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terça-feira, 20 de julho de 2021

Oportunidades perdidas

 

Oportunidades perdidas

por José Brígido (Indalício Mendes)

Reformador (FEB) Outubro 1962

           Ninguém soube jamais o que acontecera ao Miranda. Era afeito à fraternidade e procurava sempre conduzir-se de maneira a não ficar muito distanciado dos ensinamentos evangélicos. Um dia, porém, foi distratado numa reunião por pessoa a quem tratava atenciosamente. Procurou conter-se diante da provocação injustificável que prosseguia. Em dado momento, levantando-se, Miranda, vendo-se envolvido numa alusão pejorativa do gratuito desafeto, pediu a palavra, que lhe foi negada contra todas as disposições que regiam a assembleia.

          - Insisto em solicitar a palavra. Preciso esclarecer pontos que afetam a minha honorabilidade imerecidamente.

          O desafeto, porém, abusando da autoridade que possuía no momento, como dirigente máximo da reunião, permaneceu indiferente aos apelos de Miranda. Foi quando este, apesar da posição calma que estava mantendo até aquele instante, se viu envolvido pela perturbação ambiente, e respondeu agressivamente àquele que premeditadamente o ofendia.

          Serenados os ânimos, foi promovida a reconciliação dos dois homens que se apertaram as mãos. Era uma paz aparente. Miranda, depois do impulso agressivo, arrependeu-se. Procurou o evangelho para se penitenciar. Cedera quando mais necessária era a resistência às provocações. Compreendia Miranda que sucumbira na oportunidade que tivera de exemplificar as lições evangélicas. Ele bem o sabia. O que não conseguia compreender era a obnubilação sofrida por seus sentidos e a reação violenta que tomara contra as invectivas dissimuladas do desafeto.

          - Que tens Miranda? – perguntou-lhe u, companheiro de estudos doutrinários. – Estás abatido, acabrunhado? Que houve?

          Miranda contou-lhe o que houvera e como falhara no momento da exemplificação.

          - Acontece, amigo, que a vigilância não foi perfeita. Quanto mais responsabilidade tivermos na propaganda dos princípios evangélicos, mais tentações nos assaltarão. Será preciso muita vigilância, porque o perigo nos rodeia. Foste dominado pelo respeito humano. Sentiste-te humilhado perante os outros componentes da assembleia e reagiste como o homem comum, mas não como um homem que estuda o Evangelho e tem o dever de segui-lo, sejam quais forem as consequências.

          - Tens razão. Falhei. Reconheço que sou pedra ainda sem lapidação. Algumas vezes tenho vencido as minhas inferioridades, mas em outras, como a que te narrei, caí lamentavelmente.

*

          Dias depois, Miranda recebeu uma intimação policial para prestar declarações. Aquele seu desafeto vinha sendo acusado de uma negligência culposa. Alguém, não se sabe com que intuito, indicou o nome de Miranda, talvez por conhecer o incidente da assembleia. E ele, depois de resistir, viu-se forçado a atender à intimação.

          - Não sei do que é acusada essa pessoa – ponderou. – Achava-me fora e soube do acontecido pelo noticiário dos jornais.

          - Mas acha o senhor que o indiciando teria agido com urbanidade? Se o fizesse talvez nada houvesse acontecido – ponderou a autoridade.

          Naquela ocasião não se apercebeu Miranda de que estava novamente diante de nova prova. Sem se dar conta disto, acrescentou:

          - Se tenho de falar a verdade, devo dizer sinceramente: trata-se de homem irascível, violento...

          Aí, caiu em si. Falhara de novo. Procurou emendar a sua posição, sem pensar sequer em desdizer-se, porque, no fim das contas, achava ter dito a verdade, embora preferível houvesse sido abster-se de qualquer referência àquele que não andava de boas relações com ele.

          - Senhor, conforme já disse, ignoro porque indicaram meu nome, se não vi nada do ocorrido. A impressão que externei sobre a pessoa incriminada é meramente pessoal e não deve ser levada em conta, pois não desejo aproveitar-me da circunstância para uma atitude que pode ser mal interpretada.   

          - Bem o sei. Mas o que nos disse não é verdade? Se é, nada tem de se arrepender, porque procuramos exclusivamente a verdade.

            Supunha Miranda que suas declarações morreram aí e foi com dolorosa surpresa que se viu no Tribunal, perante o indiciado, forçado a reafirmar quanto dissera anteriormente.

           Sua provação foi grande, porque sentiu intimamente a reincidência no erro. Recolheu-se a casa, entregando-se à prece. A consciência, entretanto, o advertia:

            - Falhaste de novo, Miranda. O teu contacto com o Evangelho não está sendo tão íntimo quanto se torna preciso. És menos humilde do que pensas.

            Ante essas censuras da própria consciência, Miranda sentiu que seus olhos se humedeciam de lágrimas. E dirigiu ao Alto esta prece:

            - Jesus: caí de novo. Sinto-me esmagado pela minha incapacidade moral. Não guardo ressentimento algum daquele homem que se houve tão agressivamente contra mim. Porque grande era o seu desespero. Depois de várias considerações, o Guia frisou:

            - Meu irmão: sei que tu mesmo reconheces o duplo erro praticado. Duas vezes surgiram oportunidades para demonstrar o teu progresso espiritual; duas vezes demonstraste que esse progresso é meramente intelectual. Pensando bem, és mais digno de lástima do que aquele que serviu de instrumento à tua provação. O teu senso oral te obriga a carregar a cruz do remorso, porque sabes o que é bom e o que é mau. Recorda-te destas palavras de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade”?

            Miranda, cabisbaixo, envergonhado e triste, tudo ouvia, fazendo com a cabeça lentos sinais de assentimento.

            E o Guia prosseguiu:

            - Apesar de tudo, levanta-te a cabeça e recomeça a jornada, irmão. Envolve aquela pessoa nos calores da prece diária. Torna útil o teu arrependimento, ajudando-o anonimamente pela prece. Assim poderás ressarcir os erros cometidos. A humildade é um bem, quando verdadeira. Temeste guardar silêncio e ser considerado, na assembleia, culpado das insinuações maldosas que te envolveram o nome. Receaste passar, perante os outros companheiros, por covarde. Isto tudo é muito humano. Tinhas, porém, o dever de socalcar tais sentimentos, escudando-te nos ensinamentos evangélicos. Não mais te esqueças de que é preferível desagradar o mundo do que desertar do Evangelho.

            Guarda na mente, Miranda, esta lição do “Espírito de Verdade”: Deus consola os humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Tomai por divisa estas duas palavras: devotamento e obrigação e sereis forte, porque elas resumem todos os deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto mais forte se sente, quando mais profundamente atingido é o Espírito.”

            Ao regressar a penates, Miranda estava reanimado e disposto a recomeçar sua tarefa, exercendo maior vigilância sobre os próprios atos e pensamentos. Reconhecia que o homem é o maior inimigo de si mesmo.


quarta-feira, 15 de julho de 2020

"Vai, amigo, e volta quando quiseres..."



