Seleção Cármica
Indalício Mendes
Reformador (FEB) Setembro 1963
Talvez jamais a Humanidade haja
sofrido tantas desilusões quanto agora. Talvez nunca tenha sido tão incisiva a
ação de falsos líderes e pregadores de ideias novas e doutrinas exóticas, que
dão aos homens sem discernimento, mas pejados de ambições inferiores, a
impressão de que ouvem e seguem legítimos arautos da Verdade, da Justiça e do
Bem. Infelizmente, certa parte da Humanidade é imediatista e interesseira, não
se inclinando a examinar serenamente as promessas enganadoras ocultas sob o
floreado atraente dos discursos insinceros.
Cansados de desilusões e fartos de
sofrimentos, os homens volúveis e superficiais, na ânsia
de alcançar benefícios fáceis, deixam-se embebedar com palavras sedutoras e
seguem doutrinas que não resistem a um confronto seguro com os princípios puros
do Cristo. E assim se entregam, sem resistência, mas cegamente, aos
entorpecedores efeitos da maconha demagógica.
Tudo isso, compreendamos,
sobrecarrega o quadro cármico de indivíduos e coletividades ainda em fase de
desenvolvimento primário e secundário e serve para reafirmar categoricamente as
profecias de elevados Espíritos, acerca das provações excepcionais, já iniciadas,
que estão assinalando, passo a passo, o advento do Terceiro Milênio.
Essas perturbações políticas
profundas, de grande influência e repercussão na vida íntima dos povos, parece
terem iniciado um novo ciclo com a deflagração da guerra franco-prussiana, em
1870. O processo evolutivo não cessou jamais e em 1914 se verificou novo avanço
cíclico, que adquiriu maior expressão com a guerra iniciada 25 anos depois,
isto é, em 1939. Portanto, três guerras que abalaram profundamente o coração da
Europa, interessando as duas últimas os países americanos e o mundo inteiro,
estabeleceram novos rumos da vida social e política da Terra. Houve quedas de
governos autocráticos, libertação
de nações secularmente escravizadas, perda de poderio bélico de uns países outrora
fortes e surgimento de novas potências mundiais. Como nunca, o Materialismo
estendeu seus tentáculos de ferro, constringindo a Humanidade e, por estranha
"coincidência", justamente agora é que as coisas do espírito mais se ampliam
no seio das massas humildes, que vão adquirindo maior compreensão de certos
deveres capazes de impedir
a desnaturação completa da vida humana, embora andem pelas praças públicas
reivindicações de natureza popular um tanto exaltada.
Toda essa confusão, entretanto, está
dentro das previsões espíritas. Emmanuel, no livro que traz o seu nome, edição
de 1938, predisse a eclosão do conflito de 1939, que durou até 1945. Os
próprios homens, por seu afastamento do Cristo, traçam as dores que vão sofrer
e as tribulações impostas aos países a que pertencem. Nada é feito por acaso,
porque o acaso não existe. A rebeldia dos homens gera a balbúrdia e o
desentendimento, a dor e a desilusão, porque as guerras têm uma função
retificadora, uma função cármica. "De
cada vez que os homens querem impor-se, arbitrários e despóticos, diante das
leis divinas, há uma força misteriosa que os faz cair, dentro dos seus enganos
e de suas próprias fraquezas. A impenitência da civilização moderna, corrompida
de vícios e mantida nos seus maiores centros à custa das indústrias bélicas,
não é diferente do império babilônico que caiu, apesar do seu
fastígio e da sua grandeza. No banquete dos
povos ilustres da atualidade terrestre, leem-se as três palavras fatídicas do
festim de Baltazar. Uma força invisível gravou novamente o “Mane - Thecel -
Phares" na festa do mundo. Que Deus, na sua misericórdia, ampare os
humildes e os justos" (“Emmanuel", de Emmanuel - ed. 1938.)
Ora, a corrupção da civilização
atual se agravou imensamente depois da última guerra. A Humanidade está vivendo
o ciclo preparatório do advento do Terceiro Milênio, já à porta, que marca o
começo das dores e tribulações redentoras, para que o Terceiro Milênio seja,
então, segundo as profecias, o da Redenção da Terra. O mundo está no crivo da evolução
moral. Todas as imundícies e torpezas estão sendo reveladas e a confusão se
torna progressivamente maior. Tomem por exemplo o nosso país e o que nele se
passa, se quisermos ter uma ideia aproximada dessa grande verdade.
