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quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

11 (e final). 'Guia Prático do Espírita'




 11
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


COMO DEVEM SER OS CENTROS ESPIRITAS?

            Os Centros espiritas devem ser a cátedra do Espírito de Verdade, pois a não ter o espírito de luz a sua cátedra, teria sua influência o espírito do erro, e desgraçados daqueles espíritas que estão sob a influência do espírito das trevas, porque pouco, muito pouco adiantarão na via do progresso. Por isso se tem visto centros espiritas caírem em graves aberrações, porque, em consequência de sua falta de exame, ou por não seguirem uma conduta adequada às circunstancias, tem sido dominados por influências perversas e contraído tremendas responsabilidades, em lugar de progredir e aperfeiçoar-se.

            A Igreja católica diz que o púlpito é a cátedra do Espírito Santo; mas nós sabemos que não há santos no verdadeiro sentido da palavra, e sim espíritos mais ou menos adiantados, mais ou menos perfeitos, mais ou menos puros; sabemos também que o Espírito de Verdade pode, em circunstancias dadas, inspirar a um político, a um sacerdote, a um homem de ciência, sejam quais forem suas crenças, segundo a importância do assunto de que trate, que desenvolva, ou discuta, mas não por privilégio algum, e sim porque é o meio de que a Providencia se serve para fazer com que a humanidade progrida; é o meio que o AItíssimo emprega para que se vá mudando o estado de coisas que se hão de regenerar; mas nunca se poderá a si mesma atribuir nenhuma escola, nem religiosa, nem política, nem social,
a assistência exclusiva do Espirito de Verdade.

            Penso, entretanto, que os Centros espíritas devem ser cátedra do Espírito de Verdade, e digo-o, porque nos Centros espiritas se celebram sessões; nestas, como o sabem todos os meus irmãos, se recebem comunicações; são ditadas por espíritos, que inspiram ou dominam os médiuns; si esses espíritos não são de verdade, até onde serão levados os que forem dirigidos por espíritos do erro?

            Deve-se ter em consideração que as comunicações são ouvidas com suma atenção, e que a maioria dos irmãos que concorrem às sessões mediúnicas ligam muito mais importância e se conservam mais atentos à comunicação dos espíritos que às exortações do espírita mais entendido; de sorte que, se essas comunicações são inspiradas pelo Espirito de Verdade, justifica-se muito bem, e é de grande proveito, essa atenção; mas se o espírito que se comunica é leviano ou espírito do erro, não resta dúvida que a influência que exercerá sobre a maior parte dos presentes será perniciosa e prejudicial. Por isso deve-se procurar a todo custo que nos Centros Espíritas seja o espirito de verdade o que domine e exorte; e como não é o lugar nem a fórmula o que atrai o Espirito de Luz, é necessário guardar certas regras para atrai-lo e tornar-lhe agradável a permanência entre nós.

            Entendo, pois, que os Centros espíritas devem ser centros de amor, de caridade, de indulgência, de perdão, de humildade, de abnegação, de virtude, de bondade, de justiça, a fim de atrair os bons espíritos.

            O presidente ou diretor de um Centro espírita deve ser modelo em tudo, porque, se os demais irmãos que compõem o centro devem procurar observar uma conduta modelo, tal procedimento incumbe ainda mais ao que dirige e ensina; este deve ser em extremo paciente, nunca precipitado, não pode deixar-se levar por influências particulares, e sim agir segundo o bem geral dos irmãos que dirige; se é possível, deve estudar, no que a prudência indique, o caráter e tendências de cada um dos irmãos que estão sob a sua direção, para encaminhar, instruir e dirigir a cada um, segundo as necessidades de sua índole e sua maneira de ser; não deve olvidar que, achando-se investido de um cargo, que embora nada valha entre os homens, é de muita importância ante Deus, e que, se por desídia ou falta de previsão, que com cuidado possa ter, ou por falta de amor e de caridade entre os seus, se permite deficiências ou maneiras que possam prejudicar moralmente aos que dirige, serão altamente responsável.

            Não deve esquecer todo presidente ou diretor de um Centro espirita que tem na direção de seus irmãos um depósito sagrado, que um dia lhe produzirá grandes benefícios, se souber dirigi-los bem, mas lhe trará grandes responsabilidades, se não proceder como deve. Por isso todo diretor ou presidente deve estar sempre apercebido, tendo e conservando o seu pensamento muito elevado; deve ser amante da oração mental; deve conhecer perfeitamente a lei divina (Evangelho); deve recordar a abnegação, o sacrifício e o amor do Senhor e Mestre, a fim de em todas as ocasiões de sua existência ter presente a maneira de agir como espírita, para que possam admirá-los os que o seguem, e nunca censurá-lo; porque em seu centro ele é a luz, é o encarregado da Providência para dirigir os que o seguem, é o guia espiritual visível que tem os seus irmãos, para direção, instrução e consolo na presente existência, é finalmente o que pode evitar, aos que lhe são confiados, as quedas,
preocupações e trevas do mundo.

            Por isso, com sua doçura, seu amor e sua palavra persuasiva, sempre mansa e tolerante, deve corrigir todo aquele que possa ser causa ou motivo de que o espírito das trevas possa encontrar meios para intrometer-se nos ensinos e exortações que se recebam no centro; deve procurar que dentro do centro não se travem conversações sobre coisas levianas, muito menos sobre assuntos que possam redundar em crítica ou murmuração sobre irmãos ausentes; não deve esquecer que a caridade e o amor ao próximo nos obrigam a não tratar do ausente quando não se fale bem dele. Se acaso a necessidade obriga, proceda-se do mesmo modo como se fosse uma pessoa a quem se ama muito, sofrendo-se quando ela se desvia. Deve procurar todo presidente ou diretor que, ao abrir a sessão; os irmãos tenham consciência e estejam prevenidos do ato que vão realizar, a fim de não só evitar que más influências se introduzam, mas que se possa receber a influência e as instruções do Espírito de Verdade.

             Por outro- lado, os irmãos que concorrem e formam o centro devem ter obediência e respeito ao que Deus lhes deu para guia e consolo; que grande coisa é, encontrar na Terra quem nos encaminhe para o Pai e nos indique os escolhos da vida e nos afaste das quedas, que tão caras custam no futuro.

            Essa obediência, porém, esse respeito não devem ser nem fanáticos, nem obcecados, e sim o resultado das obras, praticadas pelo que tanto se esforça em servir-lhes de exemplo. O homem não deve, de forma alguma, abdicar da razão e do livre exame, mas deve ser respeitador e tolerante com o que trabalha para seu adiantamento, e não deve esquecer que ninguém pode atingir a infalibilidade; assim é que, se chega a notar deficiências ou distração no que dirige, nunca deve recorrer à murmuração, nem à critica, e sim à prudência, para saber o que há a relevar e o que há a corrigir; e se se dá o caso de que se tenha de adotar a exortação ou o aviso, é preciso não esquecer que, antes de praticá-lo, deve recorrer aos irmãos de maior critério, prudência e caridade, em consulta de sua opinião; e se resulta que a exortação se impõe, deve procurar-se ocasião e modos para agir com o tato e prudência que o caso requer, não esquecendo os serviços e trabalhos prestados pelo presidente ou diretor.

            No centro que assim agir, estou certo de que o Espírito de Verdade influirá em suas sessões de Espiritismo, e aqueles irmãos progredirão e prepararão para si um bom futuro. Tenho ouvido alguns irmãos dizerem: Que felicidade ter conhecido o Espiritismo!