“Vai, amigo, e volta quando quiseres ...”
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1957

            “Entra, amigo. Basta empurrar a porta. Ela nunca está fechada para ninguém: fica sempre aberta para o mundo de onde vens. Qualquer que seja o fim da tua visita, entra. Encontrarás aqui silêncio e tranquilidade.

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            “Não precisas dizer-me que sofres. Percebo-o pelas vibrações do teu espírito atribulado. A dor traz sempre uma auréola de luz. A intensidade dessa luz indica as gradações do sofrimento.

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            “Senta-te. Fecha os olhos por alguns instantes. Procura identificar-te com a penumbra. Em seguida, recorda as gigantescas montanhas circunvizinhas que se diluem na distância. Passeia teu pensamento pelo planalto próximo. Tenta ver o admirável panorama, através das pálpebras cerradas. Sentirás doce sensação de alívio.

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            “Reabre os olhos e aguarda sem ansiedade o crepúsculo que não tarda a chegar. Quando vier a noite redentora, dá-lhe mentalmente as boas-vindas e sorri. Mentaliza a Natureza florida, os gorjeios dos pássaros multicores anunciando a Primavera, e esquece de ti nesses momentos. Compreenderás como tudo se simplifica na noite silenciosa.

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            “As aflições começam a abandonar-te, irmão. Qual um exército vencido, em retirada, elas também se ausentam, devagarinho, bem devagarinho... Teu espírito se reequilibra na paz...

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            “O Silêncio da noite faz bem. Conforta. Educa. Instrui. Permite sereno trabalho de introspecção. O silêncio da noite disciplina e esclarece.

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            “Agora, impõe a teu espírito a meditação, para que se dissipem todos os vestígios de inquietude e experimentes o gozo inefável da tranquilidade que nos oferece a noite silenciosa. Repousa, irmão.

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            “O silêncio fecunda o espírito. Enriquece o pensamento, torna-o mais agudo, dá-lhe maior amplitude e fluidez. O homem que não procura viver mais pelo pensamento, buscando na meditação o rumo certo de sua alma, é como a folha seca, perdida no pó da estrada e sujeita aos caprichos do vento. É o pensamento que fixa a posição do homem no mundo espiritual. Através dele, pode alcançar espantosas altitudes mas pode também, pelo pensamento, rastejar na lama das ruas...

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            “Pensa profundamente no que é belo e puro, pois o que é belo e puro tem que ser necessariamente bom. Vamos! Ergue a cabeça porque não encontrarás estrelas no chão... Tudo no homem é obra do pensamento.

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            “Medita mais um pouco: Muita coisa se aprende no silêncio da noite tranquila. Tudo no homem é pensamento: ele é o pensamento em ação. Será menor a infelicidade no mundo quando as criaturas humanas conhecerem melhor o poder do pensamento e aprenderem a usá-lo com sabedoria. Medita mais um pouco, irmão.

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            “A meditação é a prece que o pensamento faz no altar do silêncio...

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            “Quando aqui chegaste, tua alma angustiada se vestia de fluidos negros e violáceos.  Tinhas a teu lado o Desespero, inimigo da Esperança. Já não mostras os dedos crispados nem congestionada a face macilenta. A tranquilidade te aquieta o corpo, porque teu espírito vai recobrando a paz. O silêncio da noite te fez bem.

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            “Quando se opera a união do espírito com a força cósmica; ele se dilata e adquire singular acuidade. Através das experiências reencarnacionistas, muitas vezes ásperas e dolorosas, se beneficia com o progresso que lhe depura e apura a personalidade. Portanto, amigo, tem fé e trabalha. Sê paciente e bravo.

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            “Amanhece. O silêncio da noite tranquila te devolveu a serenidade. Vais regressar a teu mundo de lutas. Levas, porém, a mente iluminada pelas lições da meditação. A vigília, acredito, não terá sido vã. O Desespero trouxe-te aqui; retornarás nos braços da Esperança. Não te esqueças de que convivemos com um mundo que nem todos veem, mas que todos podem pressentir ou persentir (sentir no íntimo, de maneira profunda), consoante o grau evolutivo de cada um. Luta com coragem, mas sem ódio.

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            Vai, amigo, e volta quando quiseres...”

sexta-feira, 27 de março de 2020

E assim nasceu a Esperança...



E assim nasceu a Esperança...
por José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Junho 1947

            A vida corria mansamente na verdejante planície de Ben-Nazam. As ovelhas pastavam, tranquilas, e os pastores iam trauteando (cantarolando) alegres melodias, fruindo a doce paz daquele ambiente bucólico. Todos os dias, ao cair da tarde, o pastor Isael tangia os anhos (filhote de ovelha) e o aIfeire (rebanho), rumo ao aprisco, e demandava o lar feliz, onde Lucânia, sua esposa, e Aydala, o enlevo de sua alma, o recebiam alegremente. Nunca o sorriso de Aydala deixava de florir no pitoresco colmado (pequena casa coberta de colmo (palha comprida)) de Isael.

*

            Um dia, porém, quando estava para levar as ovelhas ao redil (curral), o pastor sentiu inexplicável amargura no coração. Olhou para a planície demoradamente, passeou, os olhos pela silhueta esbatida (de tom pálido) do monte Hermon e tornou ao lar querido. Dessa vez Isael não voltara cantarolando. Caminhou silenciosamente, sem compreender porque se operara tão súbita metamorfose no seu espírito folgazão. E, ao beijar a filha, notou que a tristeza pusera lhe na face o palor (palidez) do sofrimento. Sobressaltado, Isael fitou-a e ela não pôde resistir ao olhar indagador do pai, pois duas pérolas, traindo-lhe o segredo, se evadiram de seus lindos olhos, já avermelhados pelo pranto.

*

            No descuidoso encanto de seus dezoito anos, Aydala amara a um jovem, que, a princípio, parecera corresponder à sinceridade de seu afeto, tanto que conquistara também a amizade de Isael e Lucânia, os quais abençoavam a pureza daquele amor inocente. Mas a Desventura, como o lobo que ronda o aprisco, à cata de uma ovelha desprevenida, vive sempre, espreitante e maldosa, rodeando a Felicidade, pronta a dilacerá-la no primeiro ensejo. Foi o que sucedeu. O jovem, que era cheio de solicitude, passou a demonstrar algente (gélida) indiferença, como se houvera sorvido enfeitiçado filtro ou cedido a sortilégios (magias) impuros de espíritos trevosos. Mentindo a si mesmo, foi rareando suas visitas, até fugir dos olhos belos de Aydala, deixando um vazio imenso no coraçãozinho dela. Antes que o Desespero lhe batesse à porta, Lucânia, com a intuição que Deus conferiu ao espírito feminino, decidiu levar a filhinha à presença do velho Matias, cuja experiência era um fanal (‘farol’) de consolação para os que sentiam a alma farpeada (ferida com farpas) pela dor.

