Será
que a carapuça se encaixa em alguns de nossos palestrantes?
Péssimos sermões
Direção
Reformador (FEB) Junho 1961
O que se vai ler não é nosso. É uma
grande parte do artigo publicado, no "Jornal do Comércio" de Recife,
edição de 20-3-61, pelo Prof. Dr. Olívio Montenegro, católico praticante de
grande projeção em todo aquele Estado.
Porque as suas observações - com
tristeza o dizemos - se ajustam a muitos oradores espíritas, é que nos dispomos
a transcreve-las nestas colunas.
"Deus me perdoe se digo uma heresia; mas hoje para se entrar
indiferentemente numa igreja e cumprir aos domingos e dias santos o mandamento
da santa missa, é preciso uma alma perfeita, experimentada já em longos e
penosos exercícios de penitência.
Digo
assim por causa do sermão que o bom e desprevenido filho de Deus se arrisca a
ouvir de padres de muitas dessas igrejas. Padres excelentes, de um fundo
cristão admirável, sempre em dia com os seus deveres religiosos, mas que uma
vez no púlpito se transfiguram; o demônio da vaidade toma conta deles e ficam
então só no verbo, um verbo difuso, confuso, exclamatório, que ora parece feito
todo de vento, ora todo de fumaça, e dando não raro a impressão assustadora,
terrível, de que não vão acabar mais, como se o orador se tivesse emaranhado e
perdido nas suas palavras, sem poder sair delas.
O primeiro impulso é acudir,
socorrer o padre, tirá-lo do púlpito como se tira do mar um náufrago.
Não compreendo bem porque, sob o
pretexto de explicar os santos e simples Evangelhos, padres a quem falta todo o
dom da palavra se alastram em sermões enormes e de que tão pouco ou
absolutamente nada vai ficar no espírito dos seus ouvintes que lembre a
sabedoria do Divino Mestre.
E o mais grave é que eles não se
contentam com a palavra somente, a palavra e mais nada, a palavra nua e crua
caindo como solitários pingos de sebo sobre a muda paciência dos seus ouvintes.
O sermão, assim descarnado e seco, seria uma modéstia, mas a vaidade não pode
ser modesta. Dai esses sermões se acompanharem de mil gestos e trejeitos, e outras
vezes são os olhos do pregador que só faltam pular das órbitas de dramaticamente abertos como um
apelo de possesso ao aplauso e à admiração dos piedosos e calados fiéis.
É toda uma mímica de teatro que se
surpreende em certos desses sermonistas, como se dentro deles estivesse não o
anjo de que fala S. Bernardo, mas o próprio demo; o espírito do Maligno, não o
Espírito divino. Porque, falando a verdade, esses oradores sacros chegam a ser
enfáticos, não apenas com a voz, mas com todo o corpo, e se deixam por vezes
ficar na ponta dos pés, como se somente eles devessem aparecer, e quisessem
encobrir Deus.
Outros há que não apenas arregalam
os olhos mas piscam mesmo os olhos para os fiéis, quando intercalam uma graça
no seu discurso, quando se dão ao humorismo ou ao sarcasmo. E ainda os há que
abrem desmesuradamente os braços como se fossem voar, provocando assim uma
esperança feliz nos assistentes. Mas nunca voam.
Isto sem falar nos frades
barbilongos, de uma aparência venerável, cuja presença no púlpito parece uma
cópia dos antigos profetas, mas, logo que começam a falar, sente-se que o
profeta foge dele e fica só o frade sonoro.
Assisti um dia destes à falação de
um desses frades cheios de longa barba e de longos sermões. Começou manso, num
tom morno, quase de surdina, quando, de repente, se desgarra a sua voz em
exclamações de um patético de teatro. Exclamações do tamanho de um grito. A
própria face do bom frade pareceu transfigurar-se; a sua longa barba eriçou-se
toda como um feixe de espinhos, espinhos talvez para uma nova coroa de martírio
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Vêm
de longe, é preciso que se diga, esses espetáculos de vaidade. Desde a Idade
Média. No seu famoso livro "De
Humilitate", já S. Bernardo, que é uma autoridade insuspeita, a mais
insuspeita de todas, alude a esses monges que "têm fome e sede de um auditório diante do qual possam exibir todos os
tesouros da sua vaidade e fazer bem apreciar o seu valor, mostrar o que são".
Em seguida a outras considerações do mesmo teor, ainda diz S. Bernardo: "ouvindo-se a esses monges, dir-se-ia que a
sua boca é um rio de vaidade".
O padre Antônio Vieira é um pouco
mais rude.
Ele diz no seu sermão da Sexagésima: "Uma das felicidades que se contava,
entre as do tempo presente, era acabarem-se as comédias em Portugal; mas não
foi assim. Não se acabaram; mudaram-se; passaram-se do teatro ao púlpito."
E mais adiante: "Muitos sermões há que não são comédia, são
farsa. Sobe talvez ao púlpito um pregador, dos que professam ser
mortos para o mundo, vestido ou amortalhado em um hábito de penitência (que
todos, mais ou menos ásperos, são penitência; e todos, desde o dia que
professamos, mortalhas), a vista é de horror, o nome de reverência, a matéria
de compunção, a dignidade de oráculo, o lugar e a expectação de silêncio; e,
quando este se rompeu, que é que se ouve?" Comédia e farsa, responde o mesmo Padre Vieira.
Consola-nos que nem todos fazem
comédia e farsa. Há os padres simples e de uma inteligência
que vai direto ao que mais importa saber dos fatos do Cristianismo, que não
especulam enfaticamente com o antigo e o novo Testamento. Aqui mesmo, numa ou
noutra paróquia, assim os vemos."
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