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terça-feira, 24 de setembro de 2019

Croniqueta - II



Croniqueta - II
Manuel Quintão
Reformador (FEB) Maio 1923

Vitimada por acidente fortuito, cujos detalhes ignoramos, desencarnou, em Belém do Pará, Dna. Anna Prado, a excelente médium dotada de poderosas faculdades, que, de cinco anos a esta parte vinha revolucionando o pacato meio provinciano do extremo norte e provocando - a nosso ver, logicamente - tão valiosas conversões quão apaixonadas controvérsias.

Os que combatem, iracundos e tendenciosos, os fatos espíritas e as teorias deles decorrentes, poderiam edificar-se com proveito, buscando conhecer o desenvolvimento mediúnico da Sra. Prado, desde os planos rasos e imprecisos dos primeiros sintomas, às culminâncias das materializações tangíveis e definidas, no exposto por seu marido, com singela naturalidade, em “Trabalho dos Mortos”, o magnífico livro do distinto confrade Dr. Nogueira de Faria.

Eles veriam, então, que, católica por educação e timorata por índole, só a
contragosto e por condescendência do marido, carinhosa e devotada esposa, veio ela a ser um dos melhores instrumentos à propagação da verdade espírita pelo fato, não só em nosso país, onde seu nome se tornou conhecido e acatado, como no estrangeiro, onde revistas de valor científico qual a “Revue Metapsychique”, do Dr. Geley, se ocuparam da sua personalidade e dos seus trabalhos mediúnicos.

Com tais precedentes e predicados de educação, considerando-se a produção mediúnica da Sra. Prado, é fácil concluir que o fenômeno espírita independe da vontade dos homens e, por conseguinte, de cânones científicos ou religiosos, mais ou menos oficializados, para aflorar oportuna e providencialmente, onde quer que o suscite a evolução da humanidade.

Não somos nós quem o diz, é a História que o registra: é a sombra de Samuel pela pitonisa do Endor, é o festim de Baltazar, são a Bíblia, o Evangelho, os anais da própria igreja católica, ao clarão sinistro das fogueiras medievais.

O povo não pensa, não lê, não medita. A grande massa ignora, simplesmente.

*

Modesta e boa, recatada e simples, esposa dedicada e mãe amantíssima, dotada, enfim, desses requisitos que fazem da mulher a Rainha do Lar, a dispensadora única da felicidade única e sadia, no volutabro (monte de imundícies) da Terra, Dna. Anna Prado deveria estar imune da suspeita, da calúnia, da protervia (petulância) sectarista, se nos detratores energúmenos da crença espírita falasse mais alto o pudor da consciência do que os interesses contingentes mal feridos - tesouros que a traça roi, no conceito lapidar do Cristo. 

Natural, portanto, a campanha desabrida e refece (sem valor) que lhe moveram na imprensa os adversários de todos os tempos e feitios, inquinando (sujando-se) de fraudulentas as suas provas.

A verdade, porém, tem o seu império absoluto no substractum das consciências, ainda as mais rebeldes e tenebrosas.

Se umas calam, por conveniência, falam outras por necessidade incoercível e assim, pouco a pouco, hoje uma, amanhã outra, se vão avolumando as vozes dos Epaminondas, que honram a espécie, de todos os tempos e para todas as nobres causas da humanidade.

Lá, no Pará, uma plêiade de espíritos de escol, criaturas de valor social e moral, lida hoje na guarda da causa espirita, que é a da regeneração substancial do homem, graças aos memoráveis trabalhos da Sra. Prado.

E não só no Pará como em outros centros do Brasil, intelectuais de valor, médicos, jornalistas, magistrados conservam - quiçá como fruto pendente de sazão - impressões realistas dos fenômenos a que assistiram entre comovidos e maravilhados.

Para citar dois nomes:

O venerando Dr. Lauro Sodré, que disse: “São, a meu ver, forças ainda desconhecidas; mas o que repilo, pelos meus sentimentos de justiça, é a ideia de fraudes.

E o Dr. João Coelho, também ex-governador do Estado, que afirmou “ter tido a impressão de reconhecer os traços fisionômicos do espírito cuja mão apertou, fisionomia em nada semelhante à de qualquer dos presentes.” (1)
              (1)  “Trabalho dos Mortos” – pág. 9

De fato, só quem não assistiu às sessões da família Prado poderá agasalhar essa pecha – a fraude.  

Ao justo, critério doutrinário visando, que são, que representam os médiuns?

Espíritos devedores que, fraudando a Verdade em anteriores encarnações, escolheram a prova, em regra difícil e dolorosa, de ser, dessa mesma Verdade, expoentes vivos, a seu tempo e meio, conforme as vistas da Providência Divina.

Felizes dos que, sem esmorecimentos nem revolta, vão até o fim, impassíveis e superiores a todas as gritas e rumores do maelstrom (grande turbilhão de água) da vida.

Dna. Anna Prado é, para nós, do número desses, e eis porque o seu espírito, hoje liberto, receberá os votos de reconhecimento e de paz de encarnados e desencarnados, de quantos, em suma, graças às suas faculdades, puderam, do nível em que se encontravam, na terra ou no espaço, vislumbrar mais amplos e róseos horizontes de luz.

À distinta família Prado, neste registo, deixamos o testemunho de fraternidade e comunhão espiritual, certos de que os éstos (calores) humaníssimos do coração, neste caso, não sobrepujaram as consolações da fé na sobrevivência do missionário espírito, em marcha ascendente para mais gloriosos destinos.

E a tantos dos nossos confrades que deploram o desaparecimento do médium precioso, diremos apenas: - Deus tem poder para fazer das pedras filhos de Abraão.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

06 (e Final) Ana Prado e os Figner


06 e final  Ana Prado
e os Fígner
Nogueira de Faria
inO Trabalho dos Mortos’ (FEB) 5ª  Ed.  1990


”Os Sensacionais Fenômenos Espíritas”


Duas horas e 40 minutos materializada! - Pais que reveem a filha falecida –
Muitos Espíritos materializados na mesma sessão - O que nos disse o Sr. Fred Fígner


            Em uma das vezes em que veio a público, pela imprensa, o Sr. Fred Fígner, chefe da Casa Edison, do Rio de Janeiro, afirmou ter visto sua filha, falecida há muitos meses, completamente materializada, por virtude da medi unidade da Sra. Eurípedes Prado, nesta Capital.

            Depois desta declaração, e, aliás, antes dela, começaram a circular na cidade diversas narrativas dos sensacionais acontecimentos. Resolvemo-nos, pois, obter do Sr. Fred Fígner, hospedado no Grande Hotel, uma entrevista, na qual pudéssemos informar aos nossos leitores, com absoluta segurança, o que de verdade havia naquelas narrativas.