*
            Ao chegarem, o ancião escutava com paciência um doutor em leis e rico mercador de tapetes de Istambul. Dizia o mercador: - “O que tem de ser, será. Sou fatalista, creio na força inexorável e trágica do destino, à qual ninguém escapa, por que o destino de todos já está traçado antecipadamente, Não adianta gritar, correr, lutar, porque o que tem de ser, será.” Matias esboçou um sorriso benevolente e, voltando-se para Lucânia, perguntou-lhe:

*

            - “Você está de acordo com isso, minha filha?”

            A mãe de Aydala abriu mais os olhos lúcidos e ponderou com humildade:

            - “Eu e minha filha, bom amigo, cremos na existência de uma força oculta e poderosa. Sentimo-la dentro de nós, mas não sabemos defini-la.”

            Matias fez um gesto de quase imperceptível assentimento e murmurou:

            - “Sim.., sim... porque Deus é indefinível... “

            E perguntou ao doutor em leis, homem culto, viajado, transudando (transbordando) sabedoria que opinião formulava a respeito.

            - “Eu não creio em fatalismo e muito menos em forças ocultas. Nada há no homem senão a realidade física. Os fenômenos da chamada vida espiritual são meras formas de atividade da matéria, porque, meu caro Matias, tudo é matéria. O resto é loucura.”

            Largo sorriso de complacência iluminou o rosto do ancião, que, dirigindo-se de preferência a Aydala, começou a falar pausadamente:

            - “O fatalismo entorpece o espírito; é uma ilusão nociva, porque perverte a alma e endurece o coração. A sabedoria e a justiça de Deus permitem que nós mesmos construamos o nosso futuro, reparando, no presente, os erros do passado. O materialismo é um veneno terrível, Corrompe o espírito e dá aos homens falsa noção da vida. Se viemos do nada e para ele voltamos, que somos: finalmente, senão... nada? Mas não é assim. Caso contrário, que adiantaria cultivarmos as virtudes morais, como o amor, a caridade, a tolerância, se tudo se reduziria a nada? Que valeria o esforço, o progresso do homem nas ciências e nas artes, se tudo teria de terminar, irremissivelmente, no volutabro (lamaçal) a que nos condena a concepção materialista? Não, o Espírito é tudo. Ele “é a força oculta que governa e dirige a matéria e lhe dá a vida.” Não depreciemos o valor da matéria mas exalcemos (exaltemos) a função superior do Espírito, porque ele recebeu de Deus o toque da imortalidade. O fatalista é um derrotado, antes mesmo de entrar em luta; o materialista, um cego que caminha à borda do despenhadeiro. Apesar disso, o Espírito imortal que vive neles se iluminará um dia, mostrando-se despido do orgulho e dos preconceitos herdados de processos educativos defeituosos.”

*

            Matias puxou para perto de si a jovem Aydala e segredou-lhe ao pé do ouvido:
- “Menina: carrego nas costas mais de noventa invernos rigorosos. Conheço um pouco os homens e a vida. Sofreste um desengano que te parece irremediável. É natural, porque, na tua idade, as coisas se mostram às vezes com aspectos exagerados, Tens a impressão de que o mundo se abriu diante de teus pés, tragando-te a felicidade. É por isso que tu‘alma vibra de intensa dor. Todavia, Aydala, nada está perdido. Lembra-te de que não há acaso, pois tudo tem sua razão de ser, ainda que não compreendamos os sábios desígnios d' Aquele que tudo vê e tudo sabe. Às vezes, Aydala, o que supomos um grande mal, revela-se, com o correr do tempo, um grande bem: Se Jesus nos aconselhou a amarmos até aos nossos inimigos, porque não amarmos a nós mesmos, perdoando àqueles que ofendem a pureza do nosso afeto? Conforta-me o saber que não faltaste ao teu compromisso moral, porque, como disse Paulo em sua Epístola aos Romanos, “o amor é o cumprimento da lei”. Entretanto, tens o dever de continuar fiel a ti mesma, exercendo o suave direito do perdão. Perdoar a quem nos faz mal, fazendo-lhe todo o bem, é concorrer para a regeneração do Espírito que se desvia do bom caminho. Amor é renúncia, é altruísmo, é sacrifício. Portanto, Aydala, perdoa. Perdoa sempre e sentirás o coração reconfortado e cicatrizada a chaga aberta pela ingratidão. Ninguém sofreu mais do que Jesus, que foi todo amor c bondade. E já na cruz, ouvindo as imprecações (xingamentos) e as torpes injúrias da populaça imbecil, ainda pediu a Deus por seus algozes, porque compreendeu que eles não sabiam o que estavam fazendo. Esquece a afronta e volta o teu Espírito para o bem, sem olvidares no entanto, que “o perdão não exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. A paz é um patrimônio que cada coração está obrigado a defender para bem trabalhar no serviço divino que lhe foi confiado.” Assim, Aydala, defende a tua paz, minha filha...

*

            A meiga donzela soluçava baixinho, temendo perturbar a palavra de Matias, que, depois de olhá-la com paternal ternura, prosseguiu:

            - “Coragem! Quando Deus fez a Terra, há muitos milênios, chegou ao céu o vago ruído, provocado pelo pranto de uma criaturinha como tu, que também havia perdido o seu primeiro amor. Nunca se verificara semelhante ocorrência neste planeta. O Pai determinou que seus arcanjos reunissem um raio de sol, algo do opalescente (do que possui reflexos matizados, tal como a opala) fulgor da Lua, o brilho diamantino das estrelas, muito Amor e muita Caridade. E essa mistura foi espalhada por todos os recantos da Terra, para que os corações humanos a absorvessem. E desse modo, Aydala, nasceu a Esperança.”

*

            O velho silenciou alguns instantes, afagando a jovem. Em seguida, acrescentou: - “Vai para casa. Leva a Esperança contigo. Coloca-a no melhor lugar do teu coraçãozinho bem formado e procura recobrar o sorriso que alumia a vida de teus pais. Esquece o passado sem guardar ressentimento e olha confiante, para o ridente futuro que te aguarda. Aproveita a dor, porque estás tendo a primeira grande experiência da vida, e aprende que não se vive sem sofrimento e sem luta. Assim é para o nosso próprio benefício. Glorifica o teu amor com o culto sincero da Caridade, que é a mãe do Perdão. Retém em tua lembrança estas palavras do Apóstolo Paulo: "A Caridade é longânima, é benigna; a Caridade não é invejosa, não se jacta, não se ensoberbece, não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal. não se regozija com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. Tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre.”

*

            Vai, Aydala, na santa paz ele Deus! Não te apartes jamais da Esperança. Abraça-te a ela. Ora e confia; confia e espera..”

*

            E quando, no dia imediato, o céu se apresentou novamente límpido, todo vestido de azul puríssimo, Isael foi visto na planície de Ben-Nazam, trauteando outra vez alegres melodias pastoris...

