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Abandonando
Marte, rumo das zonas progressivamente mais afastadas do nosso astro central, e
antes de alcançar a órbita de Júpiter, encontramos um vastíssimo espaço que por
muito tempo se acreditou deserto. Desde 1801 começaram, porém, a ser
descobertos minúsculos planetas, cujo numero, à medida que se multiplicavam as
observações, foi gradualmente crescendo, até exceder em muito a quatrocentos.
Quatrocentos
e muitos asteroides dotados de movimentos próprios, circulando em torno do Sol
como os demais planetas e apresentando uma variedade considerável de diâmetros, que decrescem de 400 a 30 km e
provavelmente menos, encarregam-se assim de demonstrar que ali, onde o homem
supunha existir a vazia imobilidade, palpita a vida como por toda parte, até
aos inexistentes confins do universo. Que formas dessa vida ilimitada e inextinguível se ostentarão naqueles liliputianos
viajores do céu? Serão habitados por seres, naturalmente microscópicos,
adaptados às condições de sua, relativamente, minúscula superfície?
A
razão nada tem que opor a essa probabilidade irrefragável. Mas também a prudência
nos aconselha, dada a escassez de dados positivos, colhidos pela observação,
acerca desses longínquos asteroides, a não insistir demasiado a seu respeito,
tanto mais que, alguns milhões de léguas adiante, vamos encontrar "o
gigante dos mundos," que muito mais vasto campo e superiores motivos oferece
à nossa consideração.
Júpiter
circula a uma distância média do Sol de 192 milhões de léguas (mais de cinco
vezes a que nos separa do astro-rei) e faz o seu percurso em 11 anos e 10 meses
e 27 dias dos nossos. Pesa 309 vezes mais que a Terra e o seu volume é 1.279 vezes
maior, correspondendo a sua superfície à de 144 Terras. Tem 4 satélites. Dada a
distância a que gira do Sol, o disco deste fica reduzido a menos da quinta
parte do diâmetro que nos apresenta e a menos da 25ª parte da superfície. A luz
e o calor que dele recebe, em media, são 27 vezes menos intensos que o que recebemos.
Essa
considerável diferença de intensidade luminosa e calorifica deve ter produzido
o efeito de organizar a vida em condições muito diferentes das que presidiram à
organização da vida terrestre.
Como
a inclinação do seu eixo é insignificante, de sorte que o giro se efetua quase
verticalmente, resulta não haver em Júpiter variedade de estações nem de
climas: os dias têm a mesma duração todo o ano; o sol descreve o seu aparente
movimento diurno quase no plano do equador; não há zonas tropicais nem círculos
pobres; é um equinócio perpétuo, uma primavera constante para todas as regiões
do globo, pois que a temperatura decresce harmoniosamente do equador aos polos.
Mas,
ao mesmo tempo que percorre muito lentamente a sua órbita em torno do Sol, gira
com extrema rapidez sobre si mesmo, a tal ponto que a sua rotação se efetua em
menos de 10 horas, tendo assim o dia cerca de 5 horas, e a noite cerca de
outras cinco . Como o seu ano é igual a quase doze dos nossos, a rapidez dos
dias faz que em Júpiter o ano se componha de 10.455 dias.
“Essa
rápida sucessão de luz e trevas - diz Flammarion - deve exercer uma grande
influencia no modo de viver dos seus habitantes."
Mas
já estará efetivamente habitado, ou apenas percorrendo fases preparatórias
desse desideratum culminante?
Se
a razão nos diz que não pode deixar de ser excelente habitação um planeta como
esse, em que tão favoráveis condições se acham reunidas, como extensão gigantesca,
suavidade de luz, igualdade de estações e climas, apropriadas a seres cuja
delicadeza de sentidos não carece, para se desenvolver e exercitar, de
contrastes violentos, as observações astronômicas já efetuadas, apesar da
considerável distância a que estamos dessa esfera colossal, sugerem dúvidas,
entretanto, senão quanto a sua futura habitabilidade, pelo menos quanto á
atualidade desse fato.
Aquelas
observações têm, com efeito, revelado a presença de faixas mais ou menos
largas, mais ou menos intensas e de diverso colorido, não fixas na superfície,
que se não vê, como se vem, por exemplo, em Marte, os continentes e os mares,
mas na sua atmosfera, de que, como as nuvens, parece fazerem parte, as quais
passam por constantes e rápidas modificações. É verdade - observa C. Flammarion
– “que essas perturbações atmosféricas podem se efetuar no imenso envoltório aéreo de Júpiter,
sem que a superfície do planeta se encontre num estado de correspondente
instabilidade." Mas certas manchas como, entre outras, uma de forma oval
muito alongada e de cor avermelhada escura, observada desde 1877 e que, com
variações de matiz, se conservou até 1889, apresentando uma extensão de 40.000 km
(três vezes mais que o diâmetro do nosso mundo), parece indicarem um continente
que se está formando e que emite vapores flutuantes acima dele.
