segunda-feira, 3 de março de 2014

XXIX - Apreciando a Paulo



XXIX
‘Apreciando a Paulo’
      comentários em torno
    das Epístolas de S. Paulo
   por Ernani Cabral

Tipografia Kardec – 1958

“Traze-lhes estas coisas à memória, ordenando-lhes
 diante do Senhor que não tenham contendas de palavras,
que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes.
Procura apresentar-te a Deus aprovado como obreiro que não tem
de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.
Mas evita os falatórios profanos porque produzirão maior impiedade.”
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“Todavia o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo:
O Senhor conhece os que são seus
e qualquer que profere o nome do Cristo aparte-se da iniquidades.”
(Paulo - Segunda Epístola a Timóteo, 2:14 a 16 e 19)


            Paulo de Tarso condena as contendas de palavras, as discussões, porque não edificam; geralmente, elas são repassadas de vaidade, pretendendo o homem demonstrar superioridade intelectual, quando não queira mesmo impor seus pontos de vista, descendo às vezes à franqueza rude ou à ofensa.

            A polêmica é, quase sempre, como diz Emmanuel, contundente e perturbadora.

            O esclarecimento deve ser dado a quem pede ou a quem demonstre dúvida, mas sempre em momento oportuno e com palavras brandas, isto é, sem exaltação. Porém, se o interlocutor insiste em um ponto, teimosamente, é melhor deixar que ele procure a verdade por si mesmo, sendo preferível isto a qualquer discussão ou contenda, que o apóstolo condena ainda em I Tim., 2:8 e 6:4; Tito, 3:9 e Fil., 2:14.

            Quando há vaidade intelectual em quem duvida, pouca vantagem haverá no esforço de esclarecer.

            Já disse um filósofo que uma das coisas mais difíceis é por uma ideia nova na cabeça de um homem. A percepção precisa também aliar-se ao sentimento. Se a pessoa não quer acreditar, nega até o que constata. Por isto, diz-se com muito acerto: “o pior cego é o que não quer ver”.

            Lemos alhures que certo médico foi assistir a uma sessão de materialização. Viu o Espírito, falou com ele, tocou-o. Outros saíram encantados. Mas alguém, depois dos trabalhos, lembrou-se de perguntar-lhe se havia gostado e se tinha acreditado no fenômeno. Ele prontamente respondeu: “Gostar, gostei; mas aquilo não era Espírito, porque Espírito não fala e não aperta a mão dos outros.”

            As ideias preconcebidas ou deliberadas dificilmente erradicam-se dos homens. Só o tempo poderá burilar os Espíritos endurecidos, que se aproveitam mais do sofrimento do que de certas provas.

            Se a mente não amadureceu, não dará valor ao que tem, preferindo antes duvidar ou negar, mesmo perante um fenômeno inconteste ou em face de um argumento irrespondível, porque tais pessoas estão escravizadas ao seu círculo de conhecimentos e não querem sair dele, irritando-se até com os que as contrariam por divergência de ideias.

            Também há indivíduos que veem Espíritos, falam com eles, mas não querem saber de Espiritismo; preferem continuar com suas convicções, algumas infantis ou sem a menor consistência lógica.

            Outros há que têm medo de estudar certos assuntos “para não caírem em pecado mortal”, como se Deus pudesse proibir a investigação sincera de quem procura a verdade. Estes não conhecem a lição de São Paulo: “Examinai tudo. Retende o bem.” (I Tess., 5:21)

            O apóstolo das gentes ainda recomenda na mesma epístola: “Não extingais o Espírito” (I Tessalonicenses, 5:19).

            Entretanto, há igrejas que se dizem cristãs, mas condenam as manifestações espíritas e querem assim sufocar ou extinguir o Espírito. Fingem desconhecer o capítulo doze da Primeira Epístola aos Coríntios, onde Paulo fala nos dons espirituais, que eram conhecidos e exercitados pelos primitivos cristãos.

            Entendemos que os dogmas têm feito grande mal à Humanidade, escravizando consciências, que se atemorizam de enfrenta-los, submetendo-se à sua influência errônea e coativa, sem livre exame, o que contraria os ensinos de Jesus e as palavras acima, do mais culto de seus apóstolos.

            Destarte, criaturas há que têm receio de negar a existência do inferno com as suas penas eternas, quando a própria Bíblia não fala em inferno, mas em sheol, que como tal foi traduzido. Admiti-lo, seria negar a própria misericórdia de Deus, que é amor e bondade, e não um julgador inclemente. É certo que o Espírito mau tem de sofrer, mas sua condenação não pode ser eterna. O dogma do inferno eterno, portanto, é uma verdadeira heresia, pois atribui a nosso Pai Celestial uma qualidade inferior - a dureza de coração no julgamento -, que Ele jamais poderia possuir, pois é perfeito. Assim são os demais dogmas, todos envoltos no mais impenetrável mistério! Todavia, Jesus mesmo afirmou: “Nada há de encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.” (Mateus, 10:26, e Lucas, 12:2)

            Por consequência, em face das próprias palavras do Divino Mestre, vê-se que ele não criou mistérios, mas sua doutrina é muito clara, resumindo-se no amor (Mateus, 22:37 a 40) e não em tabus ou em limitações forçadas da inteligência, que o dogma estabelece, contra a liberdade do Evangelho, pela qual São Paulo tanto se bateu.