            Dirigimo-nos, assim, àquele hotel, onde fomos recebidos cavalheirosamente pelo Sr. Fígner.

            Formulado nosso desejo, S. Sª. falou:

            - Deseja o senhor que lhe relate os fenômenos por mim presenciados e produzidos com a privilegiada mediunidade da Sra. Eurípedes Prado? Pois não, Sr. Redator, com muito prazer. Vou dar-lhe alguns pormenores que presenciamos, eu e minha família, em três sessões riquíssimas de fenômenos.

            Começarei por lhe dizer que aqui vim, não por curiosidade minha, visto que sabia ser a materialização um fato comprovado por Crookes, em primeiro lugar, em Londres, desde o ano de 1871, quando começou, então, a hoje célebre materialização de Katie King, servindo de médium a Srta. Florence Cook, e, seguidamente, experiências idênticas relatadas por tantas outras sumidades científicas.

            Vim com o fito único de minorar a tristeza e a dor que acabrunhavam minha esposa, por haver desencarnado uma filha nossa muito amada.

            Aqui chegando, tive a desilusão de não encontrar a família Prado. Recebido pelos meus confrades, prontificaram-se eles a telegrafar ao Sr. Prado, participando-lhe minha chegada com a família, e pediram, se fosse possível, viesse até aqui. A despeito de adoentada sua esposa, resolveu ele aceder ao apelo, aqui chegando no “Pais de Carvalho”, no dia 28 de Abril, depois de uma penosa viagem de 7 dias.

            No dia 1º de Maio, fez-se uma sessão preliminar, a que estiveram presentes, além da família Prado, a família Manoel Tavares, a família Bosio e o Dr. Mata Bacelar.

            Materializaram-se João e um Espírito denominado Evangelista. Havia bastante luz e distinguiam-se os Espíritos perfeitamente, como se fossem homens com vestes brancas que andassem de um lado para outro. Demorou-se João bastante tempo conosco, de forma que bem o pudemos ver e sentir. Minha esposa, dirigindo-se a João, contou-lhe seu sofrimento, o que atento ele ouvia. Recebeu de minha senhora umas flores que ela levara, as quais João passou para a mão esquerda. Em seguida estendeu João a mão direita à minha senhora, fazendo ela o mesmo; João passou sua mão sobre a dela, fazendo-lhe sentir que estava perfeitamente materializado.

            Por fim, João, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou na câmara, começou a desmaterializar-se às nossas vistas, como o fizera quando se materializou. Daí a pouco, ouvíamos umas pequenas pancadas que ele dava no rosto da médium para a despertar.

            Esta primeira sessão me deixou completamente frio, visto que eu vira tão somente aquilo que esperava.

            Tudo aquilo era coisa muito natural para mim, quanto à sua realidade.

            Minha esposa, porém, apesar de também conhecer, de leitura, os fenômenos, ficou muito satisfeita, começando a nutrir esperanças de ver nossa filha, moça de 21 anos, desencarnada a 30 de Março de 1920.

            A segunda sessão, realizada a 2 de Maio, foi, realmente, muito mais importante.

            Havia nessa ocasião pessoas que não conheciam os fenômenos, bem como a Doutrina Espírita, entre elas o Dr.  Remígio Fernandez, o Sr. Barbosa e a Sra. Pernambuco.

            Materializaram-se muitos Espíritos de diversas estaturas, entre eles a nossa cara filha RacheI.

            Mas, devido talvez ao excessivo número de materializações, que absorveram muitos fluidos, e entre os Espíritos materializados um de nome Diana que, creio, se apresentou com um brilhante diadema na cabeça, a materialização da nossa RacheI não era tão perfeita como esperávamos; no entanto, era bastante para ser reconhecida por todos nós. Nessa sessão, ela perguntou, à sua mãe, “porque aquele vestuário preto, visto que ela se sentia muito feliz”.

            No dia 4 de Maio fizemos outra sessão, e nesta a materialização de nossa filha foi a mais perfeita possível. Rachel apresentou-se com tanta perfeição, com tanta graça e tão ela mesma, com os mesmos gestos e modos, que não pudemos conter nossa emoção e todos, chorando, de joelhos, rendemos graças a Deus, por tamanha esmola.

            Era RacheI viva, pronta para ir a uma festa. A sua cabeça erguida, os seus braços redondos, o seu sorriso habitual, as suas bonitas mãos e até a posição destas, toda sua exatamente como era na Terra. Falou à mãe, pedindo-lhe exatamente que na próxima sessão viesse toda de branco como desejava e aí estava materializada.

            Rachel tocou todos nós com sua mão; sentimos todos o seu calor natural e, à observação de minha esposa: “Rachelzinha, tu tinhas os cabelos tão bonitos, mostra-nos os teus cabelos”, ela entrou no gabinete e, voltando instantes depois, virou-se duas vezes, mostrando-nos seus cabelos compridos e ondulados. Aceitando as flores que lhe oferecemos, fez sua mãe sentar-se em uma cadeira junto ao gabinete e de costas para este. Abraçou-a e beijou-a muito carinhosamente, depois lhe colocou uma rosa na blusa branca, que minha esposa vestira para ser agradável à filha, que na véspera não gostara de vê-Ia de preto. Na ocasião em que lhe colocou a rosa, falou-lhe de seus próprios lábios, dizendo-lhe: “Não quero que ande de preto, ouviu? Quero que venha toda de branco, assim como eu estou.”

            Toda essa frase minha filha a pronunciou tão clara e distintamente que todos, além de minha esposa, a ouvimos.

            Depois, sentando-me eu na mesma cadeira por ordem sua, acariciou-me como fizera à sua mãe, colocou uma angélica na lapela de meu paletó, apoiando-se com todo o peso de seu corpo sobre meus ombros. Por fim, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete e desapareceu.

            Puxei o relógio, Rachel tinha estado aí 40 minutos. Depois saiu o João e cantou, muito satisfeito com a materialização de sua discípula.

            A 6 de Maio fizemos a última sessão,

            O resultado foi o mesmo da anterior, com acréscimo de RacheI fazer diante de nós uma luva em parafina de sua mão esquerda, consultando muitas vezes João, que se achava no gabinete, porém à nossa vista, durante todo o tempo em que ela trabalhava com a parafina. Logo ao se materializar, RacheI, saltando e batendo palmas, demonstrou sua satisfação por ver sua mãe toda de branco; e ao despedir-se, pediu-lhe que levasse sua irmã Leontina às festas e ao teatro, como fazia com ela. RacheI esteve conosco, nessa ocasião, durante duas horas.

