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sábado, 11 de dezembro de 2021

O Espiritismo e as conclusões de Lombroso

 Cesare Lombroso


O Espiritismo e as Conclusões de Lombroso - I

por Michaelus (Miguel Timponi)

Reformador (FEB) Novembro 1944

             Pobre humanidade! Tão descrente, tão fraca, tão orgulhosa, debate-se entre os dois extremos, a vida e a morte, tateando, apalpando as balizas do caminho, em meio à dúvida à incerteza e ao mistério.

             Filósofos, homens de ciência, escritores e intelectuais, curvados sôbre o livro da vida, sem desviarem um momento o seu ponto visual, imobilizados dentro das seculares muralhas do preconceito e da infalibilidade, só encontram, veem, observam, dissecam, analisam e discutem a matéria tangivel, ou tudo que lhes afeta os sentidos, erigindo princípios e articulando postulados.

             Diante, porém, do empolgante e grandioso espetáculo da Natureza, em que tudo é movimento, força, vibração, calor, luz, eletricidade, magnetismo; em que tudo se coordena com a maior precisão, desde o infinitamente pequeno ao infinitamente grande; em que fenômenos insólitos e inexplicados surgem, a cada passo, derrogando princípios que pareciam axiomáticos e incontrastáveis - os sábios da Terra sentem, mas temem confessá-Io, que há algo de superior que à sua ciência ainda não foi dado desvendar.

             Agitam-se intensamente as células cerebrais, queima-se fósforo nesse laboratório admirável, em que o pensamento surge e exterioriza-se em vibrações, movimento e fôrça, mas nada resulta para eles de certo, de positivo. Debatem-se os sábios nessa angústia, torturam o seu espírito com as conjecturas e as hipóteses do sobrenatural e do misterioso; arquitetam novos princípios e novas teorias, mas nada surge que possa passar incólume pelo crivo da razão e da lógica.

             Falta-lhes a fé, falta-lhes a humildade, que é o reconhecimento de que nada sabem; falta-lhes a percepção de Deus, falta-lhes abandonar a estrada das grandezas materiais, onde pontificam a vaidade e as glórias mundanas, e seguir o caminho íngreme, árduo, eriçado de dificuldades e tropeços, mas que conduz às altas claridades do Eterno e do Absoluto.

             O telescópio e o microscópio não veem Deus, porque somente a fé o alcança e o concebe.

             De quando em quando, porém, eis que surge do seio da Ciência um dêsses espíritos insaciados, que não se resignam com as fórmulas máximas abundantes de palavras, mas ocas de substância, e se atiram às pesquisas em busca de explicações mais reais, mais seguras, menos confusas e menos arbitrárias, e de que possa emergír o princípio ou a causa das coisas.

             Então, prosternados, humilhados, diminuídos em seu orgulho científico, sentem que há um princípio superior, inteligente, dominante, sem o qual não se poderia conceber a origem dos mundos. E a luz, a príncípío, como um ponto tênue e longínquo, e depois aos jorros, inunda esses espíritos, coroando-lhes o esforço e a tenacidade, abríndo-lhes de par em par as portas desse templo majestoso donde se descortina a eternidade de um Deus único, autor de todas as coisas, e causa de todaa as causas.

             Unem-se a Fé e a Ciência, e, de mãos dadas, seguem por essa esteira luminosa a proclamar a existência dessa verdade primária e a dizer com Gabriel Delanne: - “O Deus que compreendemos é a infinita grandeza, o infinito poder, a infinita bondade, a infinita justiça! É a iniciativa criadora por excelência, a fôrça incalculável, a harmonia universal! Paira acima da criação, envolve-a com a sua vontade, penetra-a com a sua razão, é por êle que os universos se formam, que as massas celestes rolam seus esplendores nas profundezas do vácuo, que os planetas gravitam nos espaços, formando radiantes auréolas em torno do Sol. Deus é a vida imensa, eterna, indefinível.”