            Cada qual tem o direito de adorar a Deus a seu modo e convicção religiosa é grau de entendimento. Assim, todas as religiões são boas, em certos aspectos, desde que haja sinceridade na prática do bem, que é o fundamento de todas. Mas à medida que o Espírito evolui, amadurecendo a reflexão, sente a necessidade de guiar-se pelo seu próprio raciocínio, sem imposições de ideias ou de normas preestabelecidas. Aí então, pela evolução natural de seus conhecimentos, ele admitirá o Espiritismo cristão, que encerra a maior porção de verdade que é dado ao homem conhecer na Terra.

            Servindo-nos da imagem bíblica da escada de Jacó, podemos afirmar que, em matéria de conhecimento, cada religião representa um degrau; todas, portanto, são divinas e até necessárias à evolução do Espírito. Mas no cume está o Espiritismo, pela sua clareza, pela sua lógica e pela pureza de seus ensinamentos.

            Fácil é convir que não podemos ter intolerância para com os que ainda gravitam em círculo inferior de entendimento, porque todos somos irmãos e Espíritos de idades diferentes. Nossa ascensão processa-se mesmo assim, através de escaladas, quase sempre dolorosas, pois o sofrimento acicata o Espírito, orientando-o para a luz ou para a verdade, que o estudo, a reflexão e a experiência virão proporcionar.

            Mas voltemos à lição de Paulo, nos versículos ora em apreciação:

            “Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade.”

            O principal é mesmo a pessoa não ter de que se envergonhar, pois que se conhece o espírita pela sua transformação moral, como Allan Kardec frisa, acertadamente. Manejemos bem a palavra da verdade, mas limpemos também o interior, isto é, o coração, a fim de que nossas intenções sejam puras e nossos propósitos elevados.

            “Evitemos os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade”, diz Paulo.

            Há a tendência humana, mas prejudicial, de criarem-se “igrejinhas”, dentro dos grupos religiosos, isto é, quatro ou cinco, vinculados pela afinidade, considerarem-se os donos do Centro ou detentores da verdade. Esquecem-se de que a casa não é deles, mas de Jesus, que a todos acolhe com o mesmo amor. Todavia, os da “igrejinha”, em vez de tratarem os irmãos com sentimento cordial, faltam constantemente à caridade: fazem censuras ou críticas rigorosas, chamam a atenção rispidamente e servem de pomo de discórdia, desunindo em vez de fraternizar. Tal atitude não é cristã, porém muito condenável. Se distribuem roupinhas ou fazem outra caridade material, mas tratam alguns dos irmãos sem caridade moral, sendo arbitrários e intolerantes, fazem por um lado, mas desfazem por outro.

            Sabemos que o homem é falível e todos estamos sujeitos ao erro. Mas devemos pugnar pela perfeita compreensão do Espiritismo, que não é “sociedade de elogios mútuos”, mas escola de amor ilimitado, não reduzido à meia dúzia de pessoas que, erroneamente, se supõem donas da obra, que é de todos nós.

            Nossas palavras não visam particularizar, mas apenas pedir a atenção de algumas agremiações espíritas para que tenham cuidado com as “igrejinhas”, porque elas danificam a obra e têm mesmo destruído ou limitado bastante o poder de realização de alguns Centros. A finalidade do grupo deve ser a harmonia, o estudo e o amor, buscando sempre ascender em direção a nosso Divino Mestre e a seus apóstolos, cujos ensinamentos devem ser lidos, mas também praticados. Foi São Paulo mesmo quem ensinou:

            “Então, enquanto temos tempo, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé.” (Gal., 6:10)

            Tratemos sempre os domésticos da fé com a devida caridade e sejamos tolerantes e unidos em nossos Centros, procurando fazer o bem, porém exercitando-nos na prática do amor, que nos deve unir.

            Também há espíritas que pensam em se isolar de seus irmãos e acham acertado agir assim. Estão errados, evidentemente. Sozinho, o homem pouco fará, ao passo que, trabalhando em conjunto, terá oportunidade de servir melhor à causa e de adquirir mais noção de fraternidade. Se alguém reconhece que, mesmo tolerando e insistindo, não tem afinidade com determinado grupo, deve procurar outro e não abandonar a obra, nem agir isoladamente, pois a frequência a certos grupos é também exercício de humildade. Se a lavoura fosse só repleta de flores, o mérito da colheita seria insignificante. É preciso mesmo que haja pedras no caminho, para que exista o valor de transpô-las. Nada, fato algum deve arrefecer ou limitar nosso trabalho, nem nosso entusiasmo em prol da causa. Vêm a propósito as palavras de Jesus:

            “Ninguém, que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus.” (Lucas, 9:62)

            Nada de desânimos, nem de excesso de suscetibilidades. Como ensinam os Mensageiros do Senhor, felizes dos que recalcam suas rivalidades, a fim de que a obra não sofra dano. O trabalho pela difusão da verdade e em torno do Espiritismo, é oportunidade de resgate de nossos débitos para com o Senhor, e ensejo de demonstrar nossa lealdade para com Ele.

            Recordemos ainda a lição do Rabi da Galileia:

            “Se amardes os que vos amam, que galardão havereis? não fazem os publicanos também assim?
            “E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? não fazem os publicanos também assim? (Mateus. 5:46 e 47)

            Coloquemos a obra acima de tudo, e tenhamos boa vontade em servir à causa do Espiritismo, que é de Deus.

            Por fim, repitamos as palavras de São Paulo, sempre sábio e sempre edificante:

            “Todavia, o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome do Cristo APARTE-SE DA INIQUIDADE.”

            O versículo é tão claro que dispensa quaisquer apreciações. Pode-se considerar cristão aquele que permanece na prática do erro ou na senda da iniquidade? Transformemo-nos, para nosso próprio bem. Tal a lição que há quase dois mil anos nos é dada. E já é tempo de ouvi-la e de entrarmos em sintonia com a Espiritualidade Superior.




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