Porque me fiz Espírita
César
Lombroso
Reformador (FEB) Novembro
1945
Até o ano de 1890, não teve o Espiritualismo
adversário mais tenaz e obstinado do que eu. Minha resposta invariável, aos que me incitavam a
ocupar-me do estudo dos chamados fenômenos espíritas! era que falar dos
Espíritos, das mesas e cadeiras que se movem, era o cúmulo do absurdo; que toda
manifestação de força sem matéria ou de função sem órgão não podia ser tomada a
sério.
A
maior parte de minha vida até agora tem sido consagrada às doutrinas
positivistas; à demonstração do fato de que o pensamento é uma emanação direta
do cérebro, e que as manifestações do gênio, como as do crime, têm sua origem
nas anormalidades físicas - pelo desenvolvimento excessivo de certas
deficiências correspondentes, ou uma suspensão do desenvolvimento ordinário,
como o expliquei em minhas obras ‘O homem de gênio’, ‘O homem criminoso’, ‘O
homem branco e o homem de cor’.
Eu
tinha chegado a esse período da vida em que todos recusamos admitir alguma
coisa nova, mesmo quando sua evidência pareça irrecusável. Não tenho dúvida em
convir também que os longos anos passados a lutar contra os adversários de
minhas teorias sobre a origem do crime, tinham esgotado minhas faculdades de
combatividade, e que a energia que me restava queria eu empregá-la em defender
as minhas ideias sobre os problemas a cuja solução havia consagrado os meus
melhores anos. Em uma palavra, não queria dar o primeiro passo num caminho que
podia levar-me a novos campos de batalha.
Pondo
de parte estas razões, nada me podia ser mais desagradável que empreender investigações
sobre fenômenos para cujo estudo todos os instrumentos de precisão e os métodos
experimentais empregados geralmente não tinham aplicação, fenômenos que não era
possível observar completa e diretamente, pois que se produziam no escuro. Tudo
quanto pudesse unicamente examinar-se de um modo tão pouco exato, não me
parecia objeto digno de estudo.
Nessa
mesma época (em 1892, para maior certeza) encontrei na minha clínica médica um
dos casos mais extraordinários que me fora dado observar.
Fui
chamado para atender à filha de um homem que ocupava alta posição na cidade. A menina, que então passava por um período
crítico da vida, tinha sido repentinamente atacada de histerismo violento,
acompanhado de sintomas, cuja explicação não podia ser dada nem pela Fisiologia
nem pela Patologia.
Às
vezes, por exemplo, perdia completamente a faculdade da visão, pelo menos no
que se referia aos olhos! Mesmo quando se lhe vendavam completamente, podia ler
algumas linhas de uma página que se lhe apresentasse diante da orelha.
Se
se dirigiam os raios do Sol, por meio de uma lente, sobre esse ponto, ficava
tão deslumbrada como se a luz tivesse sido dirigida sobre os olhos: protestava
energicamente, dizendo que queriam cegá-la!
Mais
tarde o sentido do gosto foi transportado aos joelhos, e o olfato aos dedos dos pés. Apresentava também fenômenos telepáticos e
premonitórios extremamente curiosos. Assim, podia ver seu irmão entrando num Music-Hall, a um quilômetro de
distância; e apesar de nunca ter visto semelhante espetáculo, descrevia com
precisão os trajes das bailarinas. Quando seu pai voltava de seus quefazeres
para casa, conquanto estivesse ela em uma habitação cujas janelas se achavam
fechadas, sentia sempre que ele se aproximava, embora viesse ainda a uns
centenares de metros.
Anunciava
com segurança matemática o que ia acontecer-lhe. Assim, uma vez declarou que
justamente quinze dias depois, às nove horas, perderia completamente a
faculdade de andar - o que sucedeu no momento preciso.
Noutra
ocasião disse: Ao meio-dia, daqui a um mês e três dias, vou experimentar irresistível
desejo de morder. Conservei-a então em constante observação, procurando
distrair-lhe a atenção com todos os subterfúgios possíveis. A meu pedido
pararam-se todos os relógios da casa, para que ela ficasse na mais absoluta
ignorância do tempo. Apesar de todas essas precauções, no dia e na hora
anunciada ela teve um impulso de morder, que não se pode acalmar senão depois
de ter rasgado com os dentes vários quilos de papel de jornais, cujos
fragmentos encheram a casa.
