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domingo, 3 de maio de 2015

Frederico Jr.

‘Frederico Pereira 
da Silva Júnior’

por Pedro Richard
Reformador (FEB) Agosto 1973

            O nome que encima estas linhas aqui traçadas encheu mais de um terço de século da vida espírita do nosso país.

            Ele só por si constituía um exército que assombrava as falanges inimigas da Luz e, por isso mesmo, era o alvo predileto das setas venenosas dos adversários de Jesus.

            Até da pouca benevolência de confrades foi Frederico Júnior vítima, máxime dos que muito exigem dos outros, mas que nada, ou quase nada produzem.

            Dizer dos seus feitos é tarefa árdua demais para mim. Seria preciso escrever um volumoso livro para relatar os episódios de sua vida espírita que, sem dúvida, foi muito mais acidentada e grandiosa do que a de Mme. d'Espérance, contada por ela própria no seu livro "No País das Sombras".

            Todavia, em resumidas linhas, tanto quanto comporta o espaço estreito de uma revista, vou contar os principais episódios passados com o nosso excelente confrade, episódios que a minha enfraquecida memoria ainda me pode ditar.

                                                                                  *

            Em 1878, desejoso de saber notícias de uma pessoa querida que houvera desencarnado tempos antes, Frederico obteve de seu padrinho de batismo, o nosso bom e velho companheiro Luiz Antônio dos Santos (hoje, no Espaço), que o levasse à Sociedade Deus, Cristo e Caridade, para assistir a uma sessão.

            Lá chegado, Frederico, que então contava apenas a idade de 21 anos, foi na mesma noite empolgado sonambulicamente por um Espírito; e desde então começou a trabalhar como médium. Vem daí, pois, a sua vida de médium, ininterrupta.

            Em 1880, quando a Deus, Cristo e Caridade embrenhou-se na orientação puramente científica e se cindiu em dois grupos, Frederico acompanhou o que, em boa hora, dela desligou-se e que foi constituir a Sociedade Espírita Fraternidade, com a orientação original, que era a evangélica.

            Nessa nova agremiação espírita, continuou o novel médium a estudar os Evangelhos pela Revelação dada ao Sr. Roustaing, estudo que fora interrompido em virtude da divergência de orientação que se deu na Deus, Cristo e Caridade.

            A Fraternidade, cujo arquivo não se sabe hoje onde para - o que, diga-se de  passagem, constitui uma grave e profunda lacuna para a história do Espiritismo no Brasil -, produziu coisas assombrosas, máxime na parte dos trabalhos de obsessão.

            Quando, em 1882, tive a ventura de entrar para a Sociedade Fraternidade, encontrei ali um grande e seleto grupo de médiuns, sendo Frederico reputado um dos melhores, já pela variedade de inestimáveis mediunidades que possuía, já pela grande e santa dedicação que tinha à Doutrina Espírita. E aí continuou ele a trabalhar sempre com assiduidade e boa vontade.

            Voltemos ao ano de 1880, para falarmos dos esforços empregados por um dos mais dedicados confrades no sentido de harmonizar os membros da Deus, Cristo e Caridade e congregá-los novamente em torno da sua primitiva orientação, que era, como disse linhas acima, a evangélica.

            Narremos, pois, o que se passou.

            No dia 6 de junho daquele ano, o nosso prestimoso confrade e amigo Dr. Antônio Luiz Sayão, no nobre intuito de reunir novamente as duas facções da Deus, Cristo e Caridade em torno de um mesmo ideal, convocou uma reunião desses irmãos em seu escritório, na Rua Luiz de Camões, num sobrado junto ao nº 5 antigo, e expôs os intuitos que o levavam a reunir ali os seus irmãos em crença.

            Sayão nada conseguiu de satisfatório.

            Não foi possível obter a conciliação que ele ardentemente desejava.

            Fundou, então, um grupo destinado ao estudo e à prática dos Evangelhos, denominado Grupo dos Humildes, conhecido mais tarde pela denominação de Grupo Ismael e também pela de Grupo Sayão, que realizou a sua primeira sessão no dia 15 de julho do mesmo ano, e onde Frederico, desde logo, trabalhou como médium.

            De então para cá e durante 34 anos, seguidamente, exerceu Frederico as suas funções mediúnicas nesse Grupo, sendo que o seu último trabalho, que é o canto do cisne, foi produzido em 11 de junho último.

            Por seu intermédio contam-se nesse Grupo centenas de curas de obsessões. Posso afirmar, sem receio de contestação, que, a não ser a obra dada ao Sr. Roustaing, a "Revelação da Revelação", por intermédio da Sra. Collignon, foi ali, naquele Grupo, que se produziram os trabalhos espíritas que, na ordem moral, de maior vulto se têm obtido mediunicamente no mundo inteiro e tudo isso devido a Frederico Júnior.

            É assim que, além das muitas e brilhantes comunicações publicadas nos livros intitulados "Trabalhos Espíritas" e "Elucidações Evangélicas", ambos publicados pelo Dr. L. Sayão, o Grupo obteve do meigo Espírito Bittencourt Sampaio, sempre por Frederico, os três monumentos denominados "Jesus perante a Cristandade", "De Jesus para as Crianças" e "Do Calvário ao Apocalipse".

            Nestas três epopeias, encontrou o sublime Espírito Bittencourt Sampaio em Frederico Júnior o instrumento maleável e propício para dar expansão às suas melodias celestiais, particularmente quando produziu a joia divinal que é o "De Jesus para as Crianças".