             A Ciência indaga, pesquisa e, afinal, deduz que não se confundem matéria e espírito e que este é imortal e perfectível. A Fé, que vai buscar a sua inspiração no drama do Gólgota, fortalece a Ciência,  traça-lhe o âmbito de ação e supre-lhe as deficiências.

             Mas aí! Suprema decepção! Amarga aventura! Aquele que se agiganta em prosseguir nesse caminho, proclamando a existência de um mundo Invisivel formado pelos Espíritos que deixaram o seu invólucro material, mundo que se comunica com os vivos, que se agita com os mesmos erros e as mesmas paixões da Humanidade terrena, é capaz de produzir fenômenos estranhos - corre o risco de ser apontado como charlatão ou como louco.


 
             Essa é a história de todos os homens de ciência que se atreveram a estudar os fenômenos espíritas.

             Cesare Lombroso, o grande professor de Psiquiatria e Medicina Legal na Universidade de Turim e, a princípio, um dos mais ferrenhos opositores do Espiritismo, não escapou a essa regra geral. Espírito de escol, autor de uma teoria penal sobre o homem delinquente, combatente intrépido no campo da antropologia criminal, habituara-se a êsse alvoroço da crítica . tendenciosa e esneculatíva, que jamais conseguiu abater-lhe o ânimo.

            A vida dos grandes pensadores modernos, disse Viveiros de Castro, referindo-se a Lombroso, tem alguma coisa de pungentemente doloroso e triste. É a maneira por que o público acolhe seus livros, resultado de tanto tempo consumido em longo estudo e profundas cogitações. No começo é uma gritaria infernal contra o ímpio que se atreve a combater idéias que a tradição consagra e os sábios aceitam e defendem, insultos e ridículos chovem sobre a cabeça do desgraçado, considerado um louco ou um bobo, digno do hospício ou da forca. Mas depois que essas idéias, após uma luta titânica, desesperada, conseguem impor-se pela força irresistivel da verdade, qualquer tipo ousa dizer as maiores sandices em nome do sábio, cujas obras nunca leu, cujas opiniões desconhece completamente. Só muito tarde é que a justiça se faz completa, e isto quando o sábio descansa no túmulo ou tem o espírito desiludido e amargurado. A essa sorte triste, quase fatal, dos pensadores modernos, não escapou o eminente sábio, cujas descobertas geniais criaram a moderna antropologia criminal.


 

O Espiritismo e as Conclusões de Lombroso - 2

por Michaelus (Miguel Timponi)

Reformador (FEB) Dezembro 1944

 

            Diversa não lhe foi a recepção quando, ao cabo de longas, tenazes e árduas experiências, relegando a sua oposição ao Espiritismo, enfileirando-se entre os sábios que estudaram o assunto, resolveu publicar o seu livro – “Pesquisas sobre os fenômenos hipnóticos e espíritas”.

             No prefácio dessa obra, Lombroso nos dá conta de como foi tratado: “Quando ao termo de uma carreira rica, senão de vitórias, pelo menos de tremendas batalhas, em favor das novas correntes do pensamento humano na psiquiatria e na antropologia criminal, iniciei as pesquisas e depois a publicação de um livro sobre os fenômenos ditos espíritas, de todos os lados surgiram a gritar-me, mesmo os amigos mais caros: - quereís destruir um nome honrado, uma carreira que, depois de tantas lutas, chega finalmente a sua meta, com uma doutrina que todo o mundo não só repudia, mas, o que é pior, despreza e considera ridícula."

             Sem embargo dessa atoarda, a mesma que persegue a todos quantos despertam um dia e recebem os radiantes alvores de uma nova verdade -o que somente surge após ingentes e perseverantes esforços, Lombroso prossegue corajosamente e exprime a sua determinação com estas palavras: - “Pois bem: tudo isso não me fez hesitar um só instante em continuar no caminho iniciado. Senti-me, ao contrário, mais deliberadamente impulsionado para a frente, porque me parecia uma fatalidade coroar uma vida consagrada às pesquisas de novas idéias, combatendo pela idéia mais combatida e talvez mais escarnecida do século. Parecia-me, também, um dever encontrar-me, até o último dos meus já contados dias, precisamente lá onde mais eriçados surgem os obstáculos e mais enfurecidos são os adversários.”