Declarava
que a sua paralisia não poderia ser curada senão pela aplicação do alumínio.
Foi em vão que procuramos enganá-la, empregando outros metais mais ou menos
parecidos com o alumínio. Ela conhecia imediatamente a substituição. Quando
finalmente empregamos o metal indicado, desconhecido da imensa maioria dos
habitantes da cidade, e seguramente da menina, ela se sentiu melhor.
Fatos
dessa ordem, apesar de não serem novos, pois há muito os observaram e publicaram
Petetin, Frank e outros, me pareceram pelo menos muito singulares.
Em
vão trabalhava o meu cérebro para encontrar alguma explicação plausível; vi-me
obrigado a admitir que se lhes não podia aplicar nenhuma teoria fisiológica ou
patológica.
A
única coisa que eu via era que a histeria de que essa menina estava afetada, a
sua neurastenia, dava lugar a que se manifestassem algumas novas e particulares
faculdades que sofriam as funções ordinárias, dos sentidos; e então me ocorreu
que só o Espiritismo poderia explicar esses fatos.
Poucos
anos depois, achando-me em Nápoles, com o propósito de visitar os manicômios,
encontrei-me casualmente com alguns dos admiradores de Eusápia Paladino,
particularmente o Sr. Chiaia, que me convidou a realizar algumas experiências
com essa médium.
Como
tinha feito anteriormente, recusei prestar-me a qualquer experiência feita na
obscuridade, ou em sessões públicas, e me disseram que eu poderia fazer o que
desejava, no quarto que eu ocupava no hotel e à luz do dia. Aceitei a proposta,
pois as anomalias que atrás mencionei me tinham profundamente impressionado.
Quando
vi, em plena luz, levantar-se uma mesa do solo - estando eu e Eusápia sós no
compartimento - e uma pequena trombeta voar como uma flecha, da cama para a mesa
e da mesa para a cama, o meu cepticismo recebeu um choque, e eu quis fazer
novas experiências de outra natureza, no mesmo hotel, com três de meus colegas.
Na
sessão seguinte fui testemunha do habitual transporte de objetos, e ouvi as
pancadas ou chamadas; mas o que mais me impressionou foi uma cortina, em frente
da alcova, subitamente despregada, dirigir-se para mim e enrolar se me no
corpo, apesar de meus esforços, sendo-me precisos alguns segundos para desvencilhar-me.
Parecia exatamente uma delgadíssima folha de chumbo.
Outra
experiência que me impressionou muito foi a de um prato cheio de farinha, que
se virou sem entornar-se o conteúdo. E quando colocado na posição primitiva, a
farinha, que estava perfeitamente seca, se tinha transformado em uma espécie de
gelatina, e nesse estado permaneceu durante um quarto de hora.
Finalmente,
quando nos íamos retirar do aposento, um aparelho pesado que estava num canto
afastado da casa principiou a deslizar em minha direção, como se fosse um
enorme paquiderme.
Em
outra sessão, também em plena luz, coloquei um dinamômetro Regnier sobre a
mesa, a um metro pouco mais ou menos de distância da médium, e lhe pedi que
fizesse pressão sobre ele, a certa distância.
De
repente vi que a agulha indicava 42 quilogramas, ao passo que em sua condição
normal Eusápia não podia passar de 36. Ela declarou que via o seu
"Espírito", João, a exercer pressão sobre o instrumento, e estendia
na direção deste, contorcendo-as, as mãos, que agarramos com força.
Trouxeram
em seguida uma pequena campainha, que foi posta no chão, a meio metro de Eusápia,
e pedimos-lhe que a fizesse soar. Imediatamente vimos a mão de Eusápia intumescer-se
como um balão que se vai enchendo de gás; no momento em que queríamos segurá-la,
se desvanecia. Em um lapso de tempo que não posso avaliar, tão rápido se
verificou o movimento, um braço gasoso se adiantou até a campainha e a fez
tilintar.
Em
Milão, em uma sessão a que assistíamos Richet e eu, cada um viu um ramo de
rosas crescer e em pouco tempo sair das mangas de nossos casacos com flores tão
frescas como se fossem colhidas naquele momento.