Julgava-se,
até há poucos anos, que a temperatura da superfície de Júpiter fosse inferior à
da nossa atmosfera, em consequência de estar esse planeta muito mais afastado
do Sol. Mas a existência do vapor de água que satura a sua atmosfera e os
formidáveis movimentos que daqui vemos lá se efetuarem e que a ação calorífica
do Sol, enfraquecida como é, não bastaria para determinar, induzem a crer, pelo
contrário, que Júpiter tem mais calor que a Terra; deve ter à superfície muito
mais calor que o que o Sol lhe pode dar. Talvez tenha vulcões e nascentes de
vapor; será talvez a sede de revoluções capazes de produzirem os fenômenos que em sua atmosfera se
observam; talvez que a eletricidade intervenha nessas variações e também que
aquela atmosfera se incendeie em inúmeras auroras boreais."
Tudo
indica que, enquanto Mercúrio, Vênus e Marte se parecem mais ou menos com o
nosso mundo, o mesmo não sucede com Júpiter. Lá, os materiais constitutivos, o
estado molecular físico e químico, as forças locais, a eletricidade e o calor
estão em condições muito diferentes das que apresentam nos outros quatro
mundos.
Deste
modo - acentua o mencionado autor - o regime metereológico de Júpiter, tal como
da Terra o observamos, induz à conclusão de que a atmosfera desse planeta passa
por variações mais consideráveis que as que, por si só, produz a ação do Sol;
que essa atmosfera é muito densa; que a sua pressão é enorme e que a superfície
do globo parece não te chegado ao estado de fixidez e estabilidade a que já
chegou a Terra. É provável que, apesar de formado antes desta, tenha conservado
muito tempo depois o calor originário, em virtude do seu volume e da sua
massa."
Daí
as seguintes interrogações: será esse calor bastante elevado para impedir
qualquer manifestação vital, e estará esse globo atualmente no estado de sol
escuro e ardente, inteiramente liquido ou apenas coberto por uma crosta
condensada, como esteve a Terra antes que começasse o aparecimento da vida em
sua face? Ou terá a temperatura do nosso período geológico quando a vida começava
a se manifestar, com formas estranhas, em seres vegetais e animais de extrema vitalidade, no meio
das convulsões e das tempestades de um mundo então nascente?
Nada
se pode, por enquanto, saber de positivo. Flammarion contudo inclina-se pela última
hipótese, "como a mais racional que se pode inferir das observações,"
mas tem o cuidado de prudentemente advertir: "como, todavia, não conhecemos
todos os recursos que a potencia virtual da natureza encobre, a lógica nos obriga
a admitir que esse mundo tão diferente do nosso poderia muito bem, apesar da
nossa ignorância, ser atualmente habitado por organismos extraterrestres."
De
todo modo, a habitabilidade de Júpiter nos aparece como um fato incontestável:
atual para seres organizados de modo apropriado às suas, aparentemente ao
menos, instáveis condições, que estamos, entretanto, longe de conhecer com exatidão;
subsequente a essa fase preparatória em que nos parece estar, se é isso o que
acontece, e em tal caso, estabelecido o equilíbrio nos seus magníficos
elementos, será a ditosa morada de espíritos aptos a utilizá-los e dignos de
fruir os seus esplendores.
Saturno
move-se a uma distância media do Sol de 353 milhões de léguas e faz a sua
revolução em torno desse astro em 29 e meio anos dos nossos: mas, como a rotação em torno de si mesmo se efetua em 10 horas e 14
minutos, o seu calendário é de 25.000 dias.
A
sua superfície é igual à de 80 Terras reunidas e o seu diâmetro equatorial mede
30.000 léguas. Tem um volume 719 vezes maior que o da Terra e corresponde a três
quintas partes do gigantesco Júpiter, que é o maior de todos os planetas do sistema.
Um
a das mais notáveis curiosidades de Saturno são os anéis que o circundam,
formados de substancia cósmica ainda não definida, e que têm um diâmetro de
71.000 léguas, medindo 11.800 léguas de largura e 60 a 70 quilômetros de
espessura. Por fora desses anéis giram 8 satélites de tamanhos diferentes.