            Por fim,  pedi a RacheI que me permitisse beijar-lhe a mão. O mesmo pedido foi feito por minha esposa e mais duas filhas aí presentes, além de umas 10 pessoas. Ela deu a mão a beijar à sua mãe e à menor das suas irmãs; e, aproximando-se de mim, num gesto rápido, todo seu; pegou minha mão com bastante força e beijou-a. E, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete. Não sentimos sua partida, pois estamos certos de que não será esta a última vez que a veremos. Rachel vive! disto estava certo antes de aqui vir e continuo na mesma certeza.

            Tenho entretanto de confessar que estas duas horas e 40 minutos foram para todos nós o tempo mais feliz de nossa existência.

            E permita-me que, por seu intermédio, uma vez mais agradeça ao Sr. e à Sra. Prado o sacrifício que fizeram de vir aqui, e ao maestro Bosio e senhora as gentilezas de que nos cumularam, assim como a todos os confrades e amigos o acolhimento que nos fizeram. Agradeço também à “Folha do Norte” pela cessão de suas colunas, Que Deus lhes pague!”


Nota Oficial

            Eis finda a nossa tarefa. De bom grado reuniríamos em apêndice tudo quanto se escreveu na imprensa de Belém sobre os fenômenos espíritas observados pelo Sr. Eurípedes Prado, desde os artigos do reverendo padre Florêncio Dubois às notícias mais simples. Isso, porém, daria a este volume proporções que ele não comporta.

            Parece-nos ter colhido o que houve de mais útil e mais esclarecedor sobre o caso.

            Resta-nos um conforto: sentimos bem que não nos afastamos da linha de absoluta imparcialidade e justiça.

            Isso nos basta.




05 Ana Prado e os Figner



05 Ana Prado
e os Fígner

inO Trabalho dos Mortos  (o livro do João)” (FEB)
 de Nogueira de Faria (FEB)  5ª Ed.  1990


Quarta sessão a 6 de maio de 1921


            Na noite de 5 para 6, D. Nicota, a médium, sonhou que João lhe dizia que no dia seguinte, 6, haveria sessão de materialização e que Rachel faria sua mão em parafina líquida, à vista de todos; imergiria duas vezes a mão na parafina e em seguida iria tocar em seus pais para lhes mostrar e fazer sentir o calor da parafina.

            Ao amanhecer, D. Nicota referiu ao Sr. Eurípedes, seu marido, o que sonhara. Depois, dirigindo-se a João, pediu-lhe que confirmasse o sonho. Imediatamente, um álbum, pelo qual dá ele sinal da sua presença, se moveu saindo da posição em que estava. Colocaram-no de novo no lugar donde saíra e D. Nicota disse: “Move-o outra vez para termos confirmação.” Logo o álbum se moveu à vista dos presentes. Estava, portanto, confirmada a veracidade do sonho.

            À noite houve a sessão de que João falara à sua médium. Foi, porém, muito íntima, pois João desejava que os fenômenos se produzissem muito perfeitos e, na sua opinião, a presença de incrédulos na assistência poderia prejudicá-los .

            Marcou a sessão para as 8 horas da noite. Mas, como algumas pessoas só poderiam chegar depois das 8 horas, o Sr. Eurípedes procurou convencê-Io de que melhor seria começar um pouco mais tarde. Ele respondeu: “Não; deve ser às 8 horas em ponto. Depois verás justificada a minha insistência por principiar a essa hora.” E tinha razão, pois que a sessão só terminou quase à meia-noite.

            Às 8 horas em ponto, portanto, foi ela aberta, estando presentes o Sr. Eurípedes e senhora (a médium), Dr. Mata Bacelar, senhor e senhora Manoel Tavares, maestro Bosio e senhora, Fígner, senhora e filhas Leontina e Helena.

            Satisfazendo aos desejos manifestados por minha filha na sessão anterior, apresentei-me toda de branco.

            Apagaram-se as luzes e instantes depois observamos que a materialização começava. Logo que esta tomou forma, reconhecemos a nossa adorada Rachel , Assim saiu da câmara, o seu primeiro gesto foi, como sempre, o de se ajoelhar e orar, no que a acompanhamos. Apenas viu que eu me achava de branco, manifestou grande satisfação. Falava, batia palmas e pulava de alegria, como costumava fazer na Terra, quando experimentava um vivo contentamento , Dizia: “Que bom! Estou muito contente! Mamãe está toda de branco! Está tão bonitinha!!”

            Dizer da minha felicidade, por poder uma vez mais ver minha filha, perfeita como era e dando mostras de alegria, tal qual fazia aqui na Terra, é coisa impossível. À criatura faltam palavras para definir o que sente nesses momentos de suprema ventura. Prossigamos.

            Depois dessa demonstração de alegria, a minha Rachel começou o trabalho da moldagem da sua mãozinha em parafina líquida e quente. Cumpre notar que João me mandara dizer pela médium o seguinte: “Diga-lhe que, quando a filha puser a mão na parafina, não deve exclamar - coitadinha! -- pois que Rachel não sente dor alguma.”

            Conforme ele havia anunciado, RacheI começou o trabalho imergindo duas vezes a mão na parafina e em água fria. Em seguida, veio a mim e colocou a sua mãozinha enluvada de parafina dentro da minha. Depois, retirando-a, colocou a outra que estava com luva de parafina, a fim de eu sentisse e notasse a diferença da temperatura. O mesmo fez com o pai.

            Ao colocar a sua na minha mão, ela estava bem defronte de mim e muito perto, de sorte que, não só eu lhe sentia e via a mão, como via perfeitamente o rosto. Era a minha RacheI, tal qual eu a tivera na Terra. O rosto, o pescoço, o colo eram os seus. Não havia para mim possibilidade de ter a menor dúvida de que fosse a minha muito querida filha. Aproveitei assim as duas sensações ao mesmo tempo: via e sentia a minha filha. Só Deus me poderia dar tamanha felicidade, treze meses após a desencarnação dela.

            Depois de se mostrar bem a todos, Rachel voltou aos baldes de parafina e água fria e quente, continuando o trabalho durante umas duas horas. Víamos minuciosamente esse trabalho, porquanto a luz era bastante forte e nos permitia distinguir tudo. Metia a mão na parafina fervendo, depois na água fria, examinava o molde e de quando em quando ia à câmara consultar o João que se conservava dentro desta e que, ao que suponho, lhe dava instruções. Durou tanto tempo esse trabalho que a água e a parafina esfriaram. Verificado isso, Rachel entrou na câmara e João, pela médium, deu ordem para que novamente aquecessem a água e a parafina. Como demorassem  para apanhar as vasilhas, disse ele pela médium:  ”Deixem, vou materializar-me para entregar as vasilhas. ”Em seguida saiu da câmara, tomou a panela de água e a colocou defronte dos assistentes. Pegou depois do balde de parafina, que é bastante pesado e, suspendendo-o com o braço estendido e firme, o foi colocar junto da panela. Provou assim a sua completa materialização, exibindo a força da sua musculatura perfeitamente humana. Enquanto aqueciam a água e a parafina, pôs-se ele a brincar conosco.