             Bela profissão de fé! Empolgante e comovedora deliberação de um velho e afadigado lutador, mas que, com espírito jovem, caminhou para o sacrifício, tendo a alentar-lhe os passos a esperança de encontrar, já no fim da estrada, onde suas fôrças estariam, talvez, esgotadas, a verdade que procurou durante tôda uma vida!

             E ei-Io novamente a reafirmar: - “se sempre nutri uma grande paixão pela minha bandeira científica, tive outra ainda mais ardente: a adoração da verdade, a constatação do fato.”

             Para a causa espírita a opinião de Lombroso era tanto mais insuspeita quanto é certo que era ele um dos seus opositores mais cultos, tendo somente concordado em ocupar-se do exame e estudo da questão depois que, em fins de março de 1891, num hotel de Nápoles. em pleno dia, estando a sós com a célebre médium Eusápia Paladino, viu objetos pesadíssimos que se erguiam do solo sem qualquer contato.

             Entregou-se, então, seriamente, às experiências com essa médium, as quais, segundo afirma, para que pudessem ser minuciosamente descritas exigiriam um enorme volume. Por isso, em seu livro, "Ricerche sui Fenomeni Ipnotici e Espiritici", expõe somente aquelas que foram igualmente assistidas por Aksakof, Richet, Giorgio Finzi, Ermacora, Brofferio, Gerosa, Schiaparelli e Du-Prel, precedidas sempre das precauções mais indícadas, como sejam: examinar a médium, mudar-lhe as vestes, ligar e manter seguros os pés e as mãos, controlar a luz elétrica de maneira a poder usá-Ia, ligando-a ou desligando-a à vontade.

             Os fenômenos observados e examinados foram os seguintes: levantamento parcial e completo de mesas, medida da força aplicada ao soerguimento lateral; variações da pressão exercida por todo o corpo do médium sôbre uma cadeira; aparições de mãos sob fundo ligeiramente iluminado; elevação e transporte da médium para cima de uma mesa com a cadeira em que se encontrava sentada; diversos contatos, inclusive com uma face humana; som de trombeta, etc., etc.

             Ultrapassaria de muito o objetivo deste artigo transcrever o relato analítico que faz Lombroso sôbre cada um dos fenômenos observados. O que nos interessa, neste momento, é a transcrição textual das suas conclusões:

             “Assim, pois, diz ele, todos os fenômenos maravilhosos que havíamos observado na obscuridade completa ou quase completa, nós o obtivemos, afinal, à luz, sem nunca perder de vista a médium, sequer por um instante. Por isso, a sessão de 6 de outubro foi para nós a constatação evidente e absoluta da justeza das nossas impressões anteriores obtidas na obscuridade; foi a prova incontrastável de que para explicar os fenômenos da completa obscuridade, não havia mister supor uma fraude da médium, nem uma ilusão de nossa parte; foi a prova de que  esses fenômenos podem resultar das mesmas causas que os produzem quando o médium é visível por meio de uma luz suficiente, tornando

possível observar-lhe a posição e os movimentos. Ao tornar público este breve e incompleto relato das nossas experiências, devemos ainda exprimir as nossas seguintes conclusões:

 “1º) - Que, nas circunstâncias dadas, nenhum dos fenômenos, obtidos à luz mais ou menos intensa, teria podido ser produto de um artifício qualquer;

 2º) - Que a mesma convicção pode ser afirmada em relação à maior parte dos fenômenos obtidos em obscuridade completa. Em relação a certa parte desses últimos, poderíamos bem reconhecer, in massima, a possibilidade de imitá-Ios por meio de qualquer hábil artifício do médium. Todavia, depois do que acabamos de dizer, é evidente que essa hipótese seria, não somente improvável, mas também inútil em, nosso caso, porque, mesmo com o admití-Ia, o conjunto dos fatos assegurados com precisão não estaria comprometido."