Como
a inclinação de Saturno sobre a eclíptica difere pouco da inclinação da Terra,
é fácil concluir que as suas estações, posto que cada uma delas dure 7 anos,
apresentam entre si - particularmente o inverno e o verão - um contraste
semelhante ao que entre nós se observa. Os climas lá correspondem às zonas tórridas,
temperadas e glaciais. Cada um dos polos e cada um dos lados do anel permanece
quatorze anos e oito meses sem sol! Quanto à luz e calor, como esse mundo está quase
10 vezes mais afastado do Sol que nós e o vê com um diâmetro 10 vezes menor e
com uma superfície 90 vezes mais reduzida, dai resulta que recebe 90 vezes
menos luz e calor que a Terra. As suas
condições de existência devem, portanto, diferir consideravelmente das nossas.
A
observação direta, de concerto com a análise espectral, revela a presença de
uma atmosfera análoga à de Júpiter, tão densa e carregada de nuvens que, como
nesse planeta, nunca se vê a superfície do solo, exceto nas proximidades das
regiões polares, de ordinário mais brancas que as zonas temperadas e tropicais
e que são provavelmente cobertas de gelo.
A
intensidade da gravitação na superfície de Saturno excede cerca de 1/10 à da
Terra: mas a densidade das substâncias é 7 vezes menor, e como, pela forma esferoidal
do planeta, essa densidade cresce da superfície para o centro, segue-se que as
substâncias exteriores são de uma leveza inconcebível. Se, ao demais, essa
atmosfera é tão profunda como parece, deve ser, na base, de uma forte densidade
e de uma enorme pressão, mais pesada assim que os objetos da superfície.
Conclusão: seres e coisas deveriam, ou devem, flutuar em vez de aderir á superfície,
como entre nós sucede. Seres aéreos e objetos voláteis!
As
observações telescópicas, por outro lado, induzem a crer que há em Saturno uma
quantidade de calor maior que a que resultaria, por sua distancia, do Sol,
visto de lá, como ficou dito, 90 vezes menor em superfície e emitindo assim 90
vezes menos luz e calor que o que recebemos. Em tal caso, a água só poderia lá
existir no estado sólido, ou de gelo, e o vapor d'água não se poderia produzir,
formando nuvens semelhantes ás nossas. Ora, como se observam na sua atmosfera
variações meteóricas análogas às de Júpiter, posto que menos intensas, é
evidente que o mundo de Saturno tem uma temperatura pelo menos tão elevada como
a terrestre, senão mais.
A
particularidade mais singular do calendário de Saturno é não somente a apontada
circunstância de ter 25 mil dias o ano, mas serem de oito diferentes durações
os seus meses, que variam de 22 horas até 79 dias, isto é, desde dois até 167
dias de Saturno . É como se aqui tivéssemos, do mesmo modo que os saturninos, 8
luas que girassem em 8 períodos diferentes.
"Os
habitantes de um mundo como esse - é ainda Flammarion quem o assinala - devem consideravelmente
diferir de nós sob todos os pontos de vista. A leveza especifica das substâncias
e a densidade da atmosfera de Saturno terão encaminhado a organização da vida numa
direção extraterrestre e as manifestações da vida ter-se-ão produzido e desenvolvido
lá sob formas inimagináveis.
"Como lugar de
habitação deve ser maravilhoso e não podemos duvidar de que a Natureza tenha
sabido tirar o melhor partido de todas essas condições, como o fez aqui das medíocres
condições terrestres. "
Não
passemos adiante, sem, contudo, fazer uma observação, humilhante que seja
embora para a soberba e presunção humanas. Vista de Saturno, como também de Júpiter, a Terra é apenas um pontinho luminoso. É,
todavia, o último planeta de onde pode ainda ser avistada. Invisível assim para
o resto do universo, é como se de fato não existisse. Quanto mais as mesquinhas
grandezas, as ambições, as gloríolas, de que tanto se ufana o minúsculo verme
que é o homem!
Urano
dista do Sol 710 milhões de léguas e percorre a sua órbita em 84 anos dos
nossos. Mas em virtude da rapidez da rotação, efetuada em 11 horas, o seu
calendário é de 60.000 dias. Abrange 23.400 léguas o seu diâmetro,
e o seu volume é 69 vezes maior que o da Terra, sendo muito maior que Mercúrio,
Vênus, Terra e Marte reunidos. A sua massa excede 13 e meia vezes a da Terra e
a sua matéria é muito leve, correspondendo à 5ª parte da nossa a sua densidade.
Tem 4 satélites.
A
atmosfera de Urano, revelada na análise espectral, difere da nossa por sua
faculdade de absorção; assemelha-se mais às de Júpiter a Saturno e contém gases
que em nosso planeta não existem.