            Estes três livros, escrínios inestimáveis de belezas doutrinárias e literatura sem jaça, constituem a prova a mais irrecusável da existência e comunicabilidade dos Espíritos. São obras grandiosas de ensinamentos e combate, que estão reservadas para o futuro. Só a posteridade será capaz de julgá-las no seu justo e devido valor. E então se provará, com estes três monumentais documentos impressos, que foram ditados pela boca de um pobre iletrado que mal conhecia a gramática (documentos que encerram, nas suas luminosas páginas peças literárias de belezas raras), se provará, disse, a existência incontestável dos Espíritos e a sua comunicabilidade com os seus irmãos da Terra.

            Mas, meus caros amigos, que de lutas teve de sustentar este pobre homem, que pediu uma das provas mais rudes que se pode imaginar!

            Nascido e criado num meio de operários, chegou à idade adolescente convivendo com boêmios e lutando com os arrastamentos próprios de semelhante classe social. E, no entanto, era um bom. Ninguém tinha queixa dele. Todos que com ele conviviam lhe deviam gratidão por um serviço qualquer.

            Era um soldado de Jesus e, por isso mesmo, um perseguido.

            Contar as perseguições de que foi vítima, já vos disse, não me é possível. Contudo, vou relatar alguns fatos, os mais frisantes. Ei-los:

            Todas as vezes que os Espíritos nos anunciavam o recebimento de um livro,  crescia-lhe a perseguição de um modo atroz!

            A proporção que se desenvolvia, pelo exercício contínuo, a sua mediunidade, mais facilidade encontravam os maus Espíritos para nele exercerem a sua influência deletéria. Era uma luta sem tréguas e impiedosa!

            De dez anos para cá, nova faculdade mediúnica se desenvolveu em Frederico Júnior: a mediunidade estática.

            E de tal maneira se desenvolveu nele esta mediunidade, que era difícil se saber, em dadas ocasiões, quando era o homem que falava ou algum Espírito por ele. Apenas percebia-se quando ele estava mediunizado pelo seu olhar, que então se mostrava com brilho maior do que o habitual.

            Era preciso ter o hábito de conviver com ele para se perceber quando estava mediunizado.

            De uma feita, jantando comigo em um hotel, expendeu larga palestra. Estranhando eu as suas opiniões bizarras, não tinha ele, pouco depois, a menor lembrança do que tinha feito e dito momentos antes. Um dia, depois de uma semana de ausência de casa, recolheu-se cedo ao lar e, reunindo na sala de jantar a esposa e filhos, deles despediu-se em lágrimas, alegando que não mais podia suportar os atrozes sofrimentos que o vinham atormentando.

            Os inimigos do Espaço não o deixavam dormir, nem sossegar. Até no seu próprio quarto de dormir improvisavam bailes carnavalescos e batuques! Uma noite, foi ele avisado de que sua casa estava em chamas. Foi à cozinha e lá encontrou, efetivamente, uma mesa ardendo, sem que pudesse explicar donde tinha provindo o fogo.

            Era de um desprendimento e dedicação verdadeiramente evangélicos. Vou narrar um simples fato para dar uma pálida ideia de sua dedicação.

            Morava eu na Gávea - foi no ano 1912 - e lá tinha minha filha Isaura, gravemente enferma. Estava ela aos cuidados mediúnicos de Frederico Júnior. Era em junho. Uma noite fria e úmida, muito fria mesmo, havia melhorado a doente. Por volta das3 horas da madrugada, ouvi bater mansamente à porta. Abri-a e - quem era?! - deparei com o bom do Frederico, tiritando de frio e batendo o queixo. Sem mais preâmbulos nem outras palavras foi, desde logo, indagando do estado da doente. Contou-me, então, o que se havia passado:

            "Deitei-me cedo; pouco depois, vi junto a mim Isaura vestida de virgem e, sorrindo, disse-me: "Vim trazer-lhe as minhas despedidas." E a visão desapareceu. Não pude mais conciliar o sono; por isso, vim pressuroso saber notícias de Isaura."

            Morava, então, Frederico no Rio Comprido.

            Que sacrifício, Santo Deus! Que dedicação evangélica!

            Não podia parar em casa com o sentido nos seus doentes. Logo ao amanhecer, saía de casa para visitar os enfermos. E nisso estava o seu maior consolo e o seu bem-estar.

            Os seus últimos anos de vida humana foram de sofrimentos constantes e atrozes. Dele se poderá dizer: "Bem-aventurados os que sofrem por amor da justiça, pois serão consolados".

*

            Após dolorosa enfermidade, Frederico Júnior, sem uma queixa e achando que justo era o seu sofrimento, desencarnou. Deixou fotografado no éter um belo quadro que traduz bem a grandeza de seu Espírito e a pureza de sua crença. Quero me referir ao que se passou nos seus últimos momentos. Reunindo a família, ora ele próprio uma Ave Maria e, ao terminar a sublime prece, seus lábios emudecem; cerram-se-lhe as pálpebras e seu Espírito ala-se aos páramos celestes.

            É assim que desencarnam os filhos de Maria. Que quadro belo e venturoso! Ao meu bom e nobre companheiro de 32 anos; ao meu grande amigo, a quem tanto devo e cuja amizade nunca sofreu o menor estremecimento, eu digo: Adeus, meu bom e dedicado amigo; adeus, Frederico; até breve.


