Que
é a Verdade?
Alexandre Dias
Reformador (FEB)
Dezembro 1938
Reuni em torno de
vós um bando de crianças e, traçando a imagem de Deus segundo vários credos,
vereis que poder de penetração possui a inocência para descobrir a verdade.
Jesus, o maior dos
psicólogos, assinalou essa faculdade, quando disse: “Deixai vir a mim os pequeninos,
porque deles é o reino do Céu”.
De fato, só a inocência
poderá distinguir, pelos atos de justiça, o verdadeiro juiz.
Tentai, portanto, a
experiência, propondo à meninada o seguinte teste:
Na religião A (oculta-se sempre o nome do credo
religioso), Deus constrói uma alma nova para cada criança que nasce. Às vezes,
porque a obra saiu mal acabada, a Criança vem ao mundo cega, disforme ou até
idiota. Mas, quando mesmo chegue perfeita no corpo, com o correr dos tempos,
crescendo, acontece, muita vez, que ela se torna
moralmente defeituosa. Dá para assassino, ladrão, desonra pai e mãe, enfim
comete crimes horrorosos.
Que faz então o
Deus da religião A, quando essa criatura
morre e tem que lhe prestar contas de suas ações?
Procede de dois
modos:
1º.- Se ela, antes
de morrer, confessou os seus crimes a certas pessoas na terra, que são os representantes
desse Deus, e se mostrou arrependida do mal praticado, esses representantes
concedem-lhe o perdão e Deus, em segundo lugar, confirma a sentença. Não tem
mesmo autoridade para discordar das decisões dos seus representantes.
Absolvida, por mais monstruosos que sejam os seus crimes, a alma, ali apertada, vai
morar eternamente; de mistura com os bons, com os que só fizeram o bem, num
lugar onde não se trabalha, não se sofre, onde tudo são delícias e só se ouvem músicas
sacras e se respira o aroma do incenso por todos os lados. Esse lugar é o céu.
Deus ali sentado num trono de ouro e pedrarias, em meio a uma corte de anjos e
serafins, que o embalam com os cânticos de louvor, enquanto os multimilhões de
almas Já existentes se conservam de joelhos numa adoração perpétua a esse rei,
que vem descansando desde o sétimo dia da criação do mundo. Salvo o trabalho,
que não transfere a outrem, de modelar almas para os recém nascidos da terra.
2º - Dando-se,
porém, o caso da criatura, que morre em pecado, não levar consigo a prova de
absolvição, as portas do céu não lhe serão abertas e ela, atirada a uma região
que se chama inferno, sofrerá por toda eternidade, sem repouso de um só
instante, a tremenda tortura do fogo que lhe queima as carnes do espírito, para
alegria e divertimento de um sujeito feroz chamado Satanás - soberano daqueles
domínios.
Apresentemos, em
seguida, à criançada, outra imagem de Deus na conformidade da religião B.
Então lhe faremos
notar que, de acordo com esse credo, também é ainda Deus que faz uma alma nova
para cada um de nós. Possui essa religião, igualmente, representantes de Deus
na terra, não com poderes discricionários como os da religião A. É-lhes vedado Intervir na concessão
do perdão aos faltosos e tudo quanto fazem consiste em exigir dos crentes
estrita observância às recomendações baixadas de Deus, contidas em livros que
se chamam Escrituras Sagradas. Acontecendo, porém, que tais recomendações
nem sempre são muito fáceis de entender, os representantes do Deus da religião B as interpretam para os confrades
menos esclarecidos. O céu, como prêmio e o inferno como castigo, é tudo o que
espera aqueles que deixarem este mundo. Se seguirem à risca todas as
prescrições, isto é, se foram criaturas que deixaram na terra a impecável
tradição de um Jesus Cristo, o céu lhes será assegurado. Ao contrário, se
infringiram as leis divinas, por menor que seja essa
infração, por mais leve que se considere a falta, não têm outro destino a tomar
que não seja o caminho do inferno.
Será bom elucidar que,
ao menos, a religião A foi mais
inteligente, criando uma parada intermediaria entre o céu e o inferno, a que
chamou de purgatório, para ali estagiarem as almas carregadas de pequenos
pecados, que ainda podem passar ao reino do céu, assim, daqui de baixo,
intervenham em seu favor os representantes de Deus, fornecendo-lhes os bilhetes
de ingresso, apelidados
“missas”.
Finalmente,
esbocemos a figura de Deus conforme um terceiro credo, que denominaremos C.
´´
Aí já não é Deus
quem esculpe uma alma nova para cada corpo, mas, pelas leis naturais que ele
decretou, da transformação constante da matéria, essa alma surge, como se fosse
ainda uma centelha, da passagem do mineral ao vegetal, deste transmigra para o
animal na forma mais rudimentar, até atingir a espécie humana, terá atravessado
todas as escalas dos três reinos da Natureza, formando um reservatório de
conhecimentos que irão do chamado instinto à mais lúcida inteligência.
No mineral, se a
manifestação de vida, ou, o que o mesmo quer dizer - a alma, é ainda um tênue
fluido magnético que, como acontece com os cristais, dá apenas para
reconstituir a sua primitiva forma geométrica quando venha a esfacelar-se uma
de suas facetas, já no vegetal revela um lampejo de inteligência, pugnando pela
propagação da espécie. É assim que se vê a piteira, por exemplo. nascer de preferência
nos cômoros de um terreno para que daí possam rolar as suas sementes em forma
de bulbos, fugindo à sombra materna, que não as deixaria germinar.
