O
Batismo
A
Redação Reformador (FEB) 16 Janeiro 1919
“Em verdade em
verdade te digo: se um homem não renascer pela água e pelo espírito, não pode
entrar no reino de Deus.” João, Cap. II, v. 5.
Foram estas as palavras do Divino Mestre a Nicodemos, que
serviram e ainda servem de fulcro à cerimônia que a Igreja Católica instituiu
como sacramento imprescritível.
Nisto, aliás como em tudo que forma o seu cânone, para
não falir a regra de todos os tempos, os teólogos sectários sacrificaram à letra
que mata o espírito que vivifica.
E da exegese apaixonada e tendenciosa surgiu, então, como
flor de estação fria e nebulosa, em sentido inverso, inexpressivo e túrbido, o
conceito da salvação da alma numa graça toda eventual, subordinada a fórmulas
de certo valiosas ao tempo de sua instituição, pelo simbolismo que representavam,
mas que hoje perderam, inteiramente, a sua razão de ser.
Entretanto, da mais rigorosa ortodoxia eclesiástica é a
afirmativa de que Deus cria a alma para o corpo que ela deve habitar em uma
existência única.
Não se compreende
assim, como da Onisciência Divina possa originar-se um ser inquinado (poluído) de mácula e, ao
demais, desigual ao infinito nos seus predicados essenciais de reabilitação.
Pecado original?
Mas, para admiti-lo como pontifica a Igreja, fora de
mister renunciar em bloco àquelas palavras outras do mesmo Cristo no versículo
seguinte ao supracitado, que dizem:
“O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do
espírito é espírito.”
Logo, portanto, a
quem estuda os Evangelhos sem o prejuízo dogmático que tudo relega ao cômodo e
absurdo magister dixit, é lícito
concluir que não responde o corpo por faltas do espírito, se faltas se pudessem
atribuir a este, hereditariamente, quando ex-abrupto (inesperadamente) criado à
revelia de toda a vontade e consciência próprias.
Que, dentro das
leis biológicas, a hereditariedade seja um fato e fato comprovado pela ciência,
admite-se; mas, que ao espírito inédito, abrolhado (originado) à vida por um mistério
insondável da Onipotência Divina se irroguem (atribuir) faltas a priori é coisa
que mal se concebe, ou antes que só se pode conceber pela frivolidade de consciências
acomodatícias e negligentes no encararem estes problemas transcendentais.
A cada época o seu ensino, em linguagem equivalente à sua
cultura moral e científica, eis o que nos dizem agora os portadores da Boa Nova.
O Precursor batizava em água, preparando a geração do seu
tempo para a compreensão do batismo do espírito em nossos dias.
E se assim o fazia, acrescentam, é porque nesse tempo,
conformemente com as interpretações cientificas, para os Hebreus consoante as
tradições da Gênesis (1), a água era considerada como princípio gerador dos
reinos orgânico e inorgânico.
(1)
Gênesis - C.I vv. 2-6-7-9-10-11-20 e Caps. 11-1,4-5-6-7.
De notar é também
que, ainda hoje, célebres naturalistas - como Haekel e outro consideram a
monera (é um reino biológico que inclui todos os organismos vivos que possuem
uma organização celular procariótica, como bactérias, cianobactérias e
arqueobactérias), princípio vital, como
germinativo inerente dos meios líquidos.
Seria o caso do nihil sub sole novum. (‘Nada de novo
sob o Sol’. Expressão do Eclesiastes (I, 10).
De qualquer forma,
porém a verdade é que o Batista não levava simbolicamente ao Jordão imbeles (que não tem
espírito belicoso) criancinhas incapazes de compreender o símbolo.
Aqueles que aceitavam
a sua doutrina - a dos essênios - e pela penitência se propiciavam ao batismo
do Espírito, isto é, a receberem o Cristo, ele os batizava entornando lhes água
sobre a cabeça para que renascessem por ela a pelo espírito, e não do Espírito Santo, como afirma a Igreja
alterando o texto original das palavras de Jesus.
Mas, admitindo-se que o batismo tal como o praticam as seitas
neo cristãs, inclusive o catolicismo aberrante tenha a virtude de expungir o
estigma do pecado original inconcebível dentro da lógica do bom senso, ainda
assim, pergunta-se: será cristão aquele que lavado e ungido no batistério
cria-se na impiedade e degenera em fanático por amor a formulas vãs quando as
não renega de todo para ser o homem moderno, armado para todo os triunfos e
conquistas de um mundo que O Cristo dizia lhe não pertencer?