(Resumo de artigo publicado no "Reformador" de setembro de 1914, págs. 299/302)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O Poeta Guerra Junqueiro



O Poeta Guerra Junqueiro
por Inaldo Lacerda Lima
Reformador (FEB) Setembro 1994


            Abílio Manuel GUERRA JUNQUElRO é o nome desse poeta incomparável e de escola literária própria, nascido em Portugal a 17 de setembro de 1850. Em Trás-os-Montes, num poético recanto denominado Freixo-de-Espada-à-Cinta, conforme notifica Almerindo Martins de Castro, nos traços biográficos do poeta, integrantes do livro mediúnico "Funerais da Santa Sé", pela psicografia da médium América Delgado, 5ª edição FEB. Regressou à pátria espiritual em 7 de julho de 1923, possivelmente na capital portuguesa.

            Nosso propósito não é traçar um perfil biográfico desse poeta notável. Isto já foi feito, e muito bem, pelo saudoso companheiro Almerindo de Castro. Também não vimos entreter um panegírico, porquanto o melhor elogio de Guerra Junqueiro está impresso na sua própria obra. E é desta que queremos falar, envolvendo o pensamento do homem na vida física e o pensamento do Espírito após sua desencarnação, impresso nas páginas de seu "Funerais da Santa Sé".

            Nossa primeira preocupação não é com o estilo eloquente e encantador do aedo (poeta grego da época primitiva, que cantava ou recitava com acompanhamento da lira: Homero era um aedo), tangendo as cordas de uma lira de sons maviosos enternecedores ou satíricos. Nossa primeira preocupação é com o porquê de sua manifestação tida como irreverente, o que lhe valeu, em vida, o título de iconoclasta pelos críticos e admiradores de sua época, inclusive Camilo Castelo Branco no estudo que antecede o conteúdo de "A Velhice do Padre Eterno".

            Desde menino que esse livro nos acompanha. Outros tivemos da autoria do Junqueiro, mas foi "A Velhice do Padre Eterno" que mais nos tocou e ao qual nos apegamos com um respeito e um carinho todo especial.

            Quando nos tornamos espírita, passamos a imaginar houvesse sido Guerra Junqueiro colocado no alto de uma das milhares de fogueiras inquisitoriais acendidas para queimar corpos vivos, ou, assado, devorado quem sabe pelos canibais do Santo Ofício, como costumávamos chamá-los antes de conhecer a sublimidade do Espiritismo. E que voltava das paragens invisíveis para acusar os seus verdugos. Depois que conhecemos o Espiritismo, afigurou-se nos o nosso poeta exemplo de Espírito de um "herege" que não houvesse ainda assumido a grandeza do perdão.

            Hoje, é outro o nosso juízo. E aproveitamos estas colunas de REFORMADOR para uma análise sincera e justa das obras poéticas desse incompreendido vate, quase discípulo de Victor Hugo, cujos versos traem filigranas do condoreirismo (uma parte de uma escola literária da poesia brasileira, a terceira fase romântica, marcada pela temática social e a defesa de ideias igualitárias. Wikipedia.) do genial autor de "As Vozes Interiores" e do magistral romance "Os Miseráveis", mas sem a tônica do romantismo assimilado pelo nosso inesquecível Castro Alves.

            Razão teve Camilo em defender o poeta de "A Velhice do Padre Eterno" da pecha injusta de ateu, que de ateísmo nada revela a sua poesia sólida e extraordinariamente eloquente senão quando lembrado pela má-fé daqueles que trazem ainda na alma a azedia do ódio e da paixão contra tão sublimado filho das Musas!

            Só muito tempo depois de nos haver caído às mãos o luminoso "Funerais da Santa Sé" é que tivemos contato com o pensamento de Almerindo Martins de Castro, quando nos revela a crueza com que 111 anos antes do nascimento de Guerra Junqueiro sofria a pena de ser queimado vivo, numa praça de Lisboa, pela chamada Santa Inquisição, o grande dramaturgo e poeta brasileiro Antônio José da Silva, acusado falsa e torpemente de judaísmo, a 18 de outubro de 1739, ao lado de sua esposa de 27 anos de idade, juntamente com a sua sexagenária genitora.

            Foi depois disso que passamos a compreender melhor as mensagens poéticas do inolvidável aedo português. Ele não fora um vingativo pelo que sofrera no passado, mas alguém que se fazia predestinar para combater velhos erros, crimes e torpezas que eram praticados em nome da Religião e em nome de Deus. Vejamos, isto posto, que ilações tirar desta joia poética por ele intitulada Parasitas:

"No meio de uma feira, uns poucos de palhaços
Andavam a mostrar em cima de um jumento
Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,
Aborto que lhes dava um grande rendimento.

Os magros histriões, hipócritas, devassos,
Exploravam assim a flor do sentimento,
E o monstro arregalava os grandes olhos baços,
Uns olhos sem calor e sem entendimento.

E toda a gente dava esmola aos tais ciganos:
Deram esmola até mendigos quase nus.
E eu ao ver este quadro, apóstolos romanos,

Eu lembrei-me de vós, funâmbulos (acrobatas) da cruz,
Que andais pelo universo, há mil e tantos anos,
Exibindo e explorando o corpo de Jesus."

            Fôssemos nós analisar a beleza e a profundidade filosófica deste soneto, já aqui teríamos assunto para preencher muitas colunas de um jornal. Deixamos, todavia, a cargo do leitor percuciente a avaliação poética e filosófica da composição, porque é inolvidavelmente um cântico à beleza irônica de um fato repreensível pelos ensinamentos que do poema podemos extrair.

