O Manjar
de Jesus
por Amaral Ornellas
Reformador (FEB) Abril 1919
Quando os apóstolos,
com Pedro à frente e Judas à retaguarda contemplando a bolsa cheia das moedas
de Cesar, em troca das quais lhes foram dados os alimentos que tinham ido
buscar à cidade, voltaram à herdade de Jacó, onde se achava Jesus, e,
sentando-se em torno do Mestre abriram os seus farnéis para fazerem um ligeiro
repasto, o meigo filho de Maria lhes disse com aquele sereno sorriso de bondade
que sempre lhe pairava nos lábios: “Para
comer tenho um manjar que vós não sabeis”.
Entreolharam-se admirados os discípulos e algum deles sussurraram
para os outros: “Porventura alguém lhe trouxe de comer?” E Jesus, compreendendo
a admiração de todos, deu uma forma mais completa à ideia que apenas tinha
esboçado: “A minha comida é fazer a
vontade d'Aquele que me enviou para cumprir a sua obra”. E mais uma parábola
de ouro jorrou dos seus lábios para ilustrar a literatura dos evangelhos.
Reflitamos sobre essas palavras que não foram compreendidas por Pedro, que causaram
pasmo a todos, deixando Judas, como sempre, desatento e indiferente, imerso naquela
frieza que o induziu à traição e ao desespero.
Que manjar era esse que os discípulos ignoravam e que ele
tinha para comer?
Era a frutificação das boas noções praticadas na Terra,
ações que subiam nos céus para serem cosidas pelo Pai, e de lá voltavam para o alimento
da sua alma. Se nos lembrarmos que Jesus,
na ausência dos seus apóstolos, sentado à borda do poço de Jacó, confabulava com
aquela mulher samaritana, mostrando-lhe que a verdadeira água viva é aquela que
se bebe nas cisternas do Bem, veremos que o manjar que ele tinha para o sustento
do seu espírito, era a conversão daquela ovelhinha desgarrada que balindo junto
ao grande rebanho da Samaria, ia conduzi-lo pelos Campos do Senhor, onde também
pasciam (pastavam) as outras ovelhas irmãs - os judeus - separadas do aprisco
comum pelas constituições políticas.
Ele próprio nos afirma quando conclui o seu pensamento; “A minha comida é fazer a vontade daquele que
me enviou para cumprir a sua obra”.
Segue-se a parábola:
“Levantai os vossos olhos e olhai para estas terras que já
estão branquejando próximas à ceifa.”
Erguei os olhos para a humanidade, em cujo seio,
plantando a semente da verdade, fiz brotar o amor que se vai preparando para
sega (ceifa).
“E o que sega recebe galardão e ajunta fruto para a vida
eterna; para que assim o que semeia, como o que sega, juntamente se regozijem.”
Aquele que colher o Amor e souber conserva-lo nos vasos dourados
da sua alma, terá alcançado essa virtude para sempre, terá conseguido a
bem-aventurança para a sua vida imperecível. E quem semeou essa graça, quem
conduziu a ignorância ao tabernáculo da verdadeira ciência sentirá o seu
coração inundado de felicidade vendo a frutificação dos seus esforços.
“Enviei-vos a segar
o que vós não trabalhastes; outros foram os que trabalharam e vós entrastes nos
seus trabalhos.”
Homens! não pudestes plantar porque não tínheis o segredo
da semente que eu lancei sobre a infertilidade do solo, depois de adubado pela revelação
de mim próprio. Mas podeis segar, podeis colher os frutos por mim semeados. Outros
foram os que trabalharam por vós: fui eu, foi o Batista, depois de ter passado
pela fase da ignorância e pelo cadinho da purificação, pondo o livre arbítrio
em auxílio da moral e em caminho do progresso da ciência que nos dá o perpétuo conhecimento
de todas as coisas.
Lembremo-nos de que Jesus, falando aos discípulos, falava
para a humanidade inteira, porque eles eram o espelho onde se refletiam os
raios de luz que se tinham de projetar pelos anos em fora.
Depois da colheita, plantai o que colhestes para que
outros possam gozar dos vossos trabalhos. Um planta e outro colhe, porém ambos
se regozijam, porque a humanidade é uma grande cadeia, em cujos elos se prendam
desde o homem das cavernas - uma das primeiras manifestações do espírito
consciente - até o Espírito dos Espíritos, o Elo dos Elos, que é Deus.
O alimento da carne são as múltiplas modalidades da carne,
mas a luz é o pão único da alma. Fortalece-se o espírito nas lutas intelectuais
em demanda da moral reparadora e em busca da ciência que revela os mistérios do
Todo.
Trabalha-se para o bem comum, para que outros se
completem com o produto do nosso engenho. Mas esses que de nós aprenderam, que
por nós souberam caminhar, levam aos outros que mal ensaiam os primeiros
passos, o segredo do equilíbrio da vida.
Assim tem sido e assim continuará a ser pelos séculos
afora. Os homens bebem a luz nas gerações do passado e lançam novas luzes à geração
do futuro.
E aquele que jornadeia pela Terra, inspirando-nos no Bem e
empunhando o facho da verdade para iluminar as tortuosas veredas da existência,
aclarando os caminhos para os outros que lhe seguem os passos, recebe, por certo,
a esperança que alimenta a alma, o manjar que Jesus tinha reservada para o seu
repasto divino.
Os apóstolos não compreenderam as palavras do Mestre, mas
talvez as tivessem adivinhado pelo coração.
Nós, porém, refletimos sobre elas à luz do século XX e
iluminados por esses dois grandes sóis que são Kardec e Roustaing.
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