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Com Kardec e com Roustaing


Com Kardec e com Roustaing
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1947

            A grita que pequena minoria de aceitantes do Espiritismo faz contra “Os Quatro Evangelhos”, não poupando sequer a memória do nobre J. B. Roustaing, nem sempre é fruto de sincera incompreensão. Pela natureza de certos comentários, percebe-se quão afastados se encontram, muitas vezes, da ética espiritista, os mais empenhados em contestar a “Revelação da Revelação”-, Entretanto, “Os Quatro Evangelhos” não impõem restrição alguma a Doutrina codificada por Allan Kardec, antes a completam de modo perfeitamente racional e, digamos assim, doutrinariamente lógico. Aliás, tratando “Dos Cismas” Kardec não se furtou à feliz oportunidade de afirmar que muitas divergências têm desaparecido, “À MEDIDA QUE A DOUTRINA SE VAI COMPLETANDO PELA OBSERVAÇÃO E PELO RACIONALISMO" acrescentando que "as últimas divergências se dissiparão com a completa elucidação de TODAS as partes da doutrina”. E o mesmo Kardec avança que “haverá sempre os dissidentes por sistema, interessados por esta ou aquela causa”.

            A verdade é que Roustaing continua cada vez mais firme. Em seu caso especial, é preciso levar em conta a superior orientação espiritual que tem recebido a Federação Espírita Brasileira, em mais de seis decênios de trabalho silencioso, profícuo e persistente, preservando a Doutrina de Kardec de errôneas interpretações e de deturpações numerosas. Ninguém pode, sem se alhear da verdade, desmerecer o gigantesco esforço que ela desenvolve na defesa e manutenção dos princípios básicos da Doutrina. Negá-lo não seria somente cometer grave injustiça, porque significaria, de outro lado, pôr em dúvida a capacidade espiritual do Guia Ismael, ao qual estão entregues os destinos da causa espírita no Brasil. Ora, se “Os Quatro Evangelhos” - numa palavra: Roustaing - antes mesmo de fundada a Federaçao, já eram estudados e aceitos por aqueles que, em seguida, integraram o corpo diretivo material da Casa de Ismael, e os que os sucederam, sem que houvesse havido até hoje a menor manifestação contrária do iluminado Guia e de outros Espíritos de superior categoria, de Kardec inclusive, é sinal evidente de que todos os que aceitamos Roustaing, considerando-o valioso colaborador da obra kardeciana, continuamos fiéis à Doutrina. Demais, não se deve esquecer o que disse Kardec com sua grande autoridade: “Assimilando todas as ideias reconhecidamente justas, de qualquer ordem que sejam, físicas ou metafísicas, ela (a Doutrina) nunca será posta à margem, e é esta uma das principais garantias da sua perpetuidade”.

            A Federação Espírita Brasileira, indissoluvelmente ligada ao kardecismo, jamais faltou a qualquer de seus deveres doutrinários. Estuda e divulga os ensinos de Kardec, e justamente por compreender o sentido superior da obra do Mestre é que também estuda Roustaing, sem o impor a quem quer que seja, certa de que está fiel ao objetivo de progressividade da Doutrina. Kardec jamais aprovaria a estagnação por falta de estudo sério do Espiritismo, estagnação que leva ao dogmatismo e, através deste, à intolerância e à obnubilação do raciocínio. O Codificador predisse estar a segurança da perpetuidade da Doutrina na “tolerância, consequência da caridade, que é a base da moral espírita”. Justamente esse espírito de tolerância no exame de “Os Quatro Evangelhos” é que tem faltado à maioria dos negadores de Roustaing. Argumentando com Kardec, para defender Roustaing, diremos que “o programa da Doutrina não é invariável senão quanto aos princípios reconhecidos novamente por verdades. No estado de atraso dos nossos conhecimentos, o que hoje nos parece falso, pode amanhã ser reconhecido como verdade, por efeito de novas leis descobertas. Isto na ordem moral, como na ordem física. É contra esta eventualidade que a Doutrina deve estar sempre aparelhada. O princípio progressivo que ela inscreveu em seu código será a salvaguarda da sua perpetuidade; a sua unidade será mantida precisamente porque não repousa sobre o princípio da imobilidade. A imobilidade, em lugar de ser uma força, é causa de fraqueza e de ruína", E como se tal não bastasse, Kardec reforça a sua advertência deste modo: “Ela (a imobilidade) rompe a unidade, porque aqueles que querem ir adiante separam-se dos que se obstinam em ficar atrás.”

            Vimos argumentando com Kardec para justificar Roustaing. Não subestimamos os que não aceitam, por qualquer motivo, o "corpo fluídico". Uns não seguem Roustaing por não haverem atingido ainda o momento de bem compreendê-lo, mas não o atacam. São sinceros, honestos em sua atitude. Dignos, portanto; do respeito geral. Outros, porém, sem haverem lido e meditado acerca das lições prodigiosas de "Os Quatro Evangelhos", ou as leram e não as assimilaram, se exaltam no combate feroz a Roustaing e à sua notável obra. São os apriorísticos negadores de todos os tempos, as pedras de escândalo de todas as épocas, os "kardecistas" que não são fiéis à Doutrina e, portanto, não são fiéis a Kardec. Nós aceitamos Roustaing, depois de havermos recusado também, ao primeiro exame da questão Quanto se encontra no monumental trabalho. Agradecemos a Deus a compreensão que desceu sobre o nosso espírito, graças à palavra esclarecedora do inesquecível amigo Guillon Ribeiro. Ninguém é espírita por se dogmatizar com Kardec ou Roustaing, uma vez que o espírita consciencioso não se apaixona a ponto de perder a serenidade; não se curva a dogmas; não se fanatiza; não se prevalece de argumentações cavilosas para defender pontos de vista meramente pessoais. Não. Ninguém nos mostrará em Kardec algo que signifique aprovação a semelhante critério. O dever do homem, seja qual for a sua crença, é estudar, refletir, analisar e, então, concluir, aceitando ou recusando o tema que lhe foi proposto ou que despertou sua atenção. Criticar sem conhecimento de causa, contestar ideias aceitas por outrem sem as haver previamente estudado, não é conduta que se concilie com os princípios consubstanciados na Doutrina que nos legou Allan Kardec.

            É curioso, senão lamentável, que a preocupação de combater Roustaing faça, não raro, esquecer a Doutrina, muito mais importante para o futuro espiritual do homem do que saber com rigor qual a natureza real do corpo de Jesus. Desde, porém, que possamos dedicar-nos a esse estudo sem quebra da nossa orientação doutrinária, porque não fazê-lo? Por aceitarmos Roustaing, nem por isso somos menos kardecistas do que aqueles que o negam ortodoxamente. A Doutrina Espírita trouxe ao homem uma concepção mais liberal da vida, porque não o escraviza a regras estreitas. Pelo contrário, dá-lhe liberdade de pensar e de julgar, permitindo-lhe usar de seu livre arbítrio como melhor lhe aprouver. A par dessa ampla liberdade, deu-lhe também o dever de respeitar a liberdade alheia, comportando-se o mais possível de acordo com os princípios deixados por Allan Kardec, os quais se encontram sintetizados no lema por ele adotado: “Trabalho, solidariedade e tolerância”. O trabalho por princípio, a solidariedade como objetivo fraterno do esforço comum e a tolerância como coroamento de tudo.