            Não. Não há irreverência no soneto. Irreverente é o fato. E no final dos versos a lição endereçada aos funâmbulos da cruz, no circo da vida tomado irreverente pela ação nefanda de homens que assumiram compromissos com a fé.

            Assim era a alma desse homem sem alegria que se chamou Guerra Junqueiro. E ele próprio quem o confessa neste quarteto recolhido do livro "Batismo de Amor":

"Eu sinto um vácuo imenso que me oprime,
Um sonho, um aspirar não sei a quê...
O riso nos meus lábios ninguém vê...
Não sei que dor me verga como um vime."

            Aí está um aspecto da alma desse poeta capaz de escrever coisas notáveis como em seu poema O Melro, de "A Velhice do Padre Eterno", que nos velhos tempos de juventude tivemos diversas oportunidades de recitá-lo em grêmios literários e que ao conhecer o Espiritismo melhor podemos senti-lo e interpretá-lo.      Trata-se da história de um velho abade que tinha uma horta bem ao lado da Abadia. E resolveu comprar briga com um casal de melros que, segundo o abade, devorava lhe a messe. Depois de armar inutilmente uns espantalhos de que os melros zombavam em finas gargalhadas ou suavíssimos trinos, eis que o velho abade encontra lhes o ninho com quatro melrinhos assustados. E o abade fez uma festa. Colocou os passaritos numa gaiola, prometendo devorá-los com chouriço e com o melhor vinho que possuía na adega. Mas, à tardinha, a mamãe-melro não encontra os filhotes no ninho e enlouquece de desespero até que vai encontrá-los na copa do abade. E, incontinenti, lança-se furiosa e inutilmente contra a gaiola, perdendo as penas numa luta vã. A ave reflete, finalmente, um pouco, e como um raio parte na direção da seara, trazendo um ramo de veneno que dá aos filhos para comerem e come ela mesma em seguida, dizendo:

"- Meus filhos, a existência é boa
Só quando é livre. A liberdade é a lei,
Prende-se a asa, mas a alma voa...
Ó filhos, voemos pelo azul!.. Comei!"

            E o velho abade diante da cena, não se contém e converte-se à Verdade das coisas eternas, arremessando fora a velha bíblia, e murmurando:

"Há mais fé e há mais verdade,
Há mais Deus com certeza
Nos cardos secos de um rochedo nu
Que nessa bíblia antiga ... Ó Natureza,
A única bíblia verdadeira és tu!.."

            Um outro poema que nos transporta às verdades espirituais é aquele que o poeta intitula Caridade e Justiça, fazendo uma apologia do horror do próprio Judas Iscariotes acicatado pelo remorso de haver traído um justo. Percebe-se aí toda a grandeza eloquente do poeta-filósofo de "A Velhice do Padre Eterno", sem que se tenha o mínimo direito de chamá-lo ateu. Não havia desrespeito a Deus na poesia de Guerra Junqueiro. Muito ao contrário, sua poesia era um brado de reprovação contra o abuso das coisas sagradas e a infâmia dos homens debitada a Deus.


            
           Após a sua desencarnação, volta em 1932, nove anos depois e através da médium América Delgado, na sede do Grupo Espírita Roustaing, em Belém do Pará, para ditar os "Os Funerais da Santa Sé", oferecendo-nos treze maravilhosas composições poéticas, dentre elas a que se intitula O Corpo de Jesus, cujo estilo em nada se diferencia daquele utilizado pelo poeta, quando prisioneiro da carne, conforme o atestam os seguintes versos:

"Se o Cristo foi humano, que é da virgindade
daquela que recebe, ainda imaculada;
o Verbo que ilumina toda a Humanidade,
fazendo-a palmilhar a verdadeira estrada?!
Jesus não foi jamais involucrado em lama!
- Essência divinal, que lá do Alto vem
os seres envolver na luz da mesma chama
a fim de orienta-los para o ovil do Bem,
nós compreendemos Cristo - Essência Imaculada!
Nós vemos em Jesus o - Sobrenatural,
Enviado por Deus à Terra enodoada,
para dela expulsar os histriões do Mal!"

            E através, também, do médium mineiro Francisco Cândido Xavier, então com vinte e um anos, retoma para contribuir com maior intensidade luminosa nas páginas do "Parnaso de Além-Túmulo" por meio de poemas como Caridade, onde se patenteia o mesmo estilo inconfundível de Caridade e Justiça, e como O Padre João, em que se manifesta com a idêntica vivacidade poética do velho abade de O Melro, em "A Velhice do Padre Eterno".

            É, em todas essas composições, indubitável o estilo, flagrante o sentimento, senão apenas mais amadurecido e sério, mais consentâneo com o seu estado, agora, de ser liberto das cadeias e influenciações da prisão carnal.

            Em seu monumental "Os Sertões" , declarou o grande escritor brasileiro Euclides da Cunha que "o estilo é o homem", para assegurar que o estilo é o retrato vivo da alma que grafa literariamente o seu pensar e, com ele, a sua própria alma no papel ou do artista plástico que debucha na tela as suas impressões da vida! O mesmo se verifica em todas as artes em que a alma se faz manifestar no tônus de sua sentimentalidade inequívoca. O estilo é a marca do ser, é o seu sinete inconfundível.

            Não é preciso ser alguém versado em crítica literária para ver aí, em todos os versos aqui transcritos, a alma rediviva de Guerra Junqueiro. E possível parodiar, mas imitar o estilo é impossível. E neste trabalho fizemos questão de mostrar o poeta Abílio Guerra Junqueiro em três fac-símiles diversos: o do poeta na existência física, em sua obra natural, e na existência espiritual através de dois médiuns diferentes, América Delgado, no Pará, e Francisco Cândido Xavier, em Pedro Leopoldo das Minas Gerais, e possivelmente, na época, desconhecidos um do outro.