             Essas conclusões não poderiam ser mais claras, mais positivas, mais honestas e mais verdadeiras partindo, como partiram, de um sábio que havia duramente escarnecido dos espíritos das mesinhas... e das cadeiras (io, che avevo deriso per tanti anni gli spiriti dei tavolini... e delle sedia!).

             Magnífica lição, maravilhoso exemplo, que, infelizmente, não encontram ardorosos imitadores entre os sábios e os fil6sofos, apaixonados sonhadores, enamorados das gloríolas terrenas, os quais têm os olhos fitos nos umbrais das academias oficiais, onde a ciência orgulhosa decreta inapelavelmente os princípios da sua infalibilidade, negando a Deus, glorificado nas alturas, e negando a paz aos homens de boa vontade.

             O sábio professor da Faculdade de Turim, buscando a verdade, em meio à hostilidade dos seus contemporâneos, provou sobejamente que não era doutor em Israel.



 


sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

À face da crítica

 

À face da critica

A Redação   Reformador (FEB) 16 de Janeiro de 1930

             Muitos são, de fato, os inimigos e contraditores da doutrina dos Espíritos.

            Não há, nisto, novidade maior, de vez que todas as doutrinas de qualquer tempo, encontram acérrimos opositores.

            E, quanto maiores e melhores forem os princípios novos a proclamar, tanto mais acérrimos serão os embates, discrimes (aquilo que separa) e controvérsias a vencer.

            O Espiritismo, que não é, essencialmente considerado, uma doutrina nova, a não ser na generalização do seu conhecimento e na prática dos seus processos e rendimentos, não poderá subtrair-se à lei de hostilidade necessária à sua evolução e definitivo triunfo.  Teremos assim, que no plano ideal, como no plano físico, a luta é condição intrínseca da própria vida. A passividade incondicional propendendo para a inércia, é a necrose da energia, é a própria morte.

            Logicamente, ninguém se preocupa com inimigos desvaliosos; nem se atiram pedras a árvores que não dão frutos.

            Ora, a doutrina espírita, por isso mesmo que fecunda de frutos opimos (abundantes), do ponto de vista individual como coletivo; por isso mesmo que afeta uma reforma profunda de hábitos e costumes, públicos e privados; a ferir, para erradicar, ideias e preconceitos embasados em tradições seculares, tem, e não poderia deixar de ter, inimigos pertinazes e pervicazes (obstinados), em todas as classes sociais.

            Sob um tal prisma, não há lamentar e sim exaltar com a crítica e sim exultar com a crítica insidiosas que nos movem os elementos antes suspeitos por interessados no desprestígio da causa, do que conscientes convictos de sua maleficência.

            Nesse jogo de paixões pouco nobres, sem dúvida, só podem iludir se os espíritos superficiais, os incultos, os que vêm, leem e pensam de conta alheia.

            Os que, porém, se não ajustam nem medem o raciocínio pelas bastilhas de tradições consagradas, sejam elas de ordem religiosa ou científica, esses, os que sabem e sentem que a Verdade não tem bonzos (sacerdotes ou homens místicos) invulneráveis nem códices definitivos no tempo e no espaço, não se deixam impressionar e menos açaimar (calar) por tais processos de reprimenda, virtualmente incompatíveis com a cultura filosófica do nosso tempo.

            Ao invés de nos alarmarmos ou nos agastarmos com essa critica mais interesseira que sincera, mais violenta que racional, devêramos todos nós torná-la como estímulo providencial e necessário ao revigoramento das próprias energias, para aumentar o patrimônio teórico e ampliar o campo experimental da prática doutrinaria.

            Em vez de polêmicas e retaliações estéreis e irritantes, doutrinamentos elevados, com vistas a equação de tantos de nossos problemas sociais e mesmo políticos, que encontram na ética doutrinária senão imediata e radical solução, ao menos atenuantes e perspectivas capazes de melhorar fatores e premissas.

