“De direito e de fato“
por Manuel Quintão Reformador (FEB) 16 Junho 1937
Adivinhamos a Intenção dos remetentes, quase sempre anônimos,
a presumir neles o amor da verdade e um justíssimo zelo de causa, que só pode
suscitar apreço.
Nada obstante, quiséramos de uma vez por todas acentuar
que essa campanha é velha quanto inócua e não deve ser, em boa tese, considerada
um malefício capaz de alterar o desenvolvimento normal da doutrina, que, de
direito e de fato, não nos pertence, por que é de Jesus.
A crença, qualquer crença, se bem o considerarmos,
corresponde menos a quaisquer sistematizações de ideias preconcebidas e de
plano inculcadas, do que a um estado de consciência intrínseco, ou, seja,
aptidão psíquica e patrimonial, que traduzimos por capital realizado do Espírito
em evolução.
Querer galvanizar na sequência dos séculos um sistema
religioso ou filosófico é absurdo que atenta contra a verdade histórica de toda
a nossa chamada civilização. As religiões são meios ocasionais, transitórios,
de progresso e nunca finalidades definitivas e acabadas no tempo e no espaço.
Como tais, podem elas justificar se em função de um
periodismo relativo, mas nunca, jamais, impedir a ascese e o ritmo da evolução
global, providencial e indefinita.
A recalcitrância na exação dessa lei, em função de um
livre arbítrio parcial, mas, sotoposto sempre a um determinismo superior, pelo
enquadrar tiranias abomináveis e até mesmo ignóbeis - quais o registra o
sectarismo fanático de todos os tempos e matizes, não deixa de, em sentido mais
lato, corresponder àqueles meios reparadores que a Providência utiliza para o
progresso do Espírito na trama das reencarnações sucessivas. E são assim, de
paralelo, aqueles escândalos necessários, propiciados ao resgate do último centil.
Em armadilhas de lobo só caem lobos - disse Jesus: de
sorte que, entrevistos pelo prisma da nossa confissão genuinamente evangélica,
esses pobres foliculários (jornalistas) que julgam poder arrasar consciências e modelar prosélitos
à força de contumélias (insultos) e baldões (ofensas), não passam mesmo de meros visionários, enquadrados a
preceito no capítulo dos cegos condutores de cegos, destinados ao barranco.
E acompanha-los nos seus processos já não seria, então,
apenas, ombrear com eles na inópia ou na maldade, para negarmos de público o
fundamento de fé evangélica e uma superioridade moral imprescindente (sem relevância) aos nossos
atos, mas perder de sobejo um tempo e vasa preciosos na edificação do próximo.
Quanto de nós mesmos.
Abstração feita do
cunho individual, variável ao infinito, podemos classificar em duas categorias
os antagonismos da Revelação Espírita: - conscientes e inconscientes.
Entre os primeiros, destacam-se pela desenvoltura e
filauda (sequência) das atitudes, os sacerdotes católicos e protestantes,
empatranhados (patranha=mentira) nos seus dogmas
caducários e ciosos de um regalismo (direito de interferir nos conceitos religiosos) tradicional.
Misoneístas (com aversão a novidades) oportunistas, por índole e por hábito.
Jogando de mão a
partida com os naipes da ingenuidade e negligência humanas; entretendo e
explorando essa quase indiferença das massas por tudo que não diz com a solução
do problema biofísico - (Voltaire já dizia que três quartos do gênero humano
não se preocupam com o ser pensante) - é de ver-se lhes, a sequela dos acomodatícios,
que não creem muito nem pouco, mas caminham de plano e defendem, unguibus et rostro, (com garras e
bico) as
posições conquistadas.
A esses que tais,
inútil fora o tentar de qualquer forma convencê-los. São os cegos que não
querem ver, e nós outros sabemos que nem Deus em sua onipotência violenta o
livre arbítrio da criatura. Só o tempo provido de experiência amarga e
sofrimentos longos poderá desbastar lhes a ganga do orgulho, estratificado e
cultivado de muitas gerações.
Quanto aos outros, os da segunda categoria, ou, sejam,
precisamente, os componentes da massa a que nos referimos, será lícito
esclarece-los, trabalhar por eles e para eles, sem contudo os escandalizar com
a intransigência e a severidade de nossas atitudes, como quem sabe que tudo vem
a seu tempo e tem uma razão de ser. Mais: como quem sabe que só Deus tem o
poder de fazer das pedras filhos de Abraão.
Não haverá, supomos, um só confrade consciencioso, capaz
de negar seja Jesus o Pastor do rebanho, cuias ovelhas se hão de salvar sem
perda de uma só. Dizendo ele que o pegureiro
(pastor) deixaria as ovelhas sãs para cuidar
da doente e tresmalhada, nós outros, ovelhas convalescentes e que mal ensaiamos
os primeiros passos de retorno ao Aprisco, não devemos objurgar os que, nossos
comparsas de ontem, hoje nos detraem, mesmo os de má fé, que são por isso mesmo
os mais lastimáveis.
O Amor, só o Amor edifica; e, se a triste e grande
verdade é que nós, que tanto o apregoamos, ainda o não temos para recompensar
aos nossos inimigos, compreendamos, entretanto, a necessidade de uma indulgência
razoável, como premissa de fidelidade à palavra que diz; - amai aos vossos inimigos; fazei o bem aos que vos odeiam; orai pelos
que vos perseguem e caluniam.
Ao invés, portanto,
de torneios literários em revides e pegadilhas (atritos), uma prece, uma
vibração de amor é o que devemos reservar aos nossos pervicazes (cabeças-duras) agressores. E
não esquecer, ao demais, que eles são preciosos auxiliares do nosso progresso
real, com o facultar-nos o ensejo de praticar, de fato, a Caridade, que tanto
apregoamos de direito.
A humanidade
contemporânea, em labores de acelerada transição, está referta (repleta) de teorias, de
simbologias e ficções balefas (gordas e folgadas) e,
se o Espiritismo é, iniludivelmente, a Ciência da Vida e a Religião da Verdade,
não devem seus adeptos rebater na incude (bigorna) das paixões, que têm forjado e forjam ao presente,
mais talvez que nunca, a desgraça do mundo.
De resto, será essa
uma cavilosa (fraudulenta) tática dos nossos invisíveis quão argutos inimigos, tendente
a despertar e a entreter com discrimes (diferenças) e polêmicas menos edificantes os nossos mal extintos
pruridos de homem velho.
A luta, bem o sabemos, é necessária e até indispensável.
No campo fecundo dos idealismos, é nela e por ela que acendramos a fé e
aclaramos a razão; mas, convenhamos em que as nossas armas só lograrão triunfos.
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