Escândalo
por escândalo
A
Redação Reformador (FEB) 16 Abril
1919
“Ai do mundo por causa dos escândalos: porque
necessário é que venham escândalos: mas ai daquele homem por quem o escândalo vem.”
(Mateus 23, 8)
Todos os problemas
da existência humana giram em torno da lei de reencarnação.
Posta veladamente por Jesus a Nicodemos, quando este o
buscara pela calada da noite - doutor da lei e escravo do preconceito, entre
alvoroçado e temeroso do ingênito orgulho - eram precisos vinte séculos para
que o ascendente da verdade se firmasse na consciência dos homens.
Que dizemos? Que se firmasse, não - que começasse a
lampejar por entre dúvidas e vacilações, que bem demonstram a profundeza do
materialismo em que jazemos e nos comprazemos.
Estas ligeiras considerações não vão endereçadas aos
nossos irmãos ateístas nem mesmo teístas de outros credos, indiferentes e apáticos
em face da revolução moral que se avizinha e cujos pródromos aí estão a
intensificar-se dia a dia...
Elas visam especialmente a nossa grei trabalhada por
forças ocultas e dissolventes, deixando-se embalar por ilusões efêmeras de triunfo
e definitivas conquistas da verdade, em transigência ostensiva com as comodidades
e aspirações comuns do plano material.
A natural avidez de conhecer um mundo novo: de penetrar-lhe
os vestíbulos, de interpretar lhe as primeiras leis e teorias, raro sucede o
fervor sistematizado de manter a conquista e amplia-la,
vingando-a em si para outrem, nessa solidariedade perfeita, nessa comunhão de
vista o que é apanágio irredutível da Revelação Espírita.
Cada qual, adquirido o seu quinhão, satisfeita a sua curiosidade
presto se afaz ao regime dos fatos consumados e deixa-se levar à flor da
corrente, rumo certeiro às mesmas cogitações, aos mesmos ideais, aos mesmos hábitos
que trazia.
O cérebro se enriqueceu de teorias jamais previstas; os
sentidos materiais tel-as-íam eventualmente confirmado; mas o coração, isto é,
a entidade moral a psique, essa continua a mesma, especificamente a mesma, para
todos os efeitos da vida de relação.
Existe um Deus até
então de conhecido e não sonhado? - Sim. Morremos? Acabamos? - Não. Voltaremos à
Terra? - Indubitavelmente.
E daí?
- O mundo é o que é e nós continuamos a ser o que
somos...
Indiferença! eis o grande escolho do mar picado que
singramos e no qual aos que flutuam se poderia aplicar o - rari nantes in gurgite vasto. (Poucos nadadores em um vasto mar)
Mas, afinal, bem considerando, não há motivo para estranhar
que de nós se exija maior sacrifício na demonstração prática do nosso
apostolado.
Errar é dos homens, mas, logicamente, dos espíritos deve-se
errar o menos possível.
Para os que conhecem a nossa doutrina inteligentemente, a
primeira noção que lhes decorre de tal conhecimento é a do acréscimo de
responsabilidades, e não só de responsabilidades como de surpresas e perigos
que os há, incontestes, no perlustrar de tais caminhos.
O vulgo, esse não conhece de tais subtilezas e premissas,
mas sempre tem a intuição da verdade, e por isso, à face do escândalo, pergunta
simplesmente: - mas F... não era espírita?
Vejamos, entretanto, até que ponto se podem justificar a
anomalia e os erros e as quedas lamentáveis, dentro da lei de reencarnação e
das palavras do Divino Mestre, quando afirmou a necessidade do escândalo.
Negar que essa afirmativa não contenha um sentido oculto
fora o mesmo que admitir a perpetuidade do mal, irrogando à Onisciência Divina
a suprema afronta de uma perversidade imanente, propiciatória a desgraça de uns
em benefício de outros.
O escândalo é necessário... Por quê e para quê?