Já vaticinava Allan Kardec, ao
referir-se à "marcha gradativa do Espiritismo": “A Humanidade chegou a um dos períodos de sua transformação e o mundo
terreno vai elevar-se na hierarquia do mundo. O que se prepara não é o fim do
mundo material. É o velho mundo, o mundo dos preconceitos, do orgulho, do
egoísmo e do fanatismo que se esboroa. Cada dia leva consigo destroços. Tudo
dele acabará com a geração que se vai e a geração nova erguerá o novo edifício,
que as gerações seguintes consolidarão e completarão" (1),
Três grandes passos deu a Humanidade
para organizar o seu mapa de provações coletivas de origens políticas, em 1870,
1914-18 e 1939-45, sem contar as transformações profundas de natureza social,
verificadas na Rússia, primeiramente, e depois em outros países. Depois de 1945,
os povos até então submetidos à servidão começaram a ser ouvidos e hoje seus
representantes se sentam ao lado dos representantes de antigos países
opressores, que se julgavam tocados de uma superioridade incontestável. E as
reformas sociais continuam, muitas vezes dando ensanchas a que espertos
especuladores se aproveitem da situação confusa para se beneficiarem. Mas tudo
acabará nos lugares exatos, pois "o
mundo não marcha à revelia das leis misericordiosas do Alto, e estas, no
momento oportuno, saberão opor um dique à chacina e ao arrasamento; confiemos
nelas, porque os códigos humanos serão sempre documentos transitórios, como o
papel em que são registrados, enquanto não se associarem, parágrafo por
parágrafo, ao Evangelho de Jesus". “Emmanuel".
*
Não se julgue sejamos pessimistas,
Apenas observamos e analisamos fatos ligados por circunstâncias políticas e
sociais, Não padece dúvida de que nos achamos já no período da seleção cármica
que se desenvolverá muito mais no curso do Terceiro Milênio, que se iniciará
dentro de 37 anos. Revoluções, greves, terremotos, maremotos, enfim, toda uma
sorte de perturbações graves e de natureza diversa, afetarão a vida humana,
mais do que até hoje tem afetado. À proporção que o ciclo for crescendo para
fechar-se, mais fortes serão as dores do mundo, Vivemos numa fase apocalíptica.
Os homens desdenham dos deveres espirituais e se entregam, desarvorados, ao
despotismo dos sentidos. A mudança de Espíritos rebeldes se faz metodicamente.
"Para que na Terra sejam felizes os
homens, preciso se faz que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados,
que
unicamente ao bem
aspirem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração neste momento se opera
entre os que o habitam. Os que praticam o mal pelo mal, ALHEIOS co sentimento
do bem, dela se verão excluídos, porque lhe acarretariam novamente perturbações
e confusões que constituiriam obstáculo ao progresso. Irão expiar o seu
endurecimento em mundos inferiores, aos quais levarão os conhecimentos que
adquiriram, tendo por missão faze-los adiantar-se. Substitui-los-ão na Terra
Espíritos melhores, que farão reinem entre si a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra não será transformada por um cataclismo que aniquile de súbito uma
geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo,
sem que haja mudança na ordem natural das coisas" (2).
É o que vem acontecendo. Hoje as
mudanças já são perceptíveis, Essa possibilidade de observação constitui uma
advertência do Alto, uma oportunidade a mais concedida aos homens que são
responsáveis pela desarmonia ambiente. Empolgados por suas ambições políticas,
a nada eles atendem, De tal maneira, estimulam o peneiramento indispensável à
limpeza que precederá o Terceiro Milênio. Já Kardec, em sua época, sentira e
dissera já ser o tempo em que vivia "a época da transição".
Os próprios cientistas experimentam
o acúleo da transição por que está passando a Humanidade. Em "La Nueva visión del mundo", se lê,
ao falar Jean Gebser da quarta dimensão: "Do que acabamos de dizer surge um caráter que brevemente poderíamos
qualificar de ambiguidade de nossa época, a qual como tal se nos apresenta
cheia de incertezas. Vivemos numa época ambivalente e isto em muitos aspectos.
