Espiritismo e Religião
Vinícius (Pedro de Camargo)
Reformador (FEB) Novembro 1952
Já
era tempo de constituir matéria pacífica na Doutrina dos Espíritos, o seu
aspecto religioso.
Como,
porém, ainda suscita, dúvida, vindo esse assunto à baila, dentro e fora do
campo espírita, procuraremos demonstrar o desacerto que pretendem considerar o
Espiritismo tão somente como Ciência, tomando esta expressão no sentido em que
os homens a concebem e empregam.
Comecemos
por definir o que é, em realidade, Religião.
No
excelente léxico, de autoria de Maurice Lachatre, encontramos a seguinte
explicação: Religião - do latim religio,
religare - laço que une os homens a
Deus, e, consequentemente, une os homens entre si, sentimento profundo do liame
íntimo que existe entre o homem e Deus; entre Deus e a criação, entre a
criatura e o Criador, etc.
Pondo
de parte o cultualismo aparatoso e espetacular, cujo objetivo é impressionar os
sentidos das massas, a essência, a alma da religião está perfeitamente definida
no tópico acima transcrito.
Ora,
religar o homem a Deus, ou seja, a criatura ao Criador, importa em promover e
acoroçoar o seu aperfeiçoamento contínuo, a sua ininterrupta espiritualização.
Sendo
Deus a suprema perfeição, e ressentindo-se o homem de muitos senões, será, por certo,
reduzindo estes progressivamente, que ele consumara aquele objetivo, que
encerra, aliás, a finalidade da Religião.
Vejamos
se o Espiritismo colima, ou não, o mesmo propósito.
Analisemos,
embora perfunctoriamente, as obras fundamentais da Doutrina. Quais são elas? “O Livro dos Espíritos”, em primeiro lugar.
Antes de nos reportarmos às outras, perguntamos: o próprio título desse
excelente manancial de luz não é incompatível com a ciência terrena, consoante as
bases materialistas em que a mesma se assenta? Outrossim, tratando-se de matéria revelada do
Além, como dar-lhe cunho exclusivamente científico, quando a ciência dos homens
não admite o fenômeno da revelação, nem tão pouco a realidade do outro plano da
Vida? Já, por isso, exclamava Jesus: Graças vos dou, Pai Celestial, porque
revelas as tuas coisas aos simples e pequeninos e as ocultas dos prudentes e dos
sábios.
Passando
do título, examinemos o conteúdo da maravilhosa doutrina ditada pelos Espíritos,
da qual Kardec foi o compilador honesto e criterioso. O seu Capítulo I encerra os
seguintes assuntos: De Deus. Deus e o Infinito. Provas da existência de Deus.
Atributos da Divindade. Panteísmo.
O
Capítulo II reporta-se às - Penas e Gozos Futuros. Nada. Vida Futura.
Intervenção de Deus nas penas e recompensas. Natureza das Penas e dos Gozos
Futuros. Penas temporárias. Expiação e Arrependimento. Ressurreição, Paraíso,
Inferno e Purgatório.
Para
não nos alongarmos, contentemo-nos com os textos citados, e indaguemos: Quando
e onde a ciência mundana cogitou dos assuntos supra –referidos? Tais temas são,
ou não, característica genuinamente religiosas? Quanto às demais produções
Kardecistas, que diremos das denominadas: - “O Livro dos Médiuns”, - "O Evangelho segundo o Espiritismo”, - “O
Céu e o Inferno ou a Justiça Divina”, e mesmo - “A Gênese”?
Não
nos consta que a ciência circunscrita às plagas deste orbe se interessasse
pelos problemas do Futuro, do Destino, da Justiça Distributiva e da Lei de Causalidade
na esfera
Moral.
Semelhantes
proposições não constituem objeto de laboratório, de microscópio e de bisturi, escapando,
portanto, às indagações e às pesquisas da ciência materialista.
Nada
abafante, o insigne pensador e filósofo russo, Leon Tolstói, assim se
manifestou a propósito: “O homem racional não pode viver sem religião! Porque
homem racional? Não seria dispensável o qualificativo, uma que todos os homens
fazem uso da razão? A nosso ver, Tolstoi põe em relevo, destacando o verdadeiro
marco que nos separa da família zoológica.
0s
animais, satisfazendo-se com a vida do instinto, são imediatistas,
desinteressando-se completamente pelo passado e pelo futuro. Importa-lhes,
apenas, o presente, o dia, o momento em que se encontram.
