Abre a tua janela!
José
Brígido (Indalício Mendes)
Reformador (FEB) Outubro 1952
Malib amava a filosofia,
porque com ela aprendera a compreender e interpretar a vida humana. Não era
excessivamente otimista nem excessivamente pessimista porque achava os extremos
contrários à sabedoria divina, tomando por base o princípio da harmonia
universal. Tudo para Malib estava bem, porque, a seu ver, para todas as coisas
havia sempre uma explicação, embora muitas vezes ele não a encontrasse, pois somente
Alá possui o dom da onisciência.
*
Descia Malib, ao
entardecer, pelas vielas irregulares de Medina, quando encontrou um homem na
pujança dos seus trinta anos, sentado numa esquina, deplorando a sorte ingrata
que o ferira e regando seus lamentos com abundantes lágrimas. Malib parou, pôs
as mãos à cintura, pensou um instante e em seguida a ele se dirigiu:
- Que tens, homem,
que choras como uma criança?
- Trabalho,
trabalho muito e não posso realizar meus sonhos! ... Vejo outros que vivem sem sacrifício, pouco
fazem e tudo têm...
- E esperas que
essas lágrimas melhorem a tua situação? - perguntou Malib. O homem que para na
vida, ou está morto ou está dormindo. Se está morto, para um instante na eternidade
para recomeçar a faina no reino de Alá; se está dormindo, dá descanso ao corpo
para que possa retomar com mais ânimo sua tarefa. Tu não estás morto, mas
dormes e sofres de pesadelo...
*
O homem tirou as
mãos que lhe cobriam o rosto e olhou para Malib, com ar expectante. Teria razão
o filósofo? O desconhecido preferiu responder-lhe:
- Sim, estou dormindo.
Para que vieste perturbar-me o sono?
- Porque não desejo
que teu pesadelo se prolongue. Vamos, homem, desperta para a vida! Abre a
janela da tua alma e deixa que por ela entre a claridade do entendimento! Respira
o ar puro da compreensão sadia
para que possas ver e sentir as belezas reais que a vida possui!
*
O desconhecido, já
agora, olhava, perplexo, para Malib. Mas parecia chumbado ao chão, pois não se
movia e uma frase que se esboçara em seus lábios ficara paralisada no início.
Malib aproveitou o ensejo para prosseguir, veemente:
- Vamos! Desperta,
homem! Não te entregues à indolência espiritual e ao quebrantamento físico, porque
o tempo é curto e há longas tarefas a realizar! Aproveita o instante que estás
vivendo para que algo dignifique a tua presença neste planeta! Desperta!
Desperta para a vida amigo! Abre a janela da tua alma, desencarcera-te das ideias estreitas e constringentes que escurecem e comprimem tua
razão! Vamos! Reage e luta! Nunca é vencido aquele que demonstra coragem e ânimo
até o último momento. O essencial é saber lutar. Abre a tua janela espiritual e
deixa que o ar puro do otimismo racional entre através dela para realizar em ti
a graça da purificação mental!
*
Atingira o auge a
estupefação do desconhecido, que olhava, boquiaberto, para Malib. Em volta de
ambos aglomeram-se alguns transeuntes, tangidos pela curiosidade. Não sabiam a razão
do discurso de Malib, pois viam diante de si um homem acordado, enquanto outro
mandava que ele despertasse. Malib percebeu o que se passava e retomou o fio da
palavra:
- Levanta a cabeça,
olha as estrelas que começam a luzir no firmamento! Toma-as por fanal, porque são os vagalumes do Jardim de Alá! O homem que tem
consciência do seu papel na vida, não perde tempo em remoer desventuras ou em reviver
insucessos. Avança resolutamente para a adversidade, encara cada contratempo
como um estímulo para o triunfo. Ainda que, para os outros homens, não sejas no
sentido vulgar, um triunfador, sê-lo ás para o Todo Poderoso, se persistires na
luta sem desânimo, com os olhos voltados para Alá! Não importa que o progresso
seja, às vezes, imperceptível. A verdade é que todo homem que persevera numa tarefa
digna, é sempre vitorioso! Quando te sentires fatigado repousa o necessário,
porque tudo tem seu tempo. A água que perfura a pedra não se apressa. Pode levar séculos na obra de desgaste, até que um dia
celebra a vitória da sua tenacidade!
*
Alguns aplausos
secundaram essas palavras do filósofo. Este, com simplicidade simpática, ergueu
os braços, como se quisesse denotar que se dirigia, não somente ao desconhecido
que motivara o discurso, mas a todos quantos ali se encontravam:
- Abre os olhos do
espírito para que possas enxergar o que os olhos do corpo físico nem sequer
vislumbram! Aproxima-te do Bem para que tenhas o Belo a teu lado e verás como o
Sol se apresentará com diferente fulgor e as estrelas cintilarão de diversa
maneira, mais lindas, tão lindas quanto as sentenças de Maomé! Abre a janela da
tua alma e tudo te parecerá melhor. Os gorjeios dos pássaros que brincam nas
florestas te repercutirão nos ouvidos como os sons sintonizados de uma
orquestra divina! O próprio ruído do vento nas quebradas não mais te assustará,
assim como a precipitação das águas nas cascatas será como murmúrios da
Natureza-Mãe num segredar de coincidências seculares! Desperta enquanto é
tempo! Abre os olhos do espírito para que possas compreender o que os sentidos comuns
do ser humano não podem apreender!
*
Era sepulcral o
silêncio. Centenas de olhos fixavam Malib, que perdera, por fim, a noção do
lugar em que se encontrava, pois parecia transportado a páramos celestiais. A
noite chegara. O céu se mostrava prodigiosamente belo. Luzia o Crescente
circundado por estrelas rutilantes. Malib alcançara, por fim, um grande triunfo
fazendo despertar aquele homem a quem o desânimo e o desespero pareciam haver
ferido profundamente. Então, concluiu:
- Olha para a
Natureza com um sorriso de confiança, festejando nesse sorriso de fé a beleza sem
par da criação, porque, afinal, tu, eu, todos nós, os animais, as árvores, as
plantas, somos partículas da Natureza, de que fazem parte também a montanha majestosa
de cume inacessível, o abismo insondável, o oceano poderoso que se diverte
ameaçador, nos corcoveios dos vagalhões gigantescos, o riso simples da criança,
o bramido terrível das feras que dominam as selvas! Sim, tudo é Natureza, tudo é Alá, cuja bênção se espraia, generosa, sobre as nessas cabeças! Há majestade
no porte do elefante, na atitude do leão, no rastejar do verme, no remígio (vôo) do condor! Há divindade na explosão do raio e no pranto de quem
sofre! Aprende, amigo, a ver beleza em tudo, através de pensamentos dignos e
elevados, porque em tudo há, a presença de Alá!
*
O desconhecido
ergueu-se, abraçou demoradamente Malib, pronto para partir com ele. Comovido,
disse-lhe somente:
- Nada é maior que
Alá e Maomé foi o seu profeta! Todavia, pela tua boca parece ter falado aos meus ouvidos o grande Emir dos Crentes! O que eu não pude
fazer, tu fizeste. Agora, bendizendo teu nome, quero gritar para que todos me ouçam
nesta noite feliz:
- Está aberta a
janela da minha alma! Já posso ver, através dela, o caminho iluminado que me
espera!
- Alá seja com
todos!
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