Na
distância a que está de Urano, o Sol apresenta um diâmetro 19 vezes menor que a
nós e uma superfície 368 vezes menos extensa, o que equivale a dizer que esse
mundo, comparativamente com o nosso, recebe 368 vezes
menos luz e calor. “A julgar pelas
nossas impressões terrestres, deve ser um deserto de gelo, ao pé do qual as
solidões polares e as neves e tempestades do Monte Branco seriam um Senegal ou
um Saara."
Temerário
seria, contudo, concluir dai que seja inabitado ou inabitável. Devemos antes
supor que, em suas infinitas possibilidades, ter-se-á organizado nesse mundo a
natureza em condições tão propicias à existência dos seres na atmosfera frígida
e eternamente crepuscular que o caracteriza, como o serão decerto as de Mercúrio,
por exemplo, aos seus habitantes.
Netuno,
o último e mais longínquo planeta do sistema, gira a uma distância media de 1
bilhão e 112 milhões de léguas do Sol, em torno do qual efetua a sua revolução
em quase 165 anos dos nossos, acompanhado apenas de um satélite (pelo menos
ainda não foram descobertos outros) .
O
seu diâmetro é quase quatro vezes maior que o da Terra e o seu volume 55 vezes
maior. A sua densidade corresponde a um terço apenas, mas a gravidade à sua
superfície é quase igual. A rotação que sobre si mesmo efetua ainda não pode
ser calculada, mas presume-se que seja muito rápida, como a de Júpiter, Saturno
e Urano, devendo em tal caso ser extremamente curtos os seus dias.
A
análise espectral, apesar de ser muito fraca a luz que apreciamos em Netuno,
chegou contudo a revelar a existência de uma atmosfera absorvente em que se
encontram gases que não existem na Terra e que apresentam semelhança de
composição química com a atmosfera de Urano.
O
Sol apresenta já um diâmetro reduzido 30 vezes; a superfície visível é,
portanto, 900 vezes menor e assim o calor e a luz que fornece correspondem a
900 vezes menos que os que nos fornece a
nós .
"Que
valor - interroga Flammarion - tem uma luz e e um calor desses? Não há dúvida
que não é o Sol simplesmente uma estrela para os netuninos, pois que ainda
brilha mais que 40 milhões de estrelas de primeira grandeza. Mas deixar a Terra
e ir para Netuno, seria como deixar a luz e o calor para penetrar nas trevas e
no gelo."
Não
se deve, entretanto, só por isso concluir que esse mundo esteja, temporária ou
definitivamente, privado de vida e de habitantes. Pode acaso conceber-se que
haja no universo uma região inteiramente morta, quando
vemos por toda parte esse fenômeno, a vida, palpitar em torno de nós, na terra,
na água e no ar? E que estranhos e inusitados ritmos não apresentará fora dos
restritos limites em que a apreciamos e nos é familiar!
Nas
profundezas do oceano, em que erradamente se supunha que só reinava a treva, e
o silêncio, pacientes observações tem demonstrado que os seres, que as povoam,
não somente fabricam uma luz fosforescente que os ilumina, como tem entre si
meios de correspondência, o que quer dizer que emitem sons, imperceptíveis
embora para nós, a não ser com o auxílio de delicadíssimos instrumentos. Porque
não poderiam os espíritos em Netuno, se, como é presumível, são superiores, ter
luz própria, luz astral, que ilumine a sua habitação?
Seja-nos
lícito, pois, concluir com Flammarion:
"Do
estudo e observação do universo físico uma verdade resulta e se impõe: é a
presença de uma mesma força, de um mesmo movimento e de uma mesma lei que rege
a harmonia de todos esses mundos." E, pois que são constituídos por uma
substância originariamente idêntica - a matéria cósmica primitiva - a ideia da
unidade de substância se impõe como a da unidade de força. A variedade das
condições se sucessiva organização determinou uma variedade correspondente nos
produtos definitivos.
"A unidade de
origem - termina ele - não oferece dúvida e temos, de há muito, razões para
acreditar que o hidrogênio é o corpo que mais se aproxima da substância
primitiva, essencialmente simples . A análise espectral confirma hoje este modo
de ver. As diferenças da nossa grande família solar não são, portanto, essenciais,
são principalmente diferenças de graus, o que é ainda confirmado pela análise
espectral. As estrelas, sois do espaço, são irmãs do nosso Sol. Unidade de origem,
unidade de força, unidade de substância, unidade de luz, unidade de vida no
universo imenso, através da variedade infinita dos aspectos e das gerações.
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