            Resta-nos, para concluir, lembrar, ainda uma vez, que Guerra Junqueiro não fora um ímpio nem é um vingativo. Sobre chamar a atenção para o fato da imortalidade do Espírito, em se fazendo manifestar em dois médiuns diferentes, veio também demonstrar que não vinha para cobrar a maneira como fora expulso da vida, na existência anterior, assado numa fogueira inquisitorial. Vinha, sim, desfazer um equívoco: Não era ele um ateu e um ímpio. Fora e continua sendo um filósofo no mais estrito sentido do termo. Cantou em vida o seu respeito pela verdade, dignificando a fé. E continua, nas planuras espirituais, a cantar as verdades eternas, ensinando a verdadeira posição do cristão crente em Deus, conforme o atestam estes versos do poema O Padre João, em "Parnaso de Além-Túmulo", com os quais encerramos este artigo:

"É um blasfemo quem crê que em teus nichos e altares
Guarda-se a essência pura e imácula de Deus;
Eu vejo-O, desde a flor às luzes estelares,
Na piedade, no amor, na imensidão dos céus!
Ó Igreja! o dogma frio é um calabouço escuro,
E eu quero abandonar a noite da prisão;
Prefiro a liberdade e a vida no futuro,
Guiando-me o farol da fúlgida Razão.
Desprezo-te, ó torreão de séculos trevosos,
Ruínas de maldade estúltica a cair,
Eu quero palmilhar caminhos luminosos
Que minhalma entrevê na aurora do porvir!"




domingo, 13 de janeiro de 2013

Guillon Ribeiro



Duas Palavras

Reformador (FEB) Outubro 1946

            No dia 26 deste mês recordamos o terceiro aniversário da desencarnação de Guillon Ribeiro (26 de Outubro de 1943) um dos mais cultos pregadores da Doutrina de quantos já viveram em nossa terra, e como estamos revendo sua excelente tradução da maravilhosa obra de Roustaing para a futura quarta edição, vamos reimprimir algumas linhas de sua apresentação do livro. Sob a epígrafe de que aqui nos servimos para esta nota, escreveu ele:

            "De nenhum modo pretendemos realçar aqui, em duas palavras, o valor e a importância verdadeiramente extraordinários desta obra incomparável, única até hoje no mundo, onde, dia a dia, à medida que. for sendo calmamente estudada e meditada, avultarão a sua grandiosidade e a sua profundeza...

            "Nela se encerra toda uma revelação de verdades divinas que ainda em nenhuma outra fora dado ao homem entrever. Ela nos põe sob as vistas, banhados numa claridade intensíssima, que por vezes ainda nos ofusca os .olhos tão pouco acostumados à luminosidade das coisas espirituais, esse código de sabedoria infinita que se há de tornar o código único dos homens - os Evangelhos de Jesus. Tanto basta para que a sua preciosidade assinalada fique.

            Neste ano em que a grandiosa obra completou seu 80º aniversário, meditemos um pouco sobre a palavra de um dos homens que mais a conhecia por um estudo demorado de trinta anos; uma grande inteligência servida por vasta cultura; um coração bem formado; um pregador ponderado; um espírita modelar, tal foi o homem que nos deixou escritas essas palavras no vestíbulo do grande livro por ele não só traduzido magistralmente, mas também transformado, por meio de apostilas e índices remissivos; na melhor obra de consulta que possuímos sobre Espiritismo.

            Não pretendia realçar o valor da obra, diz-nos Guillon Ribeiro. De fato essa tarefa ficou a cargo dos adversários da Doutrina. Foram eles que realçaram o valor da obra em numerosos livros, escritos contra ela, com os mais veementes ataques de quem sente o pavor da vitória da verdade e tenta por todos os meios sufocá-la. Artigos, discursos, plebiscitos, livros, tudo foi lançado contra o edifício construído sobre a rocha, numa luta tremenda de oitenta anos; porém ela resistiu a tudo e prossegue serenamente rumo ao futuro grandioso que lhe está reservado de revigorar no mundo "esse código de sabedoria infinita que se há de tornar o código único dos homens - os Evangelhos de Jesus."

            Se mais nada houvera feito Guillon Ribeiro pela Doutrina, bastaria a preparação em vernáculo dessa obra monumental para recomendar-lhe a memória à admiração e ao amor da posteridade, Mas ele fez muito mais! O lançamento da obra de Roustaing lhe conquistou Alta Proteção espiritual para grandes realizações doutrinárias e devemos-lhe a escolha e a tradução para o vernáculo de duas dezenas de obras preciosas do francês, do inglês, do italiano. São dele as melhores traduções  que possuímos de Allan Kardec, de Bozzano, de Findlay e de outros autores célebres.
Sua atuação doutrinária em Reformador e na Federação estendeu-se por mais de vinte anos de trabalho fértil, de proveitosa sementeira.   

            Ninguém fez tanto quanto ele para elevar o nível cultural das letras espíritas no Brasil e em Portugal. Poliglota, estilista perfeito, modesto como poucos, soube dar forma ao pensamento dos mais diversos autores e cunhar uma linguagem vernácula elevada para o Espiritismo, ao qual serviu devotadamente até ao último momento de sua existência terrena, pois que a morte o surpreendeu trabalhando para a Doutrina como Presidente da Federação e Diretor de Reformador.

