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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Allan Kardec - Biografia



Allan Kardec - Biografia    

                   Apresentamos, a seguir, extratos da biografia de Allan Kardec, como apresentada na introdução do livro “O Principiante Espírita,” do mesmo autor.  A biografia foi terminada em São Paulo, em dezembro de 1955 e escrita  por  Júlio Abreu Filho.

            “À  3 de Outubro de 1804, às 19 horas, a casa do magistrado Jean-Baptiste-Antoine Rivail, na cidade de Lyon, rue Sala 76, ouvia os primeiros vagidos de uma criança destinada a influir poderosamente nos destinos da humanidade...

            O registro civil, feito no dia seguinte, indicava o nascimento supra de Denizard-Hippolyte-Léon Rivail, sendo seus pais o magistrado acima mencionado e sua esposa  Jeanne Duhamel...

            Até hoje são escassos os dados biográficos daquele que mais conhecido se tornou sob o pseudônimo de Allan Kardec...

            Antes, porém, de entrar no estudo do seu ambiente, vejamos a razão de ser do pseudônimo Allan Kardec, que vira apagar o nome de Hippolyte-Léon-Denizard Rivail.

            Um dos princípios fundamentais do Espiritismo, na Codificação Kardeciana, é a reencarnação, isto é, o das vidas sucessivas e interdependentes. No início de seu trabalho filosófico, um Espírito revelou ao Codificador que o conhecia de remotas existências, uma das quais passada no mesmo solo da França, onde a sua individualidade tinha revestido a personalidade de um druida, chamado Allan Kardec. Sabe-se a posição social desses sacerdotes, sorteados entre a juventude da nobreza; mas, também, é sabido que os druidas proibiam a construção de templos e a representação figurada dos Deuses ou Espíritos...

            ...é de notar-se a coincidência entre certos princípios do Druidismo e a obstinação de Allan Kardec em subtrair o Espiritismo à tendência das massas menos cultas em transformá-lo numa religião...

            Kardec era um altruísta na mais alta acepção do vocábulo, porque não esperava adquirir muito para dar as sobras: tinha um sentido prático da solidariedade humana - dessa solidariedade feita de companheirismo, de camaradagem fraterna, de simpatia pelo alheio esforço, de boa disposição para ajudar os outros com a própria experiência, de bom ânimo para ensinar - principalmente de graça ...

            Por outras palavras: foi um espírito altamente cônscio de sua função social. E a realizou magnificamente, sem estardalhaço, sereno e compenetrado...

            Entre os anos de 1824 e 1849 publicou o Sr. Rivail, entre outras, as seguintes obras:

            -Curso Prático e Teórico de Aritmética;-Gramática Clássica da Língua Francesa; -Catecismo Gramatical da Língua Francesa; -Programa dos Cursos Ordinários de Química. Física, Astronomia e Fisiologia; -Instruções sobre as dificuldades ortográficas. 

            Na sua folha de serviços à mocidade de seu tempo está a regência das seguintes matérias, em cursos parcialmente gratuitos - repetimo-lo - onde de par com os seus conhecimentos enciclopédicos, patenteia-se o esforço em bem servir os seus semelhantes: matemática, física, química, astronomia, retórica, anatomia comparada, fisiologia e língua francesa. Falava corretamente inglês, alemão, holandês, espanhol e italiano e era grande conhecedor do grego e do latim.

            Cabe aqui destacar, em poucas linhas, um aspecto da cultura do Sr. Allan Kardec - os seus estudos sobre magnetismo e hipnotismo, matérias que lhe foram de valioso auxílio nos estudos iniciais do Espiritismo ...

            À época,  a França, cognominada a filha primogênita da Igreja, assistia ao naufrágio da fé, resultante do choque entre a Ciência e a Religião. Dona de um mais largo e profundo conhecimento das leis da natureza, a humanidade estava preparada para passar da fé imposta à fé raciocinada, isto é, da crença para a certeza. A ciência oficial desdenhava tudo quanto pudesse, direta ou indiretamente, conduzir a um postulado da religião; em contrapartida a religião, fechada numa filosofia apriorística, verberava toda tentativa intelectual que pudesse atuar como um sopro sobre o castelo de cartas do dogmatismo...