Com efeito, ela representa um final e ao mesmo tempo um começo. Toda despedida
supõe por isso mesmo uma partida. Pois bem: muitos não veem senão o fim da
nossa época. E mais: muitos nem sequer veem isso porque simplesmente não
desejam ter conhecimento deste incômodo fato. E daí resulta
que não podem tão pouco reconhecer o outro aspecto da nossa época, isto é, que
ela representa um começo, se bem que difícil, cheio de felizes esperanças" (pág. 291). Essa obra tem como subtítulo: "Conferencia Internacional sobre el nascimiento
de una nueva era, la era de la perspectiva."
Citamos esse trecho, escolhido
acidentalmente, para que o leitor observe que, mesmo àqueles que não se
encontram familiarizados com os problemas espíritas, a situação anormal e
angustiosa da Terra, vivendo um período de transição, não passou despercebida,
Se os cientistas do "Instituto de Altos Estudos Econômicos de Sankt Gallen",
que "abandonaram os pontos de vista
do determinismo materialista, do estreito pensamento do mecânico e causal",
estivessem mais apurados espiritualmente, teriam chegado a conclusões ainda
mais positivas, numa linguagem que se assemelharia ainda mais à dos espíritas.
É bem verdade que eles partiram de
ideias puramente científicas, diametralmente opostas às que marcam o texto do
presente artigo. Mas as suas conclusões, "mutatis mutandis", são
idênticas.
Disseram com acerto que a transição
representa ao mesmo tempo um fim e um começo. A ideia se casa perfeitamente com
o ponto de vista espírita. A época de transição marca o fim de uma geração
desvairada, mas também assinala o início de uma geração nova, em que todas as
esperanças são depositadas. Além disto, a geração desvairada não inclui aqueles
que, esclarecidos, compreendam os desígnios do Alto e sabem guardá-los. A
Doutrina do Cristo está estereotipada na Doutrina pregada pelo Espiritismo. É
essencial e fundamentalmente humana, porque prepara cada indivíduo e cada
coletividade para cultivar a felicidade na Terra e no Espaço, por meio da
exemplificação do bem; da paz, do amor, da justiça e da fraternidade.
Enquanto o homem se utilizar da
violência e da mentira, não será feliz. O atual desregramento de costumes,
dentro e fora dos lares, a
perversão de hábitos, o descaso à autoridade e à hierarquia, a idolatria do
sexo, o cinismo, o despudor, o crime multiforme e a impunidade que os acoberta,
a decadência moral da dança, do canto, do cinema, do teatro, da literatura e de
outras mais atividades outrora colaboradoras da cultura universal do homem, são
reflexos impressionantes da verdade profética que anunciou a imprescindibilidade
do saneamento espiritual da Terra, já em ação, como preparação fatal e
irrecorrível do selecionamento do Segundo Milênio para o Terceiro Milênio.
Ou a Humanidade realiza um esforço
para melhorar daqui por diante, renunciando à violência, ao egocentrismo, muito
pior do que o egoísmo, à mentira, buscando proteger-se à sombra do Evangelho do
Cristo, ou mergulhará no desespero sem remédio e no sofrimento sem lenitivo,
até que satisfaça as exigências cármicas.
"Infelizmente, a maioria, desconhecendo a voz de Deus, persistirá na sua
cegueira e a resistência que virá a opor marcará, por meio de terríveis lutas,
o fim do reinado dos que a constituem. Desvairados, correrão à sua própria
perda, provocarão destruições que darão origem a um sem número de flagelos e de
calamidades, de sorte que, sem o quererem, apressarão o advento da era de
renovação" (3).
Concluindo, e para orientar o
leitor, lembraremos que tudo quanto de Kardec aqui transcrevemos foi escrito
muito antes da guerra de 1870, entre a França e a Alemanha, a qual constituiu,
ao que tudo indica, o início da grande seleção cármica destinada, repetimos, à
preparação de uma Humanidade melhor para o Terceiro Milênio. Kardec desencarnou
a 31 de Março de 1869, de modo que suas palavras possuem uma significação
extraordinária.
(1)
"Obras Póstumas" - Ed. 1957, pág. 290.
(2)
Ob. cit., id., id., pág. 291.
(3)
Ob. cit., id., id., pág. 293.
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