XXX
‘Apreciando a Paulo’
comentários em torno
das Epístolas de S. Paulo
por Ernani Cabral
Tipografia Kardec – 1958
“Nao veio sobre vós tentação, senão
humana;
mas fiel é Deus que vos não deixará
tentar acima do que podeis,
antes com a tentação dará também o escape,
para que a possais suportar.”
Paulo - I Epístola aos
Coríntios, 10:13.
Deus é bom; e Jesus mesmo chegou a
afirmar que só Ele é bom, o que foi registrado por todos os Evangelhos
sinóticos (Mateus, 19:17; Marcos, 10:18 e Lucas, 18:19).
Uma das manifestações da bondade
divina é que o Senhor não dá qualquer cruz superior às forças de quem necessita
carrega-la. Foi por isto que Paulo disse, no versículo supra, “que Deus não vos deixará tentar acima do que
podeis”.
Que ninguém desespere, portanto! O
sofrimento ou a tentação é sempre proporcional a cada um, e só os que têm
capacidade de resistência são capazes das grandes provações. Aliás, quanto mais
forte for a prova, mais valor em suportá-la, assim como, quanto mais difícil o
perdão, mais mérito haverá aos olhos de Deus em manifestá-lo, sinceramente. As
tentações existem. Nosso Senhor, em várias passagens de seus Evangelhos,
confirma-o. E já no Pai Nosso ensinara que pedíssemos:
“E
não nos induzas à tentação” ou “não
nos deixes cair em tentação”, conforme a tradução mais conhecida, de
Mateus, 6:13.
Ele também acentuou, de outra feita:
“Vigiai
e orai, para que não entreis em tentação: na verdade, o espírito está pronto,
mas a carne é fraca.” (Mateus, 26:41)
O Divino Mestre repetiu, em Lucas
22:40:
“Orai,
para que não entreis em tentação.”
Mas, apesar de tantas recomendações
do Divino Mestre, ainda há pretensos espíritas que, fazendo confusão
doutrinária, dizem que não há necessidade de prece!
A Esses que condenam as orações -
desobedecendo às palavras do Messias - ou aos que negam valor à Bíblia, onde
tais ensinamentos foram registrados, poderemos perguntar: se não convém dar
crédito às lições de Jesus, então, a quem devemos ouvir? Qual nosso ponto de
referência ou a base das comunicações? Só nosso livre arbítrio, variável de
pessoa a pessoa, bastará para distingui-las?
Não é crível que os Espíritos tenham
querido legar uma filosofia à Humanidade, contrária às instruções do Cordeiro
de Deus, que tira o pecado do mundo.
Que categoria de Espíritos ou de
homens são esses, que se chocam com os ensinamentos do Salvador? Deverão
merecer crédito em suas inovações doutrinárias?
Vê-se, portanto, e desde logo, que
aqueles nossos irmãos, distanciando-se da palavra bíblica (a que Allan Kardec
deu também muito valor), estão transviados da verdade, que liberta. E se Jesus
mesmo disse que ele é a verdade (João, 14:6) e que passarão o Céu e a Terra,
porém jamais as suas palavras hão de passar (Mateus, 24:35), desviarmo-nos
delas ou da sublimidade de seus ensinamentos, é deixar a luz pelas trevas ou
pela confusão, oriunda de um negativismo impenitente ou da falta de uma
orientação segura, de um ponto de referência superior e exato, para cairmos
voluntariamente no erro, sem justificativa lógica.
Mas voltemos à análise ou à razão de
ser das tentações.
Elas são consequências de nossas
próprias fraquezas ou de nossas imperfeições. E às vezes são necessárias para
provarem nossa fé ou grau de nossa sinceridade para com o Senhor.
Assim, não nos podemos livrar das
tentações, mas sim de cairmos nelas; e é isto o mais importante; não cedermos
às injunções do mal ou às ciladas do erro, pois que as tentações são como que
exames a que somos submetidos, sob o ponto de vista moral.
O Cristo de Deus explica o fenômeno,
na parábola do semeador (Mateus, 13; Marcos, 4; Lucas, 8:4 a 15).
Há sementes que, caindo em
pedregais, onde não há terra bastante, logo nascem, mas o Sol as queima,
secando-as. Outras, caem entre espinheiros e estes as sufocam. Mas algumas, em
boa terra, e dão frutos cuja quantidade é variável. Assim é a palavra divina;
alguns a recebem, mas, chegando a angústia ou a perseguição, dela se afastam;
outros, preocupados com as coisas deste mundo, deixam para mais tarde o cumpri-la,
perdendo a oportunidade e a encarnação. .. Alguns, porém, dão frutos do bem e
da verdade, servindo à causa do Senhor, o que redundará em sua felicidade ou em
sua elevação espiritual.
Mas o Galileu ainda nos adverte que
a senda da salvação é cheia de escolhos:
“Entrai
pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à
perdição e muitos são os que entram por ela;
E porque estreita é a porta, e
apertado o caminho que leva à vida, poucos há que a encontrem.” (Mateus, 7:13 e
14)
Qual é, pois, o remédio para as
tentações?' O ensino ainda é de Jesus: - a prece e o respeito aos seus mandamentos:
“Aquele que tem os meus mandamentos
e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e
eu o amarei, e me manifestarei a ele.” (João, 14:21.)