Em relação aos
animais, mesmo aqueles que se possam considerar inferioríssimos na escala zoológica,
essa revelação de inteligência é patente, chegando por vezes a causar pasmo. A
organização social da vida das formigas e das abelhas é um exemplo edificante,
que bem poderia servir de modelo à desorganização da humanidade.
Nascer, morrer e
renascer é o trabalho contínuo a que está sujeito o espírito, passando por
todas essas transições, desde o minério até o homem e, daí por diante, desde o
tipo boçal ao gênio. Não importa saber quantos milhares de anos foram precisos
para tomar as feições humanas, o tempo que demorou na raça indígena e na preta,
até chegar à branca, e nem as várias nacionalidades que adotou na sua
trajetória; mas o que se não deve ignorar é que foi a custa do seu próprio esforço que o espírito formou
uma consciência capaz de distinguir o bem do mal, a justiça da iniquidade.
Desse modo torna-se responsável pelos seus atos, e, como o bem atrai o bem e o
mal chama o mal, cedo ou tarde, terá ele a recompensa ou a punição devida. Céu
e inferno para o credo C não são
lugares, não são pontos finais em que vai esbarrar o espírito para estacionar preguiçosamente ou derreter-se ao calor de
fogueiras; mas são, apenas, estados de consciência. O espírito se sentirá
feliz, felicíssimo, mesmo, e achará o céu dentro de si, quando se veja
despojado de todas as imperfeições; ao contrário, o inferno reinará no seu íntimo,
enquanto se lembrar de que ainda não resgatou a menor maldade com que partiu
deste para o outro mundo. Mas, como lhe é permitido, pela religião C, baixar à terra tantas vezes quantas
forem necessárias para o seu completo aperfeiçoamento, um dia, afinal, ele
conseguirá a iluminação do céu dentro da sua consciência.
Das escrituras
sagradas, Que são o código comum a essas três religiões, posto que divirja, de
uma para outra, a interpretação dos seus textos, o credo C tem por princípio básico a sentença: “Não faças a outrem o que não desejas que fizessem a ti; e, por
cominação de pena, no caso de transgressão - Quem com ferro fere com ferro será ferido. Um sintônico automatismo
liga a falta à punição, seguindo-se uma imediatamente a outra, como o efeito
sucede à causa.
Convencidos, portanto,
os crentes da religião C de que
nenhuma interferência estranha os livrará da penalidade, e que só a eles
compete evitar as reações punitivas de suas ações maléficas, o instinto de
defesa, quando não seja já a boa índole e o caráter superior, terá que elevar,
cada vez mais, o nível de sua mentalidade. Orgulho, ódio, vingança e egoísmo
serão varridos do seu coração e, desse modo, amando aos semelhantes como a si
mesmos, já não haverá questões de raças que os separem, nem antagonismos de pátrias
capazes de incita-los ao morticínio, quando eles sabem que já pertenceram e
devem sua evolução a todas as raças e a cada uma dessas pátrias. Enfim, o
sentimento da fraternidade universal - objetivo máximo do ser humano - está
conseguido e o espírito passará a outro planeta mais adiantado. Daí, em escala
sempre ascensional, de planeta em planeta, enriquecendo, cada vez mais, a sua
inteligência e aprimorando o seu moral, ele será um
infatigável colaborador da obra de Deus.
A pequenada, neste
ponto do vosso teste, estará pensando que tantos são os deuses quantas as
religiões existentes. Será preciso explicar-lhes que o Deus de qualquer dessas
três religiões tomadas para exemplo (e foram essas as preferidas por constituírem
os seus postulados as confissões predominantes no nosso pais), ... dizíamos
será preciso esclarecer a dúvida da pequenada, fazendo notar que esse Deus é um
único e o mesmo, tanto para a religião A
como para a religião
B, como para a
religião C. Ele é definido por todas
com idênticos atributos: possui bondade maior do que o mais bondoso dos pais;
reúne sabedoria tão grande, que todo o saber dos nossos sábios juntos, em cotejo
com a d'Ele, pode ser comparado à figura de um estudantezinho que ainda pão
passou da cartilha.
Essa bondade que,
por não ter limite, se chamou de “infinita”, e essa sabedoria que, pela sua
amplitude, se nomeia “onisciências”, bradarão à alma ingênua das crianças e
elas, isentas das paixões que desnorteiam os homens, desconhecendo ainda
preconceitos que fazem dissimular as nossas convicções mais sinceras, sem
hesitar, espontaneamente, desassombradamente, identificarão o verdadeiro Deus.
Tentai, pois, a
experiência e vos surpreendereis que, ao inverso da dificuldade do um reservatório
de conhecimentos que irão do chamado instinto à mais lúcida inteligência com
que lidam tantos cérebros adultos de raciocínio já formado para atingir a
concepção de Deus, a criança vai logo direita ao fim, confirmando a sentença:
“Ex ore parvulorum veritas”, ou, traduzindo para os nossos leitores esquecidos
do latinório: “ A verdade sai da boca das crianças”.