            Em dado momento, esbarrou na tampa da panela, que ficara no chão. A Sra. Tavares disse: “O João não viu a tampa, coitado!” Ele imediatamente se abaixou, apanhou a tampa e a entregou àquela senhora, como que a lhe dizer: Vejo muito bem.

            Os Espíritos se materializam tão perfeitamente, ficam tão humanizados que, como nos acontece a nós, esbarram nos objetos que se acham em seu caminho. Não se tem a menor impressão de um fantasma.

            Doutra vez, ele esbarrou numa garrafa de aguarrás que também estava no chão e fê-Ia cair. Ato contínuo, abaixou-se, apanhou a garrafa e foi colocá-Ia num lugar afastado de seu caminho. É simplesmente assombroso! Não há palavras que o descrevam.    

            Enquanto esperávamos as vasilhas, João pediu lápis e papel. Frederico foi buscar o que ele pedia e entregou à Sra. Tavares para que lhe passasse uma folha de papel e dois lápis, um deles numa lapiseira de metal. João experimentou no papel qual dos dois lhe convinha mais e preferiu o da lapiseira. Disse então alguém: “Vamos ver que surpresa João nos vai fazer.” Ao que ele respondeu pela médium: “Não é agora. Só depois de concluído o trabalho da parafina.”

            A Sra. Tavares, pilheriando, disse: “Ganhei do João um presente” - referindo-se à tampa da panela que ele lhe dera para segurar. João, a gracejar, respondeu pela médium: “Isto não é sério.” Depois, ainda pela médium, pediu trouxessem as vasilhas que estavam demorando muito. Daí a pouco desceram as vasilhas e foram colocadas sobre os bancos que lhes eram destinados. Ele, a conversar conosco enquanto as arrumava, disse com seus próprios lábios: “Agora virei cozinheiro.”

            Em seguida, entrou na câmara e logo surgiu a nossa querida Rachel, que ainda por muito tempo continuou o trabalho que começara. Ouvia-se o mergulhar da sua mãozinha na parafina e na água fria. De vez em quando derramava água e parafina no chão. Isso acontecia sempre que retirava bruscamente a mão de dentro da vasilha. De espaço a espaço pegava uma ponta do vestido e passava no molde, como que para secar ou alisar. Por mais de uma vez no curso do trabalho, João, pela médium, pedia que tivéssemos paciência, por isso que aqueles trabalhos são demorados.

            Era ela, sempre ela, que ali estava diante dos nossos olhos. Já durava tanto a sua materialização, que tive a ilusão de se achar minha filha aqui na Terra sem haver desencarnado. Depois de muito trabalhar, a minha Rachel deixou o molde dentro do balde de água fria e entrou na câmara.

            Disse então, João, pela médium, que a nossa irmã Anita viria fazer umas flores de parafina em a nossa presença. Veio Anita, tirou a vasilha de água quente, que estava em cima do banco, colocou-a no chão, e, puxando o banco, sentou-se junto à vasilha e começou o seu rápido trabalho. Esteve uns dez ou quinze minutos a fazer a flor, Uma vez pronta, imergiu-a no balde de água onde estava o molde e João disse, pela médium, que Anita havia feito a flor, para que a irmã Rachei a entregasse juntamente com o molde.

            Efetivamente, logo apareceu Rachei e tirou com muito cuidado o molde e a flor de dentro de água. Trouxe o primeiro e o depositou em minha mão, Recebi-o com todo o respeito e cheia da mais viva satisfação, Entregou a flor a Frederico. Emocionadíssimos, agradecemos, pedindo-lhe nos desse suas mãozinhas para beijar. Deu-me a mão, que beijei com muito amor e carinho, Helena pediu que também lhe deixasse beijar a mão e ela deixou. Frederico fez o mesmo pedido, Ela lhe estendeu a mão, mas não consentiu que ele beijasse, até que, em certo momento, rapidamente se ajoelhou e, puxando fortemente a mão do pai, deu-lhe um beijo estalado, que toda a assistência ouviu.

            Leontina igualmente lhe pediu que a deixasse beijar-lhe a mão, ao que ela não acedeu. Mas, voltando-se para mim, como se tivesse a intenção de provar à irmã que não se esquecia dela, disse-me pelos seus próprios lábios:  “Mamãe, leva minha irmã às festas e ao teatro, como fazias comigo. Leontina, tão bonitinha!” Leontina, chorando, muito comovida, agradecia.

            RacheI conservava-se bem defronte de nós, mostrando--nos completamente o semblante, de acordo com o que já nos havia dito anteriormente numa sessão de tiptologia, antes de partirmos para o Pará. A todas as pessoas presentes mostrou nitidamente o seu rosto, seu colo, seus braços. Mostrou-se, enfim, perfeitamente materializada, como se estivesse viva na Terra.

            Certa vez em que ela estava diante de mim, perguntei-lhe: “Minha filha, foi Aluízio ou Gabriel que aqui veio na última sessão?» Ela me respondeu de seus próprios lábios: “Bilé”. Prova magnífica foi essa da sua identidade, pois ali só ela e nós conhecíamos o apelido do nosso Gabriel. Rachel disse isso numa ocasião em que desfolhava rosas sobre as nossas cabeças.

            Tendo tirado o lenço que trazia no decote do vestido e depois de se ter mostrado muito claramente, sob o máximo de luz que os aparelhos preparados podiam dar, ela se retirou para a câmara e, saindo de novo, ia, com aquele mesmo lenço, começar os acenos de despedida, quando lhe pedi: “Minha filha, espera um pouco. Temos aqui umas flores que trouxemos para te dar.” (As flores não tinham sido entregues antes, por haver João dito que só o fizéssemos depois do trabalho de parafina.)

            RacheI voltou-se para o interior da câmara, como que a pedir instruções, ou a transmitir o pedido, penso que a João. Logo, porém, voltou, recebeu de nossas mãos os flores, distribuiu-as conosco e com os demais assistentes. Conforme costumava fazer aqui na Terra, nos dias de aniversário meu e do pai, desfolhou algumas rosas e espargiu sobre as nossas cabeças e sobre as das irmãs, dando-nos uma impressão viva à sua personalidade terrena. Foi uma cena emocionante. Todos choravam!!! Depois, erguendo as mãos para o céu, disse, de sua própria boca: “Graças a Deus. Sinto-me contente por ter vencido a dor de mamãe. Vou subir muito alto!!!” Tomou de novo o lenço e acenou com ele durante muito tempo, a despedir-se.