            O único homem que teve a visão da importância moral; e sociológica da fenomenologia espírita foi o Dr. Rivail.  Por isso mesmo deveria ele apagar-se no mundo oficial da instrução pública, onde se fizera respeitado e querido, para se dar a uma nova obra - a da construção de toda uma filosofia derivada - que importa ? - dos golpes que os chamados mortos vibravam sobre mesas, paredes e móveis. Ia desaparecer o cientista Rivail para surgir o filósofo Allan Kardec.

            Era aquele renascimento espiritual de que falava Jesus Cristo a Nicodemos, Jo(14,26),“a quem o Pai enviará em meu nome”  e que “ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito.”

            Se nos adentrarmos no texto e em outras passagens correlatas, veremos que se trata de um ser despersonalizado, O Consolador, o qual figura nas versões evangélicas que nos chegaram com o Espírito Santo. Cabe, entretanto, notar que não se trata de uma individualização, nem da suposta terceira pessoa da trindade católica: estamos em frente a uma expressão genérica, onde o vocábulo santo é apenas um adjetivo qualificativo muito respeitoso e, por isso mesmo, historicamente respeitável, posto que sem a necessária força para, com o dogma, sobrepor-se à razão.

            O escolhido foi Allan Kardec e não o Dr. Rivail, para significar uma individualidade eterna e não uma personalidade transitória e, ainda, para a ligar a uma etapa em que os valores espirituais eram mais expressivos do que as formas exteriores do culto.

            Foi em 1854 que o Sr. Allan Kardec tomou conhecimento das mesas girantes e falantes, através de uma conversa com o Sr. Fortier, seu colega na Sociedade dos Magnetistas. Ao ser informado de que, magnetizada, as mesas podiam mover-se e davam respostas às nossas perguntas, a resposta do Sr. Kardec  foi de absoluta descrença, desde que a mesa não possuía nervos nem cérebro, nem podia tornar-se sonâmbula.

            Pouco depois, um outro magnetista, o Sr. Carlotti, lhe fez minuciosos relatos de experiência a que assistira. Em conseqüência do que pode ele dispor-se a assistir às primeiras sessões práticas, em maio de 1855, em casa da Sra. Roger, em presença do já citado Fortier e da Sra. Plainemaison. Deste último cavalheiro ouviu relatos num tom diferente, frio e grave, cheio de argumentos que se acomodavam aos princípios científicos.

            Surgiu daí a possibilidade de assistir a reuniões regulares, em casa da Sra. Plainemaison, à rua Grange-Batelière, 18, ainda no mês de maio já referido.

            Repetiam-se as sessões, numa das quais conheceu ele a família Baudin, residente à rua Rochechouart. Convidado para as sessões hebdomadárias da família Baudin - é o Sr. Allan Kardec quem o diz - “ aí fiz os primeiros estudos sérios em Espiritismo, mais por observação do que por efeito de revelações”. E prossegue: “A essa nova ciência apliquei, como tinha feito até então, o método experimental; jamais formulei teorias preconcebidas”. E logo mais adiante:

            “Nesses fenômenos entrevi a chave do tão obscuro e controvertido problema do passado e do futuro e a solução que, durante toda a vida, tinha buscado. Numa palavra, era uma revolução completa nas idéias e nas crenças, sendo, pois, necessário proceder com circunspecção, e não com leviandade, ser positivista em vez de idealista, para não ser arrastado por ilusões.”
            Eis a evidenciação do homem de ciência.

            O Sr. Allan Kardec vira nessas manifestações uma prova da existência da alma e de sua sobrevivência ao transe da morte. Mas, também, percebera que cada Espírito possuía um grau de conhecimento e de moralidade, pelo que esse mundo invisível, que nos envolve, oferecia uma gradação infinita.

            O Sr. Allan Kardec contou com a cooperação de amigos para levar adiante a sua obra. Entre esses amigos cabe uma referência particular ao Sr. Carlotti, já citado; ao editor Didier, médium e ao seu filho, também médium; ao lexicógrafo Antoine-Lêandre Sardou e seu filho, o médico, escritor e dramaturgo Victorien Sardou, também médium, que prestou relevantes serviços à doutrina, no papel de interprete dos Espíritos que ofereciam minuciosas descrições e belíssimos desenhos...; o Sr. René  Taillandier, membro da Academia de Ciências e outros...

            A primeira edição de O LIVRO DOS ESPÍRITOS data de 18 de Abril de 1857.

