O
desolador espetáculo que o mundo ora nos apresenta é fruto do trabalho tenaz do
materialismo, que jamais descansou em sua obra de demolição do sentimento
religioso, estimulado pelos erros e abusos cometidos pela Igreja, empolgada
pelo poder temporal e desatenta, muitas vezes, ao poder espiritual. As
restrições opostas pelos líderes católicos, em outros tempos, à ciência, à
liberdade de pensamento e de expressão, a outras religiões desamparadas do
prestígio oficial, etc., foram ampliando divergências que afetaram sua
autoridade. No passado, as lutas com adversários aguerridos, o separatismo, as
dissensões, enfim, tudo quanto poderia concorrer para reduzir a área de
influência do Catolicismo no mundo, principalmente na Europa (1), alcançava rápido progresso, graças
igualmente ao desenvolvimento simultâneo das conquistas científicas, que vinham
provando, de maneira crescente e irretorquível, a falta de base de argumentos
puramente sectários, sem
razão e sem lógica. De 1303 a 1447, período em que se evidenciou o declínio do
papado, à Reforma (1517-1648), a Igreja foi perdendo terreno sem cessar, embora
parecesse a muitos que, em determinadas ocasiões, houvesse superado as
dificuldades que a abalavam. A reação do Vaticano se fez presente, então, de
maneira mais positiva, quando Leão XIII divulgou a encíclica “Libertas
Protestantissimum”, em 1883, e a encíclica “Rerum Novarum”, em 1891, sobre a
situação dos trabalhadores (1891). Ambas, principalmente a última, provocaram
polêmicas calorosas. Eram, porém, sintomas das dificuldades que a Igreja já
tentava afastar para restabelecer uma autoridade que, mais e mais, lhe fugia.
Pio XI manifestou-se contra o
fascismo (1931) e o comunismo (1937); Pio XII conclamou a união contra os males
do mundo, na encíclica “Summi Pontificatus” (1939), e realizou um plano de paz
em 1939, sem deixar de sentir mais forte a precariedade da posição do Vaticano
em face dos acontecimentos políticos e sociais. Tanto assim que, em 1945, expôs
suas opiniões a respeito do poder espiritual da Igreja e os conceitos modernos
do Estado. Foi, porém, João XXIII quem, em “Mater et Magistra”, acentuou
corajosamente o problema das relações entre as comunidades políticas em
desenvolvimento econômico e as já desenvolvidas e com alto nível de vida. De um
lado, o pauperismo, de outro a riqueza. A atividade de João XXIII granjeou-lhe
a simpatia geral, depois da encíclica “Pacem in Terris”, pois abriu caminho
para o reajustamento que ora Paulo VI enfrenta, de certo modo preocupado com o
desembaraço excessivo de numerosos elementos do clero, muito “prá frente”,
contra o qual o Vaticano luta, na tentativa de evitar consequências ainda mais desastrosas
para o futuro da Igreja.
Fizemos este ligeiríssimo
retrospecto para deixar o leitor mais ou menos esclarecido quanto às tentativas
que vêm sendo feitas para evitar maiores estragos à autoridade da Igreja.
De Pio XII a João XXIII, todos os
papas se aperceberam da tempestade que começava a desabar sobre ela, como
resultado natural, não só dos desacertos do passado, como do desembaraço cada
vez maior atingido pelas forças do materialismo, “cavalo de Tróia” de
reivindicações perigosas.
Quem quer que estude os problemas da
causalidade, da chamada “lei de causa e efeito” ou “lei cármica”, compreenderá,
sem surpresa, que a Igreja entrou, efetivamente, na fase crítica do resgate das
faltas, erros e omissões cometidos, decorrentes da sua politização progressiva,
em prejuízo do seu prestígio espiritual. Quando a sua autoridade interna não
sofria nenhuma contestação, a disciplina lhe assegurava uma tranquilidade hoje
quase totalmente desaparecida. A indisciplina, porém, eclodiu em vários pontos,
bispos, padres e freiras têm dado públicas demonstrações de desrespeito a
Jesus, apresentando-o
até como vulgar agitador de massas, revolucionário político igual a tantos outros
que por aí andam a perturbar o mundo. Outros pregam a violência como
instrumento de ousadas reivindicações, relegando para plano inferior a doutrina
de compreensão, cordura e paz dos Evangelhos, sem mais esconderem o propósito
de provocar o desmoronamento, não apenas da Igreja Católica, mas da Religião.
Daí o recurso do papa a um ecumenismo que mal oculta seu estado de desespero,
para que se consolide a coalizão de todas as chamadas “grandes religiões”,
abrindo os braços de par em par para aqueles que outrora não a acompanharam, os
Ortodoxos; para os que dela um dia se afastaram, os Protestantes, assim também
para os que não professam o pensamento cristão, como o Judaísmo. As religiões
consideradas “pequenas” e “fracas”, entretanto, não foram atraídas para esse
ecumenismo de emergência, porque, sendo consideradas “pequenas” e “fracas”, não
poderão criar obstáculos à tentativa de restauração de uma autoridade em
agonia.
Hão de pensar, aqueles que não
conhecem os espíritas cristãos, que nos rejubilamos com o que sucede à Igreja,
por sabermos da sua posição anticristã contra o Espiritismo. Não, de modo
algum. Não somos ingênuos e compreendemos bem que as forças da Treva querem
reduzir os grandes redutos religiosos à impotência, para, depois, ocupar-se dos
que consideram pequenos, quanto ao número, embora não o sejam propriamente
quanto à fé que os anima. Busca-se destruir a Religião, para que o materialismo
reduza a Humanidade inteira a uma escravidão sem exemplo na História da Terra.
Querem banir definitivamente, da vida humana, o sentimento religioso.
Reflitamos, nós, espíritas, sobre
tão importante quão melindroso aspecto da vida atual e compreendamos a
necessidade urgente e imperiosa de seguirmos uma linha de conduta ainda mais
rigorosa, quanto ao respeito que todos devemos a Deus e a Jesus, exemplificando
os Evangelhos e seguindo as instruções que nos enviam nobres Entidades do Alto,
todas a serviço do Mestre!
Prestigiemos cada vez mais, pelo
exemplo, a Doutrina codificada por Allan Kardec, porque somente a
exemplificação nos dará forças para resistir à onda de aniquilamento dos
valores morais e espirituais da Humanidade, promovida pelos propugnadores do
materialismo ateu, ostensivos ou embuçados. Recordemos o sacrifício dos antigos
cristãos lançados às feras, e nos unamos, pelo exemplo e pela prece, para a defesa
dos princípios evangélicos!
(1) Vide "Os conflitos entre a ciência e a
religião" e "Desenvolvimento intelectual da Europa", ambos de W.
Draper; "A luta entre a ciência e a teologia", de White.
Ofensiva do AntiCristo
Túlio Tupinambá / (Indalício
Mendes)
Reformador (FEB) Fevereiro, 1970
Nenhum comentário:
Postar um comentário