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domingo, 25 de dezembro de 2016

Kardec, Roustaing e o Neo-Espiritismo


Kardec, Roustaing e o Neo-Espiritismo 
por Areobaldo Lellis
Reformador (FEB) Dezembro 1938

            O Espiritismo não é novo, pois as suas origens mergulham em eras imemoriais. Pode-se dizer ter ele nascido com o primeiro homem. Assim, as suas noções vieram sendo lentamente trazidas ao conhecimento da humanidade, através do tempo e do espaço, mas sempre veladas à consciência dos povos, que delas só receberam, como verdade indestrutível, a da imortalidade da alma.

            As velhas civilizações do Oriente, que precederam à vinda do Nazareno, ampliaram para os homens a esfera desses conhecimentos, com a fundação de escolas e templos, onde tais estudos eram permitidos a determinadas pessoas. Deste modo criaram-se as escolas filosóficas, que deram ao mundo as notáveis personalidades de Pitágoras, Sócrates, PIatão, Plutarco, Hipócrates, não falando nos que os precederam na Índia, no Egito e na Palestina, como Hermes, Krishna, Buda e as grandes figuras da civilização hebraica, que vão de Moisés aos reis e profetas, enchendo as páginas luminosas do Antigo Testamento.

            Foi, entretanto, no reinado de Augusto que o velário ligeiramente se rompeu, que se esgarçou o véu que encobria os grandes tesouros das verdades eternas, com o aparecimento de Jesus, dois mil anos depois da vinda de Moisés. Já naquela época dois conceitos se haviam firmado na consciência universal dos povos: o da imortalidade da alma e o da unidade de Deus.

            Jesus, levantando uma ponta do véu atrás do qual se escondiam aquelas verdades, deixou nos Evangelhos a sementeira, da qual, quando a época fosse chegada, devia abrolhar, crescer, florescer e frutificar a portentosa árvore, a cuja sombra teria de se acolher a humanidade, na ânsia de palmilhar o caminho que a levasse a Deus. Essa árvore era o Espiritismo. Materializadas a ciência e a religião dentro dos imperativos da vaidade dos homens, asfixiadas sob o peso da obscuridade espiritual da espécie humana, houve o Criador por bem determinar se iniciasse a obra de renovação do próprio campo religioso, surgindo no seio do Cristianismo Lutero, dando a conhecer aos povos os Evangelhos, sonegados ao conhecimento dos homens pelo Vaticano.  A atitude do frade alemão forçou o papado a divulgação idêntica, aparecendo a Vulgata, tradução da Bíblia, fornecida às nações, até então ignorantes das Sagradas Escrituras.

            Abria-se, assim, no seio do Cristianismo o caminho para a vinda do Consolador
prometido por Jesus, porque os Evangelhos começavam a ser conhecidos, para a sua interpretação fora da letra, em espírito e verdade. Eram chegados os tempos, dezoito séculos após a promessa do Mestre, e as primeiras revelações espíritas aparecem e entram a interessar a Allan Kardec, que viu, na série de fenômenos objetivamente por ele próprio verificados, a chave de um notável problema científico e religioso, capaz de, pela sua solução, transformar o nosso mundo. Pouco tempo depois, Kardec publica o “Livro dos Espíritos”, no qual são dispostas as linhas mestras da doutrina, e em 1864 dá à publicidade “Os Evangelhos segundo o Espiritismo”, tendo antes editado o “Livro dos Médiuns”. Estava, assim, codificado o Espiritismo como expressão do Cristianismo redivivo.

            Precisamos, entretanto, reconhecer que o Espiritismo, em sua complexidade, em sua pureza e em sua verdade se acha condensado nos Evangelhos, que são a fonte onde a humanidade Irá beber os ensinamentos sobre as verdades eternas, consoante o grau do seu progresso espiritual. Kardec, ou, melhor, os Espíritos que o instruíram na concepção e realização de sua obra, tiveram suas atenções voltadas para a ponto de vista religioso, cuidando de levar à consciência do povo a noção dos seus deveres para com Deus, mostrando-lhe, consequentemente, que só na prática do decálogo se poderia encontrar o caminho do reino do céu.

            Se bem o “Livro dos Espíritos” nos dê a superestrutura da ciência espírita, ele não nos disse tudo no assunto. Os Evangelhos de Kardec consubstanciam apenas a parte moral da doutrina. constituindo os fundamentos da filosofia espírita.

            Kardec tirou dos Evangelhos somente a parte moral, concretizada nas parábolas e nas instruções do Mestre, para aí firmar as bases da doutrina filosófica. Mas, convenhamos em que o Espiritismo não está apenas naquelas parábolas e nas instruções, porém na obra toda dos evangelistas. Da anunciação de Zacarias à aparição de Jesus à Madalena e aos discipulos, em todas as páginas dos Evangelhos, a revelação do Consolador palpita e se oferece ao exame, à meditação e à interpretação dos estudiosos e dos crentes. Assim, a obra de Kardec necessitava ser completada.

            Coube a Roustaing completá-la. Confirmando o que de luminoso e excelso Kardec produziu com a ajuda de entidades esclarecidas, Roustaing, também ajudado por elevados Espíritos, colocou a humanidade no pórtico do grande edifício, que viria a ser futuramente a ciência espírita. A psicologia experimental confirma, nos dias que passam, as asserções de Roustaing, mostrando que as duas obras, longe de se repetirem, se completam na ministração do conhecimento das verdades eternas, que estruturam o neo-espiritualismo.

            O Espiritismo, dentro da verdadeira concepção filosófica, não pertence ao número das ciências exatas, no conceito em que temos essas ciências. Ele está sujeito a evolver, ainda não tendo dito a última palavra, que jamais dirá.

            No tempo e no espaço, Jesus nos vem paulatinamente enriquecendo com ensinamentos novos, de conformidade com as transformações sofridas pelos nossos espíritos e pelos rumos que formos emprestando á nossa vida terrena.

            A evolução do Espiritismo exige que não fiquemos adstritos somente aos ensinamento de Kardec, porque ele é a luz, é a sabedoria, fugindo por isso mesmo aos imperativos da ortodoxia, em que a fé sem exame impede os surtos da consciência. Aquele que só admite os ensinamentos kardecistas é, parece-nos, um espírito que ainda não alcançou evoluir bastante.
Vitória, Outubro de 1938.




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