            Em vez de círculos concêntricos a pivotarem (mudarem radicalmente) em esferas limitadas, de interesses pessoais e familiares; a vegetarem na sombra indecisa dos ambientes convencionais, uma organização menos passível de reflexos pessoais com programas definidos e moldados nas mais severas normas aconselhadas pelos Espíritos elevados, que são, de direito e de fato, os vexilários (porta-bandeiras) da causa.

            Não podemos nem devemos estagnar só por só na repetição de argumentos, a revidar libelos estafados e sediços (cediços – os que não deixam margem a dúvidas), fazendo o jogo mesmo dos trivialíssimos adversários em sua política de campanário (politicagem).

            Eles, esses adversários, não se renderiam com palavras, nem mesmo com fatos. Diante deles, a nossa atitude outra não pode ser, que a do sábio Gamaliel diante dos colegas doutos ao tratar dos Apóstolos e da doutrina d'O Cristo. Ou a doutrina era verdadeira e nada lhe deteria a consagração no tribunal da consciência, ou era falsa a doutrina e cairia por si mesma.

            O Espiritismo é a doutrina d'O Cristo, prometida para os tempos hodiernos (tempos atuais) e servida por esses mesmos Apóstolos, do alto daqueles simbólicos doze tronos de que nos falam os Evangelhos.

            São eles, esses Apóstolos, que nos enviam os seus arautos com aquelas verdades, aquelas muitas outras coisas que o Senhor tinha a dizer e não disse, por faltar à humanidade a madureza de compreensão.

            Essa madureza não se improvisou durante vinte séculos, porque ela é o fruto da experiência iterativa (repetida, reiterada) e dolorosa de muitas etapas de exílio para as gerações de uma só e sempre a mesma humanidade.

            Ainda hoje, em que pesem os progressos realizados, a ascensão de nível global para a compreensão das coisas do céu, muita gente reluta, repele e hostiliza estas verdades.

            Mas, que importa? Não temos nós visto o surto da doutrina em pouco mais de meio século?

            Não temos visto fariseus e saduceus convertidos e penitentes de todos os dias? Saulos, os haverá sempre, porque aberta está sempre a “Estrada de Damasco”. Somente a cada qual se assigna a hora que ninguém poderá precipitar de um segundo.

            As críticas de um Lombroso, muito mais que as estultícias (bobagens) de um cura de aldeia deveriam impressionar os bisonhos prosélitos espiritistas.

            Mas Lombroso um dia se converteu e se retratou.

            Citando um, poderíamos citar dez, cem, mil casos idênticos.

            Certo, os magnatas da Igreja, detentores de privilégios e regalos que os Apóstolos não possuíam e de que o grande Paulo se destituiu para melhor servir ao Senhor, dificilmente imitarão Lombroso; mas a nós que conhecemos a lei das reencarnações, não nos deve preocupar essa campanha, senão na parte em que ela nos pode aproveitar e que vem a ser: a correção dos nossos atos no que possam conter de legitimamente censuráveis para a sua crítica, e a piedade para essa mesma crítica no que ela traduza, em consciência, de injustiça e má fé.

            Proceder de outro modo seria perder um tempo inútil e precioso. Inútil porque lhes não modificaríamos o ânimo, e precioso porque necessário à edificação de nós mesmos.


terça-feira, 25 de março de 2014

Por que me fiz espírita


Porque me fiz Espírita

César Lombroso
Reformador (FEB) Novembro 1945

             Até o ano de 1890, não teve o Espiritualismo adversário mais tenaz e obstinado do que eu. Minha resposta invariável, aos que me incitavam a ocupar-me do estudo dos chamados fenômenos espíritas! era que falar dos Espíritos, das mesas e cadeiras que se movem, era o cúmulo do absurdo; que toda manifestação de força sem matéria ou de função sem órgão não podia ser tomada a sério.