            Foi ele quem recebeu a inspiração dos nossos Maiores e pôs em execução, na Casa de Ismael, uma nova seção de trabalho com a finalidade de aplicar o Esperanto a serviço da Terceira Revelação, por um processo honesto que nunca fora concebido em outros países, onde semelhantes tentativas foram iniciadas infrutiferamente por métodos apressados e improdutivos. Essa iniciativa já se acha em seu décimo ano e promete grande futuro à missão da Federação.

            Guillon Ribeiro será sempre um modelo digno de imitação para os trabalhadores sérios que não pretendem triunfos fáceis, mas somente fazer obra sólida para o porvir da causa. Todas as suas iniciativas foram com vistas às gerações futuras, sem importar a opinião dos nossos coevos. Só com essa mentalidade pode construir-se o futuro.



sábado, 3 de novembro de 2012

Guillon Ribeiro




Duas Palavras

Reformador (FEB) Outubro 1946

            No dia 26 deste mês recordamos o terceiro aniversário da desencarnação de Guillon Ribeiro um dos mais cultos pregadores da Doutrina de quantos já viveram em nossa terra, e como estamos revendo sua excelente tradução da maravilhosa obra de Roustaing para a futura quarta edição, vamos reimprimir algumas linhas de sua apresentação do livro. Sob a epígrafe de que aqui nos servimos para esta nota, escreveu ele:


            "De nenhum modo pretendemos realçar aqui, em duas palavras, o valor e a importância verdadeiramente extraordinários desta obra incomparável, única até hoje no mundo, onde, dia a dia, à medida que. for sendo calmamente estudada e meditada, avultarão a sua grandiosidade e a sua profundeza ...

            "Nela se encerra toda uma revelação de verdades divinas que ainda em nenhuma outra fora dado ao homem entrever. Ela nos põe sob as vistas, banhados numa claridade intensíssima, que por vezes ainda nos ofusca os .olhos tão pouco acostumados à luminosidade das coisas espirituais, esse código de sabedoria infinita que se há de tornar o código único dos homens - os Evangelhos de Jesus. Tanto basta para que a sua preciosidade assinalada fique.
.
            Neste ano em que a grandiosa obra completou seu 80º aniversário, meditemos um pouco sobre a palavra de um dos homens que mais a conhecia por um estudo demorado de trinta anos; uma grande inteligência servida por vasta cultura; um coração bem formado; um pregador ponderado; um espírita modelar, tal foi o homem que nos deixou escritas essas palavras no vestíbulo do grande livro por ele não só traduzido magistralmente, mas também transformado, por meio de apostilas e índices remissivos; na melhor obra de consulta que possuímos sobre Espiritismo.


            Não pretendia realçar o valor da obra, diz--nos Guillon Ribeiro. De fato essa tarefa ficou a cargo dos adversários da Doutrina. Foram eles que realçaram o valor da obra em numerosos livros, escritos contra ela, com os mais veementes ataques de quem sente o pavor da vitória da verdade e tenta por todos os meios sufocá-la. Artigos, discursos, plebiscitos, livros, tudo foi lançado contra o edifício construído sobre a rocha, numa luta tremenda de oitenta anos; porém ela resistiu a tudo e prossegue serenamente rumo ao futuro grandioso que lhe está reservado de revigorar no mundo "esse código de sabedoria infinita que se há de tornar o código único dos homens - os Evangelhos de Jesus."

            Se mais nada houvera feito Guillon Ribeiro pela Doutrina, bastaria a preparação em vernáculo dessa obra monumental para recomendar-lhe a memória à admiração e ao amor da posteridade, Mas ele fez muito mais! O lançamento da obra de Roustaing lhe conquistou Alta Proteção espiritual para grandes realizações doutrinárias e devemos-lhe a escolha e a tradução para o vernáculo de duas dezenas de obras preciosas do francês, do inglês, do italiano. São dele as melhores traduções que possuímos de Allan Kardec, de Bozzano, de Findlay e de outros autores célebres. Sua atuação doutrinária em Reformador e na Federação estendeu-se por mais de vinte anos de trabalho fértil, de proveitosa sementeira.   

            Ninguém fez tanto quanto ele para elevar o nível cultural das letras espíritas no Brasil e em Portugal. Poliglota, estilista perfeito, modesto como poucos, soube dar forma ao pensamento dos mais diversos autores e cunhar uma linguagem vernácula elevada para o Espiritismo, ao qual serviu devotadamente até ao último momento de sua existência terrena, pois que a morte o surpreendeu trabalhando para a Doutrina como Presidente da Federação e Diretor de Reformador.

            Foi ele quem recebeu a inspiração dos nossos Maiores e pôs em execução, na Casa de Ismael, uma nova seção de trabalho com a finalidade de aplicar o Esperanto a serviço da Terceira Revelação, por um processo honesto que nunca fora concebido em outros países, onde semelhantes tentativas foram iniciadas infrutiferamente por métodos apressados e improdutivos. Essa iniciativa já se acha em seu décimo ano e promete grande futuro à missão da Federação.