            A 1º de Janeiro de 1858 lança a REVUE SPIRITE, pequena revista de 32 páginas, em média, destinada não só a propaganda mas - e principalmente - à provocação da opinião pública e ao estudo da fenomenologia espírita e à discussão das hipóteses provisórias, até que, bem verificados os fatos, se lhes pudesse dar uma explicação científica e uma posição no quadro geral da filosofia espírita.

            Em julho de 1858 foi lançado um pequeno volume com a doutrina condensada, sob o título
O QUE É O ESPIRITISMO?

            Em janeiro de 1861, a casa Didier & Cie lança o segundo livro básico - O LIVRO DOS MÉDIUNS.

            Em 1862, lançou duas pequenas brochuras de propaganda doutrinária, posteriormente abolidas, à vista da larga aceitação da Revista Espírita. Eram elas O ESPIRITISMO NA SUA EXPRESSÃO MAIS SIMPLES e REFUTAÇÃO ÀS CRÍTICAS AO ESPIRITISMO.

            Com um volume encerrando a filosofia da Doutrina Espírita e outro a técnica para a utilização dessa nova ciência, em breve a trilogia se completava pelo estudo da parte moral. Esse terceiro livro fundamental teve a sua primeira edição em Abril de 1864, sob o nome Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo. Refundindo em nova edição, que lhe deu caráter definitivo, o nome primitivo foi substituído pelo atual - O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO.

            Em começo de Agosto de 1865 as livrarias exibiam O CÉU E O INFERNO ou A  JUSTIÇA DIVINA SEGUNDO O ESPIRITISMO.

            Em 6 de Janeiro de 1868 aparece A GÊNESE, OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO  O ESPIRITISMO.

            O Sr. Allan Kardec tinha vindo já maduro para os trabalhos da Doutrina dos Espíritos. Contava cinqüenta e um anos e era portador de lesão grave no coração.

            Desencarna, por ruptura de um aneurisma da aorta, na véspera de sua instalação em novo endereço, em 31 de Março de 1869, aos 65 anos de idade.

            Foi sepultado no cemitério do Père Lachaise. Não deixou descendência.

            Casara-se, em Paris, a 6 de fevereiro de 1832, aos 28 anos de idade, com a Professora Amélie Gabrielle Boudet, nascida a 23 de novembro de 1795, portanto, nove anos mais velha do que ele...

            Mme. Boudet desencarnou em 21 de Janeiro de 1883, aos 89 anos de idade.”




            Em “Veleiro de Luz” de Bezerra de Menezes por Mª Cecília Paiva, lemos mensagem de D. Pedro II (espírito) sobre o desencarne de Allan Kardec:

“A Morte do Codificador”

            “Corria o ano de 1869.

            Exatamente no dia 31 de março, o céu de França recobriu-se de luzes.

            Dos arcanos do infinito foram tiradas as mais sublimes notas, os mais  leves harpejos e com eles adornada a residência do Codificador.

            Ao som da música celeste e das flores luminosas que atapetavam todo o caminho, desprendeu-se do casulo terrestre o Codificador do Espiritismo.

            Para os homens, uma simples morte, para o Cristo de Deus, o regresso de um missionário vitorioso e por isso mesmo homenageado com as honras da glória justa e merecida.

            O túmulo de Kardec, significaria para a Humanidade muito mais que o simples pedaço de terra do Père Lachaise. Era a base sólida da Verdade que surgia triunfante para o Mundo.

            Rasgara-se mais uma vez os véus dos templos e, sob a égide do Cristo de Deus a seiva viva do Evangelho passava a circular vitoriosa por todo o planeta, levando aos corações as flores do céu.

            A morte do Codificador não era simplesmente o tombar de um corpo humano na terra fria e úmida, mas o renascimento glorioso do Cristianismo puro.

            Irmãos, amigos que recebestes de braços abertos a Revelação do Senhor, olhai o céu constelado de luzes, o vosso Brasil, abençoado pelo cruzeiro magnífico e esplêndido, verificai a paz que vibra  em todos os recantos de vossa Terra; silenciai diante da Majestade Divina que se vos demonstra com tanta força, bendizei a vida jubilosa de cristãos voltados para o supremo ideal e colocai estrelas de amor em vossos caminhos e espargir as luminosidades do Espiritismo por todos os homens.

            Arregimentai-vos sob a luz esplendente do estandarte de Ismael e erguendo-vos com o Cristo, edificai um Mundo de harmonia e felicidades.