            A maior parte de minha vida até agora tem sido consagrada às doutrinas positivistas; à demonstração do fato de que o pensamento é uma emanação direta do cérebro, e que as manifestações do gênio, como as do crime, têm sua origem nas anormalidades físicas - pelo desenvolvimento excessivo de certas deficiências correspondentes, ou uma suspensão do desenvolvimento ordinário, como o expliquei em minhas obras ‘O homem de gênio’, ‘O homem criminoso’, ‘O homem branco e o homem de cor’.

            Eu tinha chegado a esse período da vida em que todos recusamos admitir alguma coisa nova, mesmo quando sua evidência pareça irrecusável. Não tenho dúvida em convir também que os longos anos passados a lutar contra os adversários de minhas teorias sobre a origem do crime, tinham esgotado minhas faculdades de combatividade, e que a energia que me restava queria eu empregá-la em defender as minhas ideias sobre os problemas a cuja solução havia consagrado os meus melhores anos. Em uma palavra, não queria dar o primeiro passo num caminho que podia levar-me a novos campos de batalha.

            Pondo de parte estas razões, nada me podia ser mais desagradável que empreender investigações sobre fenômenos para cujo estudo todos os instrumentos de precisão e os métodos experimentais empregados geralmente não tinham aplicação, fenômenos que não era possível observar completa e diretamente, pois que se produziam no escuro. Tudo quanto pudesse unicamente examinar-se de um modo tão pouco exato, não me parecia objeto digno de estudo.

            Nessa mesma época (em 1892, para maior certeza) encontrei na minha clínica médica um dos casos mais extraordinários que me fora dado observar.

            Fui chamado para atender à filha de um homem que ocupava alta posição na cidade. A menina, que então passava por um período crítico da vida, tinha sido repentinamente atacada de histerismo violento, acompanhado de sintomas, cuja explicação não podia ser dada nem pela Fisiologia nem pela Patologia.

            Às vezes, por exemplo, perdia completamente a faculdade da visão, pelo menos no que se referia aos olhos! Mesmo quando se lhe vendavam completamente, podia ler algumas linhas de uma página que se lhe apresentasse diante da orelha.

            Se se dirigiam os raios do Sol, por meio de uma lente, sobre esse ponto, ficava tão deslumbrada como se a luz tivesse sido dirigida sobre os olhos: protestava energicamente, dizendo que queriam cegá-la!

            Mais tarde o sentido do gosto foi transportado aos joelhos, e o olfato aos dedos dos pés. Apresentava também fenômenos telepáticos e premonitórios extremamente curiosos. Assim, podia ver seu irmão entrando num Music-Hall, a um quilômetro de distância; e apesar de nunca ter visto semelhante espetáculo, descrevia com precisão os trajes das bailarinas. Quando seu pai voltava de seus quefazeres para casa, conquanto estivesse ela em uma habitação cujas janelas se achavam fechadas, sentia sempre que ele se aproximava, embora viesse ainda a uns centenares de metros.

            Anunciava com segurança matemática o que ia acontecer-lhe. Assim, uma vez declarou que justamente quinze dias depois, às nove horas, perderia completamente a faculdade de andar - o que sucedeu no momento preciso.

            Noutra ocasião disse: Ao meio-dia, daqui a um mês e três dias, vou experimentar irresistível desejo de morder. Conservei-a então em constante observação, procurando distrair-lhe a atenção com todos os subterfúgios possíveis. A meu pedido pararam-se todos os relógios da casa, para que ela ficasse na mais absoluta ignorância do tempo. Apesar de todas essas precauções, no dia e na hora anunciada ela teve um impulso de morder, que não se pode acalmar senão depois de ter rasgado com os dentes vários quilos de papel de jornais, cujos fragmentos encheram a casa.

            Declarava que a sua paralisia não poderia ser curada senão pela aplicação do alumínio. Foi em vão que procuramos enganá-la, empregando outros metais mais ou menos parecidos com o alumínio. Ela conhecia imediatamente a substituição. Quando finalmente empregamos o metal indicado, desconhecido da imensa maioria dos habitantes da cidade, e seguramente da menina, ela se sentiu melhor.          