            Por minha parte observarei: verdadeiramente, é uma grande vantagem, para empregar bem o tempo em nossa existência; mas também o ter conhecido o Espiritismo nos, traz grandes deveres a cumprir. Nós não podemos viver como o comum dos demais homens; temos de combater nossos defeitos, temos de adquirir virtudes, de viver preparados, de ser a luz e o exemplo, para que os homens admirem o Pai e se convertam e entrem na via de depuração.

            A luz, a calma, o consolo e a segurança do futuro que nos dá o conhecimento do Espiritismo são a parte doce e de bem-estar que nos dão tais conhecimentos; mas a correção que devemos fazer em nós próprios (porque ninguém é perfeito), o combater-se defeitos e afastar superfluidades e aperfeiçoar a virtude e a humildade, tudo isto nos leva a uma observação e a um trabalho constantes; porque, se nos extasiasse-mos a gozar das vantagens que nos traz o Espiritismo e esquecêssemos a correção e a aquisição de virtudes, que seria de nós?

*

            Prescrevi regras e modos de conduta para os presidentes e diretores de Centros espíritas; mas eu digo a mim mesmo: tu, que tantos anos tiveste para exortar e ensinar, cumpriste essas regras? Foste tão tolerante, amoroso, caritativo e humilde como devias ser? Foste calmo, discreto e abnegado como aconselhas? Duvido, todavia não posso afirmar nem negar neste caso; meus irmãos, os que tantos anos me observaram, os que tantos anos me seguiram, esses são os que podem julgar; creio que não me terão faltado deficiências; sei que tive defeitos; sei que quase nunca estive à altura de meu cargo; mas suplico a meus irmãos que me perdoem; suplico que, se alguma coisa observaram que não fosse correta, não me sigam; suplico mais, suplico que me observem, e se alguma coisa virem em mim que não seja bastante sã, correta e caritativa, que se em minhas palavras e em minhas obras não houver a caridade, a humildade e a justiça que deve haver, que me exortem, que me avisem; mas que o façam com caridade, que não esqueçam, em tal caso, que os amo e que desejo ser amado por eles; que me falem como fala uma mãe a seu filho, que eu farei o mesmo; e se os não atender da primeira vez, o que poderá suceder, sendo tão mau como sou, que não se cansem; farão verdadeira obra de caridade. Posso acaso julgar-me a mim mesmo? Posso crer que tudo faço bem?

            Para convencer-me, pois, necessito de vosso julgamento, conhecer vossa opinião; mas suplico que sejais amáveis e benévolos comigo, como eu o tenho sido convosco, que esta é a verdadeira caridade.

            Deus meu! Deus meu! Terei cumprido fielmente minha missão? Terei sido para meus irmãos o que devia ser? Terei sido bastante agradecido aos benefícios que vós, meu Pai, me tendes feito? Quando me lembro dos dias de minha incredulidade, quando me lembro daquelas noites passadas entre o sofrimento e a solidão, perdida toda a esperança, perdidos todos os seres caros, e comparo os dias de esperança, cercado de verdades e consolos, prodigalizados por aqueles mesmos que eu supunha perdidos; quando comparo os bens imensos, consoladores, adquiridos graças ao Espiritismo, meu amor se eleva a vós, meu Pai, e compreendo que todos os sacrifícios e todos os trabalhos realizados em beneficio de meus irmãos são mui pouca coisa ao lado dos bens que recebi de vós. Por isso, com toda a minha alma vos peço perdão de minhas deficiências, das faltas que, sem dúvida, terei cometido, da falta de abnegação que terei tido, de minha pouca humildade e caridade com meus irmãos, e vos peço luz, para que no pouco tempo que me resta a ficar na Terra, possa reparar e corrigir-me no que haja em mim de erros, de imperfeições, para que em minha insignificante missão vos possa ter demonstrado o meu reconhecimento e o meu amor; e, nos dias aziagos que tenham de vir, fazei, Pai meu, Bem meu, Grandeza minha, que me lembre do grande exemplo do Mestre divino, do Senhor dos senhores, do Puro, do Imaculado Jesus.

            Ah! quão ditoso serei, se nos dias de prova souber recordar-vos e amar-vos; quão ditoso serei, se nos dias de angústia vos souber contemplar, quando coroado de espinhos subis a encosta do Calvário com a cruz; quão ditoso serei Senhor meu, se nos transes de dor souber praticar como vós, sofrendo sem fazer sofrer a ninguém e demonstrando serenidade e calma, como vós demonstrastes em vossa crucifixão. Dai-me, Senhor, a verdadeira consciência da importância que tem para meu progresso o saber sofrer bem; dai-me, Senhor meu, amor de minha alma, a verdadeira consciência, o verdadeiro conhecimento do que significa o exemplo que nos legastes para nosso bem, para alívio de nossas aflições; dai-me a verdadeira convicção do que poderei alcançar, se for paciente, submisso, abnegado, caritativo, não para alcançar méritos, e sim para chegar à tranquilidade de meu espírito, que deseja o que não acho na Terra, sinto que o não encontro aqui; meu espirito deseja amor - verdade, fraternidade- verdade, indulgência-verdade, e compreendo que, para achar o que anhela meu espírito, não o posso encontrar na Terra e sim em outras moradas; por isso, Senhor de minha alma, vos peço luz, amor, paciência, virtude, para que, quando chegar a hora de partir da Terra, possa habitar entre os que se amam, se toleram, se afagam e seguem pelo caminho que vós nos traçastes, caminho que no fim nos levará às moradas de felicidade.

            Irmãos todos, - os que dirigis e os que escutais e aprendeis, os que tendes a missão de exortar e os que seguis segundo as instruções dos do espaço e dos da Terra, amai-vos muito, tolerai-vos e corrigi-vos com indulgência; fixai todas as vossas esperanças na vida que há de vir; sede abnegados e caritativos, moral e materialmente, até onde cheguem vossas forças, e não duvideis de que, acrescentando a tudo isso um grande respeito e admiração ao Pai, até onde possa chegar a vossa admiração, o Espírito de Verdade terá a sua cátedra em vossos centros e vos ensinará a seguir praticamente o que Deus nos enviou como modelo, e que, segundo as suas próprias palavras, é o caminho, a verdade e a vida; ele vos ensinará a fazer dos centros espíritas um éden de felicidade, onde reinará a paz dos justos, e sentiremos, já entre nós, o prelúdio da paz que há de vir; a nossa missão deslizará tranquila na Terra, comunicaremos a nossa paz e a nossa esperança a muitos, e seremos a luz do mundo, inspirados e educados pelo Espírito de Verdade.


