A poucos passos da serenidade que
nos proporciona a Doutrina Espírita, encontramo-
-nos
com um mundo perplexo e atormentado pelas suas próprias criações transitórias,
à semelhança de um grande barco agitado pelas vagas ameaçadoras de um mar
revolto, com seus representantes anotando dolorosamente:
Nossa cultura é muito superficial
hoje, e nossos conhecimentos são muito perigosos, já que a nossa riqueza em
mecânica se contrasta com a nossa pobreza de propósitos. O equilíbrio de
espírito que haurimos outrora na fé ardente, já lá se foi; depois que a ciência
destruiu as bases sobrenaturais da moralidade, o mundo inteiro parece
consumir-se num desordenado individualismo, refletor da caótica fragmentação de
nosso caráter.
Novamente somos defrontados pelo
problema atormentador de Sócrates: como encontrar uma ética natural que
substitua as sanções sobrenaturais já sem influência sobre a conduta do homem?
Sem filosofia, sem esta visão de conjunto que unifica os propósitos e
estabelece a hierarquia dos desejos, nós malbaratamos nossa herança social em corrupção
cínica de um lado e em loucuras revolucionárias de outro; abandonamos num
momento nosso idealismo pacífico para nos mergulhar nos suicídios em massa da
guerra; vemos surgir cem mil políticos e nem um só estadista; movemo-nos sobre
a Terra com velocidades nunca antes alcançadas, mas não sabemos para onde
vamos, nem se no fim da viagem alcançaremos qualquer espécie de felicidade. (1)
(1) Will Durant, Filosofia da
Vida, tradução de Monteiro Lobato, 7ª edição, Cia. Editora Nacional, páginas
VIII e IX de "Convite".
O grito de perplexidade, diante dos
quadros humanos de nosso mundo, não é articulado por quem ignore as luzes do
Cristianismo. O seu Autor, num subjetivo respeito, anota no subtítulo de seu
trabalho: “In my Father's house are many
mansions” (2), consagrando, na
dinâmica do Cristianismo, a filosofia por plano do Universo, onde o homem se
encontra com a Vida, buscando compreendê-la em sua unidade, origem e fins.
Porém, embora essa sua sutil raiz cristã, não alcança equacionar o existencial
pelo gênio da doutrina de Jesus e se mantém sem rumo definido.
(2) "Na casa de meu Pai há muitas moradas" -
Jesus.
É o gemido profundo e sincero
daqueles que se renderam, aturdidos, sob o peso de suas próprias obras e agora
se indagam, por entre as brumas do panorama humano conturbado: o que fazer e
como fazer para encontrar um roteiro seguro.
Mas, o que para o filósofo é o
horizonte da angústia, a incógnita que completou o vórtice reencenando, na ribalta da existência,
a problemática da era socrática: a busca de uma ética que substitua as sanções
sobrenaturais - no Espiritismo é a fase do processo evolutivo que, pelo
exercício de nosso livre-arbítrio, inscrevemos por contristador estágio de
nossa maturação espiritual.
Eis a ocorrência:
Na eclosão da Ciência, o homem foi
bruscamente remetido para diante da realidade objetiva, induzido a desligar-se
de fábulas e superstições, de fé dogmática e sistemas estanques de filosofia.
Essa repentina integração no existente promoveu o surgimento de duas atitudes
mentais diametralmente opostas:
- a daqueles que haviam rompido o
cordão umbilical com sua natural tendência religiosa, gerando um monstro
teratológico, fecundado pelo egoísmo-orgulho: o materialismo;
- a daqueles que não aviltaram a sua
natureza íntima e que, pelo avanço da Ciência, se ajustaram para senhorear-se
da fenomenologia mediúnica - que é de todos os tempos - já não mais no sentido
mítico ou terra-a-terra de oráculos e pitonisas e sim na dimensão da
racionalidade, surgindo com esses o espiritualismo científico: o
Espiritismo-cristão.
Esse comportamento filosófico,
decorrente da inter-relação com a Espiritualidade, súmula das atividades
evolutivas do espírito, teve a sua aurora com “O Livro dos Espíritos”, onde o
seu coordenador esclarece: “Como especialidade contém a doutrina Espírita; como
generalidade, liga-se à doutrina espiritualista, da qual apresenta uma das
fases. Essa a razão por que traz sobre o titulo as palavras: Filosofia
Espiritualista.” (3)
(3) Allan Kardec, "O Livro
dos Espíritos", in "Introdução ao Estudo da Doutrina Espirita",
edição da FEB.
Vivendo Allan Kardec, codificador do
Espiritismo, numa época de profundas renovações, em todos os campos dos
conhecimentos e das atividades humanas, e sendo os ensinamentos que recolheu
dos Espíritos a mais profunda e ampla renovação de conceitos, revivendo o
Cristianismo do qual herdou o gênio, não se ocupou o mestre lionês em fundar
uma escola sistemática, em que se criaria uma realidade temporal e que
terminaria, como outras, por fugir do plano objetivo. Contrariamente ao
condicionamento de criaturas a uma realidade, lançou as bases da compreensão
dentro dos horizontes individuais, aceitando por inevitáveis os mais
conflitantes comportamentos e as mais divergentes ideações, porque o homem
sempre emerge mais enriquecido espiritualmente depois dos mergulhos nos oceanos
de suas paixões.
A filosofia Espírita, atingida pelo
nosso crescimento intelectual e afetivo, não é, portanto, a construção de um
sistema que encarcere o pensamento e que estabeleça uma realidade, impondo-se
ao homem do exterior para o interior, limitando-lhe a área de experiências
individuais com fé fundamentada no sobrenatural ou numa autoridade humana, já
que o evento da Ciência, dissolveu a ascendência dogmática e hierárquica.
No processo do desenvolvimento
integral, o homem primeiro treinou a sua razão, no contato direto com o meio
tangível e mensurável pelos seus sentidos comuns. Despiu-se das gangas
teológicas e das emoções primitivas, desordenadas, atingindo as fronteiras de
sua maturidade. Já na divisa do imponderável, dominava regularmente as leis
naturais mais próximas, ou seja, aquelas que falavam aos seus sentidos
objetivos, tendo condições, então, para mensurar novas leis com o seu sentido
objetivo, a mediunidade.
Senhor de suas sensações, tendo
frenado e ordenado a emotividade, desvinculando-se de escolas dogmáticas, por
força de sua nova condição, estava apto à realidade psicofísica, seguindo a
metodologia de suas experiências de Ciência, com a amplitude da racionalidade.
O Espiritismo-cristão surgiu, assim,
por coroamento de um laborioso processo evolutivo. Não, evidentemente, resultante
da inventiva humana, mas como decorrência do novo estágio psíquico atingido em
que o homem tem mais amplo descortino do Universo. Foi conquista, conjugada com
a Espiritualidade Superior. A filosofia Espírita, à semelhança do próprio
Sócrates, libertou-se dos cânones tradicionais e vem realizando, com
substancional mutação de técnica e de forma, sem desmerecer mas sem utilizar o
glossário técnico do filósofo profissional, o diálogo vital, na plataforma da
razão. Não contribui para aumentar o acervo de páginas obscuras e nem de
páginas rendilhadas por elegantes torneios de expressão, sem substância
objetiva. Suas conclusões não são formas interrogativas de quem se aturdiu com
o exame da Vida e nem são editais de falência de nossa Humanidade.
É uma orientação assistemática do
pensamento.
O filósofo angustiado, perplexo, não
entreviu, ainda, a nova ética espírita-cristã, substituindo as sanções
sobrenaturais, assentada amplamente no raciocínio, em que se estabelece “a
visão de conjunto que unifica os propósitos”. Seus liames, contudo, são
bastante difusos e profundos, gerando as bases de uma nova civilização,
entretendo-se com o homem para a reforma do atual estágio transitório de nossa
civilização. Opera-se tal qual com a semente depositada no seio da terra e que
arrosta as intempéries, fortalecendo-se para garantir o fruto nutritivo do
amanhã.
Surge Emmanuel
O processo filosófico, inaugurado
por Allan Kardec, numa doutrina fundamentalmente religiosa - mas onde religião
não tem o significado tradicional de dogma, de hierarquia sacerdotal, de ritos
e paramentos exteriores, de culto organizado, nem de verdade única e integral ou
mesmo de medida salvacionista -, após exatamente sessenta anos do aparecimento
de “O Livro dos Espíritos”, viria
aflorar, dinâmico, atual, com o Espírito de Emmanuel, através da mediunidade
psicográfica de Francisco Cândido Xavier.
No primeiro encontro do médium com o
Espírito de Emmanuel ficou inteiramente definido o seu roteiro de atividades,
pelas suas palavras e pelo símbolo, dentro do qual se fez visível:
Via-lhe
os traços fisionômicos de homem idoso, sentindo minha alma envolvida
na suavidade de sua
presença; mas o que mais me impressionava era que a generosa
entidade se fazia
visível para mim, dentro de reflexos luminosos que tinham a forma de uma cruz.
Às minhas perguntas naturais, respondeu o bondoso guia: - “Descansa! Quando te
sentires mais forte, pretendo colaborar igualmente na difusão da filosofia
espiritualista. Tenho seguido sempre os teus passos e só hoje me vês, na tua
existência de agora, mas os nossos espíritos se encontram unidos pelos laços
mais santos da vida e o sentimento afetivo que me impele para o teu coração tem
suas raízes na noite profunda dos séculos...” (4)
(4) Francisco Cândido Xavier, no livro
"Emmanuel", do Espírito de Emmanuel, 6ª edição da FEB.
Nesse primeiro reencontro, Emmanuel
fez uma síntese, figurada, dos propósitos e do processo da filosofia
espiritualista que propagaria pelo mediunato de Chico Xavier. Era o continuísmo
existencial, em planos que se interrelacionam continuamente, embora nem sempre
assinalados conscientemente pelo homem. E a cruz, que irradiava de seus
reflexos luminosos, instrumento de regeneração consagrado pelo Cristo, seria a
geratriz, através da qual seriam examinadas as atividades evolutivas de nossa
Humanidade.
É por demais expressivo esse quadro!
A visão global do homem, em si
considerado e compondo o complexo de sua marcha ascendente,
só poderia ser alcançada com o auxílio de sabedoria que transcenda ao mutável e
que possa abarcar o conjunto do fenômeno evolutivo, sem visão deformada pelo
poliedro do condicionamento vital.
O Sol integral é dos que estão acima
dos horizontes.
O Espírito de Emmanuel, por força do
plano em que se situa e em decorrência de seus estágios evolutivos, desfruta
dessa visão integralizada, dentro do gênio da doutrina do Cristo. Veio, assim,
de espírito limpo. Não trouxe o propósito de organizar uma escola filosófica ou
religiosa, nem pretendeu inaugurar uma sistemática inusitada e estranha ou
mesmo de abordar a problemática filosófica para disseminar princípios
transitórios em essência ou relacionados a uma determinada época ou evento.
Revelou-se fiel ao Mestre, sem trair por um só momento a dinâmica da reconstrução
de mundo novo com o Senhor Jesus e, em consequência, sem se distanciar ou
conflitar com a Doutrina codificada por Allan Kardec, ditada pelo Espírito de
Verdade.
Todas as obras de Emmanuel podem ser
analisadas do prisma da mais pura filosofia, representando
a Filosofia Espírita, numa posição de extraordinário avanço direcional e
horizontal, enriquecendo os temas e aspectos propostos e implícitos na
Codificação Doutrinária. Seria oportuno, de futuro, uma tomada global, para
ensaiar compreendê-lo na sua genialidade cristã. Contudo, ficaremos restritos,
por ora, ao exame de apenas quatro de suas produções:
Emmanuel
A
Caminho da Luz
O
Consolador
Roteiro
(5)
(5) Obras do Espírito de
Emmanuel, psícografadas pelo médium Francisco Cândido Xavier, edições da FEB.
A obra “Emmanuel”
A linha central do pensamento
Espírita estava perfeitamente delineada, em seus princípios fundamentais, no
pentateuco kardequiano, dispensando o seu continuador, o Espírito de Emmanuel,
de retornar à origem primeira para reeditá-la. Desse marco básico deveria
irradiar-se, abarcando detalhes e questões que aflorariam no campo do
conhecimento humano, à medida que se processa o sazonamento de nosso
senso-moral.
A obra “Emmanuel” traz a dinâmica
vital da filosofia Espírita, sendo valioso e precioso subsídio para construir a
mente na renovação do Cristianismo redivivo. Seu escopo central se destaca na
titulação das duas grandes partes em que se divide:
I - Doutrinando a
fé
II - Doutrinando a
ciência.
Submetendo fé e ciência à iluminação
da doutrina espírita-cristã, realiza o seu Autor uma arrojada projeção do
pensamento humano, revelando a objetividade da filosofia nova que não se
deteria nas masmorras dos sistemas utópicos e nem se confinaria a enregelantes
torres de marfim. É o exame das cartas, com as quais a Humanidade faz o seu
jogo de evolução, dentro dum realismo transcendental, sem o injetar de fel em
nossa boca.
Além da exposição em torno de “importantes
questões que preocupam a Humanidade”, aborda dialeticamente quatro questões que
têm gerado vasta literatura:
1. Determinismo e livre-arbítrio - onde elucida que o determinismo é o
trajeto previsto para o viajor da evolução; contudo, o livre-arbítrio é uma lei
irrevogável, pela qual pode o homem e as coletividades alterarem o seu destino.
A proposição é a conciliação dos
extremos - que são extremos tão somente para a nossa visão que, não fazendo uma
tomada do todo, se confunde com os detalhes das partes. Explica a nossa
responsabilidade nos atos, sem extrair-nos da marcha evolutiva a que nos
submetemos.
2. Tempo e espaço - não têm expressões objetivas, no plano das
realidades eternas, são, contudo, figuras precisas ao homem como expressões de
controle dos fenômenos de sua
existência.
Apresentando-nos tempo e espaço por
condição transitória, permite-nos ilações sobre o eterno presente da vida
humana, para almas de sublimada condição, abrindo o campo da fenomenologia de
psicometria, de profecias célebres, de reexame existencial do pretérito.
3. Espírito e matéria -- podem ser considerados como estados diversos
de uma essência imutável, para chegar-se a estabelecer a unidade substancial do
Universo, fazendo-se preciso, porém, considerar a matéria como um estado
negativo e o espírito como um estado positivo dessa substância.
Que brilhante antecipação do
energetismo!
Se matéria fosse essência diversa do
Espírito - sendo este a criação eterna do Pai - o tenderia um dia a
desaparecer, como todas as formas-transitórias. Ocorrendo ser, todavia, estado
diverso e não criação diversa, consubstancia a eternidade de sua essência e
oferece os princípios da gradação da energia.
4. O princípio da unidade - em que encarece que, mesmo nos planos
elevados do Espírito, observa os princípios da unidade e variação, sem haver
descoberto o seu ponto de interação.
Todavia, como o princípio da unidade absorve todas as variações, crê que, sem perdermos
a consciência individual no transcurso dos milênios, chegaremos a reunir-nos no grande
princípio da unidade, que é a perfeição.
Emmanuel não fecha, em definitivo ou
dogmaticamente, as questões propostas, dando-nos uma visão relativa que podemos
ter sobre as mesmas. Não deixa, contudo, de expender conceitos novos, numa
linguagem direta e fundamentalmente inteligível, seguindo o mesmo estilo
diáfano de Sócrates, rico de eloquente simplicidade nos problemas que nossa
mente tornou complexos.
A obra “A Caminho
da Luz”
A razão examinou as religiões.
Entrechocando-se com dogmas e
hierarquias humanas, com princípios refratários ao progresso,
com sistemas artificiosos que não suportaram a sua análise fria - verdadeiras furnas
de morcegos que se vitalizam com as sombras da ignorância - o homem, obnubilado
pelas suas ideações materialistas, concluiu que a religião é uma decorrência
das civilizações.
Foi tomada a causa por efeito.
A religião, assim, teria de ser um
elemento condicionado às civilizações, refletindo-lhes as aspirações, os
anseios, podendo, inclusive, excluir a ideia de Deus de seus princípios
fundamentais, porque Deus seria uma consequência dos homens!
Emmanuel, sem deter-se formalmente
no exame desse teorema que precipita dolorosas consequências psicofísicas,
aviltando até sacerdotes e condutores de almas - Emmanuel escreve, por
Francisco Cândido Xavier: “A Caminho da Luz”, um livro magnífico que é “contribuição à tese religiosa elucidando a
infância sagrada da fé e o ascendente espiritual no curso de todas as
civilizações terrestres”.
O ascendente espiritual é causa e
não efeito.
Pela proposição, as civilizações se
originam do influxo espiritual, do crescimento psicofísico da Humanidade,
cabendo aos homens renovarem-se nos princípios religiosos, renunciando de si,
sem o louco tentame de estabelecer condições para que a fé sobreviva.
A obra se inicia na gênese
planetária “quando o orbe terrestre se
desprendia da nebulosa solar, a fim de que se lançassem no tempo e no espaço as
balizas de nosso sistema cosmogônico e os pródromos da vida na matéria em
ignição, do planeta” e termina dissertando sobre o “Evangelho e o Futuro”,
quando “luzes consoladoras envolverão
todo o orbe regenerado no batismo do sofrimento. O homem espiritual estará
unido ao homem físico para a sua marcha gloriosa ao Ilimitado, e o Espiritismo
terá retirado dos seus escombros materiais a alma divina das religiões, que os
homens perverteram, ligando-as no braço acolhedor do Cristianismo-restaurado”.
Por conclusão, afiança: “Em nosso modesto estudo da história, um
único objetivo orientou as nossas
atividades - o da demonstração da influência sagrada do Cristo na organização
de todos os surtos da civilização do planeta, a partir de sua escultura geológica.”
Essa interpretação filosófica da
História, dentro da área Espírita-cristã, restabelece ao Cristo,
para nossa visão, o seu ascendente multissecular sobre a nossa Humanidade. É nos facultado
compreender que Ele não se encontra entre os homens apenas há dois mil anos e
nem acompanha de longe os lances de nossa evolução, após ter contribuído com
seus exemplos.
É o eterno-presente, o sempre hoje em nossa vida.
Esmaece, também, o conceito do
fortuito em História.
Nossa evolução é dirigida no seu
todo e, em linhas gerais, responde a um determinismo místico. No curso da
caminhada, contudo, seguimos com nossas próprias pernas, escrevendo, dia a dia,
as páginas de nossa história, no exercício do livre-arbítrio. Nos momentos
cruciais, no entanto, somos beneficiados pela companhia de grandes Instrutores
da Espiritualidade Maior, liderando-nos e retificando-nos a senda de nosso progresso.
Embora as dores, estamos a caminho
da Luz.
A obra “O
Consolador”
O Espírito de Emmanuel, no livro “O
Consolador”, reformula e conceitua os departamentos da filosofia Espírita,
desmembrando-lhe o campo da História, que transfere para o capítulo de Ciências
Combinadas; o campo da Política, que agrega à Sociologia e o campo da Religião
que, muito apropriadamente, afirma ser o ápice sublime de todo esforço humano e
divino.
É uma atitude extraordinária!
Após esse desmembramento admirável,
procede a uma classificação das cinco áreas da filosofia espiritualista com uma
acuidade que só poderemos classificar de genial:
I
- Vida - aprendizado
experiência
transição
II
- Sentimento arte
afeição
dever
III
- Cultura razão
intelectualismo
personalidade
IV
- Iluminação necessidade
trabalho
realização
V
- Evolução dor
provação
virtude
Observemos, ainda, que, após tal disposição
dos departamentos da filosofia Espírita, Emmanuel realiza uma triangulação
que poderíamos dizer pragmática ou objetiva, induzindo-nos a aceitar a
filosofia por orientação de vida e não por mero exercício ou ginástica mental.