            Fatos dessa ordem, apesar de não serem novos, pois há muito os observaram e publicaram Petetin, Frank e outros, me pareceram pelo menos muito singulares.

            Em vão trabalhava o meu cérebro para encontrar alguma explicação plausível; vi-me obrigado a admitir que se lhes não podia aplicar nenhuma teoria fisiológica ou patológica. 

            A única coisa que eu via era que a histeria de que essa menina estava afetada, a sua neurastenia, dava lugar a que se manifestassem algumas novas e particulares faculdades que sofriam as funções ordinárias, dos sentidos; e então me ocorreu que só o Espiritismo poderia explicar esses fatos.

            Poucos anos depois, achando-me em Nápoles, com o propósito de visitar os manicômios, encontrei-me casualmente com alguns dos admiradores de Eusápia Paladino, particularmente o Sr. Chiaia, que me convidou a realizar algumas experiências com essa médium.

            Como tinha feito anteriormente, recusei prestar-me a qualquer experiência feita na obscuridade, ou em sessões públicas, e me disseram que eu poderia fazer o que desejava, no quarto que eu ocupava no hotel e à luz do dia. Aceitei a proposta, pois as anomalias que atrás mencionei me tinham profundamente impressionado.

            Quando vi, em plena luz, levantar-se uma mesa do solo - estando eu e Eusápia sós no compartimento - e uma pequena trombeta voar como uma flecha, da cama para a mesa e da mesa para a cama, o meu cepticismo recebeu um choque, e eu quis fazer novas experiências de outra natureza, no mesmo hotel, com três de meus colegas.

            Na sessão seguinte fui testemunha do habitual transporte de objetos, e ouvi as pancadas ou chamadas; mas o que mais me impressionou foi uma cortina, em frente da alcova, subitamente despregada, dirigir-se para mim e enrolar se me no corpo, apesar de meus esforços, sendo-me precisos alguns segundos para desvencilhar-me. Parecia exatamente uma delgadíssima folha de chumbo.

            Outra experiência que me impressionou muito foi a de um prato cheio de farinha, que se virou sem entornar-se o conteúdo. E quando colocado na posição primitiva, a farinha, que estava perfeitamente seca, se tinha transformado em uma espécie de gelatina, e nesse estado permaneceu durante um quarto de hora.

            Finalmente, quando nos íamos retirar do aposento, um aparelho pesado que estava num canto afastado da casa principiou a deslizar em minha direção, como se fosse um enorme paquiderme.

            Em outra sessão, também em plena luz, coloquei um dinamômetro Regnier sobre a mesa, a um metro pouco mais ou menos de distância da médium, e lhe pedi que fizesse pressão sobre ele, a certa distância.

            De repente vi que a agulha indicava 42 quilogramas, ao passo que em sua condição normal Eusápia não podia passar de 36. Ela declarou que via o seu "Espírito", João, a exercer pressão sobre o instrumento, e estendia na direção deste, contorcendo-as, as mãos, que agarramos com força.

            Trouxeram em seguida uma pequena campainha, que foi posta no chão, a meio metro de Eusápia, e pedimos-lhe que a fizesse soar. Imediatamente vimos a mão de Eusápia intumescer-se como um balão que se vai enchendo de gás; no momento em que queríamos segurá-la, se desvanecia. Em um lapso de tempo que não posso avaliar, tão rápido se verificou o movimento, um braço gasoso se adiantou até a campainha e a fez tilintar.

            Em Milão, em uma sessão a que assistíamos Richet e eu, cada um viu um ramo de rosas crescer e em pouco tempo sair das mangas de nossos casacos com flores tão frescas como se fossem colhidas naquele momento.

