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domingo, 23 de março de 2014

XXX - Apreciando a Paulo




XXX
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

“Nao veio sobre vós tentação, senão humana;
mas fiel é Deus que vos não deixará tentar acima do que podeis,
 antes com a tentação dará também o escape,
 para que a possais suportar.”
Paulo - I Epístola aos Coríntios, 10:13.


            Deus é bom; e Jesus mesmo chegou a afirmar que só Ele é bom, o que foi registrado por todos os Evangelhos sinóticos (Mateus, 19:17; Marcos, 10:18 e Lucas, 18:19).

            Uma das manifestações da bondade divina é que o Senhor não dá qualquer cruz superior às forças de quem necessita carrega-la. Foi por isto que Paulo disse, no versículo supra, “que Deus não vos deixará tentar acima do que podeis”.

            Que ninguém desespere, portanto! O sofrimento ou a tentação é sempre proporcional a cada um, e só os que têm capacidade de resistência são capazes das grandes provações. Aliás, quanto mais forte for a prova, mais valor em suportá-la, assim como, quanto mais difícil o perdão, mais mérito haverá aos olhos de Deus em manifestá-lo, sinceramente. As tentações existem. Nosso Senhor, em várias passagens de seus Evangelhos, confirma-o. E já no Pai Nosso ensinara que pedíssemos:

            “E não nos induzas à tentação” ou “não nos deixes cair em tentação”, conforme a tradução mais conhecida, de Mateus, 6:13.

            Ele também acentuou, de outra feita:

            “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação: na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Mateus, 26:41)

            O Divino Mestre repetiu, em Lucas 22:40:

            “Orai, para que não entreis em tentação.”

            Mas, apesar de tantas recomendações do Divino Mestre, ainda há pretensos espíritas que, fazendo confusão doutrinária, dizem que não há necessidade de prece!

            A Esses que condenam as orações - desobedecendo às palavras do Messias - ou aos que negam valor à Bíblia, onde tais ensinamentos foram registrados, poderemos perguntar: se não convém dar crédito às lições de Jesus, então, a quem devemos ouvir? Qual nosso ponto de referência ou a base das comunicações? Só nosso livre arbítrio, variável de pessoa a pessoa, bastará para distingui-las?

            Não é crível que os Espíritos tenham querido legar uma filosofia à Humanidade, contrária às instruções do Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.

            Que categoria de Espíritos ou de homens são esses, que se chocam com os ensinamentos do Salvador? Deverão merecer crédito em suas inovações doutrinárias?

            Vê-se, portanto, e desde logo, que aqueles nossos irmãos, distanciando-se da palavra bíblica (a que Allan Kardec deu também muito valor), estão transviados da verdade, que liberta. E se Jesus mesmo disse que ele é a verdade (João, 14:6) e que passarão o Céu e a Terra, porém jamais as suas palavras hão de passar (Mateus, 24:35), desviarmo-nos delas ou da sublimidade de seus ensinamentos, é deixar a luz pelas trevas ou pela confusão, oriunda de um negativismo impenitente ou da falta de uma orientação segura, de um ponto de referência superior e exato, para cairmos voluntariamente no erro, sem justificativa lógica.

            Mas voltemos à análise ou à razão de ser das tentações.

            Elas são consequências de nossas próprias fraquezas ou de nossas imperfeições. E às vezes são necessárias para provarem nossa fé ou grau de nossa sinceridade para com o Senhor.

            Assim, não nos podemos livrar das tentações, mas sim de cairmos nelas; e é isto o mais importante; não cedermos às injunções do mal ou às ciladas do erro, pois que as tentações são como que exames a que somos submetidos, sob o ponto de vista moral.

            O Cristo de Deus explica o fenômeno, na parábola do semeador (Mateus, 13; Marcos, 4; Lucas, 8:4 a 15).

            Há sementes que, caindo em pedregais, onde não há terra bastante, logo nascem, mas o Sol as queima, secando-as. Outras, caem entre espinheiros e estes as sufocam. Mas algumas, em boa terra, e dão frutos cuja quantidade é variável. Assim é a palavra divina; alguns a recebem, mas, chegando a angústia ou a perseguição, dela se afastam; outros, preocupados com as coisas deste mundo, deixam para mais tarde o cumpri-la, perdendo a oportunidade e a encarnação. .. Alguns, porém, dão frutos do bem e da verdade, servindo à causa do Senhor, o que redundará em sua felicidade ou em sua elevação espiritual.

            Mas o Galileu ainda nos adverte que a senda da salvação é cheia de escolhos:

            “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição e muitos são os que entram por ela;
            E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, poucos há que a encontrem.” (Mateus, 7:13 e 14)

            Qual é, pois, o remédio para as tentações?' O ensino ainda é de Jesus: - a prece e o respeito aos seus mandamentos:

            “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (João, 14:21.)