            Guillon Ribeiro será sempre um modelo digno de imitação para os trabalhadores sérios que não pretendem triunfos fáceis, mas somente fazer obra sólida para o porvir da causa. Todas as suas iniciativas foram com vistas às gerações futuras, sem importar a opinião dos nossos coevos. Só com essa mentalidade pode construir-se o futuro.




segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Leopoldo Cirne



Leopoldo Cirne
Redação
Reformador (FEB) Setembro 1948


            Leopoldo Cirne exerceu o cargo de Presidente da Federação Espírita Brasileira durante o período de 1900 a 1914. Nasceu em 31 de Abril de 1870, na Paraíba do Norte, criando-se, porém, na cidade do Recife. Desencarnou nesta Capital, na manhã de 31 de Julho de 1941. Desde cedo nele se revelou acentuado pendor pelos estudos, e, favorecido por viva inteligência, avançava, com real proveito, em seu curso de Humanidades. Dificuldades financeiras obrigaram-no a abandonar os estudos e a ingressar no comércio, quando contava onze anos de idade. Os comerciários atualmente desfrutam regalias e liberdades que aos de seu tempo não eram concedidas. Mal despontava a aurora, até às caladas da noite, estava o empregado no serviço ativo. Só uma pequena parte do domingo podia o comerciário de então respirar mais livremente e dispor da sua vontade. Quis, porém, o destino que o nosso biografado, apesar de ter a alma cheia de belos sonhos, se visse na contingência de enfrentar, ainda menino, as lutas e a rude disciplina comercial, sacrificando, assim, seus mais caros ideais de formação intelectual!

            Ignoramos se em aqui chegando, pelo ano de 1891, trazia já sua crença firmada na Terceira Revelação. O certo, porém, é que, em pleno desabrochar da sua juventude, pois contava mais ou menos vinte e dois anos de idade, e já ao lado do inolvidável Bezerra de Menezes trabalhava tão sincera e entusiasticamente a prol do Espiritismo, que desde logo granjeou a confiança de seus confrades que lhe sufragaram o nome para Vice-Presidente da Federação Espírita Brasileira.

            Leopoldo Cirne foi espírita tanto no lar como na sociedade, tanto no sofrimento como nos momentos de ventura. Durante todo seu jornadear terreno, seja no trato dos interesses materiais, seja no campo das atividades espiritualistas, ninguém logrou vê-lo irritado, mal humorado, impaciente. Jamais imprimiu à sua voz uma tonalidade ríspida. Era carinhoso, afável no falar. Quantas criaturas, ao ouvi-lo, modificavam seu modo errado de ver e de sentir as coisas.

            Despontava o dia 11 de Abril de 1900 e a família espírita brasileira, os pobres, os pequeninos, os ignorados desta Terra de Santa Cruz, recebiam a notícia de que o Espírito de Adolfo Bezerra de Menezes, o grande Presidente da Federação Espírita Brasileira, partira para as regiões sublimes do Além!

            Voltara à pátria querida, após longa peregrinação terrena em que dera as mais exuberantes provas de fé, de amor, de humildade e de resignação. Sua vida foi um holocausto incessante em favo, do Espiritismo em nossa pátria, tanto que o denominaram "Allan Kardec" brasileiro!

            Foi, pois, a uma personalidade dessas que coube a Leopoldo Cirne substituir na suprema direção da Casa de Ismael. E a sua atuação nesse alto posto foi tão marcante que, por cerca de onze anos, o exerceu com verdadeiro amor evangélico e dentro daquele espírito de sincera humildade de que o Cristo nos deu edificante exemplo. Em começo dissemos que se vira ele obrigado a interromper seu curso de Humanidades; todavia, com esforço próprio conseguiu Leopoldo Cirne ser um dos mais puros vernaculistas, deixando-nos artigos e obras que até hoje merecem a nossa admiração. A sua perseverante força de vontade e de confiança na misericórdia do Alto, deve a Federação Espírita Brasileira a sua sede na Avenida Passos, inaugurada no dia 10 de Dezembro de 1911.

            Esta sua corajosa iniciativa seria o suficiente para credencia-lo à imorredoura gratidão dos espíritas brasileiros. A imprensa desta Capital inseriu em suas colunas lisonjeiras apreciações a respeito desse acontecimento. Destacaremos, aqui, alguns tópicos extraídos de quatro periódicos:

da A Noite, edição do dia 8:

            Depois de vinte e oito anos de trabalho, a Federação Espírita Brasileira ergue o seu majestoso templo, que se inaugura à Avenida Passos, domingo.
            O Espiritismo tem sido divulgado como crença religiosa e como ciência, ou conjuntamente. Neste último caso é que ele caminha agora assombrosamente.

da A Imprensa do dia 9:

            Depois de vinte e oito anos de existência, trabalhada dia a dia com os sacrifícios peculiares à natureza de uma agremiação inspirada em nobilíssimos intuitos, num meio social todo feito de desconfianças e de incertezas morais, como é o nosso, pelas suas condições originárias mesmo de país novo, em que a raça se agita em todos os fenômenos de sua formação, o acontecimento de amanhã se reveste de uma significação lisonjeira, assinalando ao nítido os sintomas felizes do adiantamento da sociedade patrícia aos das demais de toda a Humanidade. Vai ser inaugurado o novo edifício da Federação Espírita Brasileira, que é um elegante e sólido palacete, especialmente construído na Avenida Passos.

do Correio da Manhã, também do mesmo dia:

            Inaugura-se amanhã, na Avenida Passos, a nova sede social dessa associação.
            Em que pese à incredulidade de muitos que não levam em conta as teorias de Allan Kardec, não se pode negar os reais serviços que esta Federação, em 28 anos de existência, tem prestado à população desta Capital.

de O Paiz, edição do dia 10:

