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domingo, 30 de dezembro de 2012

6. Guia Prático do Espírita



6
 ’Guia Prático
 do Espírita’

por  Miguel Vives y Vives

3ª Edição

 Livraria Editora da Federação Espírita Brasileira
1926


 O QUE DEVE SER O ESPÍRITA
NA FAMÍLIA


            Se o espírita deve ser prudente, virtuoso, tolerante, humilde, abnegado e caritativo para com seus irmãos e para com a humanidade, quanto mais o não deve ser para com a família! Se são sagrados os deveres que temos a cumprir para com os nossos irmãos e para com a humanidade, muito mais o são os que temos que cumprir para com a família; porque devemos levar em conta que nesta existência nos prendem laços indissolúveis; temos sempre histórias passadas que conduzem à história presente.

            Os que não são espíritas tudo atribuem ao acaso; nós, porém, sabemos que não há efeito sem causa e que as contrariedades ou satisfações de hoje são a continuação das de nossas vidas passadas. Por isso o espírita deve ver na sua família um depósito que se lhe fez, sobre o qual tem muitos deveres a cumprir e muitos sacrifícios a fazer; por isso o esposo deve ser o apoio e o sustentáculo de sua esposa, deve respeitá-la, amá-la e protegê-la em tudo, aconselhá-la, dirigi-la e dar-lhe com justiça em todos os transes da vida o que lhe pertence. Assim também a esposa deve obediência, amor, respeito e sinceridade a seu esposo, sendo este sempre para ela a primeira pessoa a quem deve confiar todos os seus segredos e todas as suas tendências, sem afastar-se jamais do respeito e obediência que deve aquele que Deus lhe deu como guia neste mundo de dor.

            Compreendo que para muitos são demais estas palavras, mormente quando os esposos tem as mesmas tendências, são de bom caráter e sentem as mesmas inclinações; quando, porém, entre os dois ha caráteres opostos ou mau gênio que torna difícil a união, a coisa é outra. E se o esposo se encontra com tendências opostas à sua família, que não quer que ele tenha ideias espiritas ou que professe o Espiritismo? Como se deve regular tal chefe de família? É muito difícil prescrever regras para cada caso particular; só podemos dizer que nesse caso o espírita deve munir-se de prudência, de tato e paciência a toda a prova; então é que deve estar mais unido aos de lá de cima, ter muito amor ao Pai; recordar muito a paciência e a abnegação do Senhor e estar muito em contato com o seu Guia espiritual por meio da prece e pela indulgência que sente para com os que o atormentam. Sua conduta
no seio de sua família deve ser um belo modelo de todas as virtudes, para que o exemplo possa um dia levar a convicção, ou, ao menos, a tolerância aos seus, e se isso não for possível, não se rebele, deixe-se sacrificar, se for necessário; considere que o fato de hoje é resultado do de ontem, e, quando assim fizer, pode esperar grande recompensa. Conheci na minha vida espirita dois irmãos que sofreram muito na família e que, apesar dos seus sacrifícios, da sua paciência e da sua abnegação, não puderam lograr que se tolerassem suas crenças naquele seio, sendo muito amiúde objeto de chufas (mofa, zombaria) e de desprezo dos seres mais queridos; pois destes dois irmãos já desencarnados tive ocasião de receber algumas comunicações, em circunstâncias que não dão lugar a dúvida, comunicações que, moralmente falando, foram de grande elevação e mostraram uma felicidade tão grande nestes espíritos que, posso assegurar, dos seres desencarnados na nossa época, nenhum mostrou desfrutar tanta elevação nem tanta felicidade. O sacrifício foi grande na Terra, porque nada faz sofrer tanto como ver-se a gente desprezada e enganada pelos que ama; estes sofrimentos são, porém, duplamente recompensados por nosso Pai, por nosso Deus, pelo que tudo tem, tudo sabe e tudo pode.

            Estas situações são entretanto excepcionais, e poucos são os que se acham nas mesmas circunstâncias. O mais comum é que o espírita venha a ser pai de algumas criaturas cuja missão não está isenta de perigos, e às vezes é necessário ter-se abnegação a toda a prova, aliada a certo bom senso prático espírita, para se poder bem agir.

            As vezes não têm todos os filhos a bondade que o pai deseja; causando, pelo contrário, desgostos e dissabores que trazem grandes sofrimentos, que os pais tem de suportar, tendo muito cuidado em sentir o mesmo afeto pelos bons que por aqueles cujo caráter lhes causa penas e desgostos.