            Se atentarmos para uma velha comunicação espírita de Kardec, a respeito do estudo dum trecho dos Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, veremos que o Codificador, já desencarnado, aproveitou a oportunidade de um esclarecimento necessário e reconheceu ter vindo Jesus à Terra com a formação corpórea a que aludem os Evangelistas em Roustaing: “Jesus ainda não entrara em ação decisiva contra os prejuízos e os crimes do mundo. Logo que ele baixou e tomou a sua forma corpórea aparente, para as lutas pela verdade”, etc.

            Se restringir o alto valor da obra de Kardec é tarefa de insanos, descobrir em Roustaing antagonismo real com a Doutrina Espírita, codificada por aquele, pode ser qualificado como esforço insincero: é trabalho das trevas. Kardec e Roustaing foram dois grandes trabalhadores da causa, embora àquele houvesse sido cometida missão de maior envergadura. Assim como não se pode destruir a Doutrina por ele concatenada, também não se aniquilará jamais J. B. Roustaing porque as obras subscritas por ambos não
foram obras humanas, mas obras dos Espíritos.

            Estamos com Kardec quando, prudentemente, nos adverte: “Todas as doutrinas têm tido o seu Judas e o Espiritismo não havia de ser a exceção...

            Já citamos uma vez este pequeno trecho de “Le Spiritualisme dans I'histoire”, de Giustianiani, aparecida em 1879, em Paris: “Parmi Ies grandes et belles oeuvres inspirées médianimiquement, on doit mettre au premier rang les “Quatre Evangiles”, suivis des commandements, expliquès en esprit et en vérité par les Evangélistes assistés des Apôtres.  Toutes les communications de cet important ouvrage ont été requeillies et mises en ordre par J. B. Roustaing, avocat à Ia Cour Impériale de Bordeaux, ancien bâtonnier” (Entre as grandes e belas obras inspiradas medianimicamente, devem figurar em primeiro plano “Os Quatro Evangelhos”, seguidos dos mandamentos, explicados em espírito e em verdade pelos Evangelistas assistidos pelos Apóstolos. Todas as comunicações dessa importante obra foram recolhidas e postas em ordem por J. B. Roustaing, advogado da Corte imperial de Bordéus, antigo bastonário).

            Ressalta desse trecho que a obra dita de Roustaing, por haver sido por ele recolhida e concatenada, foi produzida medianimicamente, isto é, transmitida por Espíritos, tal como já sucedera também com as obras ditas de Allan Kardec.

            Para que não se julgue seja desvaliosa a opinião de Giustiniani (Rossi de Giustiniani), esclarecemos que ele foi professor de filosofia em Esmirna, laureado com o Prêmio Guérin, membro da Société Scientifique d'Êtudes Psychologiques, de Paris. Homem de cultura e de indiscutivel idoneidade intelectual, que considerou também “Os Quatro Evangelhos” - de Roustaing - uma das “grandes e belas obras inspiradas medianimicamente", e que, entre outras de valor, “deve figurar em primeira plana”. Para ele também “Os Quatro Evangelhos” são uma “importante obra”.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

O cântaro quebrado



O Cântaro quebrado
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Março 1947

            - Isso aconteceu há muito tempo. Deus havia feito o mundo e os homens, as flores e as mulheres, os pássaros e as florestas, os rios e os mares; enfim, tudo quanto embeleza, alegra e enriquece a Terra. Mas ninguém tinha vontade própria, porque Ele pensava por todos. Um dia, o Criador incumbiu o anjo Liriel de vir à Terra, para esclarecer a razão da vida humana. Foi quando, à hora da prece vespertina, Zoreb, o patriarca, recebeu a visita dessa angelical entidade, de quem ouviu, em diserta linguagem, estas palavras: - “A Terra é vasta oficina de trabalho, Preciso se torna que todos aprendam por si mesmos a alcançar o beneplácito do Pai. Já é tempo de cada qual cuidar de si, tendo por norma as Leis do Senhor. Darás a cada habitante da Terra um cântaro igual a este, feito com a argila do Livre-Arbítrio, contendo a essência da felicidade que um ser humano pode fruir neste planeta. Aconselha-os a serem comedidos e discretos, pacíficos e bons, e a paz de Deus estará sempre com os fiéis...” 

*

            Zoreb dobrou os joelhos, beijou três vezes a Terra adusta e orou, agradecendo a esmola da revelação de Liriel. Concluída a prece, chamou à sua presença todos os homens e todas as mulheres, aos quais entregou cântaros feitos com a argila do Livre-Arbítrio. E desde então os seres humanos passaram a ser responsáveis pelos próprios atos. Tudo ia bem, maravilhosamente, até que o jovem Ghazar-bar-Ghazar se lembrou de examinar o precioso vaso. Admirou-o atentamente, mas logo sentiu o acúleo (espinho) da curiosidade, Zoreb dissera que ele continha a essência da felicidade. Não haveria mal algum em vê-la um pouquinho. “Sacudiu o cântaro, virou-o de borco, tentou introduzir a mão no gargalo, inutilmente. As dificuldades tornaram-no ainda mais curioso. Nunca experimentara semelhante sensação, pois só agora dispunha de livre-arbítrio. E a inteligência começou a trabalhar febrilmente. Muniu-se de uma pedra e com ela bateu fortemente na parte mais saliente do vaso, que se quebrou, caindo-lhe aos pés os fragmentos. Se grande era o seu desejo de saber o que continha o cântaro, maior se tornara sua aflição ao perceber que o mesmo se achava completamente vazio.

*

            “-Oh! Não é possível que o venerável Zoreb haja mentido! Não é possível! - exclama, superexcitado. E, pela primeira vez, sentiu o traiçoeiro beijo da cólera. Irritado com a possibilidade de haver sido miseravelmente iludido, agarrou com violência o cântaro quebrado e saiu para a estrada, correndo e gritando, gritando e bracejando, até alcançar a casa de Zoreb. Seu desespero atraíra dezenas, centenas, milhares de pessoas. Arfante e rubro de raiva, Ghazar-bar-Ghazar não respeitou as cãs do patriarca e fomentou o escândalo: “- Fui enganado, irmãos! O meu cântaro estava inteiramente vazio! E os vossos; estarão cheios?!” Aquela multidão pareceu instantaneamente ferida pela dúvida. Cada qual voltou depressa a casa para examinar também o cântaro sagrado.”

*

            Sabedor do que ocorria, Zoreb, cheio de mansidão, mandou diversos emissários ao povo, instando para que ninguém mexesse nos vasos que a longanimidade do Pai permitira a Liriel trazer aos terrícolas. Que confiassem em suas palavras, porque, embora pobres, eram eco longínquo da vontade divina. A infernal algazarra abafava a cordura do bom Zoreb. Milhares de cântaros realizavam no ar extravagantes evoluções e muitos, arremessados por mãos que o ódio fazia tremer, vieram espedaçar-se aos pés do patriarca. Foi quando Zoreb se transfigurou, agigantando-se. Sua voz débil cresceu de intensidade e ele dominou a turba, impondo-lhe silêncio, com um gesto que se revestia de singular majestade! E considerou: “Insensatos! O cântaro contém, efetivamente, a essência da felicidade. Feliz daquele que ainda conserva intacto o seu, porque melhor poderá receber a santa paz do Senhor!”.