Pediu-se
a Eusápia que escrevesse seu nome na primeira folha de uma resma de papel, que
Schiaparelli tinha colocado sobre a mesa. Empregando o dedo de Schiaparelli,
ela declarou um momento depois que havia escrito o seu nome, apesar de nenhum
de nós poder ver sinal algum. Ela, porém, afirmava com tal convicção que
tornamos a olhar, sem nada ainda descobrir. Finalmente encontramos a firma no
interior da mesa. Outras vezes a encontramos na última folha da resma de papel,
e houve até uma ocasião em que estava na orla da cortina, a mais de dois metros
acima de nossas cabeças.
Colocada
Eusápia em uma balança, podíamos à vontade aumentar ou diminuir de umas vinte
libras o seu peso e o mesmo se dava se era uma cadeira que colocávamos na
balança. Não se podia suspeitar nisso fraude alguma, pois todos segurávamos
energicamente as mãos e pés da médium, e ocasião houve em que lhe atamos os
pés, depois de termos trocado as suas vestes pelas nossas.
Em
minha ignorância de tudo o que se refere ao Espiritismo, e baseando-me somente
nos resultados de meus estudos sobre a História e a Patologia do gênio, a
hipótese mais plausível que me ocorreu foi que esses fenômenos hístero-hipnóticos
eram devidos a uma projeção motriz e ainda sensorial dos centros psicomotores
do cérebro, sendo vários outros centros nervosos debilitados pela neurose e o
estado de transe. É o mesmo que se observa na inspiração criadora do gênio
associado a uma diminuição da sensibilidade, da consciência e do senso moral.
Eusápia,
que era nevrótica em seu estado normal, devido a um golpe que recebera na
cabeça quando menina, era durante esses estranhos fenômenos espíritas,
perfeitamente inconsciente e ainda presa de convulsões.
Afirmei-me
nesta suposição, reflexionando que o pensamento, por mais elevado que seja, é
um fenômeno de movimentos, e observando que os mais importantes fenômenos
espíritas sempre se manifestam nas pessoas e objetos situados perto do médium.
Ainda a transmissão telepática, outro fenômeno do espírito, pode ser explicada
pela transmissão física de um cérebro a outro, por processo análogo ao que se
verifica na telegrafia sem fios.
Foi-me,
porém, demonstrado que nada, no presente estado de nossos conhecimentos, pode
dar dele uma explicação suficiente: o Sr. Ermacora, que estudou mais
profundamente que eu o Espiritismo, me provou.
Demonstrou-me
ele que as transmissões telegráficas percorrem enormes distâncias, enquanto que
a energia dos movimentos vibratórios diminui segundo o quadrado da distância, e
que o cérebro não é de modo algum um instrumento na parte superior de uma base
imóvel, como o de Marconi. E para demolir, por exemplo, a minha querida
hipótese, eu pude entrar, durante os últimos anos, em casas de pessoas
falecidas, onde se produziam os mesmos fenômenos na ausência de médium.
Foi
somente depois de se terem verificado esses fatos, e das sessões em que
Eusápia, em estado de transe, respondeu de modo claro e mesmo muito inteligente
em línguas que, como o inglês, não conhecia absolutamente, ou durante ele
modelava repentinamente baixos relevos, o que não podia fazer em condições
normais uma pessoa sem instrução - foi somente depois de tudo isso, e de ter
assistido às experiências de Crookes com Home e Kate King, de Richet e outros,
que me vi também compelido a crer que os fenômenos espíritas, conquanto sejam
devidos em grande parte à influência do médium, se devem atribuir também à
influência de existências extraterrestres, que, aliás, se podem comparar à
radioatividade persistente nos tubos depois que o rádio, a que devem sua
origem, desapareceu. O fenômeno tão frequentemente observado, de suspensão e
movimento de objetos, isto é, da inversão e derrogação de todas as leis da
gravidade e da impenetrabilidade da matéria, do tempo e do espaço, sugere a ideia
de que a influência do médium em estado de transe é suficientemente poderosa
para mudar em torno dele o que chamamos as leis do espaço e das três dimensões,
substituindo-as pelas leis do espaço de quatro dimensões dos matemáticos, isto
é, provando experimentalmente a realidade do que até agora não era mais que
hipótese matemática. (Ext. de Revista de Estudos Psíquicos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário