Quando Napoleão fez a campanha do
Egito, levou um grupo de sábios para estudar, cientificamente, a terra dos
Faraós.
Uma noite, em que as estrelas
realçavam no céu profundo, mais fotogênicas do que as stars de Hollywood,
viajava Napoleão e sua comitiva sobre o Nilo, a bordo de um pequeno barco. Em
dado momento, os sábios pegaram uma discussão a respeito da existência de Deus.
Enquanto isso, Napoleão passeava no
tombadilho, cenho franzido e destra sobre o coração - nesse gesto clássico que
a História registou - preocupado com os problemas da campanha.
Daí a pouco, os sábios chegaram a um
acordo: Deus não existia. Ouvindo essa conclusão unânime, Napoleão parou junto
deles, e indagou:
- Então, afirmam os senhores que
Deus não existe?
- Sim, general. É uma hipótese
inútil no mecanismo do Universo.
Napoleão olhou demoradamente o céu
em plena floração estelar, e voltando-se para os sábios, perguntou:
- AIors, qui a donc fait ces étoiles?
(Quem foi, então, que fez essas estrelas?)
Os sábios emudeceram, e Napoleão
continuou o passeio ao longo do tombadilho.
O problema do Além nunca esteve
ausente das cogitações dos grandes mestres da literatura universal. Todos eles
possuem o sentido da Espiritualidade. A obra de Shakespeare, como se sabe, está
povoada de Espíritos, a começar pela mediunidade de Hamlet.
Lê-se em Montaigne: “Se eu ouvia
falar dos espíritos que voltam, das feiticeiras ou de qualquer outra história
que não podia entender, vinha-me compaixão pelas pobres criaturas iludidas.
Hoje, acho que, pelo menos, devia eu ser igualmente lamentado.”
A visão espiritual de Balzac fê-lo
declarar certa vez: “Tudo o que somos está na alma.”
Ninguém ignora que toda a vida psíquica
de Dostoievski foi dominada pela tortura de Deus.
O sentimento divino impregna os seus romances mais expressivos, notadamente ‘Os Irmãos
Karamazov’, que foi o livro de cabeceira de Tolstoi, às vésperas de deixar este
mundo.
Kafka, considerado um dos filósofos
do absurdo, e cujas personagens se movem numa atmosfera de realismo fantástico,
talvez não se tenha apercebido da grande verdade que lhe clareou o pensamento
heterodoxo no instante em que lançou estas palavras no seu Diário: “Não há outro mundo senão o mundo espiritual.
O que chamamos o mundo sensível é o Mal no mundo espiritual, e o que chamamos
mal, é a necessidade de nossa eterna evolução.”
Eis aí um trecho que qualquer
espírita assinaria, a principiar por Allan Kardec. Esse mesmo
Kafka, em conversa com o seu amigo e confidente Gustav Janouch, disse que “escrever
é, na realidade, uma forma de evocar os espíritos”.
O gênio de Proust anteviu o
nascimento de nossa consciente imortalidade após as núpcias com a morte, nesta
passagem de “Les Plaisirs et les Jours”: Et de nos noces avec Ia mort qui sait
si pourra naitre notre consciente immortalité.
mortalité.
E Joyce não afirmou, pela boca de
uma personagem de Ulisses, que “a morte é a mais alta forma de vida”?
Mas há o reverso da medalha, como
tudo na vida. Há os modernos filósofos do desespero, como Sartre, Albert Camus
e outras autoridades competentes no assunto, que chafurdam no submundo do
chamado Existencialismo, armazenando compromissos cármicos. Piores do que
estes, só mesmo os cultores de um certo tipo de Parapsicologia à Ia diable, que
Indalício Mendes classificou, espirituosamente de espiritismo sem alma.
Literatura e Espiritismo
Alberto Romero
Reformador (FEB) Julho 1971
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