            Levantai a Humanidade ao som da música divina do Evangelho, usai as armas da caridade, do amor e da paz.

            Que os céus esplêndidos e belos, que o esplendor de vossa Terra vos diga da promessa cumprida do Senhor, nutrindo-vos do mel abençoado do cristianismo redivivo.

            Que a lembrança do Codificador seja para vós estímulo, luz e paz.”
              





          

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Rivail - O direito de ser Kardec



 Rivail – 
o direito de ser Kardec


 Reformador  (FEB) – Novembro de 1976



            No ensaio biográfico “Vida e Obra de Allan Kardec[1], diz André Moreil que, certa noite, Z., Espírito protetor de Rivail, deu-lhe uma comunicação toda pessoal, informando havê-lo conhecido numa existência anterior, quando, na época dos druidas, viveram juntos nas Gálias. Disse-lhe que seu nome era, então, Allan Kardec. “A partir  deste momento – comenta Moreil -, Denizard Rivail já não existe. A missão recebida, o título de chefe doutrinário de uma ciência ditada pelos EspÍritos, obrigam-no a “renascer” como Allan Kardec. O novo nome lhe parece revestido de valor quase esotérico”.
           
            Os druidas eram sacerdotes celtas. Os celtas, povos antiquíssimos, de origem indo-germânica, empreenderam grandes migrações, desde os tempos pré-históricos, percorrendo toda a Europa, desde as ilhas Britânicas até a Ásia Menor mas, por volta do ano 250 antes do cristo, quando atingiram o clímax do seu poder, estavam fixados principalmente na Gálias.  Embora sua linguagem já estivessem estruturados desde sete séculos antes de nossa era, jamais se organizaram politicamente sob qualquer forma de império. Só uma força os unia> - a casta sacerdotal dos druidas, que mantinha íntegros os preceitos religiosos e as tradições do mundo celta. Reverenciados pelas tribos, por onde quer que fossem, os druidas eram mais do que sacerdotes, porque também teólogos, filósofos e juízes, a quem cabia a condução espiritual de um povo cujas crenças se baseavam na imortalidade da alma e na reencarnação.

            A crítica malévola dos adversários do Espiritismo não deixou passar sem animadversão o pseudônimo do Professor Rivail. Já em 1857, este se preocupava em prestar esclarecimentos sobre o assunto. O Dr. Sylvino Canuto Abreu, residente na cidade de São Paulo, possui em seus arquivos o rascunho, escrito pelo próprio punho do Codificador, de uma carta por ele dirigida a Tiedeman, em 27 de outubro de 1857, nos seguintes termos:

            “Duas palavras ainda a propósito do pseudônimo. Direi primeiramente que neste assunto lancei mão de um artifício, uma vez que dentre 100 escritores há sempre os ¾  que não são conhecidos por seus nomes verdadeiros, com a só diferença de que a maior parte toma apelidos de pura fantasia, enquanto que o pseudônimo Allan Kardec guarda uma certa significação, podendo eu reivindica-lo  como próprio em nome da Doutrina. Digo mais: ele engloba todo um ensinamento cujo reconhecimento por parte do público reservo-me o direito de protelar... Existe, aliás, um motivo que a tudo orienta: não tomei esta atitude sem consultar os Espíritos, vez que nada faço sem lhes ouvir a opinião. E isto o fiz por diversas vezes e através de diferentes médiuns, e não somente eles autorizaram esta medida, como também a aprovaram.”[2]