*

            Elevando os braços para o céu, assim se manteve longos minutos, como numa prece muda à Divina Potestade. Seu rosto vincado pelos anos se orvalhava de sincero pranto. Era comovente a expectativa, Os exaltados, que haviam quebrado seus cântaros, achavam-se vencidos, tinham o coração torturado pelo arrependimento. Poucos, muito poucos, fruíam a paz interior, apertando contra o peito os cântaros inteiros! Foi a partir desse dia que a desgraça marcou os homens e mulheres que haviam destruído a própria felicidade. Zoreb, sereno qual primaveril manhã, voltou a falar, e sua voz era terna e doce como um hino celestial. “Bem-aventurados os que têm fé inabalável e paciência para esperar! A desordem e as aflições que agora vos infelicitam provêm do mau uso do livre-arbítrio e da perda inestimável da tranquilidade de espírito que se achava dentro dos cântaros que quebrastes.
Essa paz, filhos meus, é que constitui a essência da felicidade, porque sem ela ninguém poderá ser feliz.”

            Após ligeira pausa, prosseguiu: - “Deprequei ao Senhor a graça de mais uma oportunidade para os que, alucinados, destruíram os vasos que lhes dei por determinação de LirieI. E o Senhor, infinitamente bom, infinitamente misericordioso, infinitamente justo, atendeu à minha prece!", Um murmúrio de satisfação e esperança se ouviu no seio da grande massa. – “Bendito seja Deus! Bendito seja Deus!", Zoreb recomeçou a falar: - “O Pai poderia recompor os cântaros, num átimo, mas é preciso que suas Leis se cumpram, letra por letra. Não desespereis. Procurai restaurar os vasos partidos e quem o conseguir obterá a graça de recuperar também a essência perdida. A empresa é difícil, porque os cacos e estilhaços se confundem, Será preciso trabalhar com extrema paciência, inexcedível perseverança e insuperável confiança nos desígnios do Senhor. Não espereis milagres, porque cada qual terá de reaver o cântaro com o próprio esforço. Perseverai, e, quando terminardes a obra, levantai a Deus o pensamento e agradecei - agora sim – o milagre da recuperação! Esse milagre, porém, não será do Pai, mas daquele que, pensando n'Ele, levar a cabo tão redentora missão.” Cruzando os braços sobre o peito, Zoreb baixou a cabeça prateada, e voltou, devagarinho, a penates (família)...

*

            Ainda hoje, a Terra anda cheia de cântaros quebrados. Poucos logram restaurá-los, porque lhes falta fé; muitos abandonam o trabalho, quando as dificuldades crescem e somente pequeno número persiste, a despeito de todas as decepções, no mister fatigante de reunir, um a um, os fragmentos perdidos. E raros são os que, fiéis à lição de Zoreb, ainda guardam no âmago do coração os cântaros inteiro...

            Não é outra a causa das aflições que enchem a vida humana. Qual de nós terá seu cântaro perfeito? Quantos não sentem a alma mergulhar na tristeza, ao se lembrarem de que não mais possuem “tranquilidade de espírito”, porque esta se foi com o cântaro quebrado?.. A vida é uma experiência. Se tudo estivesse definitivamente perdido, onde estaria a justiça do Senhor? Ele, porém, é infinitamente justo e dá aos Espíritos a oportunidade de recomeçar as experiências, o ensejo de recompor os cântaros quebrados... E o grande mérito está em lutar para reparar os ditos pretéritos, em realizar todos os esforços inimagináveis para consertar os vasos destruídos. Lutar e sofrer com coragem e fé, resignadamente, resolutamente, sofrendo todas as dores c decepções sem desfalecimento, para que os cântaros quebrados possam, um dia, ser apresentados ao Senhor, sem os vestígios das velhas fraturas. E, então, Ele recompensará o trabalho e a boa vontade dos vencedores de si mesmos, perfumando--lhes a alma com o divino perfume da felicidade,
oculto nos cântaros santificados pela fé e perseverança no bem!

*

            - Obrigado, Zoreb! Despeço-me agora, porque o tempo passa depressa e desejo começar ainda hoje a recomposição do meu cântaro quebrado...


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Evangelho - Roteiro do Mundo



Evangelho – Roteiro do Mundo
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Setembro 1952

            O aperfeiçoamento progressivo do espírito tem de ser fruto da auto-educação. Sem esforço próprio será impossível a conquista de uma posição moral que dignifique o espírito. É para esse esforço que devemos conclamar a juventude, mostrando-lhe as consequências perniciosas da falta de educação espiritual, sintetizadas nos desvios materialistas que, iludindo os sentidos do homem, corrompem lhe a moral e transformam-no num ser dominado por baixas ambições, acicatado pela insatisfação permanente.

            Os nossos bons e tradicionais costumes familiares vão sendo rapidamente dissolvidos pela influência de hábitos estranhos ao nosso ambiente. Devemos reconhecer corajosamente a grande responsabilidade do poder público nessa obra de desagregação moral e espiritual da família brasilista. A ausência de um serviço superiormente orientado de fiscalização no cinema no rádio, no teatro e na imprensa, tem facilitado a expansão de concertos imoralistas, fortalecido a aquisição de vícios ditos elegantes e estabelecido conceitos incompatíveis com os princípios da moral cristã. A mulher acha naturalíssimo entregar-se ao fumo e ao álcool, ao jogo e às reuniões em que prevalecem as palestras pecaminosas. Dizer mal de outrem, atassalhar a reputação alheia, chafurdar-se em conversações lascivas, é elegante em nossos dias e todas as mulheres que se deixam cegar pelas aparências, procuram esmerar-se nessa pretensa demonstração de traquejo social...

            De maior responsabilidade ainda é o papel que o homem representa neste "mare-magnum" de incompreensões e desejos insatisfeitos. Ele fomenta a deserção do lar e cada vez possui menos autoridade para impor respeito no recesso da família, porque ajuda e estimula as perversões do gosto e dos sentidos, sem revelar a mais mínima compreensão dos deveres paternais e conjugais. Cede e anima a prática de ações que ferem fundamentalmente a organização familial, embora lhe outorgue a ilusória sensação de estar perfeitamente bem com a sua consciência de homem de sociedade. E assim, a pouco e pouco, a família se destrói, porque os pais e as mães não mais possuem o fascínio do lar, da vida proibida e dedicada à educação moral dos filhos. Desta forma, estes se sentem desamparados, sujeitos à influência de pessoas que nenhum interesse podem ter em sujeitá-los à disciplina tradicional da família brasilista. Adquirem hábitos maus e formam sua mentalidade com as mossas inevitáveis em ambientes dessa espécie. Desde cedo são uns "deslocados", porque não sabem como orientar-se, não têm quem os encaminhe, não tardando a apresentar na vida de relação os resultados das deformações morais adquiridas.

