Perante os Mortos
Emmanuel
por Chico Xavier
Reformador (FEB) Novembro 1962
Quando visites o campo convertido em
relicário da cinza dos mortos, procurando tatear a lembrança dos seres queridos
que o sepulcro recobre, endereça-lhes a própria alma, em forma de amor, porque
eles vivem.
Pensa neles com o enternecimento de
quem reencontra velhos amigos, apartados de ti por temporária separação.
Qual se estivessem, involuntariamente,
numa parada expectante, falam-te, em silêncio, a verdade que o verbo humano não
articula.
Basta medites para que lhes recolhas
a voz...
Poderosos de ontem, que abusavam da
autoridade, lamentam o capacete esbraseado de angústia e remorso que lhes
envolveu as consciências; déspotas de variados matizes, que zombaram da fraqueza
ou da ignorância do próximo, conservam enterradas, no próprio peito, as lâminas
repulsivas com que desataram as lágrimas alheias; juízes, que leiloaram a
dignidade dos tribunais, suportam as consequências do arrazoado precioso com
que vestiram sentenças ímpias; intelectuais que encharcaram a pena em lodo
mental, assalariando a própria inteligência no artesanato do crime, clamam
contra o nevoeiro que lhes entenebrece os pensamentos; tribunos, que esconderam
propósitos sombrios em frases fulgurantes, ouvem, no adito de si mesmos, as
doridas exprobrações de quantos lhes caíram na vasa das intenções subalternas;
artistas, que injuriaram a Natureza, senhoreando-lhe os recursos para
suscitarem nos outros a delinquência emotiva, arrastam-se, obsessos e infelizes,
nos torvelinhos da insanidade; pessoas dinheirosas, que fizeram do ouro e da
prata incenso constante à própria vaidade, buscam, em vão, apagar a mentira das
pomposas legendas que lhes marcam os restos...
Junto deles, porém, surge a caravana
dos que chegam dos cimos, a entremostrarem o próprio rasto por mensagem de luz.
São aqueles que sobrenadaram a onda
móvel e traiçoeira das ilusões humanas, desvelando os próprios corações por
lábaros esplendentes... Ostentavam nomes admirados, mas souberam transfigurar a
própria grandeza no trabalho em que se tornavam pessoalmente humildes e
pequeninos; foram titulados, na culminância das profissões, entretanto,
colocaram o serviço aos semelhantes acima das honrarias; desempenharam comandos
sociais em gabinetes governativos, contudo, transformaram a liderança em
exemplo de sinceridade e desinteresse, nas causas justas; eram renomados
artífices da ideia e do sentimento, no entanto, manejavam a palavra falada ou
escrita por enxada solar nas glebas do espírito; foram mordomos da finança e da
economia, mas converteram a fortuna amoedada em sustentáculos do progresso e em
fontes da beneficência fecunda; suaram, valorosos e desvalidos, na condição de
heróis anônimos que a Terra desconheceu, todavia, passaram entre os homens,
extravasando a própria dor, em cânticos de alegria e esperança, nos quais
honorificaram o eterno bem...
*
Recordando, pois, os entes amados
que te antecederam no rumo de realidades excelsas, busca a inspiração dos que
conheceste retos e bons e envolve no bálsamo da prece os que tombaram sob a
névoa de clamorosos enganos.
Reflete em todos eles, enviando-lhes
a simpatia de tua bênção, porquanto as criaturas de quem te despediste na
morte, acreditando em separação eterna, são simplesmente os companheiros
desencarnados, componentes da família maior, a cujo seio também chegarás.
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