Oportunidades perdidas
por José
Brígido (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB)
Outubro 1962
- Insisto em solicitar a palavra.
Preciso esclarecer pontos que afetam a minha honorabilidade imerecidamente.
O desafeto, porém, abusando da
autoridade que possuía no momento, como dirigente máximo da reunião, permaneceu
indiferente aos apelos de Miranda. Foi quando este, apesar da posição calma que
estava mantendo até aquele instante, se viu envolvido pela perturbação
ambiente, e respondeu agressivamente àquele que premeditadamente o ofendia.
Serenados os ânimos, foi promovida a
reconciliação dos dois homens que se apertaram as mãos. Era uma paz aparente.
Miranda, depois do impulso agressivo, arrependeu-se. Procurou o evangelho para
se penitenciar. Cedera quando mais necessária era a resistência às provocações.
Compreendia Miranda que sucumbira na oportunidade que tivera de exemplificar as
lições evangélicas. Ele bem o sabia. O que não conseguia compreender era a
obnubilação sofrida por seus sentidos e a reação violenta que tomara contra as
invectivas dissimuladas do desafeto.
- Que tens Miranda? – perguntou-lhe
u, companheiro de estudos doutrinários. – Estás abatido, acabrunhado? Que
houve?
Miranda contou-lhe o que houvera e
como falhara no momento da exemplificação.
- Acontece, amigo, que a vigilância
não foi perfeita. Quanto mais responsabilidade tivermos na propaganda dos
princípios evangélicos, mais tentações nos assaltarão. Será preciso muita
vigilância, porque o perigo nos rodeia. Foste dominado pelo respeito humano. Sentiste-te
humilhado perante os outros componentes da assembleia e reagiste como o homem
comum, mas não como um homem que estuda o Evangelho e tem o dever de segui-lo,
sejam quais forem as consequências.
- Tens razão. Falhei. Reconheço que
sou pedra ainda sem lapidação. Algumas vezes tenho vencido as minhas
inferioridades, mas em outras, como a que te narrei, caí lamentavelmente.
*
Dias depois, Miranda recebeu uma
intimação policial para prestar declarações. Aquele seu desafeto vinha sendo
acusado de uma negligência culposa. Alguém, não se sabe com que intuito,
indicou o nome de Miranda, talvez por conhecer o incidente da assembleia. E
ele, depois de resistir, viu-se forçado a atender à intimação.
- Não sei do que é acusada essa
pessoa – ponderou. – Achava-me fora e soube do acontecido pelo noticiário dos
jornais.
- Mas acha o senhor que o indiciando
teria agido com urbanidade? Se o fizesse talvez nada houvesse acontecido – ponderou
a autoridade.
Naquela ocasião não se apercebeu Miranda
de que estava novamente diante de nova prova. Sem se dar conta disto,
acrescentou:
- Se tenho de falar a verdade, devo
dizer sinceramente: trata-se de homem irascível, violento...
Aí, caiu em si. Falhara de novo.
Procurou emendar a sua posição, sem pensar sequer em desdizer-se, porque, no
fim das contas, achava ter dito a verdade, embora preferível houvesse sido
abster-se de qualquer referência àquele que não andava de boas relações com
ele.
- Senhor, conforme já disse, ignoro
porque indicaram meu nome, se não vi nada do ocorrido. A impressão que externei
sobre a pessoa incriminada é meramente pessoal e não deve ser levada em conta,
pois não desejo aproveitar-me da circunstância para uma atitude que pode ser
mal interpretada.
- Bem o sei. Mas o que nos disse não
é verdade? Se é, nada tem de se arrepender, porque procuramos exclusivamente a
verdade.
Supunha Miranda que suas declarações
morreram aí e foi com dolorosa surpresa que se viu no Tribunal, perante o indiciado,
forçado a reafirmar quanto dissera anteriormente.
Sua provação foi grande, porque
sentiu intimamente a reincidência no erro. Recolheu-se a casa, entregando-se à
prece. A consciência, entretanto, o advertia:
- Falhaste de novo, Miranda. O teu
contacto com o Evangelho não está sendo tão íntimo quanto se torna preciso. És
menos humilde do que pensas.
Ante essas censuras da própria consciência,
Miranda sentiu que seus olhos se humedeciam de lágrimas. E dirigiu ao Alto esta
prece:
- Jesus: caí de novo. Sinto-me
esmagado pela minha incapacidade moral. Não guardo ressentimento algum daquele
homem que se houve tão agressivamente contra mim. Porque grande era o seu
desespero. Depois de várias considerações, o Guia frisou:
- Meu irmão: sei que tu mesmo
reconheces o duplo erro praticado. Duas vezes surgiram oportunidades para
demonstrar o teu progresso espiritual; duas vezes demonstraste que esse
progresso é meramente intelectual. Pensando bem, és mais digno de lástima do
que aquele que serviu de instrumento à tua provação. O teu senso oral te obriga
a carregar a cruz do remorso, porque sabes o que é bom e o que é mau.
Recorda-te destas palavras de “O Evangelho segundo o Espiritismo”: “Quantas dissensões e funestas disputas se
teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade”?
Miranda, cabisbaixo, envergonhado e
triste, tudo ouvia, fazendo com a cabeça lentos sinais de assentimento.
E o Guia prosseguiu:
- Apesar de tudo, levanta-te a
cabeça e recomeça a jornada, irmão. Envolve aquela pessoa nos calores da prece
diária. Torna útil o teu arrependimento, ajudando-o anonimamente pela prece.
Assim poderás ressarcir os erros cometidos. A humildade é um bem, quando
verdadeira. Temeste guardar silêncio e ser considerado, na assembleia, culpado
das insinuações maldosas que te envolveram o nome. Receaste passar, perante os outros
companheiros, por covarde. Isto tudo é muito humano. Tinhas, porém, o dever de
socalcar tais sentimentos, escudando-te nos ensinamentos evangélicos. Não mais
te esqueças de que é preferível desagradar o mundo do que desertar do
Evangelho.
Guarda na mente, Miranda, esta lição
do “Espírito de Verdade”: “Deus consola os
humildes e dá força aos aflitos que lha pedem. Tomai por divisa estas duas
palavras: devotamento e obrigação e sereis forte, porque elas resumem todos os
deveres que a caridade e a humildade vos impõem. O sentimento do dever cumprido
vos dará repouso ao espírito e resignação. O coração bate então melhor, a alma
se asserena e o corpo se forra aos desfalecimentos, por isso que o corpo tanto
mais forte se sente, quando mais profundamente atingido é o Espírito.”
Ao regressar a penates, Miranda
estava reanimado e disposto a recomeçar sua tarefa, exercendo maior vigilância
sobre os próprios atos e pensamentos. Reconhecia que o homem é o maior inimigo
de si mesmo.
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