FIM



terça-feira, 8 de janeiro de 2013

10. 'Guia Prático do Espírita'



10
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


A TENTAÇÃO: SUAS MODALIDADES E MODO DE COMBATÊ-LAS


            Assim como é muito difícil encontrar na Terra um ser que goze sempre no seu físico, e em todas as ocasiões, de saúde perfeita, muito mais o é encontrar um ser verdadeiramente equilibrado na sua parte moral; ninguém é perfeito neste mundo, e assim como a atmosfera e o modo de ser no mundo material tem relação muito direta com o nosso organismo e nos predispõe a certas enfermidades, assim os elementos espirituais, que nos rodeiam, influem por tal forma no nosso modo de ser moral, que aproveitam a causa mais insignificante para desenvolver em nós sofrimentos morais ou um mal-estar interior, com o fim de mortificar-nos
ou deter-nos na vida do progresso; e isso porque os elementos espirituais, que constantemente nos rodeiam, se infiltram e penetram em nós como os elementos atmosféricos; criam ao redor de nós micróbios e outros bacilos que desenvolvem enfermidades, quando o modo de ser do nosso estado físico se não opõe ao seu desenvolvimento. Assim, pois, devemos estar mais prevenidos para afugentar as influências espirituais do que os miasmas materiais, e assim como, por mais precauções que tomemos, não poderemos afastar de todo as influências do frio e do calor e outras mudanças bruscas, assim tão pouco, por mais precauções que tomemos, não poderemos evitar de todo a tentação; o que podemos fazer é não cair naquilo a que ela nos induza; e nisto deve consistir o nosso método; nisto devemos por toda a nossa atenção e o nosso cuidado, ainda que isso nos custe sacrifício. Que fazemos nós com os elementos atmosféricos? No inverno abrigamo-nos e no verão desabrigamo-nos e procuramos lugares frescos para que não sintamos tanto os rigores do tempo, e, se ainda assim os temos de sofrer, conformamo-nos e não lhes damos importância; sofrermos resignados, procuramos resistir o mais possível e dizemos: isto é frio ou calor, há de passar, e acabamos por não fazer caso; pois o mesmo devemos fazer na tentação, porque é um mal inerente a todos; porque não, há ente encarnado que o não sofra, porque, quase diríamos, é uma condição inevitável e, quase me atreveria a afirmar, necessária ao nosso progresso.

            Entenda-se, porém, que a tentação não tem sempre, e em todos, o mesmo caráter e as mesmos formas; como os graus de virtude e de defeitos são múltiplos, vários e infinitos, também são muitas as variedades de tentação. Nem sempre o espírito, que nos tenta, se vale de incitar desejos e pensamentos maus no nosso entendimento; mas também, às vezes, penetra em nós e, de dentro da nossa consciência, nos faz sentir desejos que é uma necessidade satisfazer; desejos estes que, como sensualidade, podem pertencer á ordem física, tais são as distrações, os divertimentos, os vícios, etc., como desejos de vingança ou de critica, de amor desmedido ou de repugnância a determinadas pessoas.

            Há seres de suficiente retidão e bons desejos em cujo entendimento e em cujo íntimo é muito difícil ao espírito das trevas penetrar; sucede, porém, amiúde que estas pessoas, muitas vezes à primeira contrariedade, soltam palavras inconvenientes e ditas em tom áspero, ou se excitam por pouca coisa; quer isto dizer que, ainda que não sentissem nem no seu entendimento nem no seu íntimo qualquer influência ou mal-estar, o espírito das trevas tinha aquele ser preparado para dar-lhe investida e fazê-lo cair e o lograria ou o logrou na primeira ocasião. Geralmente a tentação tem a raiz no entendimento, por isso é assim chamada; mas não é a ela só que o espirito das trevas recorre para nos fazer cair. Sucede, às vezes, que o ser sente a tristeza ou mau humor, frequentemente sem motivo aparente, e, se o há, é por vezes tão insignificante que o próprio indivíduo fica surpreendido de que, tão fútil motivo produza tão grande mal-estar; neste caso há antes possessão do que tentação; o espírito que causa este estado, se se lhe não resiste muito, pode até, não só roubar a tranquilidade e por o indivíduo em situação que o comprometa, mas ainda alterar lhe a saúde. Explanarei depois os meios para resistir a este estado. Por vezes, a tentação ou possessão reveste outra forma, e vem a ser apoderar-se demasiado doutra pessoa, que, sem saber porque, sente em si um afeto injustificado; esta possessão exerce-a o espírito das trevas para fazer cometer injustiças; o que tanto pode suceder no interior da família como no trato com pessoas estranhas; esta classe de possessão, como a anterior, ás vezes faz sofrer muito e é mister, muita força de vontade para contrastá-la. É então que devemos recordar as palavras do Senhor Mestre: Velai e orai é quando devemos ter o pensamento mais elevado e exercer grande espírito de justiça, para não nos afastarmos em nada e por nada do que for justo, e se com isso não pudermos afastar a possessão, não nos devemos cansar de pedir e de ter pensamentos elevados e de opor paciência e resignação a toda a prova; com isto, o ser encarnado adianta-se muito; estas penas ocultas que, às vezes, por nada no mundo, o ser comunicaria a quem quer que fosse, tem grande mérito ante Deus e fortalecem muito o espirito encarnado. Nunca devemos esquecer que na Terra não teremos jamais paz completa, e se alguma vez chegamos a senti-la, dura ela pouco; assim, pois, quando somos atormentados por estes estados, devemos ser fortes, resistir e opor-lhes paciência, serenidade e calma sem limites; ao mesmo tempo não devemos esquecer que, apesar da aflição que em dado momento nos podem ocasionar, desaparecem em momento dado e ficamos tão tranquilos como se nada houvesse sucedido, e a causa destas mudanças tão súbitas é a luta que se trava entre os espíritos que nos amam e os que nos aborrecem; por isso nunca devemos desconfiar muito neles e pedir-lhes e suplicar- confiar muito neles e pedir-lhes e suplicar-lhes a sua proteção, quando nos virmos em apuros, porque muito fazem por nós se nos pomos em condições de recebê-las ou de receber deles a influência necessária em nossas vicissitudes.

            A tentação de pensamento não nos é tão penosa como a possessão; a esta devemos combater extirpando paixões e vícios e desejos ilícitos; essa tentação todos experimentam, menos os que estão dominados pela incredulidade; aqueles, porém, que acreditamos nalguma coisa com respeito à vida futura, a conhecemos. Nesta tentação o espírito das trevas começa por sugerir o pensamento e o desejo ilícito, promover sensações e excitar desejos se se lhe oferece ocasião; nesta tentação deve-se cerrar o pensamento a toda a ideia que constitua infração da lei divina, e se, apesar da resistência, o pensamento continuar excitado, devemos nos colocar no lugar da vítima e refletir se nos agradaria que nos roubassem o que é sagrado e de grande estima para nós, e então nos colocaremos no bom caminho. Parece ocioso tratar estes assuntos entre espiritas; assim, porém, não é. Quando entramos no Espiritismo não somos seres perfeitos; muito pelo contrário; ás vezes temos grandes defeitos a combater; e como o espírito das trevas é que nos dominava enquanto permanecíamos entregues exclusivamente às coisas do mundo, não quer afastar-se de nós e aferra-se ao que havia dominado até então.

            Às vezes sucede, e este fenômeno se passa com a maioria dos que entram no Espiritismo, que no momento de conhecerem esta doutrina, sentem tão vivo desejo de ser um novo homem ou uma nova mulher, que tomam fortes resoluções, lançam fora de si desejos ilícitos e tomam grandes determinações de trilhar vida nova, e o conseguem; esta resolução dura algum tempo e eles limpam-se de todo passado, porém, certo período, a impressão do princípio vai-se extinguindo e volvem a sentir pouco a pouco os mesmos desejos e, às vezes, o espírito que dominava, antes, volta a apoderar-se da sua antiga morada e torna o espírito a cair no que era antes; se então este não se escuda na prece, no amor, na caridade e em forte desejo de se libertar, são às vezes piores as últimas coisas que as primeiras; por isso temos visto muitos que começaram e não continuaram, e, se mal estavam antes, pior ficaram depois, e a quem mais isso sucede é aos que foram muito aferrados aos interesses, isto é, ao dinheiro; esta paixão é mui difícil de desterrar e a mais custosa de corrigir; de maneira que ao egoísta ou interesseiro é muito difícil, para não dizer impossível, entrar no Espiritismo e sustentar-se nele.