            Somente dezoito anos depois da publicação de “O Livro dos Espíritos” surgiria a oportunidade que os inimigos da Doutrina Espírita esperavam para atacar publicamente  e sem rebuços a onomatópose do Codificador. A história desse ataque foi resumida em “Reformador” de dezembro de 1975, às páginas 20 e 21, donde tiramos os seguintes trechos:
            ‘Cinco anos após a desencarnação deAllan Kardec, a “Revue Spirite” publicou inúmeros artigos sobre fotografia de Espíritos, ilustrando-os, bem assim as notas informativas que a respeito estampava, com as fotos das pessoas que posavam para os fotógrafos (Buguet – médium – e Firman), e junto às quais apareciam amigos ou parentes desencarnados. Uma das fotografias, de Madame Allan Kardec, trazia a imagem do Codificador do Espiritismo, ostentando uma mensagem em francês, transcrita também na “Revue Spirite”. No ano seguinte – 1875 - , precisamente no dia 16 de julho, quarta-feira, instaurava-se um processo que ficaria célebre: o Procès des Spirites (Processo dos Espíritas), contra Buguet, Firman e, também (e especialmente, é óbvio), Pierre-Gaëtan Leymarie. (...) O Procès de Spirites é algo tenebroso, autêntica peça inquisitorial, só concebível de ter existido nos distantes tempos da Idade Média. As próprias autoridades judiciais se permitiram dialogar de forma desrespeitosa com os acusados, avançando conclusões e, mesmo , desvirtuando assim informações, com o intuito indisfarçado de prejulgar.  Nem sequer a Viúva Allan Kardec, que prestou declarações como testemunha intimada a comparecer a interrogatório, teve o tratamento devido aos seus cabelos brancos, conforme protesto verbal, na hora, e escrito, que exigiu fosse exarado nos autos respectivos”. [3]

            Do mencionado interrogatório, a que foi submetida a Viúva Kardec, constam as seguintes perguntas e respostas, relativas ao pseudônimo do Codificador:

Juiz Millet – Afinal, em que época o Sr Rivail adotou o nome de Allan Kardec?
Sra Rivail – Por volta de 1850.
Juiz Millet – Onde buscou ele esse nome? Num manual de bruxaria?
Sra Rivail – Não sei o que o Sr. pretende dizer.
Juiz Millet – Nós conhecemos as origens dos livros de seu marido: ele se valeu sobretudo de um manual de bruxaria de 1522, de um outro livro intitulado Alberti... e de outros.
Sra Rivail – Todos os livros de meu marido foram criados por ele, com a ajuda de médiuns e evocações. Não conheço nenhum dos livros a que o Senhor se refere.
Juiz Millet – Nós os conhecemos; o nome de Allan Kardec, que seu marido adotou, é o nome de uma grande floresta da Bretanha[4]. A Sra. erigiu a seu esposo um túmulo no Père-Lachaise e nele colocou o nome de Allan Kardec; está convencida de que ele foi tal?
Sra. Rivail – Eu creio que não se deve gracejar sobre isso. Não é agradável ver rir de tais coisas.
Juiz Millet – Nós não estimamos as pessoas que se apropriam de nomes que não lhes pertencem, escritores que pilham de obras antigas, que ludibriam o espírito público.
Sra Rivail – Todos os literatos usam pseudônimos; meu marido nada pilhou.
Juiz Millet – Foi um compilador, não um literato; um homem que fez magia negra ou branca; fique sentada! [5]

            O que a cega e irreverente malevolência dos acusadores do Codificador sempre fez questão de esquecer é que o uso de pseudônimo sempre foi, é e será comum em toda parte. Não são apenas os literatos que os utilizam; a prática também é vulgar entre os artistas e até entre os políticos. Os monarcas se dão novos nomes quando são coroados. Nas ordens religiosas católicas trocam-se os nomes dos que fazem votos. E as pessoas de todos os povos, em todos os países do mundo, usam corriqueiramente apelidos familiares ou sociais.  
            A verdade é que, ao adotar o pseudônimo de Kardec, o Professor  Hyppolyte Léon Denizard Rivail deu valioso testemunho não somente de fé, mas igualmente de humildade, pois seu nome civil era dos mais ilustres da França. Ele descendia de antiga e conceituada família, cujos membros brilharam na advocacia e na magistratura. Foi dos mais eminentes discípulos de Pestalozzi e, depois, conselheiro influente nas reformas de ensino levadas a efeito na França e na Alemanha. Poliglota dos melhores, dominava, além do francês, o alemão, o italiano, o inglês e o latim. Tradutor emérito, verteu para o alemão obras importantes, inclusive de Fenelon. Membro da Academia de Arras e de outras instituições culturais e científicas, ensinou gratuitamente, em seu estabelecimento da Rua de Sévres, Química, Física, Matemática, Anatomia Comparada, astronomia e História. Publicou, sozinho ou em parceria com Lévi-Alvarès, numerosos trabalhos didáticos, inclusive sobre Aritmética, Geometria e Gramática Francesa Clássica.
            Uma pessoa com tantos méritos e nome tão ilustre não precisava ocultar-se, senão por nobres razões, por trás de um pseudônimo.
            A função sacerdotal, entre os druidas, era eletiva e vitalícia. Ao tempo em que fora Allan Kardec entre os celtas, ele foi eleito pelo povo e exerceu o sacerdócio até a morte[6]. Na França do século XIX, foi de novo eleito, mas pelo Espírito da Verdade, para um novo sacerdócio: - o do Consolador Prometido por Jesus, no qual também trabalhou, infatigavelmente, pelo resto de sua vida terrena, quando afinal brilhou, luminosa e imarcescível, sobre a sua cabeça venerável, a “tiara espiritual” a que se referiu a Sra. de Cardone, no dia 6 de maio de 1857.  


