sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Espiritismo no Sertão



O Espiritismo no Sertão


Ismael Gomes Braga
Reformador (FEB) Dezembro 1946

            Tive a fortuna de vir passar uma temporada de repouso numa pequena fazenda que ainda não conhece luz elétrica, jornais, telefone, rádio, automóvel, intrigas políticas, lutas econômicas, campanhas de classe. Gente simples e boa que vive fraternalmente, presta serviços recíprocos e desconhece 90% da maldade hipócrita da cidade. O lugar chama-se Tomba-Morros, nome que se origina das numerosas montanhas que cercam o  vale pacífico, onde se acham construídas umas dez casas de proprietários e empregados, distanciadas uns cem metros umas das outras. 

            As quatro famílias de proprietários são de irmãos, todos agricultores, que formam uma população total de umas sessenta pessoas, na maioria crianças ou jovens de menos de vinte anos.

            Com surpresa, vim encontrar aqui obras de Kardec em pleno estudo, em sessões diárias, às quais assistem umas quinze ou vinte pessoas. Há vários médiuns em desenvolvimento e o mais desenvolvido é uma senhorita de 18 anos de idade, por intermédio da qual o Guia dirige as sessões de estudo. A sessão consiste em preâmbulo, prece inicial, leitura do ponto, comentários, prece final. Só a leitura não é feita pelo Guia.

            Excepcionalmente são trazidos Espíritos para serem doutrinados e, neste caso, o doutrinador é o Guia e o doutrinado incorpora-se em outra médium um pouco mais jovem ainda do que a senhorita já mencionada. Essa ordem de serviços foi um tanto alterada pelo Guia desde a minha chegada, porque ele me confiou interinamente parte do trabalho de comentar e doutrinar.

            Essas sessões, a que assistem todos os habitantes adultos do Tomba-Morros, tiveram seu início há seis meses e têm longa e dolorosa história de doze anos terríveis, como preparação inconsciente pelo caminho horrível das obsessões que se manifestavam pela desarmonia, disputas, inimizades, injúrias, ameaças, tentativas de homicídio, ódios, sem causa alguma que o justificasse.

            Em Abril deste ano, duas senhoras foram tomadas por Espíritos violentos e inimigos um do outro, que durante dias consecutivos trocaram insultos os mais soezes. Eram mãe e filha, ambas delicadas, amorosas e boas amigas em seu estado normal. Aqui foram chamados membros do Centro Espírita da cidade mais próxima e, após muitas horas de doutrinação improfícua, como última solução para evitar perigosas consequências físicas, decidiram conduzir uma das "possessas" para a cidade. Assim evitaram a continuação das ofensas morais que ameaçavam degenerar em agressão material.

            O trabalho perseverante desses dedicados e pacientes trabalhadores da Seara deu os resultados desejados: foram afastados os obsessores, violentos e grosseiros colonos italianos, que se insultavam em seus dialetos totalmente desconhecidos das duas senhoras, ambas brasileiras, e que só conhecem o português. Começaram a estudar a Doutrina e a compreender agora que os martírios, sobressaltos, temores, perigos, de doze anos de desarmonias, não tinham causa na presente encarnação, mas possuíam raízes em encarnação passada, pondo-os à disposição de outros Espíritos, hoje desencarnados, que, tomaram parte em atos e faltas de outros tempos. As portas de muitas almas se achavam abertas a tais influências por erros e faltas reciprocas de anterior encarnação.

            Revelado o passado e compreendido que todas as desinteligências de hoje eram promovidas por influências espirituais, restabeleceu-se a paz e a perfeita harmonia entre esta boa gente. Reina hoje inteira confiança recíproca e a Doutrina salvadora passou a ser pão cotidiano. O Guia recomenda que se não comente o passado nem mesmo na maior intimidade, para que ele a pouco e pouco fique esquecido.

            E, diante de fatos como estes, ainda há quem suponha que o Espiritismo possa ser evitado, que o homem possa opor embargos à sua marcha providencial!  Quão pequeno e fraco é o homem diante dos desígnios de Deus! Felizmente, somos incapazes de triunfar sempre contra a lei, porque a dor se encarrega de reconduzir-nos ao caminho reto que nos leva à perfeição. 

            Em toda essa longa história que aqui reduzimos a poucas palavras, ressalta uma figura heroica que é a do paciente Guia que não abandona por um instante os seus protegidos; repreende com autoridade; aconselha com sabedoria; resolve os mínimos casos; ora com fervor e se manifesta a todos os momentos em que sua presença se faça necessária. Foi, em vida virtuoso sacerdote católico-romano, conhecido pessoalmente de alguns membros dessa família e do autor destas linhas. Desencarnou há perto de vinte anos e comunica que uma das jovens médiuns veio ao mundo para a missão especial que iniciou em Abril deste ano, havendo eles ambos - a médium e o Guia - assumido o compromisso de re harmonizar as referidas famílias. Até agora podemos felicitá-los pelos resultados já obtidos. Que Deus lhes dê forças para prosseguirem com o mesmo êxito até ao fim!



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