E como ninguém neste mundo é
perfeito; e uma vez que todos estamos sujeitos a falir, “porque a carne é fraca”, devemos orar e vigiar, para não cairmos em
tentação, conforme o Cristo de Deus nos recomenda.
Vigiar, ensinam-nos os Mensageiros
do Senhor, é ter cuidado com nossas palavras e com nossa conduta, com as
companhias e os lugares que frequentamos, onde, por vezes, as tentações são
maiores. E termos o Espírito prevenido contra as ciladas das trevas.
Também, como está escrito em “O
Evangelho segundo o Espiritismo”, há muita superioridade em saber calar,
deixando que fale o insensato, pois “não brigam dois quando um não quer”,
conforme diz a sabedoria popular.
O certo é que, sendo prudentes na
conversação e criteriosos no procedimento, estaremos mais livres das tentações
ou de seus efeitos nefastos.
Os que têm temperamento explosivo -
e há muitos assim - devem ter cuidado antes de dar certas respostas ou antes de
tomarem alguma atitude, não se deixando guiar pelos primeiros impulsos. As
aparências iludem e, por outro lado, às vezes não houve a intenção ou o sentido
que a pessoa nervosa atribui a algum fato, resultando dai uma consequência
grave, que poderia ser evitada.
Outrossim, lembremo-nos de que as
palavras, às vezes, cortam mais do que as navalhas e convém termos cautela para
não sermos contundentes ou perversos na conversação. Um boato levianamente
espalhado -, com ou sem fundamento, pode dar lugar a muitas desgraças. Sejamos
sempre instrumentos do bem e não da desagregação ou das trevas.
Em síntese, se tivermos o que os
ingleses chamam self control, se vigiarmos
os impulsos e os atos cotidianos, sobretudo se combatermos nossos erros,
estaremos livres de muitos aborrecimentos e superaremos inúmeras tentações.
O jogo é um vício pernicioso e dele
devemos fugir. Quantas infelicidades têm advindo das cartas e das roletas! Jogo
a dinheiro, nem por passatempo familiar, pois serve de mau exemplo aos filhos;
é escola do erro e de outros males, que lhe são adjetos. É tão nocivo que até o
de dama e o de xadrez, que têm toda a aparência de inocentes, quando transformados
em vício, devem ser abolidos. Há pessoas que só vivem, por assim dizer, para
jogar xadrez ou para resolver seus problemas. Ocupam o melhor de sua vida em
tal atividade, perdendo mil ensejos de fazer o bem, abstraídas, empolgadas,
iludidas por tal mania, que em outros está no futebol, erigido em verdadeiro
fanatismo. Perdem estes ainda ao rádio, horas preciosas, que podiam ser
dedicadas às boas leituras, que instruem e edificam. E quantas novelas atrasam
o serviço doméstico e geram desarmonia no lar? Não temos o direito de ser
rigorosos, é verdade, mas apenas estamos analisando fatos... pedindo perdão se
com isto importunamos
alguém.
O cristão deve evitar tudo o que
possa gerar desarmonia, tudo o que entrave a evolução ou a ascensão de seu
Espírito. Ser verdadeiramente espírita ou esforçar-se por sê-lo, é aprender a
renunciar a muita coisa mundana, alegre ou divertida, toda vez que ela possa
desviar-nos do cumprimento de nossos deveres ou que nos conduza ao erro ou ao
pecado.
Assim comentando, não queremos dizer
que sejamos ermitões ou reclusos do mundo e que nos privemos de tudo aquilo que
apreciamos. Mas, geralmente, o defeito não está no uso, porém no abuso, isto é,
no vício ou no descontrole.
O que queremos afirmar é que devemos
ter continência em nossos atos, de tal maneira que possamos participar de todas
as diversões honestas, mas sem exagerarmos, e, sobretudo, sem nos viciarmos na
prática de qualquer delas, o que importará na subjugação de nossa vontade ou na
escravidão do Espírito. Este foi criado, sem dúvida, para finalidades nobres ou
altruísticas, e não somente para gozar as coisas do mundo, como pensam os
levianos, esquecidos de que, mais cedo ou mais tarde, suportaremos as consequências
de nossos próprios erros, os quais sempre acumulam desgraças sobre nossas
cabeças, através de experiências dolorosas.
Por consequência, perder o melhor de
nosso tempo com coisas fúteis, é desperdiçar grandes oportunidades, que podiam
ser empregadas no estudo, na prática do bem, ou, ainda, no melhor cumprimento
de nossos trabalhos cotidianos. Amar as obrigações e cumpri-las com alegria é
dever de todo aquele que se diz cristão.
Quanto às tentações, elas são
próprias do plano em que vivemos e até necessárias ao nosso progresso
espiritual. Assim, estejamos certos de que temos dentro de nós a força justa e
adequada para vencer qualquer delas, por pior que nos pareça, porque, como
afirma o apóstolo Paulo, se as tentações existem, “o Senhor dá também o escape, para que as possais suportar”.
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