            O espírita deve sentir amor igual por todos os seus filhos, não esquecendo que os que mais necessitam de sua misericórdia são os que de alguma maneira possuem menos bondade ou menos inteligência; filhos há que só com lhes dar a mão o pai os leva para qualquer parte, enquanto outros, além de lhes dar a mão, é necessário ainda puxar por eles. Tenho visto pais espíritas que, apesar de amarem a todos os seus filhos, preferem aqueles que se mostram mais pacíficos e obedientes; se isso fosse só na aparência, seria uma boa medida para conduzir os outros, mas assim não é, pois que reduz-se isso a preferências por uns e esquecimento de outros. É isso má prática e pode custar caro ao que a adotar.

            É verdade que às vezes um pai não pode dar mostras iguais a todos os seus filhos, pela diferença de conduta e de compreensão dos mesmos ; o pai e a mãe devem, entretanto, trazer o amor no seu coração e, se é possível, maior pelo filho que mais necessita, pelo seu atraso moral ou por outras causas da vida; porque não deve esquecer todo espírita que tenha filhos que os não teve por casualidade, senão por um plano providencial, para seu bem e deles; são quiçá inimigos que têm dívidas graves contraídas e que Deus coloca um ao lado do outro, unidos por laços de família, para que paguem uma dívida que de outro modo não poderiam pagar; quiçá a mulher abandonada de outras existências, que serviu para satisfazer caprichos, vem reclamar vosso apoio, porque sabe que tem direito a havê-lo; por isso o espírita, se bem que deve por todo o cuidado na educação de todos os seus filhos, deve tê-lo maior por aqueles que vem carregados de defeitos e são causa de grandes desgostos. Quantos fatos há entre os seres encarnados que, se os pudéramos conhecer, nos fariam baixar a cabeça e nos poriam em constante cuidado para não nos desesperarmos! Verdade é que esses fatos não os podemos conhecer; basta-nos, porém, saber que não há efeito sem causa e que Deus, com a sua grande sabedoria, nada faz inútil e sem motivo justificado. Assim é que, se um esposo escolhe má esposa, se a mulher encontra mau marido, não é isso casual, mas sabiamente ordenado; se um pai que é bom tem filhos maus, não é isso castigo, mas o resultado de uma lei justa; nestas condições, o espírita, que sabe todas estas coisas e muitas mais, não deve considerar a vida como paragem de recreio, mas como uma sucessão de fatos que o ferirão no mais íntimo da sua alma, que o farão sofrer, que lhe causarão sofrimentos e lágrimas; mas o espírita deve ser forte e animado, compassivo, abnegado, caritativo para com todos e muito particularmente para com os defeitos dos seus filhos, depósitos sagrados que o Pai lhe confia para que seja seu protetor e guia, a fim de fazer-lhes dar um passo, quando mais não seja.

            Todo espírita deve proceder com muito cuidado na missão de pai, sem se deixar arrastar jamais nem por uma atração desconhecida na sua causa por uns, nem pela frieza que possa sentir por outros; a justiça e o dever devem ser o regularizador dessas afeições ou repulsões secretas que a alma sente. Já dissemos que um filho pode ser um grande inimigo de outras existências como um amigo carinhoso, e não há dúvida que nos recônditos da nossa alma ressoam ainda as impressões do passado; eis porque o Espiritismo é tão eficaz para nos fazer progredir, pois a sua última solução é amar, amar e amar. Amar a quem nos quer, a quem nos odeia, a quem nos protege, a quem nos persegue, a quem nos faz bem, a quem nos faz mal; e este mandamento, que é de lei praticar entre os homens, ainda o é mais no seio da família. O espírita, cuja lei e cuja prática é o amor, não verá trevas; sua vida deslizara na maior paz possível na Terra e alcançará por fim a felicidade.

            Se o espírita, em lugar de ter esposa e filhos, tem ainda pais, não deve esquecer o dever de ter para com eles todo o respeito, carinho e amor; deve considerar que aqueles são para ele os representantes da Providência na Terra, e que é obrigado a dar-lhes paz, consolo, proteção, amparo; que é obrigado como filho a fazer por seus pais o que eles tiverem feito por eles, e se seus pais se não tiverem portado bem com ele, nem por isso é menos obrigado a fazê-lo, porque, nesse caso, eles pertenceriam à ordem de espíritos inferiores, e o espírita deve ser o exemplo constante de virtude e abnegação, para que aprendam os que ainda não sabiam ou não souberam cumprir os seus deveres.

            Em resumo: Cremos que o espírita em todas as situações da vida deve cumprir o seu dever como bom filho, como bom esposo, como bom pai, como bom irmão e como bom cidadão; assim, sendo praticante da lei divina, cujo sentido prático está na lei proclamada e exercitada pelo Senhor e Mestre, será luz que alumiará os que lhe estão em derredor, será mensageiro de paz e de amor entre todos, e levará a paz das moradas de luz ao seio dos homens da terra.




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