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“À Luz
da Razão”
por Fran Muniz
Pap. Venus – Henrique Velho & C. – Rua Larga, 13 -
Rio
1924
O INFERNO E OS DEMÔNIOS
Estamos
em pleno inferno... Abrenuncio! (fórmula de esconjuro
usada para afastar o demônio (signif. longe de mim! Te arrenego! Saia!):
abrenúncio, Satanás!) Para longe a confusão! Queremos dizer: Estamos em pleno capítulo do
inferno. Arh! Quase nos sufoca o cheiro do enxofre!
Eis
“o subterrâneo das dores, caverna dos suplícios insondáveis, dos demônios, galeria
murada de chumbo derretido, com tapetes de brasas, ambiente de enxofre,
ventiladores de gemidos, cortinas de chamas e sanefas (tira larga de tecido que se estende sobre a parte superior de uma
cortina) de labaredas.” E tudo isso criado, somente, para
os refratários à igreja de Roma!
Que
ventura para os católicos, assistindo, do céu, aos tormentos porque passam os
seus parentes e amigos nessa fogueira eterna!
Admitamos,
para exemplificar melhor essa questão de sentimento, o caso de uma mãe no céu
com um filho no inferno:
Podia
essa mãe ser reconhecida a Deus pela graça que lhe fora concedida? Viveria
feliz nesse céu? Pois não é verdade que semelhante paragem de delícias se
tornaria para ela um verdadeiro inferno?
Mas,
enquanto não chega a vez de nos convertermos em torresmos, vamos, por
curiosidade para os que não conhecem bem o inferno, descreve-lo, sem a intenção,
porém, de horrorizar, nem provocar hilaridade em quem quer que seja.
A
descrição aqui feita, pertence “ipsis verbis” à igreja, ou melhor, a quem fala autorizado por
ele (1).
(1) Goffine-Manual
do Cristão. pág. 137. (Do Blog: Dispomos deste livro. Caso se
interessem por algum detalhe, basta pedir...)
“Fogo
não só natural e verdadeiro mas também sobrenatural e milagroso!.. Sim, os
condenados ao inferno ardem e estão submergidos, todos vivos, num mar de fogo
que se não extingue jamais! ... fogo que tudo penetra e nada consome: tudo
queima e nada desfaz! ... fogo temperado pela justiça divina
com todo o gênero de tormentos para abrasar os corpos e os espíritos, e
proporcionado às culpas dos condenados! Fogo que nada alumia. pois que tudo no
inferno são trevas: produz, contudo, uma luz maligna, com a qual os condenados
vem os objetos de que estão cercados! ...”
“Ai
daqueles infelizes que chegarem a entrar nesse cárcere escuro, estreito, hediondo
e pestilento, onde encontrarão uma cama de fogo, cobras e toda a casta de
bichos para manjares e fel de dragões para bebidas subministradas em copos de
fogo; demônios e condenados para companheiros, todos juntos em montes vermelhos
como ferro em brasa, etc., etc., tudo isso eternamente!..”
Ufa!
Isto é de estarrecer um bom católico e fazer suar frio um pobre cristão! Ainda
mais quando se sabe que a descrição desses horrores foi sancionada por um papa!
Como,
porém, para “grandes males, grandes remédios”, o leitor se ficou também
apavorado, basta benzer-se três vezes, depois beijar a mão do padre e oferecer
uma vela a Santo Breve da Marca e todo o terror desaparecerá!
E,
agora, que já nos passou o susto, perguntamos: A igreja atual não se
envergonhará dessas sandices descritas para apresentar o seu inferno? Não é
isso menoscabar em demasia o critério e a inteligência do povo? Mas, com
cautela e enfiando no corpo uma roupa de amianto, analisemos de perto esse
inferno abrasador:
Aquele
fogo “natura” e “verdadeiro”, ao mesmo tempo “sobrenatural” e “milagroso”,
dá-nos aquela ideia muito conhecida de um “sujeito alto, baixo, gordo, magrinho,
sem braços que trazia nas mãos um presente para você”.
Deve
ser por isso que esse fogo tudo “penetra e queima” e nada “consome nem desfaz”
apesar de temperado pela justiça divina.
Deus,
o Amor e a Bondade infinitos “encarregando-se da graduação” do fogo infernal e “infligindo
toda a espécie de torturas” aos seus próprios filhos! Que desgraçado futuro
deve ser o do infeliz que sancionou semelhante dogma!
Se
tal atrocidade não lembraria ao mais ignorante pai humano em seu perfeito juízo,
como querem supor o Criador feroz e vingativo, capaz de o fazer quando Ele
mandou ensinar o amor e o perdão como objetivos do seu agrado?..
Destes
sacrílegos é que o inferno estaria repleto, se de fato existisse, pois não é
conhecido maior crime.
Mas,
prossigamos:
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