            Aqui se pode aplicar a frase de grande transcendência de AlIan Kardec: “Sem caridade não há salvação”; assim sendo, ao espírita que está aferrado aos interesses materiais e que muito os ama, quase se lhe pode dizer que, enquanto durar este estado, não poderá compreender o Espiritismo e nele penetrar: é esta a barreira que retém a humanidade. O amor ao dinheiro é sinal evidente de falta de caridade e de amor ao próximo, e o que se encontra neste estado não realizará grandes progressos em sua alma. O ser encarnado deve buscar modos de prover as suas necessidades por forma justa e honrosa; uma vez supridas estas, não deve ter ambição nem anhelos (desejo, anseio, vontade, esperança) entusiásticos para o mais, mormente se é espírita; tudo quanto puder adquirir a mais deve procurar fazê-lo por meros completamente lícitos, e do que entesoura deve procurar que participem em grande parte os desgraçados; só assim se lhe permitirá ter algumas sobras, sem cair na responsabilidade; do contrário, se nos seus lucros não conta com os pobres, ainda que aqueles pareçam lícitos aos olhos do mundo, são uma usurpação perante Deus; e quem tal faz, se é espirita, não progride, antes retrograda; por isso aconselhamos aos espiritas que não esqueçam a frase: “Sem caridade não há salvação”, e que aqueles que estão em condições de adquirir dinheiro lhes não doam as dádivas. O espírita deve pensar que a sua felicidade não está na Terra, mas no espaço; assim, deve fazer todo o possível para enriquecer o seu espirito com virtudes e obras boas, e para isto não deve esquecer que um dos maiores inimigos que pode alimentar em si é o amor ao dinheiro, melhor direi o egoísmo. Já disse como se combate esta paixão e a tentação que ela envolve: é tornando partícipes nos nossos lucros os desgraçados; isto fará com que nossas iniciativas e nossos trabalhos redundem em bem dos que sofrem; assim, o que tal fizer, terá a satisfação de possuir alguma coisa para o seu bem-estar terrestre e o seu espirito progredirá, porque com a sua iniciativa e o seu trabalho, além de proporcionar o necessário aos pobres, fará muito bem.

            Quando realizar um negócio ou fizer um trabalho com que muito lucre, deve, pois, imediatamente, destinar uma quantia,  proporcionada aos lucros ou à soma adquirida a remediar os males ou necessidades dos que sofrem, sem dar ouvidos a pensamentos egoístas, nem de conveniência pessoal; deve tomar resolução rápida, sem o que o espírito das trevas pode acudir e desbaratar os bons desejos, tudo inutilizando.

            Quanto à tentação possessiva, que é o que se dá quando o espírito radica (criar raízes; arraigar-se) a sua influência mais na consciência do que no entendimento, há uma maneira de a conhecer e combater: é opor, no estado de consciência, um desejo de justiça muito reta; por exemplo: se se trata de uma repugnância a uma pessoa ou pessoas determinadas, deve opor se lhe espírito de caridade a toda a prova; se é um amor desmedido, deve combater-se com um espírito reto de justiça; assim, é justo que por esta pessoa sintas o que em ti se passa? Se não é justo, podes estar certo de que aquela impressão é sustentada por algum inimigo do espaço, mormente se aquele desejo ou amor desmedido pode dar lugar a fazer sentir os desejos de alguma paixão, ou, outrossim, se as atenções que se sentem por aquela pessoa podem dar lugar a alterar a harmonia no círculo da família ou das nossas relações íntimas. Já ficou dito que a tentação tem muitas maneiras de assediar os encarnados; si o espirito se escuda; porém, no verdadeiro espírito de justiça, descobrirá em seguida a causa e a combaterá; e, se só com o querer não logramos banir influências que prejudiquem a moral e o cumprimento do dever, então devemos recorrer a preces, evocar com entusiasmo e fé o nosso guia espiritual e influências de espíritos elevados, que eles acudirão, com gosto, ao nosso chamamento e verão satisfeitos os seus desejos, que sempre são que os seus irmãos na Terra progridam e se elevem; assim, por aflitiva que seja a nossa situação, nunca devemos desconfiar dos socorros do Alto, principalmente se são solicitados. É nestes casos que melhor se aplicam as palavras do Senhor: “Pedi, e dar se vos á ; chamai, e abrir se vos á; velai e orai” e, ao mesmo tempo, enquanto se sofre, deve-se opor uma resignação a toda a prova e uma paciência inalterável, que é o que mais cansa o espirito tentador; por forma que se nos estados do nosso ânimo e nas tentações da nossa mente opusermos sempre um espírito de reta justiça e uma resignação e paciência a toda a prova, oporemos barreira ao espírito das trevas, que nunca poderá induzir-nos ao erro e não nos poderá causar nem transtorno nem retrocesso algum; pelo contrário, obrando desta maneira, todos os danos que o espírito das trevas nos puder causar terão resultado contraproducente ao que o tal espirito se propuser, e vem a ser que, com os sofrimentos da tentação suportados e combatidos com espírito de reta justiça, com paciência e resignação, o ser encarnado progredirá e dará provas ao Pai que, por amor ao cumprimento da lei, sofre, resigna-se e espera, suprema maneira de obrar dos espíritos que viveram, vivem e viverão na terra.

            Com esta maneira de proceder, o espírito encarnado na Terra não evitará todos os males e sofrimentos, que nos podem causar os espíritos atrasados, que pululam ao redor de nós; triunfará, porém, de todas as suas arremetidas, e os sofrimentos que lhe causarem lhe servirão para progredir muito.

            Se procedermos da maneira que deixo dito, podemos repetir as palavras de um grande escritor antigo : “Quando se resiste à tentação, é se a formiga do Leão; mas quando o ser se entrega a ela, é-se o Leão da formiga; sigamos, pois, sendo sempre o Leão, e a tentação a formiga, e assim não teremos que teme-la”; mas, pelo contrário, seremos senhores de nós mesmos pensando, sentindo e querendo ou desejando unicamente o que o dever nos impuser; assim evitaremos muitas angústias na vida e nos prepararemos para morrer mais tarde no reino de Deus.

            Sem embargo, nunca devemos esquecer, enquanto nos couber estar na Terra, que havemos de ser contrariados em tudo; a humanidade está muito atrasada e mal se encontra uma pessoa que saiba cumprir todos os seus deveres, e como é indispensável viver em relação com muitas, já na família, já no seio da amizade, nunca nos hão de faltar contrariedades; por isso, enquanto estivermos na Terra, é necessário vivermos alerta, escudarmo-nos com amor, admiração e adoração ao Pai, por toda a nossa esperança na grandeza da sua obra, que é a casa onde haveremos de viver eternamente; é indispensável seguirmos a lei divina proclamada pelo Senhor e Mestre e pô-la em prática tendo grande amor e fé na palavra do Senhor e, se algum dia as angústias da vida nos perseguirem, não esqueçamos as suas palavras: “Bem aventurados os que sofrem, que deles será o reino de Deus”, e procuremos que a confiança nas suas promessas nos dê valor e força para suportar tudo, considerando que a existência terrena não é mais que um sopro, um período curtíssimo da nossa
existência universal, e que por dia e noite que passarmos de sofrimento na Terra, se soubermos conformar e soubermos imitar os Mártires e os justos, teremos mil anos de repouso e de felicidade.