            Pediu-se a Eusápia que escrevesse seu nome na primeira folha de uma resma de papel, que Schiaparelli tinha colocado sobre a mesa. Empregando o dedo de Schiaparelli, ela declarou um momento depois que havia escrito o seu nome, apesar de nenhum de nós poder ver sinal algum. Ela, porém, afirmava com tal convicção que tornamos a olhar, sem nada ainda descobrir. Finalmente encontramos a firma no interior da mesa. Outras vezes a encontramos na última folha da resma de papel, e houve até uma ocasião em que estava na orla da cortina, a mais de dois metros acima de nossas cabeças.

            Colocada Eusápia em uma balança, podíamos à vontade aumentar ou diminuir de umas vinte libras o seu peso e o mesmo se dava se era uma cadeira que colocávamos na balança. Não se podia suspeitar nisso fraude alguma, pois todos segurávamos energicamente as mãos e pés da médium, e ocasião houve em que lhe atamos os pés, depois de termos trocado as suas vestes pelas nossas.

            Em minha ignorância de tudo o que se refere ao Espiritismo, e baseando-me somente nos resultados de meus estudos sobre a História e a Patologia do gênio, a hipótese mais plausível que me ocorreu foi que esses fenômenos hístero-hipnóticos eram devidos a uma projeção motriz e ainda sensorial dos centros psicomotores do cérebro, sendo vários outros centros nervosos debilitados pela neurose e o estado de transe. É o mesmo que se observa na inspiração criadora do gênio associado a uma diminuição da sensibilidade, da consciência e do senso moral.

            Eusápia, que era nevrótica em seu estado normal, devido a um golpe que recebera na cabeça quando menina, era durante esses estranhos fenômenos espíritas, perfeitamente inconsciente e ainda presa de convulsões.

            Afirmei-me nesta suposição, reflexionando que o pensamento, por mais elevado que seja, é um fenômeno de movimentos, e observando que os mais importantes fenômenos espíritas sempre se manifestam nas pessoas e objetos situados perto do médium. Ainda a transmissão telepática, outro fenômeno do espírito, pode ser explicada pela transmissão física de um cérebro a outro, por processo análogo ao que se verifica na telegrafia sem fios.

            Foi-me, porém, demonstrado que nada, no presente estado de nossos conhecimentos, pode dar dele uma explicação suficiente: o Sr. Ermacora, que estudou mais profundamente que eu o Espiritismo, me provou.

            Demonstrou-me ele que as transmissões telegráficas percorrem enormes distâncias, enquanto que a energia dos movimentos vibratórios diminui segundo o quadrado da distância, e que o cérebro não é de modo algum um instrumento na parte superior de uma base imóvel, como o de Marconi. E para demolir, por exemplo, a minha querida hipótese, eu pude entrar, durante os últimos anos, em casas de pessoas falecidas, onde se produziam os mesmos fenômenos na ausência de médium.

            Foi somente depois de se terem verificado esses fatos, e das sessões em que Eusápia, em estado de transe, respondeu de modo claro e mesmo muito inteligente em línguas que, como o inglês, não conhecia absolutamente, ou durante ele modelava repentinamente baixos relevos, o que não podia fazer em condições normais uma pessoa sem instrução - foi somente depois de tudo isso, e de ter assistido às experiências de Crookes com Home e Kate King, de Richet e outros, que me vi também compelido a crer que os fenômenos espíritas, conquanto sejam devidos em grande parte à influência do médium, se devem atribuir também à influência de existências extraterrestres, que, aliás, se podem comparar à radioatividade persistente nos tubos depois que o rádio, a que devem sua origem, desapareceu. O fenômeno tão frequentemente observado, de suspensão e movimento de objetos, isto é, da inversão e derrogação de todas as leis da gravidade e da impenetrabilidade da matéria, do tempo e do espaço, sugere a ideia de que a influência do médium em estado de transe é suficientemente poderosa para mudar em torno dele o que chamamos as leis do espaço e das três dimensões, substituindo-as pelas leis do espaço de quatro dimensões dos matemáticos, isto é, provando experimentalmente a realidade do que até agora não era mais que hipótese matemática.                             (Ext. de Revista de Estudos Psíquicos).