            Comovidíssímos, nós lhe diziamos: “Adeus, adeus, filha adorada. Deus te abençoe, Deus te pague.” Eu não me podia conformar com a ideia de que a minha filha partisse de junto de mim, pois que a sua presença não foi uma simples materialização; foi uma perfeita ressurreição. Todos os que hão assistido aos fenômenos, inclusive o Sr. Prado, marido da médium, ficaram maravilhados, dizendo nunca terem visto tanta perfeição. Os espíritas do Pará sentem-se felizes por essa grande graça de Deus. Tornamo-nos todos membros de uma só família.

            Deus de bondade, Deus de misericórdia, perdoa os momentos de desespero que tive e dá que eu possa praticar atos dignos da grande esmola que do teu infinito amor recebi.

            Após a despedida de RacheI, veio João, como sempre perfeitamente materializado, e, puxando um dos bancos em que estiveram os baldes, pôs-se a escrever, dando-nos portanto a surpresa que nos prometera para depois do trabalho de parafina.

            Quando começou a escrever, debruçado sobre o banquinho, a ponta do lápis quebrou. Então, ele se levantou e pediu um outro lápis, dizendo que o primeiro se havia quebrado. Frederico passou-lhe um outro, como o faria a uma criatura da Terra, João o tomou e, virando o papel do outro lado, escreveu à nossa vista o seguinte, que se acha reproduzido na gravura 46.

            “Saudades vou assistir a fotografia no girar.”

            Depois, acenando com o lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete e se desmaterializou, como o fizera das outras vezes.

Esther Fígner
            







terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

04 Ana Prado e os Figner


04 Ana Prado
e os Fígner

inO Trabalho dos Mortos  (o livro do João)” (FEB)
 de Nogueira de Faria (FEB)  5ª Ed.  1990


Terceira sessão a 4 de maio de 1921

            Pessoas presentes: Sr. Eurípedes Prado e senhora (a médium), maestro Bosio e senhora, Dr. Mata Bacelar, senhor e senhora Manoel Tavares, Frederico Fígner, senhora e filha Leontina.

            Feito o círculo para a produção dos fenômenos de efeitos físicos, apagaram-se as luzes. Frederico e eu colocamos sobre as pernas seis lenços, dos quais quatro estavam comigo. Começaram os fenômenos tocando o Espírito João no Dr. Mata Bacelar e depois no maestro Bosio. Senti, em seguida, que me tocavam no colo. Passados alguns momentos, senti que me colocavam qualquer coisa no colo. Nisto diz a médium que João mandava que acendessem as luzes, feito o que, verificou-se que eu tinha no colo um lenço amarrado em forma de flor.

            Apagadas de novo as luzes, João continuou a fazer o mesmo trabalho com os lenços, mas amarrando cada um de uma forma diversa. Fez isso com um dos de Frederico, sem tocar no outro.

            Da primeira vez que tirou os lenços do meu colo, levou dois e restituiu um amarrado. Tirou depois os outros dois que haviam ficado e logo mos restituiu amarrados também. Um dos dois primeiros, porém, ele conservou consigo e só mo deu no fim da sessão, trabalhado igualmente, como os demais.

            De repente, Leontina soltou um grito e disse que alguém lhe havia tocado na perna. Quase ao mesmo tempo, senti e disse alto que alguém colocava a mão sobre o meu ombro esquerdo. Julgamos fosse João. Logo, entretanto, D. Nicota (a médium) disse: “João está dizendo que não foi ele e sim a irmã de Leontina que a tocou, assim como em D. Esther.”  Vindo a saber desse modo que minha filha se achava presente, se bem que invisível, dirigi-me a ela. Imediatamente Raehel se fez sentir atrás de mim, tocou-me o rosto e passou
a mão sobre a minha cabeça, acariciando-me. Eu lhe dizia:

            - Vem, minha filha, beija-me, abraça-me; vem junto de mim, bem sabes que não tenho receio. Vem, minha adorada Rachel, vem bem junto da tua mãezinha.

            À medida que lhe falava[1], mais Rachelzinha se fazia sentir. Beijou-me muito, fortemente, dando-me beijos estalados que a assistência ouvia. Apertava meu rosto contra seus lábios, tal como se aqui estivesse. Beijei-lhe as mãozinhas, toquei-lhe as unhas, verificando que estavam como as usava, pontudas e polidas. Quando ela assim me abraçava, perguntei-Ihe : “Minha filhinha, és feliz?”  Ela me enlaçou então de tal forma com seus braços que não mais senti o espaldar da cadeira em que estava sentada. Sentia unicamente o contato muito vivo do seu corpinho, seu calor, sua respiração, seu hálito. Era perfeitamente minha filha a me dizer ao ouvido: “Sim.” Perguntei-lhe ainda: “Estás contente com tua mãe? Vim de blusa branca.” Minha RacheI pegou das duas abas da blusa e as sacudiu num gesto de contentamento, demonstrando que bem estava vendo.

            Avaliem os que lerem estas linhas sinceras a minha alegria, a minha felicidade, o meu reconhecimento a Deus, por me haver permitido, ainda uma vez, sentir, ouvir, tocar a minha filha muito amada!! Ela me tomou de novo o rosto e, puxando-o para o lado, como era seu costume, beijou-me seguidamente muitas vezes, com grande amor.

            Sempre a conversar com o meu anjo querido, disse-lhe: “Minha filhinha, vai beijar, vai acariciar teu paizinho.” No mesmo instante ela se fez sentir atrás do pai e se pôs a beijá-Io e a acariciá-Io da mesma forma que fizera comigo.

            Por fim, deu-lhe um beijo estalado no ouvido.

            É uma maravilha, que não se pode descrever. Ante tanto poder, a criatura de carne desaparece.

            Nessa altura dos trabalhos, disse João : “Terminem esta sessão, pois que a médium está perdendo muitos fluidos, o que pode vir a prejudicar a sessão de materialização.” Antes, porém, que a sessão fosse encerrada, disse ele ainda: “Tirem o tímpano que está no chão, entre Fígner e Leontina, e coloquem-no entre os pés do Fígner. Leontina que tire os pés do caminho, pois posso esbarrar nela.” Isto disse por brincar com Leontina, que estava com medo.

            Cumpridas as ordens de João, todos lhe sentimos a presença. Tirou o tímpano que estava no chão, entre os pés de Frederico, andou, fazendo-o ressoar no espaço, por cima das nossas cabeças e tocando com ele em todos, especialmente em mim. Tudo isso era feito, apertando João sempre o botão do tímpano, de sorte que pelo som sabíamos a todo momento onde ele estava. As vezes o som vinha do teto. Pedi-lhe repetidamente que colocasse o tímpano na minha mão. Afinal, mandou que eu estendesse a mão e nela depositou o tímpano. Ordenou que acendessem as luzes, o que feito, todos viram que aquele objeto estava na minha mão.