            Ânimo, meus irmãos, vós que sofreis; não deixeis que o corpo se faça em pedaços ou sucumba à dor; mantende o espírito forte na prática da submissão e do valor e permanecei enamorados de Deus, do grande Senhor, e do cumprimento da sua lei, e não esqueçais que a recompensa superará a todos os vossos desejos e esperanças. Assim vo-lo afirma o vosso irmão
                                                     
                                                  Miguel Vives                    


            NOTA. - Por último aconselho que o irmão que for assaltado pela tentação, busque a outro irmão a quem considere digno e de confiança e lhe abra o seu coração, explicando-lhe tudo e pedindo-lhe auxilio; pondero, porém, que as pessoas que forem consultadas e chamadas em auxílio das almas enfermas, que bem podem ser os presidentes de reuniões e centros, deverão ser caladas como um túmulo, prudentes, misericordiosas, caritativas, afáveis no falar e proceder, capazes de toda a abnegação, dotadas de intenso amor ao Pai e submissão ao Senhor e Mestre e à sua Lei, a toda a prova; deve considerar, o que for consultado, que exerce o dever de guia espiritual, que pode fazer grande bem ao ser que o consulta, se souber dirigi-lo com retidão, mansidão e caridade. É muito necessário que haja entre os espíritas irmãos experimentados na prática da virtude, da caridade, de amor ao próximo e da adoração ao Pai e veneração ao Senhor, para que esses irmãos tenham suficiente luz a fim de, em caso de necessidade, poderem ajudar a seus irmãos e darem lhes a
mão na intrincada senda da vida. Bem aventurado o que se esforça para chegar a tal estado: esse não verá trevas e merecerá a confiança dos do Alto e dos da Terra. É assim que, depois desta morada terrestre, se chega a penetrar no reino de Deus.




domingo, 6 de janeiro de 2013

9. 'Guia Prático do Espírita'





9
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 VIDÊNCIA


            Estando a médium em oração, viu Teresa D’Ávila, muito formosa, a qual disse:

            “Segundo as virtudes que praticais na vossa vida terrestre, ocupais um estado mais feliz ou mais desgraçado no espaço. O ser que na Terra foi virtuoso, caritativo, sofredor, resignado e amoroso, quando desaparece da Terra é semelhante ao viajante que empreende uma viagem num dia de primavera, e que, á medida que avança em seu caminho, o sol sobe majestoso no espaço e a sua viagem é cheia de luz e de formosura; pois o espírito que pratica o bem, ao desaparecer da Terra, vai abrindo suas faculdades à luz e, quando desperta, encontra tudo iluminado e compreende então onde se acha e sabe que é feliz.

            “O espírito, porém, que na Terra foi egoísta e avaro, que tudo esperou do vosso mundo, que não foi nem misericordioso, nem caridoso, nem virtuoso, entra no mundo espiritual quando o sol está no ocaso; à medida que vai despertando, as trevas vão aumentando e, quando está completamente desperto, tudo vê tenebroso e terrível; quer saber onde está, mas não lhe é possível averiguar; vai de uma parte a outra e não encontra mais do que trevas, deserto e espanto; no espaço tudo é lúgubre; e então começa a desesperação.”

            Habitantes da Terra, apressai-vos a atrair a luz sobre vós, com boas obras; mudai de vida, os que praticais o mal; quando não a vossa última hora será terrível e o vosso despertar horroroso.




sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

8. 'Guia Prático do Espírita'



 8
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 COMO DEVE PORTAR-SE O ESPÍRITA
 NOS SOFRIMENTOS E DORES DA VIDA



            Sabemos, os espíritas, que a Terra é lugar de expiação e de dor, como também que a dor purifica, depura e eleva, e que é um dos meios que nos fazem progredir mais rapidamente. Como, pois, devemos receber as dores e sofrimentos físicos da vida? Com calma, com resignação e até com alegria; recordando sempre que a dor é o caminho mais rápido para nos elevarmos a regiões mais altas e o mais seguro para nos afastarmos das veleidades humanas.

            Temos conhecido espíritas que sofrem não só com resignação, mas com alegria, porque nas ocasiões do paroxismo da dor os temos visto calmos e serenos e, por vezes, um tanto fatigados, coisa muito natural; passado, porém, o paroxismo, temo-los visto relativamente tranquilos e alegres, e quando as suas enfermidades lhes permitem, mostram-se expansivos e muito dispostos a exalçar a justiça de Deus. Destes temos visto poucos; os que, porém, desencarnaram, e de quem temos tido noticias, tem mostrado sempre um estado muito feliz no mundo espiritual, estando muito satisfeitos da calma e serenidade com que souberam sofrer as dores da existência material.

            De outros espíritas sei que, conquanto aparentassem resignação nas dores da existência material, se mostravam muito tristes e aflitos, e os vi chorar e lamentar-se dos seus sofrimentos; julgo que estes espíritas não andam muito bem e estão pouco seguros de não cair; porque a tristeza gera o mau humor, a qual pode dar lugar à murmuração contra o destino, e, quando se chega à murmuração, está-se no primeiro passo da rebeldia. Quando um espírita se encontra neste estado, revela atraso moral e um certo desconhecimento do que é a lei divina. Que diriam os de um negociante a quem se apresentam muitos negócios para fazer, nos quais realizará grandes lucros e que se enfada e murmura porque lhe oferecem tais negócios? Diríamos que tal negociante não serve, porque, quando chega a ocasião de formar um capital, não a aproveita. Assim são os espíritas que, quando lhes vem as dores na vida, se entristecem ou se atribulam, e por vezes se rebelam.

            O espírita deve tomar a existência material como um curso de provas de toda a espécie, físicas e morais, que servem para realizar o verdadeiro progresso; o espírita nunca deve tomar a existência material como a vida verdadeira, mas como um período de estudo, e de prova, a fim de preparar-se para a vida verdadeira, porque esta está na erraticidade; por um dia que passamos unidos à carne, temos de passar mil anos na vida do espaço; que significam estes pequenos períodos que chamamos vida material, à vista do que nos aguarda e é a vida do espírito? Se a lei nos obriga a sofrer, porque nada ocorre na criação sem justiça, devemos, os espíritas, nos acostumar à maior calma e à máxima serenidade, porque sabemos que é um grande bem para nós e que chegamos à hora propícia para provar se o Espiritismo está arraigado no nosso íntimo ou se é superficial a crença que temos. Se é superficial, não podemo-nos chamar espíritas; se está, porém, arraigado no mais fundo de nossa alma, saberemos suportar as provas e dores da existência como devemos e honraremos a doutrina que professamos.        

            Nenhum espírita deve duvidar de que no reino de Deus não se entra por surpresa nem se chega à felicidade senão depois de se estar depurado; assim, pois, as comodidades, as alegrias mundanas e os gozos da terra não são bons caminhos para alcançar a felicidade no espaço, nem tampouco deve um espírita duvidar de que, quanto mais próximo se acha da sua felicidade espiritual, mais posto à prova será por tudo que se pode conceber na Terra.

            Nada mais é preciso do que recordar a vida dos mártires, dos justos, dos humildes e dos bons e compará-la à maneira de viver dos grandes segundo o mundo, dos opulentos, dos potentados, e ver-se-á que, enquanto os primeiros tem a vista fixa na vida do porvir, os segundos não veem mais do que as delícias do mundo. Do que digo dá uma excelente prova o Senhor e Mestre nos seus mandamentos e nos seus atos. “Bem aventurados os que sofrem, porque deles é o reino de Deus. Bem aventurados os aflitos, porque eles serão consolados. Bem aventurados os perfeitos, porque eles verão a Deus.” Estas são as palavras do Senhor. Confiemos todos nele; sigamos o seu exemplo; que todo o espírita que tiver de sofrer grandes dores seja forte, cheio de calma, de amor ao Pai, de resignação e de submissão à justiça divina, e se em algumas épocas recear a tentação, que se defenda com a prece, com o amor aos que sofreram antes dele, e não esqueça que após a dor sofrida com calma e alegria vem a felicidade e a vida eterna.

