, passam os fenômenos da reencarnação a
ser investigados, afirmados e aceitos pela mãe de todos os materialismos - a
Ciência.
Somente
a reencarnação nos explica tantos fatos dolorosos: as variadas gamas de
debilidades mentais, os desajustes familiares, a situação conturbada do mundo,
etc. E a própria simplicidade do ensinamento crístico só poderá ser entendida,
em alguns casos, à luz dos conhecimentos rencarnatórios.
Não
podemos admitir um Deus justo, um Deus bondoso se não aceitarmos a reencarnação.
Como
entender que por um erro, às vezes fruto da ignorância espiritual ou intelectual,
sejamos condenados ao fogo eterno? Onde a justiça, se a uns é dado errar e a
outros acertar, partindo todos do mesmo ponto? E, o que é pior, errar sem
horizonte de pagamento. Então, mais caritativa seria a justiça humana que, com
todas as suas falhas, permite ao condenado o resgate de suas faltas.
Se
a alma sobrevive ao corpo, como é preceito básico das religiões, qual o seu destino após a desencarnação? Será o céu ou o
inferno, com alguma opção pelo purgatório?
Há
justiça nisso?
E
o que dizer a respeito das diferentes aptidões de cada indivíduo, resultando em desigualdades sociais, culturais e até
econômicas?
Até
onde a educação pode influir sobre o indivíduo? Os estudiosos ainda não puderam estabelecer uma linha divisória entre o
que é herança genética (e aqui completamos: herança de nós mesmos, de anteriores
encarnações) e o que é influência ambiental. E assim permanecem inexplicados os
exemplos de famílias onde, dos mesmos pais, possuidores dos mesmos genótipos,
nascem sábios e ignorantes, santos e demônios. Será que a interação
herança-ambiente é suficiente para explicar os intrincados caminhos das
desavenças familiares? Será que ela explica as antipatias e simpatias
espontâneas? Cremos que o ponto mais clamoroso da pseudo falha
divina consiste no caso das referidas crianças débeis, física ou mentalmente.
Se acreditarmos que o Espírito foi criado no instante da concepção, mais flagrante
se torna a injustiça. Se pais e filhos possuem o mesmo princípio, criados que
foram em instantes idênticos; se ambos não possuem ontem negativo, só o
presente, e se o futuro só lhes reserva três alternativas (céu, inferno ou
purgatório), perguntamos: seria isso prêmio ou castigo? Na primeira hipótese,
seria prêmio a quê? Se fosse castigo, teríamos que admitir que as crianças
estariam pagando pelos erros dos pais.
Será
que dá para explicar tudo isto à luz de alguma coisa diferente de reencarnação?
Esta
representa para o espírito humano bendita oportunidade para o resgate de suas
faltas pretéritas. Excetuando-se o caso da herança genética, em que herdamos de
nossos pais genes que determinam nossas características físicas, somos
herdeiros de nós mesmos, do ponto de vista espiritual. E se analisarmos bem,
veremos que, mesmo no plano físico, somos herdeiros do que fomos no passado.
Isto porque sabemos que o nosso desenvolvimento é regulado pela ação do
perispírito e que este guarda os desequilíbrios e acertos de encarnações
passadas. Portanto, espíritos muito transgressores, perispíritos desequilibrados,
organizações físicas deficitárias.
O
que faz com que muitos de nós rejeitem os princípios reencarnacionistas é o medo de encarar a responsabilidade advinda de tal
fato. Aceitando-os, não podemos viver por viver, gozar por gozar. Ao contrário, a
cada minuto somos lembrados de que estamos jogando com o nosso futuro e que de
nós próprios depende a felicidade na Terra. É mais cômodo, para - muitos,
continuarem na ilusão em que estão, da “liberdade sem responsabilidade”.
O
fator biológico, para aqueles espíritos que reencarnaram em corpos de mongolóides
ou de débeis mentais, funcionou apenas como uma válvula de escape para o cumprimento da lei de causa e efeito, segundo a
qual nada do que fizermos de mal contra o nosso semelhante ficará impune. Como
todas as ciências humanas, a Biologia é campo de ação da justiça e sabedoria
divinas e cremos que, principalmente nela, a manifestação divina é grandiosa.
Não
podemos jamais admitir e mesmo entender uma Biologia sem Deus, uma Biologia sem
ética.
Todos
aqueles que sofrem (e quem não sofre?) encontrariam grande lenitivo para as suas dores se cressem na reencarnação.
Mas
não basta aceitar o que a Ciência, cem anos após Kardec, vem confirmar.
É
preciso que a partir desta aceitação façamos a extrapolação para o plano moral da questão. Nele reside o verdadeiro ponto de
consolação e de autocontrole.
Na
aceitação das consequências éticas das vidas sucessivas reside, em grande parte, o primeiro passo para a solução de nossos
problemas. A partir dela, encetaremos a luta contra o nosso orgulho e vaidade
milenares, exercitaremos a prática mais ampla da lei de amor, encararemos o
presente com maior noção de responsabilidade e garantiremos um futuro com menos
sofrimentos.
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