quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

15. 'O Cristianismo do Cristo e o dos seus vigários'


15
 “O Cristianismo do Cristo
e o dos seus Vigários...
           
Autor: Padre Alta (Doutor pela Sorbonne)
Tradução de Guillon Ribeiro
1921
Ed. Federação Espírita Brasileira
Direitos cedidos pela Editores Vigot Frères, Paris




            Durante os quarenta anos de êxodo pelo deserto que separava o Egito da Palestina, todas as coisas, naturalmente, eram comuns, a todos. Era o socialismo puro, infinitamente mais fácil, em verdade, pois que não tinha fundo social. Era o socialismo voluntário, sem espoliação prévia, não poluído por nenhuma revolução, por nenhuma violência.

            Quando Josué, vencedor das hordas de salteadores que infestavam a região, entrou na Palestina com o seu povo de emigrados, fez-se, de acordo com as instruções de Moisés, a partilha de todas as terras que haviam ficado devolutas, mas fez-se em nome de Deus, senhor de todo o Universo. Fez-se segundo uma teocracia tão pouco clerical, que somente os sacerdotes foram privados do direito de propriedade territorial. Designaram-se-lhes, para habitação, pequenos burgos disseminados por todo o território, a fim de que pudessem cumprir por toda parte o dever de educar e consolar. Deram-se-lhes rebanhos, mas, para pastagens, apenas terrenos vagos, os "comuns", deixados aos estrangeiros e aos pobres.

            Todos os demais Israelitas, ao contrário, receberam, cada um, a sua parte de propriedade territorial, todas, indistintamente, sem nenhum privilégio e a título de patrimônio de família, não, individual. A balbúrdia da emigração substituíra a organização que fora sendo estabelecida pouco a pouco, no curso dos quarenta anos do êxodo: os sem-pátria foram sendo separados e grupados em doze tribos, conforme ao número, lendário ou real, dos filhos do antepassado Jacob-Israel. Josué dividiu o país conquistado em outros tantos departamentos, para que cada tribo ocupasse o seu e também para que o parentesco estreitasse os laços de vizinhança, porquanto, naquele cérebro equilibrado, a ideia de igualdade não abolia o principio hierárquico, sobretudo de hierarquia familiar, como Moisés, Josué sabia que a base necessária a toda sociedade é a família. Ambos queriam que "o Povo de Deus" fosse como uma família aumentada indefinidamente, no seio da qual a autoridade contrabalançasse a liberdade. O privilégio, porém, foi tão cuidadosamente afastado, que só de si mesmos os distribuidores se esqueceram na distribuição: Josué e seu lugar-tenente Caleb, só depois de aquinhoados todos, determinaram as partes que lhes tocariam e em regiões ainda não conquistadas.

            Tal o presente. Com relação ao futuro, forte barreira se levantara contra todo açambarcamento, contra toda possibilidade de feudalismo, tendo sido tomada uma garantia, em prol da constituição familiar, contra a incapacidade, a indolência, ou os vícios individuais. Toda hipoteca sobre uma propriedade, qualquer que fosse esta, era levantada pela lei e extintas todas as dividas, de sete em sete anos, e toda propriedade que se alienasse de qualquer maneira, fosse em proveito de quem fosse, voltava, por força da lei, ao cabo de cinquenta anos, na época do grande Jubileu Nacional, à família a quem originariamente pertencera.

            Tais restrições podem parecer inaceitáveis às nossas sociedades modernas, construídas sobre ideias de instabilidade, de desigualdade, de açambarcamento, de exploração desregrada. Inegável, entretanto, é que, graças a essa constituição moisaica, o povo Judeu ainda se conserva um verdadeiro povo, não um povo escravizado, como a raça hindu, mas um povo unido, sólido, indestrutível, quase onipotente, após as catástrofes, dispersões, opressões sem conta que vem suportando há três mil anos. E as nossas sociedades modernas, que substituem a única e eterna Lei Social por inumeráveis constituições políticas, todas mais ou menos tísicas, já sentem, conquanto nascidas de ontem, os vermes a devorá-las, antes mesmo que se hajam tornado cadáveres.





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