Se cada alma é criada para cada corpo e para um só ciclo
de existência terrena, a quem aproveita esse escândalo necessário?
A Deus? -Mas Esse não vive nem se alimenta de escândalos.
Aos Anjos e Santos? mas, esses não precisam de edificações
sedimentadas na contingência humana, porque são infalíveis.
Ao demônio? mas, admitido que o demônio existisse, como
quer a Igreja - que Providencia é essa que, para impor-se à consciência de meia
dúzia de eleitos - imola em sacrifício perene a maioria de seus filhos
indefesos?
Entretanto o Cristo disse ser necessário o escândalo, e Ele,
O Cristo, era o Verbo de Deus na Terra.
Pela nossa doutrina tudo se aclara: o escândalo é
necessário porque toda a Humanidade planetária nasce tarada de erros e paixões,
que são lenho seco para a fogueira do escândalo.
Seres há que trazem além das suas fraquezas congênitas,
compromissos de resgate enquadrados naquela outra passagem que diz: quem com
ferro fere, com ferro será ferido. Mas, não vamos daí concluir que toda a queda
seja fatal, ao contrário.
Ao espírita, principalmente, não é licito raciocinar deste
modo, antes deve pensar que, menos forte e mais remisso que qualquer de seus irmãos,
a Revelação lhe foi dada como verdadeiro antídoto de males crônicos, ante mural
de arrastamentos e pendores inatos.
Nos mesmos óbices que se lhe deparam, nas mesmas
tentações que o apuam (?), ele poderá, vigilantemente conhecer do seu passado,
e, corrigindo-se, e, buscando a influência dos bons espíritos, atenuar o rigor das
provas, burlar o escândalo necessário.
Não é com isto dizer que sejamos indenes (livres de
penas), que sejamos privilegiados, porque a graça, neste caso, nos não isenta
do esforço em corrigir os nossos defeitos e maldades.
Em uma palavra: ser espírita não é ser puro nem ser
perfeito. que puro e perfeito, até hoje, a este mundo, só um Espirito baixou.
Esse, aliás, dizia: meu
reino não é deste mundo.
Mas ser espírita na acepção exata do vocábulo é procurar
a pureza relativa, que não é o impossível nem o mito, tão verdade é que anda na
consciência de todos nós.
Agora, se malbaratamos esse patrimônio de luzes novas;
se, apesar de conhecermos a lei, incidimos na lei; se asfixiamos os brados da consciência
de concerto com as vozes do além; se trocamos a herança pelo prato de lentilhas e nos fazemos pedra de escândalo,
então justo é que maior recaia o anátema sobre nós, porque ainda com o Evangelho
se conclui que: muito se pedirá a quem
muito se houver dado.
E ninguém dirá que no cômputo da nossa doutrina consagrada
pela Razão e corroborada na experimentação não tenhamos mais, muito mais,
infinitamente mais, do que os nossos irmãos aferrados aos velhos credos metafísicos
e abstratos.
O erro do espírita não atinge, entretanto, a Doutrina que
ele não quis, não soube ou não pode praticar.
Essa falência revela apenas o quanto somos fracos e
impenitentes, irrefletidos e maus.
Não seja, portanto, de condenação o nosso juízo para os que
tombam fragorosamente em meio da luta, antes nos lembremos de que ainda na sua
queda lamentável nos prestam ótimo ensinamento qual o da necessidade do escândalo
para o redobro de vigilância paralelo ao dever de caridade, que nos impõe em
seu favor um pensamento de paz num resquício de luz.
Paz para que compreendam a extensão da sua falta e luz
para que possam presto retomar o carreiro da reparação.
Lastimando essas quedas pela repercussão dolorosa que elas
causam nas fileiras mais desprevenidas e timoratas deixamos a outrem o triste
encargo de atirar a primeira pedra.
Porque, afinal, se o escândalo é necessário, profligai-o
individualmente fora faltar a Caridade cometendo maior escândalo.
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