Assim, no primeiro departamento, nas bases, ele coloca: aprendizado e
experiência, tendo por ápice a transição, que é a passagem do Espírito de um
estágio inferior para outro imediatamente superior. No segundo departamento,
ele ajusta como alicerces: arte e afeição, culminando em dever. No terceiro,
encontramo-nos com a cultura e seus problemas, tendo razão e intelectualismo
por fundamento da personalidade. Após, necessidade e trabalho promovem a
realização. E, finalmente, dor e provação culminam com a virtude.
Esse processo, ele só em si, é
mensagem inteiramente nova.
Toda a problemática da filosofia
está em “O Consolador”, nos seus mais absorventes prismas, com a visão de
unidade que conduz o homem ao encontro e à compreensão de si mesmo. É o
autoexame do “conhece-te a ti mesmo”, a fim de burilar-nos, de aparar nossas arestas
espirituais, aproximando-nos da interação do homem-físico com o
homem-espiritual.
A obra “Roteiro”
A visão global da vida gera a
esperança.
A certeza de que nos encontramos a
meio caminho de um porvir dadivoso nos provisionará de imensurável consolação e
coragem, transmudando nossas lágrimas de sinônimo de angústia em pérolas de fé
raciocinada.
A filosofia Espírita é renovação.
Não poderemos satisfazer-nos com o
brilho externo de seus conceitos inovadores, qual se estivéssemos frente a
maravilhosa vitrine de sublimadas criações. Espiritismo não é doutrina
salvacionista, isto é, de ingresso garantido a um paraíso desejável. O
Cristianismo-
-redivivo
é bússola que nos pede o esforço da mutação interior de valores, sem o dualismo
de personalidades que aceitam-mas-não-fazem, acreditam-mas-não-se-transformam,
pregam-mas-não-realizam.
“Roteiro” é um roteiro autêntico, a
partir de seu prefácio que é um diálogo, cuja resposta nos pertence:
“Em
verdade, meu amigo, terás encontrado no Espiritismo a tua renovação mental.
O fenômeno terá modificado as tuas
convicções.
As
conclusões filosóficas alteraram, decerto, a tua visão do mundo.
Admites, agora, a imortalidade do
ser.
Sentes a excelsitude de teu próprio
destino.
Mas se essa transformação da
inteligência não te reergue o coração com o
aperfeiçoamento
íntimo, se os princípios que abraças não te fazem melhor, à frente
dos nossos irmãos
da Humanidade, para que te serve o conhecimento? Se uma força superior te não
educa as emoções, se a cultura te não dirige para a elevação do caráter e do
sentimento, que fazes do tesouro intelectual que a vida te confia?”
Repetiremos que Emmanuel,
representando o continuísmo da filosofia Espírita, é pragmático, ou seja,
identifica o verdadeiro com o útil; revela a verdade, objetivando a reforma
íntima. Não resolve e nem agita problemas: apresenta soluções, orientando o
pensamento humano. Por isso, suas indagações são feitas sem ressalva,
dialogando com nossa consciência:
- Para que te serve o conhecimento?
- Que fazes do tesouro intelectual
que a vida te confia?
A seguir, escreve quarenta
preciosíssimas ponderações, no contexto de “Roteiro”, colocando-nos ante as
grandezas infinitas do Universo, sem que nos ameace com desfechos derrotistas e
amargosos. Sua grandiloquente afirmativa é de que o Universo não vale, para o
Pai Celestial, o mesmo que uma simples alma repleta de paixões e de defeitos e,
por isso, a criatura se reerguerá da
posição a que se confiou no movimento de sua ascensão espiritual.
*
Emmanuel não é grande demais para o
nosso tempo.
Temos de convir que o relógio divino
nunca está sequer num segundo adiantado e nem um segundo atrasado. O seu tempo
é sempre tempo justo e, em decorrência, era tempo de Emmanuel, na filosofia
Espírita.
Com Emmanuel, a filosofia Espírita
atingiu um cume, permitindo-nos ver mais além, entredivisar detalhes, mensurar
esse complexo que se chama vida, projetando-se para o futuro como uma das mais
sublimes revelações do Plano Maior.
Elementos da
Filosofia Espírita
Roque Jacintho
Reformador (FEB) Junho 1970
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