            E como ninguém neste mundo é perfeito; e uma vez que todos estamos sujeitos a falir, “porque a carne é fraca”, devemos orar e vigiar, para não cairmos em tentação, conforme o Cristo de Deus nos recomenda.

            Vigiar, ensinam-nos os Mensageiros do Senhor, é ter cuidado com nossas palavras e com nossa conduta, com as companhias e os lugares que frequentamos, onde, por vezes, as tentações são maiores. E termos o Espírito prevenido contra as ciladas das trevas.

            Também, como está escrito em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, há muita superioridade em saber calar, deixando que fale o insensato, pois “não brigam dois quando um não quer”, conforme diz a sabedoria popular.

            O certo é que, sendo prudentes na conversação e criteriosos no procedimento, estaremos mais livres das tentações ou de seus efeitos nefastos.

            Os que têm temperamento explosivo - e há muitos assim - devem ter cuidado antes de dar certas respostas ou antes de tomarem alguma atitude, não se deixando guiar pelos primeiros impulsos. As aparências iludem e, por outro lado, às vezes não houve a intenção ou o sentido que a pessoa nervosa atribui a algum fato, resultando dai uma consequência grave, que poderia ser evitada.

            Outrossim, lembremo-nos de que as palavras, às vezes, cortam mais do que as navalhas e convém termos cautela para não sermos contundentes ou perversos na conversação. Um boato levianamente espalhado -, com ou sem fundamento, pode dar lugar a muitas desgraças. Sejamos sempre instrumentos do bem e não da desagregação ou das trevas.

            Em síntese, se tivermos o que os ingleses chamam self control, se vigiarmos os impulsos e os atos cotidianos, sobretudo se combatermos nossos erros, estaremos livres de muitos aborrecimentos e superaremos inúmeras tentações.

            O jogo é um vício pernicioso e dele devemos fugir. Quantas infelicidades têm advindo das cartas e das roletas! Jogo a dinheiro, nem por passatempo familiar, pois serve de mau exemplo aos filhos; é escola do erro e de outros males, que lhe são adjetos. É tão nocivo que até o de dama e o de xadrez, que têm toda a aparência de inocentes, quando transformados em vício, devem ser abolidos. Há pessoas que só vivem, por assim dizer, para jogar xadrez ou para resolver seus problemas. Ocupam o melhor de sua vida em tal atividade, perdendo mil ensejos de fazer o bem, abstraídas, empolgadas, iludidas por tal mania, que em outros está no futebol, erigido em verdadeiro fanatismo. Perdem estes ainda ao rádio, horas preciosas, que podiam ser dedicadas às boas leituras, que instruem e edificam. E quantas novelas atrasam o serviço doméstico e geram desarmonia no lar? Não temos o direito de ser rigorosos, é verdade, mas apenas estamos analisando fatos... pedindo perdão se com isto importunamos
alguém.

            O cristão deve evitar tudo o que possa gerar desarmonia, tudo o que entrave a evolução ou a ascensão de seu Espírito. Ser verdadeiramente espírita ou esforçar-se por sê-lo, é aprender a renunciar a muita coisa mundana, alegre ou divertida, toda vez que ela possa desviar-nos do cumprimento de nossos deveres ou que nos conduza ao erro ou ao pecado.

            Assim comentando, não queremos dizer que sejamos ermitões ou reclusos do mundo e que nos privemos de tudo aquilo que apreciamos. Mas, geralmente, o defeito não está no uso, porém no abuso, isto é, no vício ou no descontrole.

            O que queremos afirmar é que devemos ter continência em nossos atos, de tal maneira que possamos participar de todas as diversões honestas, mas sem exagerarmos, e, sobretudo, sem nos viciarmos na prática de qualquer delas, o que importará na subjugação de nossa vontade ou na escravidão do Espírito. Este foi criado, sem dúvida, para finalidades nobres ou altruísticas, e não somente para gozar as coisas do mundo, como pensam os levianos, esquecidos de que, mais cedo ou mais tarde, suportaremos as consequências de nossos próprios erros, os quais sempre acumulam desgraças sobre nossas cabeças, através de experiências dolorosas.

            Por consequência, perder o melhor de nosso tempo com coisas fúteis, é desperdiçar grandes oportunidades, que podiam ser empregadas no estudo, na prática do bem, ou, ainda, no melhor cumprimento de nossos trabalhos cotidianos. Amar as obrigações e cumpri-las com alegria é dever de todo aquele que se diz cristão.

            Quanto às tentações, elas são próprias do plano em que vivemos e até necessárias ao nosso progresso espiritual. Assim, estejamos certos de que temos dentro de nós a força justa e adequada para vencer qualquer delas, por pior que nos pareça, porque, como afirma o apóstolo Paulo, se as tentações existem, “o Senhor dá também o escape, para que as possais suportar”.


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