Bilhetes
por G. Mirim (Antonio Wantuil) Reformador (FEB) Abril 1944
Faz sessenta anos, mais ou menos, meu caro, leitor, que os fatos se passaram (*). Minha memória, no entanto, conserva nitidamente as ocorrências havidas em minha aldeia, ao tempo em que eu frequentava a escola do “Seu Mestre”, um pobre coitado que mal, muito mal sabia ler alguma coisa que fosse além da cartilha em que aprendíamos.
Era feliz a minha aldeia natal.
Todos nos conhecíamos e não nos preocupávamos com o progresso que diziam haver
em localidades limítrofes. Ninguém assinava jornal. E quando, anualmente, o
arraial era visitado pelo viajante angariador de assinaturas para os jornais da
Corte, todos lhe respondiam que não tinham tempo “pra estudá jorná”. Tudo se
resolvia dentro das nossas acanhadas fronteiras e a contento geral, porque a
mentalidade dos meus conterrâneos nada exigia, compreendia e admitia, além do
que lhes era conhecido ou ensinado pelos seus super-homens.
Como no povoado aparecera, vinte
anos antes, um pirata que se fez passar por médico, para explorar, ao máximo,
aquele povo ingênuo, jamais consentiram que qualquer médico se instalasse no
arraial, instigados que eram, constantemente, pelo “Zé da Botica” e pelo Sô Vigário, que tiraram partido do
antigo fato, deturpando-o jeitosamente, a fim de continuarem a venda das
xaropadas do primeiro e o recebimento dos pagamentos das promessas feitas aos
santos milagrosos do segundo.
- Estou a ver, daqui, da mesa em que
escrevo este bilhete, na intuitiva visão do preconcebido, o leitor a gargalhar
maliciosamente, num tom de mofa e de escárnio, rindo-se a bom rir dos meus
pobres e ignorantes conterrâneos, descritos assim, na singeleza dos seus atos
simples de rudes de pobres tabaréus.
Mas, não se ria assim, meu amigo.
Veja o que se passa na sua rica Antropópolis, cidade maravilhosa, cheia de
bondes, de aviões e de rádios...
Richet, o sábio que deslumbrou o
mundo com o seu talento, Crookes, o gênio que tanto concorreu para o progresso
de que você está gozando; Ford, o famoso fabricante dessa máquina que diminui
distâncias - o automóvel, tantos gênios, meu amigo, de cérebro mais bem
desenvolvido, se rirão de você, que não quer ouvir falar em Espiritismo, de
você que se deixa guiar pelos mesmos interessados de sempre, que vivem a falar
de piratas que se diziam médiuns, de loucuras e de caldeiras infernais.
O povo da minha aldeia já se não
deixa, hoje, conduzir pelo Zé da Botica e pelo seu associado. E você, meu amigo,
quando se livrará da ignorância em que o acorrentaram?
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