            Falta sentimento cristão na sociedade contemporânea. O egoísmo imediatista  domina os homens e as mulheres, fazendo que as gerações surjam maculadas pelos vícios tolerados ou incrementados pelos pais. Não há reação contra o mal, porém submissão ao mal. Não há luta contra os vícios, mas concordância com eles. Por tudo isso, a humanidade sofre e seus sofrimentos crescerão cada vez mais, porque, está no Evangelho do Cristo, "a árvore que produz maus frutos não é boa e a árvore que produz bons frutos não é má; portanto, cada árvore se conhece pelo seu próprio fruto. Não se colhem figos nos espinheiros, nem cachos de uvas nas sarças. O homem de bem tira boas coisas do bom tesouro do seu coração e o mau tira-as más do mau tesouro do seu coração; portanto a boca fala do que está cheio o coração", (Lucas VI, 43-45.)

            Quantas noites inutilmente perdidas na sordidez das casas de jogo clandestino, nos “night-clubs" ou boates, onde, entre goles multiplicados de álcool, os piores pensamentos dominam os cérebros de homens e mulheres, que bem poderiam estar beneficiando o próprio espírito na obra humanitária de socorro aos que sofrem, destinando um pouco do dinheiro assim malbaratado e algumas de suas horas de Jazer à imensa maioria dos que lutam contra as enfermidades, contra o frio e a fome, abandonados em tugúrios infectos ou nas calçadas das ruas.

            Ó humanidade imprevidente! Ó pais e mães sem consciência! Preferis os prazeres fáceis da vida, às lutas sacrificiais que nobilitam o espírito humano! Negais amparo aos que sofrem para entregardes aos exploradores de vícios o dinheiro, nem sempre bem ganho, a saúde do corpo que Deus vos deu e a alma que devíeis purificar no labor quotidiano! Viveis empolgados pelas atrações do Umbral, desprezando a luz que vos faríeis descortinar panoramas espirituais nunca sonhados. Perseguis a falsa felicidade dos prazeres impuros, quando a verdadeira felicidade se encontra nos prazeres altruísticos do espírito! Esquecei-vos da palavra de Jesus, de “que o Céu e a Terra não passarão sem que tudo o que se acha na lei esteja perfeitamente cumprido, enquanto reste um único iota e um único  ponto”. (Mateus  V. 17-18).

            Todos aqueles que têm qualquer parcela de responsabilidade familiar devem meditar um pouco acerca do futuro das gerações que mal começam a ter contato com o mundo terreno. Pensai nas agruras que as esperam, se não houver empenho, luta e sacrifício para orientá-las superiormente. Não se pretende fazer com que os homens de amanhã sejam indivíduos carolas ou sectários mas que aceitem a iluminação do Evangelho para que possam melhormente transpor os obstáculos tremendos que os esperam no segundo milênio, porquanto todas as forças das trevas se congregam para lançar ainda maior confusão no seio da humanidade. O materialismo corrói os sentimentos mais puros do homem e somente há um antídoto contra esse veneno terrível que o século XIX nos legou como herança maldita: o Evangelho do Cristo, roteiro de paz e harmonia, de compreensão e amor, de trabalho fecundo e solidariedade feliz! Só assim será possível exaltar a glória de Deus nas alturas e alcançar a desejada paz entre os homens de boa vontade!

A noite é feita de silêncios



A noite é feita de silêncios
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Agosto 1952

            “Permanecei quietos, amigos, para que a paz que desce sobre vós não se retire, assustada. Permanecei calados para que a vossa personalidade se impregne de silêncio e se dissolva no êxtase da Tranquilidade. Não perturbeis a placidez da noite cheia de doces mistérios e de suaves encantamentos. Elevai o espírito e meditai sobre a sublimidade do Silêncio que fortalece a alma e estimula a ascese. Conversai com o vosso próprio Eu, fruindo o prazer místico do solilóquio. Honrai o Silêncio com a meditação que multiplica a riqueza da paz interior.

*

            Lembrai-vos da recomendação de Maomé: “Amai os pobres!” E respeitai a pobreza. Olhai os humildes com amor ou, pelo menos, com terna simpatia. Procurai compreender que somente o Sentimento situa o valor real do homem. Quem não sabe sentir, não vive superiormente. Tanto mais refinado é o espírito, quanto maior for a sua sensibilidade. Não vos esqueçais disto, quando retornardes ao tumulto da vida comum, depois de haverdes gozado as delícias da noite opulenta de encantos. Guardai a piedade para os que sofrem, o perdão para os que erram e a tolerância para os que ignoram. E amai sempre, amigos, porque o amor é o fundamento da vida universal!

*

            Permanecei quietos, a fim de que o enlevamento destes instantes não se dilua nos ruídos profanos. Conservai-vos mudos para que o Silêncio não se extinga ferido pelas asperezas da linguagem humana. Celebrai pelo espírito as bodas da vossa consciência com uma centelha do Absoluto. Silêncio, amigos. Silêncio... As dores alheias devem ser um pouco vossas. Acudi ao desesperado. Matai nele a sede de Serenidade para que a Esperança o ampare no resto da caminhada. Bem pior que a dor é o Desespero que embriaga as almas aflitas. Silêncio. Olhai o céu de veludo negro, onde rutilam os astros, joias delicadas de mágicos artífices. Vide a Lua iluminada que flutua no imenso oceano da noite imensa, vogando entre as estrelas, flores brilhantes do miraculoso Jardim de Alá!

*

            A noite é feita de silêncios. Erguei o olhar para os céus, onde tudo é paz. Voltei o olhar para a Terra, onde a Natureza repousa, adormecida. Mergulhai ainda mais a alma na meditação, a fim de que possas sentir a presença da Realidade Espiritual. Respeitai a majestade da noite que se escoa e saciai-vos no festim da prece que vos identifica com a Vontade Suprema!

            Antiquíssimos túmulos de Tell-el-Amarna, no Egito, mostram aos séculos esta inscrição: “A Terra está em silêncio, porque Aquele que a criou repousa em seu horizonte!”. É a sabedoria de Alá que se revela nos prodígios do Universo. Graças à Sua misericórdia, podem os homens esclarecidos confraternizar com os Espíritos que transpuseram a fronteira do Desconhecido, buscando os sonhos muIticores do Paraíso. Lá se encontra a luz eterna do Conhecimento. Louvai a onisciência do Criador e tentai realizar a alquimia do Sentimento, transmudando o Orgulho em simplicidade, a Indiferença em Fé, a Arrogância  em Humildade e o Egoísmo em Amor! Bendito seja Alá!

            A noite é feita de silêncio: silêncio da vida que descansa, silêncio da esperança paciente, silêncio das juras do amor inocente, silêncio dos arrependimentos perdoados, silêncio das decepções amargas e sem eco, silêncio das alegrias íntimas que enobrecem a alma, silêncio das tristezas enclausuradas no coração, silêncio das almas frágeis e incompreendidas... Silêncios curtos... Silêncios intermitentes... Silêncios longos... O silêncio dos silêncios, o grande silêncio da morte, que é o silêncio da vida que para hoje para recomeçar amanhã...

            A noite é feita de silêncios...”
                                                                                                  (Transcrição do "Capítulo Branco” de "O Livro de Galaor”.)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Abre a tua janela!