*

            Não sei se fui fiel intérprete da vontade dos bons espíritos; se assim tiver acontecido neste pequeno trabalho que publicaram os irmãos Carbonell e Esteva, ver-se-á o que pode ser aproveitável, que, sem duvida, é obra dos espíritos, os quais, prescindindo da minha insuficiência, que é muito notória, me inspiraram para dar alguns conselhos aos espiritas; se não fui fiel, porém, se fui mau interprete dos irmãos que vivem na vida livre do espaço, os citados impressores lançarão este trabalho à cesta dos papéis velhos, por ser obra inútil. Se tal acontecer, apenas suplico que, se neste trabalho houver algum pensamento bom, seja ele aproveitado por ser obra dos seres de além-túmulo, a quem devemos ser gratos e que não tem culpa de ser eu mau interprete e ignorante,  ao mesmo tempo.

            Agora, só me resta dar graças a Deus de tudo, por sua grandeza e por seu amor, Ò meu Pai, meu Amor, meu Senhor, eu vos amo e vos peço vossa proteção para poder cumprir a vossa lei; iluminai a minha razão, fortificai o meu ânimo e dai-me um amor tão grande por vós que vos não esqueça nem de noite nem de dia e que, tanto na escuridão, como na calma e nas horas de paz, possa trazer o vosso amor no mais íntimo da minha alma, para que vossa influência seja tão grande em mim que não deixe de penetrar nenhuma das influências do mundo e de fora dele que possa perturbar o meu espírito. E vós, Senhor meu, meu Deus, meu amor, dai-me tanto respeito e veneração quanto por vós desejo sentir, para que em todos os atos da minha vida reine em mim vossa lei, vosso amor e vossa influência, para que a lembrança de vossa grandeza e de vossa abnegação se não aparte nunca de mim, e ao meu guia espiritual, a minha gratidão mais entusiástica pelas muitas vezes que me inspirou e pela indulgência que tem para comigo, que nem sempre segui os seus conselhos e indicações, procedimento do qual há anos vivo arrependido, tendo feito promessa solene de me não afastar, por pouco que seja, dos seus mandamentos e da sua vontade. Preferiria deixar de existir ou que acabasse a minha existência material. 


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

7. 'Guia Prático do Espírita'



7
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
EM SI MESMO


            O homem tem por hábito ser muito indulgente consigo mesmo: ele encontra sempre motivos para justificar a sua conduta, ainda que esta não seja tão correta como deveria ser; procura sempre desculpar os seus defeitos e atenuar as suas faltas, por tal arte que muito amiúde se ouve dos lábios de muitos, quando se trata de inculcar-lhes o Espiritismo: Eu não creio em nada; se sigo a corrente, é para ir com a maioria; quanto à outra vida, creio que o melhor é fazer o bem possível, e se há alguma coisa depois da vida presente, nada de mal me pode suceder; e entendem estes homens que praticam o bem sendo pais corretos para seus filhos, não fazendo nenhum mal nem em sua casa nem fora dela, pagando todas as suas dívidas e compromissos e dando alguma esmola quando se oferece ocasião. Estes homens creem que assim tem feito tudo e que estão preparados para quando forem chamados a juízo. Como vivem enganados! A sociedade vive mal e, às vezes, o que para a sociedade é coisa corrente, é falta grave ante a lei divina. Não basta não fazer mal, é necessário fazer muito bem; como sabe o homem se faz mal ou bem, se não se rege pela lei divina, mas simplesmente pela lei humana? Ainda que cumpra os deveres sociais, onde estará a prática dos preceitos: Amarás o próximo como a ti mesmo. Volverás o bem pelo mal. Se te ferirem uma face, oferece a outra. Bendirás os que te maldizem. E orarás pelos que te ultrajam e te perseguem. As leis humanas deixam escapar as faltas que não são especificadas no código penal; as leis divinas, porém, alcançam todas as faltas que de qualquer forma afetem a consciência. Os que pensam como deixamos dito, enganam-se; porque, conquanto vivam em paz segundo a lei humana, estão a descoberto para com a lei divina e, quando chegar a sua hora, sofrerão as consequências do seu erro e, obstinando-se em pensar e obrar assim, a sociedade não se reformará e todos serão vítimas do seu egoísmo e da falsa interpretação da lei, que definitivamente há de colocar a cada um segundo as suas obras.

            Nós, espíritas, não devemos proceder desse modo; todo espírita deve ser muito severo consigo mesmo; nunca no seu íntimo se deve desculpar de uma falta; nunca deve buscar atenuantes para justificar a sua conduta, se alguma coisa esta deixou a desejar; deve ser o primeiro e mais severo juiz de si mesmo; não deve esquecer que, se está neste mundo e tem que sofrer e lutar, a causa está no seu atraso, nas suas imperfeições e defeitos, e que urge se despoje de tudo o que não for amor, virtude, caridade, justiça, sem o que embalde tratará de obter paz e nunca poderá honrar a doutrina que professa e não será digno de chamar-se espírita.

            Sabemos já que é muito difícil chegar a ser homem justo em tudo; mas o espírita, embora pela sua história passada se reconheça responsável pelo dia de ontem, deve lutar sempre para avançar no caminho da depuração, sem se desalentar, ainda que lhe seja difícil reabilitar-se ou depurar-se, até que chegue a ser de todo um homem digno.

            Para isso conseguir aconselhamos uma prática que seguimos desde muitos anos e que continuamos a seguir; prática que nos tem dado ótimos resultados, chegando a obter tudo quanto nos tem sido necessário para conseguir nosso propósito de viver com justiça e amor de Deus.

            Todo espírita procurará todos os dias, antes de se deitar, fazer um exame de tudo quanto durante o dia sentiu e praticou. Há três maneiras de cometer faltas: por pensamentos, palavras e obras. A falta por pensamentos é aquela em que, por sentir paixões injustas ou mal reprimidas, ou por não ser bastante indulgente com as faltas do próximo ou por cobiçar coisas injustas, o espírita pode sentir desejos que são puníveis ante a lei divina. Como o espirito tentador muitas vezes acossa o espírita por aquele lado e o conserva muito amiúde debaixo do seu domínio, ainda que não chegue a faze-lo cometer a falta, produz no espírita um certo mal estar que o impossibilita, em quanto está sob o domínio da tentação, de conceber pensamentos e desejos de bem, e, portanto, mal poderá praticá-lo se nele não pensar. O espírita que, ao fazer o exame, vir que está sugestionado por uma tendência injusta, deve fazer o propósito de resistir aos pensamentos impuros ou faltas de caridade; para isso deve implorar muito ao Pai, recordar a pureza das palavras e dos atos do sublime Mestre e não esquecer que todos temos, um anjo da guarda que está encarregado de nos guiar, que terá muita satisfação em cooperar na nossa regeneração, e que ajudará o seu protegido, enquanto este persistir no seu propósito. E, ainda que isso, por vezes, se não consiga logo, ainda que o espírita que cometeu falta por pensamentos não consiga, apesar de seus esforços, afastar pensamentos maus, não deve acovardar-se, mas persistir, dias e dias, no seu bom propósito, pedir e confiar, e verá por fim coroados com êxito completo os seus esforços, e então se sentirá mais tranquilo e os bons pensamentos afluirão sobre ele e conseguirá a prática do bem, sem grandes esforços.