            Terminada essa sessão, preparamo-nos para a de materlalização .

            Acenderam-se as luzes, arrumaram-se as cadeiras diante da câmara escura, a médium se sentou numa cadeira de balanço dentro da câmara, sempre na mesma posição, tapando os olhos com o lenço. Uma vez tudo disposto, apagaram-se as luzes mais fortes, ficando a sala mergulhada na semiobscuridade em que ficam os cinemas quando a fita está sendo passada.

            Começaram a condensar-se os fluidos e daí a pouco aparecia um vulto no qual, à medida que se formava, íamos eu, meu marido e minha filha, reconhecendo a nossa querida Rachel , E, de fato, o era. RacheI nos apareceu em toda a perfeição de suas formas, tal qual fora, absolutamente reconhecível. Ali estava viva e palpitante.

            Antes que houvessem apagado as luzes, João mandou que uma cadeira fosse colocada entre a assistência e a câmara. Quando minha filha saiu, perfeitíssima, da câmara, ajoelhou-se e levantou as mãozinhas para o céu. Ajoelhei-me também e todos os que estávamos presentes a acompanhamos na prece que dirigia ao Senhor. Depois, levantou-se e foi sentar-se na cadeira vazia, tomando exatamente a posição em que está numa fotografia, da qual pouco antes eu falara, dizendo que nesse retrato se lhe viam bem os braços e as mãos. (Gravura 43.) [2]

            Tomou com a maior exatidão a pose em que se vê na aludida fotografia. Fez, portanto, uma coisa que só ela podia fazer. Todos os da sua família, que ali nos achávamos, exclamamos ao mesmo tempo: “Olhem a nossa Rachel perfeitinha, igualzinha ao retrato .” E ela viva, perfeita, deixava que a víssemos bem e a reconhecêssemos. Não havia dúvida, nem podia haver, era a nossa Rachel .

            Eu lhe falava e ela me prestava toda a atenção. Em seguida, levantou-se, veio até junto de mim, colocou-se bem à minha frente, recebeu das minhas mãos umas flores que levara e que suas irmãzinhas Lélia e Helena lhe mandavam. Disse-lhe Leontina : “O Sr. Amábile também mandou lembranças e um abraço.” Ao que ela respondeu levantando as mãozinhas para o céu, como que oferecendo a Deus. Recebeu flores também das mãos de seu pai e de sua irmã Leontina. Enfim, RacheI estava diante de mim tão perfeita e tão viva que se não podia ter a mínima dúvida. Eram os mesmos braços alvos, as mesmas lindas mãos que tinha aqui na Terra.  Em tudo, nas maneiras, nas formas, no rosto, era a minha adorada filha.

            Voltando ela à câmara escura, disse a médium: “Rachel pede que sua mãe se sente na cadeira em que ela esteve.” Sentei-me imediatamente nessa cadeira, porém de frente para a câmara. Logo disse RacheI pela médium: “Mamãe deve voltar as costas para a câmara e ficar muito quieta.” Assim fiz e disse: “Pronto, minha filha. Estou impassível. Podes vir sem receio.” Logo ouvi uns passos e senti minha filha a meu lado, abraçando-me muito apertadamente e dando-me beijos tão estalados que toda a assistência escutava. Encostava seu rosto ao meu com extremo carinho. Depois de muito me acariciar, de me dar todas as provas de amor e de que era bem a minha RacheI, disse-me distintamente, com voz forte, que todos ouviram: “Não quero que ande mais de preto, ouviu? Quero que venha toda de branco, assim como eu estou.” Respondi-lhe: “Sim, minha filha, far-te-ei a vontade, farei tudo o que quiseres. Já o fazia quando estavas na Terra: hoje, que não farei para te ser agradável? Sim, meu anjo, não usarei mais roupa preta.”

            De novo me beijou muito e, com os braços passados por trás do meu pescoço, tirou, das flores que lhe havíamos dado, uma rosa vermelha e a enfiou no decote da minha blusa branca. Vi nitidamente suas mãozinhas, seus dedos. Era positivamente sua aquela maneira de fazer as coisas, eram indubitavelmente seus aqueles gestos. Estávamos todos vendo a nossa Rachel exatamente como era.

            Foi novamente à câmara escura, isto é, ficou de pé à porta desta e voltada para dentro como se falasse com alguém. Como eu continuasse na cadeira, a médium falou assim: “Diga a mamãe que saia da cadeira. É' papai que deve sentar-se agora.” Imediatamente me levantei e Fred sentou-se na mesma posição em que eu estivera. RacheI chegou-se a ele, abraçou-o, beijou-o, acariciou-o muito, do mesmo modo que fizera comigo. Passou o braço esquerdo sobre o ombro esquerdo do pai, de forma que se lhe via a mão caída sobre o peito deste, aquela mão lindíssima que eu tão bem conhecia e que não podia deixar de reconhecer ali ser inteiramente a mesma da minha RacheI. Estendeu o braço direito tomando uma posição muito graciosa, formando com o seu querido pai, presa da mais viva emoção, um grupo admirável. Não cessávamos de soltar exclamações e de agradecer a Deus tanta misericórdia. Dizíamos: “Filhinha adorada, Deus te abençoe. Deus te pague.”

            É' impossível descrever tudo, pois são inúmeras as minúcias. Separando-se de seu pai, depois de muito o acariciar, RacheI tomou de um galho de angélicas e, pelas costas dele, o colocou na lapela de seu paletó. Fez isso com a mais absoluta naturalidade, notando-se-lhe o esforço a que se viu obrigada para passar o talo um pouco grosso da flor na casa meio fechada. Nos gestos, que então fez, como em todos os outros, era a RacheI que conhecíamos.

            Reproduziu por duas vezes a posição da fotografia, puxando, antes de se sentar, a cadeira, para po-Ia como desejava. Repetidas vezes veio até junto de nós, distribuiu com os assistentes o ramo de flores que lhe havíamos oferecido, ouvindo-se distintamente o ruído que faziam as folhas quando ela separava as flores. Deu-me com muito carinho um ramo de jasmins do Cabo. Quando assim, diante de nós, virava-se de um lado para outro, a fim de que bem a reconhecêssemos e nenhuma dúvida nos ficasse nos espíritos. Frederico e Leontina choravam, soluçando convulsivamente. Ela, então, parando defronte de nós, disse, com voz firme, que notoriamente partia de sua boca: “Não chorem.” Todos caímos de joelhos diante da nossa querida RacheI. Em dado momento; Leontina perguntou-lhe se seus irmãozinhos Aluízio e Gabriel estavam
presentes e ela respondeu clara e distintamente: “Não.” Esteve algum tempo a andar de um lado para outro, mostrando-se bem.