Abre a tua janela!
José Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1952

            Malib amava a filosofia, porque com ela aprendera a compreender e interpretar a vida humana. Não era excessivamente otimista nem excessivamente pessimista porque achava os extremos contrários à sabedoria divina, tomando por base o princípio da harmonia universal. Tudo para Malib estava bem, porque, a seu ver, para todas as coisas havia sempre uma explicação, embora muitas vezes ele não a encontrasse, pois somente Alá possui o dom da onisciência.

*

            Descia Malib, ao entardecer, pelas vielas irregulares de Medina, quando encontrou um homem na pujança dos seus trinta anos, sentado numa esquina, deplorando a sorte ingrata que o ferira e regando seus lamentos com abundantes lágrimas. Malib parou, pôs as mãos à cintura, pensou um instante e em seguida a ele se dirigiu:

            - Que tens, homem, que choras como uma criança?

            - Trabalho, trabalho muito e não posso realizar meus sonhos! ...  Vejo outros que vivem sem sacrifício, pouco fazem e tudo têm...

            - E esperas que essas lágrimas melhorem a tua situação? - perguntou Malib. O homem que para na vida, ou está morto ou está dormindo. Se está morto, para um instante na eternidade para recomeçar a faina no reino de Alá; se está dormindo, dá descanso ao corpo para que possa retomar com mais ânimo sua tarefa. Tu não estás morto, mas dormes e sofres de pesadelo...

*

            O homem tirou as mãos que lhe cobriam o rosto e olhou para Malib, com ar expectante. Teria razão o filósofo? O desconhecido preferiu responder-lhe:

            - Sim, estou dormindo. Para que vieste perturbar-me o sono?

            - Porque não desejo que teu pesadelo se prolongue. Vamos, homem, desperta para a vida! Abre a janela da tua alma e deixa que por ela entre a claridade do entendimento! Respira o ar puro da compreensão sadia para que possas ver e sentir as belezas reais que a vida possui!

*

            O desconhecido, já agora, olhava, perplexo, para Malib. Mas parecia chumbado ao chão, pois não se movia e uma frase que se esboçara em seus lábios ficara paralisada no início. Malib aproveitou o ensejo para prosseguir, veemente:

            - Vamos! Desperta, homem! Não te entregues à indolência espiritual e ao quebrantamento físico, porque o tempo é curto e há longas tarefas a realizar! Aproveita o instante que estás vivendo para que algo dignifique a tua presença neste planeta! Desperta! Desperta para a vida amigo! Abre a janela da tua alma, desencarcera-te das ideias estreitas e constringentes que escurecem e comprimem tua razão! Vamos! Reage e luta! Nunca é vencido aquele que demonstra coragem e ânimo até o último momento. O essencial é saber lutar. Abre a tua janela espiritual e deixa que o ar puro do otimismo racional entre através dela para realizar em ti a graça da purificação mental!

*

            Atingira o auge a estupefação do desconhecido, que olhava, boquiaberto, para Malib. Em volta de ambos aglomeram-se alguns transeuntes, tangidos pela curiosidade. Não sabiam a razão do discurso de Malib, pois viam diante de si um homem acordado, enquanto outro mandava que ele despertasse. Malib percebeu o que se passava e retomou o fio da palavra:

            - Levanta a cabeça, olha as estrelas que começam a luzir no firmamento! Toma-as por fanal, porque são os vagalumes do Jardim de Alá! O homem que tem consciência do seu papel na vida, não perde tempo em remoer desventuras ou em reviver insucessos. Avança resolutamente para a adversidade, encara cada contratempo como um estímulo para o triunfo. Ainda que, para os outros homens, não sejas no sentido vulgar, um triunfador, sê-lo ás para o Todo Poderoso, se persistires na luta sem desânimo, com os olhos voltados para Alá! Não importa que o progresso seja, às vezes, imperceptível. A verdade é que todo homem que persevera numa tarefa digna, é sempre vitorioso! Quando te sentires fatigado repousa o necessário, porque tudo tem seu tempo. A água que perfura a pedra não se apressa. Pode levar séculos na obra de desgaste, até que um dia celebra a vitória da sua tenacidade!

*

            Alguns aplausos secundaram essas palavras do filósofo. Este, com simplicidade simpática, ergueu os braços, como se quisesse denotar que se dirigia, não somente ao desconhecido que motivara o discurso, mas a todos quantos ali se encontravam:

            - Abre os olhos do espírito para que possas enxergar o que os olhos do corpo físico nem sequer vislumbram! Aproxima-te do Bem para que tenhas o Belo a teu lado e verás como o Sol se apresentará com diferente fulgor e as estrelas cintilarão de diversa maneira, mais lindas, tão lindas quanto as sentenças de Maomé! Abre a janela da tua alma e tudo te parecerá melhor. Os gorjeios dos pássaros que brincam nas florestas te repercutirão nos ouvidos como os sons sintonizados de uma orquestra divina! O próprio ruído do vento nas quebradas não mais te assustará, assim como a precipitação das águas nas cascatas será como murmúrios da Natureza-Mãe num segredar de coincidências seculares! Desperta enquanto é tempo! Abre os olhos do espírito para que possas compreender o que os sentidos comuns do ser humano não podem apreender!

*

            Era sepulcral o silêncio. Centenas de olhos fixavam Malib, que perdera, por fim, a noção do lugar em que se encontrava, pois parecia transportado a páramos celestiais. A noite chegara. O céu se mostrava prodigiosamente belo. Luzia o Crescente circundado por estrelas rutilantes. Malib alcançara, por fim, um grande triunfo fazendo despertar aquele homem a quem o desânimo e o desespero pareciam haver ferido profundamente. Então, concluiu:

            - Olha para a Natureza com um sorriso de confiança, festejando nesse sorriso de fé a beleza sem par da criação, porque, afinal, tu, eu, todos nós, os animais, as árvores, as plantas, somos partículas da Natureza, de que fazem parte também a montanha majestosa de cume inacessível, o abismo insondável, o oceano poderoso que se diverte ameaçador, nos corcoveios dos vagalhões gigantescos, o riso simples da criança, o bramido terrível das feras que dominam as selvas! Sim, tudo é Natureza, tudo é Alá, cuja bênção se espraia, generosa, sobre as nessas cabeças! Há majestade no porte do elefante, na atitude do leão, no rastejar do verme, no remígio (vôo) do condor! Há divindade na explosão do raio e no pranto de quem sofre! Aprende, amigo, a ver beleza em tudo, através de pensamentos dignos e elevados, porque em tudo há, a presença de Alá!

*

            O desconhecido ergueu-se, abraçou demoradamente Malib, pronto para partir com ele. Comovido, disse-lhe somente:

            - Nada é maior que Alá e Maomé foi o seu profeta! Todavia, pela tua boca parece ter falado aos meus ouvidos o grande Emir dos Crentes! O que eu não pude fazer, tu fizeste. Agora, bendizendo teu nome, quero gritar para que todos me ouçam nesta noite feliz: 

            - Está aberta a janela da minha alma! Já posso ver, através dela, o caminho iluminado que me espera!

            - Alá seja com todos!