[1] La Vie et L’Oeuvre d’Allan Kardec, 1ª edição, pp. 111 e 112, Éditions Sperar, Paris, 1961. Na tradução de Miguel Maillet (Edicel, S. Paulo, s/d), o assunto figura às pp. 66 e 67.
[2] Este Sr. Tiedeman, destinatário da carta, parece ser o mesmo que, à época, hesitou muito em decidir-se a apoiar Rivail, financeiramente, no empreendimento da “Revue Spirite”. Mais tarde (vide “Obras Póstumas”, Segunda Parte, nota aos apontamentos da reunião de 15-11-1857, 15ª edição, FEB, p. 294), o Codificador reconheceu fora para ele uma felicidade não ter tido quem lhe fornecesse fundos, pois, “sozinho, eu não tinha que prestar contas a ninguém, embora, pelo que respeitava o trabalho, me fosse pesada a tarefa”. A Espiritualidade Superior lhe adiantara: “Podes prescindir dele”. Pode, realmente, arcando pessoalmente com todo o ônus da empreitada.
                A carta aludida, por constituir documento histórico do Espiritismo, vai transcrita, a seguir, em francês, na parte referente ao pseudônimo:
                “Deux mots encore sur le pseudonyme. Je dirai d’abord qu’en cela j’ai suivi un rusage reçu, puisque sur 100 écrivans il y a les ¾ qui ne sont pas connus sous leur veritable nom, avec cette difference que la pluspart prennent des noms de pure fataisie, tandis que celui d’Allan Kardec a une signification et que je puis le revendiquer comme mien au nom de la doctrine. Je dis plus: il renferme tout un enseignement que je me reserve de faire connaître  plus tarde. (…). Il y a d’ailleurs une raison qui domine tout: je n’ai point pris ce parti sans consuiter les Esprits, puisque  je ne fais rien sans leur avis. Je l’ait fait à plusieurs reprises et par different médiuns; or, ils ont non seulement autorisé, mais approuvé cette mesure.” (O manuscrito integra o rico acervo do arquivo de raridades históricas do Espiritismo,pertencente ao Dr Canuto Abrey.)
[3] O “o Procés des Spirites” está sendo editado pela FEB. Precedendo o inteiro teor do documentário, em francês, há uma Apresentaçã, em português, fartamente ilustrada e anotada, que Hermínio C. Miranda preparou (cerca de 140 páginas), a pedido da nossa Casa, resumindo o livro da Sra. Marina P.-G. Leymarie. Esta última parte será publicada, também , separadamente.
[4] O Juiz incorreu em ‘equívoco’; não sendo tão grande, a tal floresta não mereceu registro nos compêndios de Geografia nem nos dicionários e enciclopédias...
[5] Eis o protesto escrito da Viúva Rivail (p. 8 do apêndice ao “Procès des Spirites”): “Declaro que o Sr. Presidente da Sétima Câmara  Correcional não me deixou livre para bem desenvolver o meu pensamento, pois, em meu interrogatório, introduziu reflexões estranhas ao debate e desejou ridiculizar o Sr. Rivail, conhecido como Allan Kardec, fazendo dele um simples compilador e negando seu título de escritor. Protesto energicamente contra essa maneira de interrogar e solicito ser ouvida novamente, porque é costume na França respeitar as senhoras, sobretudo quando tem os cabelos brancos. Não se deveria interromper-me e mandar assentar-me, após terem se divertido com o que considero inatacável, ou seja, o direito de ter feito construir um túmulo para o meu companheiro de provações, para o esposo, estimável e honrado por homens do mais alto valor”.
[6]  Esta afirmativa – quanto à função de sacerdote druida, em vida anterior – ao que sabemos, não está amparada por documento escrito publicado, mas os biógrafos de Allan Kardec tem-na repetido sempre, inclusive Léon Denis.