            Se a falta é de palavra, se por imprevisão se tenha sido indiscreto, intolerante ou absoluto, o espírita, logo que reconhecer o seu mau procedimento, não se deve prender com considerações, mas, ato contínuo e sem dilação alguma, deve dar completa satisfação à pessoa ou pessoas ofendidas, procurando, com toda a sinceridade, manifestar verdadeiro arrependimento, até conseguir que a falta ocasionada seja perdoada. Então, ao fazer o exame, o espírita deve mais rogar ao Pai e pedir ao Senhor, que tão bondoso foi para com todos; deve
chamar poderosamente o seu guia espiritual, procurando tomar todas as resoluções que forem necessárias para se corrigir de tal defeito, procurando cumprir o propósito que houver formado. Se não triunfar do seu caráter tão prontamente como desejaria, não deve ainda assim acovardar-se, mas resistir consigo mesmo e perseverar, pedindo, arrependendo-se e dando tantas satisfações quantas forem necessárias, cada vez que incorrer em falta para apagá-la, sem esquecer que esse procedimento lhe garantirá a proteção do alto e o porá em condições para que as pessoas com quem tratar reconheçam a sua boa vontade, apesar de seus defeitos, e isso fará com que sem grande demora se encontre corrigido das faltas em que
costumava incorrer por palavras.

            Se a falta é de obras, o que já é mais grave, deve o espírita procurar por todos os meios possíveis não incorrer de novo nela. Há obras que podem ser faltas leves, como há obras que podem ser faltas graves; as primeiras pode o espírita, com a ajuda de Deus, dos bons espíritos e de seus irmãos, corrigi-las. Digo com a ajuda de seus irmãos, porque, quando o espírita incorre em falta por obras, não deve fiar-se em si mesmo, mas, além do decidido propósito de não voltar atrás e pedir muito a proteção dos bons espíritos, deve buscar o conselho e a proteção daqueles irmãos espíritas que, mais práticos do que ele nas coisas da vida, tenham outro temperamento e outras virtudes. Estes irmãos, se o espírita é submisso e está bem arrependido das suas faltas, podem ajudá-lo com os seus conselhos, e entre os do Alto e os daqui e o bom propósito do interessado, pode chegar a corrigir-se e ser bom espírita. Se a falta, porém, é grave, pode acarretar consequências que não se apagam com bons propósitos, senão que o alcançam até a expiação; por isso avisamos a todo espírita que, se tiver a desgraça de incorrer em uma falta grave, só uma larga penitência poderá apaga-la. Entendemos por penitência o esquecimento absoluto de todas as coisas que podem agradar e distrair; entendemos por penitência uma vida de retiro, de mortificação, sofrendo tudo por amor de Deus e como reparação da falta; entendemos por penitência dedicar-se uma pessoa à caridade a bem dos pobres, dos enfermos, dos aflitos e não pensar em mais do que em agradar a Deus e ser útil ao próximo, à medida das forças do penitente. Só assim se apagam as faltas graves. Donde resulta que todo espírita que desgraçadamente se encontrar neste caso, nos seus exames de consciência deve ter grande arrependimento e propósitos muito decididos e não recuar até conseguir a sua reabilitação. Muito podem o arrependimento,  a prece e a prática da caridade.
           
            O espírita que seguir os nossos conselhos e puser por obra as práticas que deixamos indicadas nos artigos: O que deve ser o espírita diante de Deus, diante do Senhor e Mestre e entre seus irmãos, muito poderá adiantar-se e muito poderá achar na vida vindoura. Do contrário, muito difícil lhe será sair desta existência e ter vida tranquila e ditosa no espaço.

            Espíritas há, e não poucos, que vivem seguindo os impulsos de seu coração, sem repararem nas faltas por pensamentos, pouco nas por palavras, e, conquanto se detenham nas faltas por obras, não dão toda a importância que requerem todos aqueles atos e ações que não são bastante justos. Estes espíritas, conquanto não causem males de importância, vivem sem regra fixa e não se adiantam, e em muitas coisas se diferenciam pouco dos que não são espíritas.

            Estes irmãos em crenças vão mal e expõem-se a ficar em más condições ao sair da Terra, e o procedimento de hoje pode custar-lhes muitas lágrimas e muitos sofrimentos; por isso muitos espíritas desencarnados, segundo os nossos estudos, ficaram em má situação, e são muito poucos os que ficam em posição brilhante no espaço, e isto sucede por falta de estudo de si mesmos e por falta de cuidado na maneira de pensar, falar e obrar. Devem, pois, viver apercebidos e não estar distraídos na vida terrestre os que quiserem aproveitar-se dela para o seu progresso e para o seu bem-estar. É necessário orar, pedir, suplicar e  aconselhar-se o espírita com aqueles que são práticos no caminho da purificação ; deve-se consultar livros de moral espirita e principalmente ‘O Evangelho segundo o Espiritismo’, por Allan Kardec, no qual estão previstos muitos dos perigos que os espíritas podem achar na vida terrestre.

            É necessário não esquecer, e isto devem tê-la bem presente todos os espíritas, que o tempo que passamos na terra é sumamente curto, e que o tempo que teremos que passar e que sem remissão nos espera no espaço será sumamente longo, e que ele será feliz ou desgraçado conforme houver cumprido ou deixado de cumprir a lei: procuremos, pois, progredir em virtudes, em amor e adoração ao Pai, em respeito e veneração ao Senhor e Mestre, em caridade e abnegação para com os nossos semelhantes, e não duvidemos de que a nossa felicidade será grande e se terão acabado para nós os sofrimentos e males que há tantos anos nos oprimem e nos conservam retidos em planetas de expiação.



domingo, 30 de dezembro de 2012

6. Guia Prático do Espírita



6
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
NA FAMÍLIA


            Se o espírita deve ser prudente, virtuoso, tolerante, humilde, abnegado e caritativo para com seus irmãos e para com a humanidade, quanto mais o não deve ser para com a família! Se são sagrados os deveres que temos a cumprir para com os nossos irmãos e para com a humanidade, muito mais o são os que temos que cumprir para com a família; porque devemos levar em conta que nesta existência nos prendem laços indissolúveis; temos sempre histórias passadas que conduzem à história presente.

            Os que não são espíritas tudo atribuem ao acaso; nós, porém, sabemos que não há efeito sem causa e que as contrariedades ou satisfações de hoje são a continuação das de nossas vidas passadas. Por isso o espírita deve ver na sua família um depósito que se lhe fez, sobre o qual tem muitos deveres a cumprir e muitos sacrifícios a fazer; por isso o esposo deve ser o apoio e o sustentáculo de sua esposa, deve respeitá-la, amá-la e protegê-la em tudo, aconselhá-la, dirigi-la e dar-lhe com justiça em todos os transes da vida o que lhe pertence. Assim também a esposa deve obediência, amor, respeito e sinceridade a seu esposo, sendo este sempre para ela a primeira pessoa a quem deve confiar todos os seus segredos e todas as suas tendências, sem afastar-se jamais do respeito e obediência que deve aquele que Deus lhe deu como guia neste mundo de dor.

