Evolução
religiosa
por Odilon Nunes Reformador
(FEB) Novembro 1923
O alvorecer de uma nova era na história dos povos já se
divisa num porvir não muito longínquo.
O desenrolar dos fatos, ultimamente
observados no plano religioso, eloquentemente prenuncia um grande fenômeno
moral que certamente convulsionará todos os sistemas filosóficos.
Será irrefragável a revolução que
pouco a pouco se prepara, se acentua cada vez mais no espírito do povo, como
uma predestinação de tão alto valor, quanto a que se operou com a queda do mosaismo.
J. De Maistre, com uma vidência de
profeta, preconizou-a:
“Estou
tão persuadido das verdades que defendo que, quando considero o elemento geral dos princípios morais, a
divergência das opiniões, o abalo das soberanias baldas (isentas) de base, a imensidade das nossas
necessidades e a inanidade (vazio) de
nossos meios, parece-me que deve todo verdadeiro filósofo optar entre estas duas hipóteses: ou que se vai
formar uma nova religião, ou que o cristianismo será rejuvenescido por algum
meio extraordinário.”
Agora, decorrido mais de um século em que assim falou o
filósofo francês, depois de serenados os ânimos do povo apaixonado daquela época
de intolerância e exaltação, sentimo-nos envolvidos pelos primeiros clarões
desta nova aurora, iluminando-nos o âmbito estreito e torvo (assustador) em que nos debatíamos,
descortinando-nos novos horizontes que se desenrolam pela amplitude intérmina
dos tempos, apontando-nos as cumiadas (tarefas) em que todos nós, bons ou mãos, ateístas ou deístas,
nos uniremos, mediante a luta redentora pela conquista da perfeição.
“O
campo está aplanado” e “os tempos são
chegados”.
O indiferentismo religioso é o augúrio (indicador) mais expressivo deste acontecimento
inevitável. O homem sem religião não é de todo um céptico, um descrente na vida
futura. Não! pelo contrário, ninguém mais do que ele acalenta a esperança de
outra vida, nem aspira com mais ardor a uma religião que seja toda caridade,
amor e pureza e que lhe encha a alma de crença, de fé e resignação.
É por isso que as sessões espíritas,
os centros teosóficos e os círculos ocultistas são avolumados em seus elementos
pelos sequiosos de conhecimentos.
Entre os genuínos representantes das
religiões já se observa a tendência para o alto desígnio de conchego e união
nas ideias dominantes, como se comedida (moderada) por uma inteligência estranha, exercendo sábia influência
na diretriz de nossos destinos.
Já não são intolerantes como outrora. Não arrastam à
fogueira os João Huss e os Servetos (Miguel Servet: teólogo cristão não
trinitário, espanhol, queimado numa fogueira como herege, em 1553) deste século; não se martirizam,
nem se guerreiam, nem tão pouco se odeiam com aquele ódio de outrora.
E até se entendem entre si.
Organizam mesmo os congressos das
religiões, em que se fazem representar, testemunhando assim a solidariedade que
pouco a pouco se estreita, irmanando-os pelos mesmos sentimentos e pelas mesmas
aspirações.
E, ainda mais, nos congressos que
cada religião convoca para tratar de assuntos concernentes à sua coletividade, às
vezes, num lance de altruísmo, se preocupam das outras de modo sensato e
desapaixonado.
É assim que em Southent, Inglaterra,
na última Conferência Eclesiástica, os bispos anglicanos se interessaram pelo
Espiritismo, chamando para esclarecimento da matéria o professor Sir William
Barrett. E é preciso notar que foram acolhidas com aplausos as opiniões do
valoroso paladino neo espiritualista.
E além, muito além destes
congressos, embora representando o verdadeiro sentimento de suas doutrinas, o
prognóstico de que falo é sentido e mesmo desejado pelo Vaticano.
Em 1894, Leão XIII, na sua Encíclica
sobre a Unidade católica, assim falou:
“Enquanto
o nosso espírito se dedica a estes pensamentos - de reconciliação das Igrejas
protestantes e das Igrejas orientais com a Igreja latina - e o nosso coração deseja
com todos os seus votos a sua realização, vemos lá ao longe, num remoto futuro,
desenrolar-se uma nova ordem de coisas e não conhecemos nada de mais doce que a
contemplação dos imensos benefícios que seriam o resultado natural desta nova
ordem.”