O
que se faz necessário, nesta época de transição, por isso confusa e caótica, é
modificar o conceito errôneo que geralmente se faz de Religião, pois é
precisamente desse fator de evolução moral que carece a humanidade
contemporânea.
A
moral e a ética espíritas são as mesmas da escola cristã, segundo afirma Kardec
através dos magníficos comentários aduzidos em torno dos textos escriturísticos
de que sua compõe sua excelente produção, intitulada "O Evangelho Segundo
o Espiritismo”). É digno de registro, ser essa obra, dentre suas congêneres, a
que maior número de edições tem alcançado, atendendo aos reclamos dos famintos
de justiça e consolação, de luz e esperança em melhores dias.
A
concepção religiosa encarnada pelo Divino Mestre ressalta, em toda a sua
existência, a seguinte instrução que ministrou à Samaritana, a respeito do modo
como render culto à Divindade: A hora vem e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; pois o Pai procura os que assim
o adorem. Deus é Espírito, portanto, importa que os que o adoram o façam em
espírito e em verdade.
Não
é possível maior clareza na elucidação do magno assunto.
João
Batista, o precursor, via pelo mesmo prisma a maneira de estabelecer relações
do homem com Deus. Interpelado pelo povo acerca da Doutrina Messiânica,
respondeu: Quem tiver duas túnicas, dê
uma a quem não tem; e aqueles que dispõem de pão em abundância, façam o mesmo.
A
moralidade desse programa tão simples quanto eloquente, está no sentimento de solidariedade
e cooperação, único processo de resolver o problema econômico, que vem, através
dos séculos, convulsionando a Humanidade.
Tiago,
o apóstolo, a seu turno, adotava o mesmo critério, consoante verificamos desta
sábia enunciarão: A religião pura e imaculada diante de Deu, nosso Pai, é esta:
Assistir os órfãos e as viúvas em suas
aflições, e guardar-se a si mesmo isento da corrupção do mundo.
Paulo
de Tarso afinava-se por idêntico diapasão, como prova o presente apelo,
dirigido aos romanos: Rogo-vos, pois, irmãos, por compaixão, que apresenteis os
vossos corpos como um sacrifício, santo, e agradável a Deus, pois em tal importa
o culto racional. E não vos conformeis com
este século mas transformai-vos, começando pela renovação da vossa mente, para
que experimenteis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
À
ciência terrena devemos muitos benefícios, fazendo, por isso, jus à nossa
gratidão.
-
Notemos,
porém, que no decorrer dos tempos, aqueles mesmos favores, que ela nos proporciona,
degeneram em forças negativas, destruindo o que havia edificado. É o fruto natural
e inevitável do materialismo em que se inspira a ciência sem Deus. Ela acaba de
nos dar, ultimamente, as formidáveis energias liberadas do átomo, fazendo surgir,
de tão maravilhosa descoberta, a bomba atômica, essa nova espada de Dâmocles suspensa
sobre a cabeça da Humanidade, que, aflita e apavorada, sem norte e sem rumo, debate-se
na perspectiva de uma terceira conflagração cujas consequências devastadoras
são imprevisíveis.
Não
nos basta, portanto, a cultura do cérebro, precisamos também a do coração, que
é a cultura do belo, do justo e do verdadeiro.
Os
homens destituídos do senso de dignidade, das noções do dever e da responsabilidade,
descambam para o abismo, a suprema ruína que a sua ciência não soube prever, e,
agora, não pode evitar.
César,
diz com muita propriedade Fulton Sheen, construiu estradas para levar ao mundo,
em triunfo, as águias de Roma; mas por essas estradas passaram Pedro e Paulo
divulgando o Evangelho. Assim, também o fim deste nosso século verá cientistas
e filósofos catando, nos cestos de papéis usados das suas universidades, as Verdades
Sagradas e Divinas que os séculos XVIII e XIX atiraram fora.
*
A
função precípua da Doutrina dos Espíritos - que são as virtudes do céu - é
promover a evolução integral do homem, mediante o processo natural de sua
auto-educação, tal como se deduz do sugestivo “slogan” do Excelso Educador: Sede perfeitos, como vosso Pai celestial é
perfeito.
Tirar,
pois, do Espiritismo, esse objetivo, é reduzi-lo a um corpo decapitado.
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