            Compreendo que para muitos são demais estas palavras, mormente quando os esposos tem as mesmas tendências, são de bom caráter e sentem as mesmas inclinações; quando, porém, entre os dois ha caráteres opostos ou mau gênio que torna difícil a união, a coisa é outra. E se o esposo se encontra com tendências opostas à sua família, que não quer que ele tenha ideias espiritas ou que professe o Espiritismo? Como se deve regular tal chefe de família? É muito difícil prescrever regras para cada caso particular; só podemos dizer que nesse caso o espírita deve munir-se de prudência, de tato e paciência a toda a prova; então é que deve estar mais unido aos de lá de cima, ter muito amor ao Pai; recordar muito a paciência e a abnegação do Senhor e estar muito em contato com o seu Guia espiritual por meio da prece e pela indulgência que sente para com os que o atormentam. Sua conduta
no seio de sua família deve ser um belo modelo de todas as virtudes, para que o exemplo possa um dia levar a convicção, ou, ao menos, a tolerância aos seus, e se isso não for possível, não se rebele, deixe-se sacrificar, se for necessário; considere que o fato de hoje é resultado do de ontem, e, quando assim fizer, pode esperar grande recompensa. Conheci na minha vida espirita dois irmãos que sofreram muito na família e que, apesar dos seus sacrifícios, da sua paciência e da sua abnegação, não puderam lograr que se tolerassem suas crenças naquele seio, sendo muito amiúde objeto de chufas (mofa, zombaria) e de desprezo dos seres mais queridos; pois destes dois irmãos já desencarnados tive ocasião de receber algumas comunicações, em circunstâncias que não dão lugar a dúvida, comunicações que, moralmente falando, foram de grande elevação e mostraram uma felicidade tão grande nestes espíritos que, posso assegurar, dos seres desencarnados na nossa época, nenhum mostrou desfrutar tanta elevação nem tanta felicidade. O sacrifício foi grande na Terra, porque nada faz sofrer tanto como ver-se a gente desprezada e enganada pelos que ama; estes sofrimentos são, porém, duplamente recompensados por nosso Pai, por nosso Deus, pelo que tudo tem, tudo sabe e tudo pode.

            Estas situações são entretanto excepcionais, e poucos são os que se acham nas mesmas circunstâncias. O mais comum é que o espírita venha a ser pai de algumas criaturas cuja missão não está isenta de perigos, e às vezes é necessário ter-se abnegação a toda a prova, aliada a certo bom senso prático espírita, para se poder bem agir.

            As vezes não têm todos os filhos a bondade que o pai deseja; causando, pelo contrário, desgostos e dissabores que trazem grandes sofrimentos, que os pais tem de suportar, tendo muito cuidado em sentir o mesmo afeto pelos bons que por aqueles cujo caráter lhes causa penas e desgostos.

            O espírita deve sentir amor igual por todos os seus filhos, não esquecendo que os que mais necessitam de sua misericórdia são os que de alguma maneira possuem menos bondade ou menos inteligência; filhos há que só com lhes dar a mão o pai os leva para qualquer parte, enquanto outros, além de lhes dar a mão, é necessário ainda puxar por eles. Tenho visto pais espíritas que, apesar de amarem a todos os seus filhos, preferem aqueles que se mostram mais pacíficos e obedientes; se isso fosse só na aparência, seria uma boa medida para conduzir os outros, mas assim não é, pois que reduz-se isso a preferências por uns e esquecimento de outros. É isso má prática e pode custar caro ao que a adotar.

            É verdade que às vezes um pai não pode dar mostras iguais a todos os seus filhos, pela diferença de conduta e de compreensão dos mesmos ; o pai e a mãe devem, entretanto, trazer o amor no seu coração e, se é possível, maior pelo filho que mais necessita, pelo seu atraso moral ou por outras causas da vida; porque não deve esquecer todo espírita que tenha filhos que os não teve por casualidade, senão por um plano providencial, para seu bem e deles; são quiçá inimigos que têm dívidas graves contraídas e que Deus coloca um ao lado do outro, unidos por laços de família, para que paguem uma dívida que de outro modo não poderiam pagar; quiçá a mulher abandonada de outras existências, que serviu para satisfazer caprichos, vem reclamar vosso apoio, porque sabe que tem direito a havê-lo; por isso o espírita, se bem que deve por todo o cuidado na educação de todos os seus filhos, deve tê-lo maior por aqueles que vem carregados de defeitos e são causa de grandes desgostos. Quantos fatos há entre os seres encarnados que, se os pudéramos conhecer, nos fariam baixar a cabeça e nos poriam em constante cuidado para não nos desesperarmos! Verdade é que esses fatos não os podemos conhecer; basta-nos, porém, saber que não há efeito sem causa e que Deus, com a sua grande sabedoria, nada faz inútil e sem motivo justificado. Assim é que, se um esposo escolhe má esposa, se a mulher encontra mau marido, não é isso casual, mas sabiamente ordenado; se um pai que é bom tem filhos maus, não é isso castigo, mas o resultado de uma lei justa; nestas condições, o espírita, que sabe todas estas coisas e muitas mais, não deve considerar a vida como paragem de recreio, mas como uma sucessão de fatos que o ferirão no mais íntimo da sua alma, que o farão sofrer, que lhe causarão sofrimentos e lágrimas; mas o espírita deve ser forte e animado, compassivo, abnegado, caritativo para com todos e muito particularmente para com os defeitos dos seus filhos, depósitos sagrados que o Pai lhe confia para que seja seu protetor e guia, a fim de fazer-lhes dar um passo, quando mais não seja.

            Todo espírita deve proceder com muito cuidado na missão de pai, sem se deixar arrastar jamais nem por uma atração desconhecida na sua causa por uns, nem pela frieza que possa sentir por outros; a justiça e o dever devem ser o regularizador dessas afeições ou repulsões secretas que a alma sente. Já dissemos que um filho pode ser um grande inimigo de outras existências como um amigo carinhoso, e não há dúvida que nos recônditos da nossa alma ressoam ainda as impressões do passado; eis porque o Espiritismo é tão eficaz para nos fazer progredir, pois a sua última solução é amar, amar e amar. Amar a quem nos quer, a quem nos odeia, a quem nos protege, a quem nos persegue, a quem nos faz bem, a quem nos faz mal; e este mandamento, que é de lei praticar entre os homens, ainda o é mais no seio da família. O espírita, cuja lei e cuja prática é o amor, não verá trevas; sua vida deslizara na maior paz possível na Terra e alcançará por fim a felicidade.

            Se o espírita, em lugar de ter esposa e filhos, tem ainda pais, não deve esquecer o dever de ter para com eles todo o respeito, carinho e amor; deve considerar que aqueles são para ele os representantes da Providência na Terra, e que é obrigado a dar-lhes paz, consolo, proteção, amparo; que é obrigado como filho a fazer por seus pais o que eles tiverem feito por eles, e se seus pais se não tiverem portado bem com ele, nem por isso é menos obrigado a fazê-lo, porque, nesse caso, eles pertenceriam à ordem de espíritos inferiores, e o espírita deve ser o exemplo constante de virtude e abnegação, para que aprendam os que ainda não sabiam ou não souberam cumprir os seus deveres.

            Em resumo: Cremos que o espírita em todas as situações da vida deve cumprir o seu dever como bom filho, como bom esposo, como bom pai, como bom irmão e como bom cidadão; assim, sendo praticante da lei divina, cujo sentido prático está na lei proclamada e exercitada pelo Senhor e Mestre, será luz que alumiará os que lhe estão em derredor, será mensageiro de paz e de amor entre todos, e levará a paz das moradas de luz ao seio dos homens da terra.