Já por outro lado os neo espiritualistas se conchegam
cada vez mais pelos laços doutrinários.
Como sabemos, Teosofia e Espiritismo
são doutrinas que poucos pontos de discórdia separam, a não ser quase
exclusivamente a técnica das suas linguagens.
O principal ponto de divergência é a
comunicação entre o mundo corporal e o espiritual. Blavatsky dava como causa
dos fenômenos espíritas trucs (truques), fraudes e julgava os, portanto,
duvidosos.
Já Leadbeater, (Charles Webster Leadbeater (nasceu em 1847 em Perth,
Austrália, desencarnou em 1º de março de 1934), foi sacerdote da Igreja
Anglicana e Bispo da Igreja Católica Liberal, escritor, orador, maçom e uma das
mais influentes personalidades da Sociedade Teosófica), seu sucessor, vem deslindando este
embaraço e expressa-se mais ponderadamente:
“Minha experiência
pessoal é mais favorável às comunicações mediúnicas do que a opinião de
Blavatsky, pois durante alguns anos estudei praticamente o Espiritismo e não
existem fenômenos dos de que se fala nos seus livros que eu não haja presenciado
repetidamente. Tropecei com muitas imposturas ou simulações, mas a maioria das
aparições foram autênticas e posso portanto atestá-las.”
E diz mais referindo-se ao Espiritismo:
“Não
esqueçamos que os espíritas concordam conosco, os teosofistas, em vários pontos
de capital importância. Todos admitem:
1º)
a vida depois da morte como vívida realidade sempre presente;
2º)
o incessante progresso da alma, mediante os renascimentos e mortes e a
felicidade de todos os homens, bons ou mãos, pois todos neste globo que
habitamos, ou em outros, durante esta manifestação cósmica, ou em outra,
acabarão por ser bons.”
E agora diante destes fatos que se prevê?
A unidade religiosa, estreitando-se,
solidificando-se para em breve desfraldar ao mundo o estandarte de uma só fé,
de uma só crença e de uma só doutrina.
E os idealistas de então verão
realizados os seus sonhos de confraternização universal.
Pouco a pouco nos encaminhamos para
este porvir que, com uma silhueta de luz encravada neste século, guia os nossos
passos para a nova era de renascimento, em que todos os credos religiosos se
unificarão sobre a base indestrutível do verdadeiro Cristianismo do Cristo,
rejuvenescido numa religião e Amor e Caridade, toda de sentimentos puros.
*
As religiões são como os diferentes estados da matéria:
só aparentemente ostentam desconexidades entre si.
A matéria se nos apresenta sob
múltiplas formas, atravessando diferentes estados na sua manifestação como veículo
da vida, ora na simplicidade da mônada ora na complexidade do cérebro humano,
porém, depois, vemo-la no grande laboratório do Cosmos como o simples elemento
primordial.
A religião também, da mesma maneira,
se nos apresenta sob vários aspectos, ora sob o plano material da idolatria,
ora sob o plano espiritual do Espiritismo, porém contendo, no fundo, embora
envoltos nos véus da metáfora e da alegoria, os mesmos princípios, partidos de
uma mesma base, os mesmos fins, oriundos de um mesmo ideal.
Certamente, quando estes véus se
rasgarem aos nossos olhos e a sua verdadeira essência for apalpada pela nossa
inteligência, veremos, com espanto e alegria, que todas as suas diversas
modalidades eram apenas a influência do meio em que germinou e em que se
amoldou à imaginação e à cultura das épocas, ao caráter e aos costumes dos
povos.
O passado da religião é como a
aurora de uma manhã nublosa (nublada);
o sol, ao enviar os seus primeiros raios, matiza palidamente as nuvens do
horizonte.
Mas, dissipado o nevoeiro e desfeitas
as brumas - assim como o sol, a religião brilhará, iluminando unicolormente (homogeneamente) todas as partes com a plenitude
invariável do seu fulgor profuso.