            A Federação Espírita Brasileira inaugura hoje o novo edifício da sua sede, à Avenida Passos nºs 28 e 30.
            Não é uma inauguração vulgar, de um edifício que interessa apenas à associação a que pertence; ela resume, na pedra e na argamassa do amplo edifício erigido naquela avenida, uma obra generosa de fé e de assistência, que se tem estendido beneficente sobre uma grande parte da população desta terra: A nova sede da Federação Espírita Brasileira tem, considerada no seu ponto de vista particular, o valor, já hoje raro, de exprimir uma dedicação extraordinária dos homens agremiados naquele centro de atividades convencidas, dedicação praticada em uma quase penumbra, sem alarde, sem benemerências conclamadas, sem nomes postos em foco, com a modéstia afetiva dos crentes sinceros e dos generosos por dever; em cada pedra, em cada bocado de argamassa da sua construção, há um pouco de coração e de consciência, dominados por um alto sentimento e um sugestivo dever.

*

            Como em 1926 a Federação Espírita Brasileira não apoiasse o movimento que se processava no intuito de fundar-se a Constituinte Espírita Brasileira, e como fosse público haver Leopoldo Cirne deixado a presidência da Casa de Ismael e que não se solidarizava com vários membros da sua Diretoria, julgaram vários confrades ser o momento azado de seduzir Leopoldo Cirne com uma representação de largas projeções no cenário político, e a ser exercida através da projetada Constituinte Espírita Brasileira.

            Era, porém, tal a inteireza de seu caráter, a firmeza de suas convicções e, mais ainda, o esclarecido pensamento de que todos deveriam prestigiar a Federação Espírita Brasileira, que não vacilou em dirigir a uma agremiação de vizinho Estado, que o convidara para representá-Ia na Assembleia da fundação dessa Constituinte, em 31 de Março de 1926, um longo e judicioso memorial, do qual destacamos os seguintes trechos:

            Ser-me-ia muito agradável corresponder à benévola deferência, aceitando o honroso mandato, se a isso se não opusessem motivos de consciência, que entendem com o que se me afigura serem os altos interesses da doutrina em causa. Porque, fazendo embora justiça aos promotores da planejada Constituinte, que se hão de certamente acreditar fundados em excelentes razões para a iniciativa que tomaram, devo, todavia, confessar que não simpatizo de modo algum com esse movimento que, sob as enganadoras aparências de unificação e fortalecimento pela coesão, da família espírita brasileira, outro resultado não trará senão acentuar divergências latentes e favorecer o espírito de competição e de discórdia, dando-lhe uma pública e, de todo ponto, inconveniente repercussão, como já se pode observar nas contendas que começam de surgir pelas colunas dos jornais estranhos à nossa comunhão.

......................................

            E se alguma iniciativa deve ser tomada - que o deve certamente - no sentido de fortalecer-se o laço de solidariedade entre a família espírita brasileira, por todos os meios de aproximação de seus componentes, para uma ação mais eficaz nas coisas da doutrina e mais amplas realizações que as que se têm até agora consumado, essa iniciativa só pode e só deve caber à Federação Espírita Brasileira, eixo central da nossa organização doutrinária e militante. Todo movimento partido de fora com iguais intuitos aos de seu programa, constituindo um paralelismo cismático e anarquizador, só há de conduzir à dispersão e à desordem, por mais que lhe queiram atribuir foros de organização. E que se deve pensar dos que, para organizar, isto é, para estabelecer métodos e normas disciplinares, começam por infringir os preceitos da obediência e disciplina, sem as quais não se pode manter coesa a coletividade?

*

            Leopoldo Cirne sempre voltado para a literatura espiritualista, não desdenhava a literatura profana, desde que esta terçasse armas por um ideal elevado. Seu amor e interesse pela cultura eram tão grandes, que a ele se deve o apoio que a Federação sempre prestou à causa do Esperanto, desde 1909. E era com enlevo e correta dição que recitava de cor trechos patéticos de Castro Alves em prol da liberdade dos negros, de Guerra Junqueiro e outros. De Joaquim Nabuco, que ouvira em comícios no Recife, conservava muitas recordações; e a poesia mui brasileira e sentimental de Casemiro de Abreu era credora de seu apreço. Renan e Victor Hugo tinham no altar de sua estima um nicho especial. Contristava-o, no entanto, o aspecto de desolação que o mundo oferecia, e ainda oferece a todos nós, avassalado como está pela progênie de Caim, após tantos séculos de pregação evangélica.

            Talvez Leopoldo Cirne estivesse convencido daquele conceito proferido por Henry de Chatelier: Depuis l'origine du monde la moralité moyenne des hommes n'a guère variée, mas o seu profundo ressentimento cristão revoltava-se contra certas tendências materialistas dominando a mentalidade de alguns povos e procurando estabelecer o primado do egoísmo e da brutalidade.

            Leopoldo Cirne, como é de ver; foi marido exemplar, de extremo carinho para com a sua companheira e esposa muito querida, que hoje resignadamente sofre a sua separação objetiva. Ele considerava o lar, aquele home, sweet home da célebre canção inglesa, no qual a sua existência, embora sem os cuidados da paternidade, se desenrolou dentro dos modestos limites de seus recursos pecuniários, sem o fel da inveja, nem os acúleos da ambição.

            E foi com os olhos postos nessa companheira, que tão bem soube compreendê-lo, amá-Io e encorajá-lo na sua laboriosa vida farta de espinhos, e balbuciando uma doce e comovedora prece, que o espírito de Leopoldo Cirne, abruptamente, partiu para essa pátria que tanto amava!