            Como trouxesse os cabelos suspensos, eu disse: “Minha Rachel, ainda não vi os teus cabelos. Mostra-nos a tua linda cabeleira .” Ela foi à câmara e logo voltou, trazendo os cabelos a lhe caírem soltos sobre os ombros, lindos quais eram na Terra. Punha-se de frente e de costas para nós, a fim de que bem a pudéssemos apreciar.

            Depois, foi à câmara escura e de lá veio trazendo um pano branco, com o qual se pôs a acenar em sinal de adeus. Que emoção! Todos exclamavam: “Adeus, Rachelzinha! Adeus, meu amor! Deus te abençoe!” Enfim, de nossos lábios saíam todas as exclamações de carinho que se podem dirigir a uma criatura adorada e saudosa quanto o é a nossa inesquecível RacheI!! Não há na vida coisa mais sublime. A misericórdia de Deus é tão grande que não há palavras nem sentimentos com que se lhe agradeça. De puro amor se nos enche o coração.

            Depois de Rachel, veio o nosso bom irmão João, que ainda não aparecera naquela noite. Não apareceu, disse-o ele, por ter querido deixar todos os fluidos para Rachel, a fim de que ela pudesse materializar-se bem, como de fato aconteceu.

            A música, no andar de cima, tocava sempre, desde o início da sessão, João aproximou-se de nós e disse que ia fazer, materializado e em nossa presença, o que não fizera anteriormente, isto é, trabalhar um dos lenços de Frederico, aquele que na sessão anterior ficara sem ter sido atado. E assim fez. Fe-Io da maneira mais linda que se possa imaginar. Todos o víamos perfeitamente bem, em pé defronte de Frederico, a trabalhar o lenço e cantando ao mesmo tempo. Prestei muita atenção, para ver se aprendia a atar o lenço daquele modo; porém, ele o fez tão depressa que não me foi possível perceber. Concluído o trabalho e sempre a cantar, entregou o lenço a Frederico, tal qual o faria um homem.

            Pela médium disse qualquer coisa sobre a música que estavam tocando. Como não houvéssemos ouvido bem, perguntou-se-lhe se queria que tocassem outra música. Ao que ele respondeu com voz máscula: “Não.” Interessante é que canta às vezes num perfeito falsete e doutras vezes em tom grave.

            Depois de estar João aí algum tempo conosco, vimos um vulto pequeno que se encostava à cadeira colocada no meio da sala e falava com voz muito fraquinha. Eu e as demais pessoas presentes procurámos ouvir o que dizia e escutamos distintamente: “Mamãe, mamãe.” Perguntei: “Será um de meus filhinhos?” Respondeu-me: “Sim.” Vi perfeitamente que era uma criança, que tinha cabelos louros e que repousava um dos bracinhos sobre a barriga. Também os nossos filhinhos não nos haviam esquecido. Não pude saber ao certo, se era Aluízio ou Gabriel. Suponho fosse Gabriel, que era louro, ao passo que Aluizio tinha os cabelos castanho-escuro.

            Voltou João, que se despediu de nós. Quando estava despertando a médium, fez que esta dissesse: “Causa-me tristeza ver a minha médium ir embora.” Ele queria que ela ficasse em Belém.

            Numa das sessões, disse João: “Ah! se vocês tivessem isto lá no Rio!”





[1] Em negrito, destaques do blogueiro.
[2] A foto da ‘morta’ – Raquel -   já foi copiada e aparece nesta série. 



domingo, 19 de fevereiro de 2012

03 Ana Prado e os Figner


03 Ana Prado
e os Figner

inO Trabalho dos Mortos  (o livro do João)” (FEB)
 de Nogueira de Faria (FEB)  5ª Ed.  1990


Segunda sessão a 2 de maio de 1921


            Pessoas presentes: o Sr. Prado e senhora (a médium), maestro Bosio[1] e senhora, Sr. Manoel Tavares e senhora, Sr. Antônio Bastos. senhora e filha, Sr. João da Rocha Fernandes e senhora, Dr. Mata Bacelar, Dr. Remígio Fernandez, Dr. Pereira de Barros, Sr. Barbosa e senhora, Dr. Nogueira de Faria e senhora, Sra. Albuquerque e filho, Coronel Santiago e senhora, Frederico Fígner, senhora e filhas. Entre essas pessoas, algumas havia inteiramente incrédulas.

            Depois de tudo bem examinado e de estar a médium (aliás contra a nossa vontade) fechada dentro das grades, apagaram-se as luzes. Daí a uns dez ou quinze minutos começaram a aparecer as manchas brancas de que já falei anteriormente .  João, ainda não de todo materializado, pediu o tímpano que haviam esquecido de colocar junto à câmara.

            Passados alguns instantes, indicando com o tímpano as letras do alfabeto, ele pergunta se não querem ir observar a médium em transe, dentro da grade. Acendeu-se uma vela a cuja chama servia de anteparo um chapéu, a fim de que a luz não batesse em cheio na médium, e alguns senhores foram até perto da câmara, verificando que esta se achava adormecida e tudo intacto.

            Segue-se um pequeno intervalo, após o qual começamos a ver de novo as manchas brancas a se condensarem até tomarem a forma de uma pessoa. Essa forma se apresentou, primeiro, de tamanho reduzido. Em seguida, porém, tomou as dimensões de um homem bem proporcionado. É João, o nosso bom amigo.

            Saiu da câmara e caminhou por diante de todos os que estavam na primeira fila de cadeiras: recebeu as flores que alguns dos assistentes lhe ofereceram, inclusive eu, Frederico e minhas filhinhas Lélia de sete anos, Helena e Leontina; e, feito isso, começou a distribuí-Ias com alguns dos presentes, jogando-as muitas vezes para o ar. Todos os seus movimentos são absolutamente humanos. Não se pode ter a menor dúvida de que seja um homem quem está em nossa presença. De vez em quando vai à câmara escura para observar a médium, mas sem nunca deixar de ser visível a todos.

            De uma das vezes fica dentro da câmara, enquanto que pela outra porta sai um vulto, que dizem parecer o marinheirinho , Este se demorou um instante fora da câmara e tornou a entrar. Aparece de novo João. Afinal, eles se materializam sucessivamente às nossas vistas.

            Materializou-se um rapaz, que nenhum dos assistentes conhecia. Perguntando-se-lhe se entre os presentes havia algum parente seu, acenou com um lenço negativamente e levantou a mão direita para o alto, como a indicar qualquer coisa. Perguntaram-lhe se com isso queria significar que seus parentes estavam no Espaço. Respondeu, por acenos, que sim.

            Surgiu em seguida, junto à cortina, uma moça, com todas as aparências e gestos de minha filha, a tal ponto que dissemos: É Rachel! Então, quando se ajoelhou, era perfeitamente ela. Os gestos eram todos absolutamente os de minha Rachel, e mesmo o corpo, a forma, o vestidinho acima do tornozelo, de mangas curtas e um pouco decotado. Apresentou-se-nos assim muito parecida, porém ficou distante de nós, bem junto à câmara onde se achava a médium.

            Entrou depois na câmara e de novo saiu, trazendo sobre a cabeça um capuz branco, que lhe encobria os cabelos e os ombros. Caminhou em direção a mim, dizendo, com uma voz fraquinha e como que chorosa: “Mamãe, mamãe.” À medida que de nós se aproximava, ia, por assim dizer, diminuindo, tornando-se menos semelhante, de corpo, à minha filha. Veio até bem perto de mim e aí parou. Não tinha então as formas tão perfeitas. Reconheci-lhe, porém, a fronte, as sobrancelhas; verifiquei, em suma, que era minha filha.

            É possível que, por ser a primeira vez, não houvesse podido materializar-se bem. Penso, todavia, que foi devido à assistência, porquanto, voltando certa vez à câmara, fez a médium dizer: “Afastem-se os que estão atrás de mamãe, pois que há ali uma corrente contrária, que me impede de aproximar-me .” Imediatamente todos se afastaram e ela pode com facilidade vir até muito perto de mim e falar. Ouvi e vi perfeitamente que a voz partia da boca de minha filha, pois me achava de joelhos diante dela, a contemplá-Ia e a ouvi-Ia.

            Disse-me, em voz baixa, porém que todos ouviram: “Para que essa roupa preta? Sou muito feliz, muito feliz.” E moveu os braços para cima numa expressão de contentamento. Frederico, Leontina e Helena choraram muito. Eu experimentei grande emoção, mas não pude chorar.

            Depois de proferir aquelas palavras, pegou de minha mão e beijou-a, coisa que não fazia aqui na Terra, por isso que eu e Frederico não gostamos que os nossos filhos nos beijem as mãos. Entretanto, isso foi uma prova. É que durante toda a sua enfermidade, ela, o meu anjo adorado, me beijava a mão e me cobria de carícias. Vivíamos acariciando-nos, as duas, como se estivéssemos a despedir-nos para uma grande viagem.

            Também o referir-se ela à roupa preta foi uma misericórdia e uma prova, pois que eu dizia sempre que só tiraria o preto se minha filha viesse em pessoa falar-me a esse respeito. E, como tenho a certeza de que foi ela quem me falou, fiz-lhe a vontade: desde aquele instante tirei o vestido preto e nunca mais em minha vida, morra quem morrer, o usarei. Sei hoje, com toda a segurança, que isso desagrada aos nossos entes queridos que partem para o Além.

            Leontina lhe entregou uma rosa. Ela acariciou a mão da irmã, passando-lhe por cima a rosa, e retirou-se para câmara escura, onde fez que a médium dissesse: “Vou levar para o Espaço a rosa que me deste.” Enfim, uma maravilha, a maior das misericórdias que uma criatura pode receber.

            Materializaram-se em seguida os Espíritos de Maria Alva e o de uma moça que parecia ser o que costuma apresentar-se numa sessão que o maestro Bosio frequenta e que se mostra sempre com um diadema na cabeça, diadema que ela trazia esta noite, mas que não estava muito visível. Como não a reconhecessem, disse pela médium: “Olhem para o emblema que trago na cabeça e me reconhecerão.” Como o emblema não estivesse, bem visível, conforme notamos acima, ela entrou na câmara e, ao voltar, sem ter demorado, trazia-o muito mais nítido, belamente iluminado.

            Antes, como já disse, aparecera Maria Alva, muito desembaraçada. É' uma moça gorda, de braços roliços e cadeiras redondas. Veio com os cabelos soltos e com um pano de cor escura a tiracolo, lembrando um vestuário grego. Tendo sido, em outra encarnação, filha do maestro Bosio, dirigiu-se a ele, pegou-lhe fortemente as mãos, beijou-as e deixou que lhe beijasse as suas. Depois foi ter com a Sra. Bosio e, brincando com ela, lhe deu, na palma da mão, forte palmada, cujo estalido todos ouviram.

            É preciso dizer que, quando o Espírito está materializado, João baixa a cortina da câmara e toca o tímpano para que seja aumentada a luz, ficando assim os Espíritos completamente visíveis. Em seguida, ele pede música.

            Maria Alva ofereceu-me uma angélica, e outras flores a outros assistentes.

            A moça do diadema, a quem chamaram Diana, esteve bastante tempo entre nós, deixando-nos ver bem o seu diadema iluminado, assim como toda a beleza de suas formas e de seu rosto.

            Desde, que essas boas irmãzinhas se retiraram, voltou João e conosco ficou ainda algum tempo, mostrando-se e brincando com os presentes. Chegou-se ao ouvido de uma das senhoras e disse o nome dos assistentes que concorriam para prejudicar o trabalho. Logo no início da sessão, ele dissera pela médium: “Está alguém na sala, que prejudica os trabalhos.” Só no fim da sessão, entretanto, declinou o nome desse alguém. Era, de fato, um incrédulo, mas que, apesar disso, chorou, quando viu toda aquela magnificência.

            Por fim, tomando de um lenço, que ele decerto materializara como havia feito com a sua roupa, João acenou por longo tempo em sinal de despedida. Vimos, como sempre, a desmaterialização operar-se dentro da câmara, pois que, quando isso se vai dar, ele suspende a cortina, para que a médium fique visível.

            Ouvía-se-lhe a voz chamando a médium para que despertasse e ouvia-se igualmente o ruído das tapinhas que lhe dá com o mesmo intuito. Ele se conserva em derredor da médium até que esta desperte. Vimos as manchas brancas que sempre vemos no começo e no fim das sessões. Dessa vez a médium sofreu um certo abalo, porque alguém, imprudentemente, aumentou a intensidade da luz.

            É assombroso tudo quanto tenho visto. Estou em suspenso à espera de outras horas felizes, como as que passei junto desses bons irmãos do Espaço, aos quais só Deus pode recompensar o imenso lenitivo que trouxeram ao meu coração dilacerado pela dor da separação de minha amada filha RacheI.




[1] Sobre a relevância de cada um dos presentes, suas funções, credos etc., cabe recorrer ao livro.