Ninguém de boa-fé o dirá, mas a verdade é que todo o mundo
continua a considerar pagão e renegado aquele que se não submete a fórmula
arcaicas e balofas de uma liturgia inexpressiva, embora praticando obras de
piedade e tolerância.
E o que mais contrista é ver que espiritas, confrades,
nossos ainda vacilam na conduta que se lhe impõe em relação a respectiva prole.
Isto significa simplesmente a força da tradição e do
preconceito secularmente zelados pelo clero suspicaz e cioso de prerrogativas
que se criou de épocas em que elas poderiam justificar-se, mas que hoje
perderam a sua razão de ser e hão de fatalmente anular-se pela nova ordem de coisas
que o Espirito Santo (os espíritos elevados) vêm inaugurar, explicando
racionalmente o simbolismo evangélico.
Chegada é a época de serem ditas aquelas coisas que o Divino
Mestre calou, por não estarem os seus coevos em estado de as compreender e para
elucidação das quais enviaria o Consolador. (1)
(1) João Cap. XVI v. 12
Vejamos portanto, o que nos dizem os Evangelistas:
“Assim, renascer pela água quer dizer renascer-se em novo
corpo, e renascer pelo espírito o habitá-lo.” (2)
(2) Roustaing - 3º volume pag. 225.
Era justamente da pluralidade das existências corporais
que Jesus falava veladamente a Nicodemos e isso que era como é, um fato hoje unanimemente
proclamado pelos espíritos, tornou-se uma heresia para os que se atribuíram a
investidura única de únicos depositários e intérpretes da ciência divina.
“Tempora mutantur”! (Os
tempos estão mudando!)
Hoje ninguém concebe privilégios tais de casta e aptidões
graciosas; hoje todo o mundo admite que o homem só pode ser responsável por
atos praticados livre e conscientemente, mas prossegue-se na subordinação cega a
hábitos e costumes de longada praticados, na mesma inconsciência de há vinte séculos,
quando não no temor desse mesmo ódio sectário que planeou a jornada grandiosa
do Calvário.
Espíritas, compenetremo-nos nós outros de que é preciso
haver por oportuna ainda, aquela voz que clamava no deserto o - penitte.
Penitenciar-nos é
trabalhar, é estudar, é amar, é praticar os ensinos de Jesus.
É na exemplificação das virtudes domésticas que importa batizar os nossos filhos, preparando-os
em tarefa de lapidário paciente para o renascimento do espirito, ou seja para a
graduação moral do planeta em melhoradas e sucessivas encarnações.
Lavar um vaso exteriormente não é modificar lhe a essência.
As cerimônias de caráter material podem, a rigor, valer
relativamente, pela significação moral que lhes emprestamos, mas não modificam substancialmente
o espírito, e a prova é que depois de vinte séculos de afusões (aspersões),
unções e aspersões simbólicas, a humanidade se debate em angústias indefiníveis,
lembrando aquele fariseu meticuloso e mesureiro, requintado no seu formalismo
ortodoxo, mas porejando orgulho e vanilóquios (arrazoados vazios).
Batizemos os nossos filhos em nome do Padre, sim,
incutindo-lhes o amor de Deus sobre todas as coisas - em nome do Filho, ainda,
lançando lhe na alma, da mais tenra idade, o gérmen do amor do próximo, qual
viva expressão de toda a Lei e os Profetas e em nome do Espírito Santo, também,
preparando-os para receber os espíritos de luz que ora se abatem sobre a Terra em
revoadas de graças, para levantar a criatura do volutabro (lodaçal) das próprias
paixões, do pecado original do seu orgulho para a compreensão em espírito e verdade
das coisas santas do Verbo de Deus.
Tudo que não seja isso será iludir-nos à nós mesmos, com
a agravante do acréscimo de responsabilidades decorrentes daquela palavra que
diz: “Muito se pedirá a quem muito se houver dado,
e ao que pouco tiver tudo se tirará.”
Aquele espírito austero e cristianíssimo que se chamou
entre os homens Bittencourt Sampaio, em uma de suas obras mediunicamente
lançadas no Grupo Ismael (4) verberando a indecisão e transigência em matéria de
Fé, reproduz a apóstrofe dirigida a igreja de Laodicéia: Sei as tuas obras: não és frio nem quente - és morno.
4) “Do Calvário ao
Apocalipse” pag. 230.
Não sejamos mornos também nós outros: ou frios pela renúncia
literal de princípios que não temos a coragem moral de sustentar, ou quentes
pela coerência dos nossos atos, extremados no sacrifício, embora, mas dentro da
lei de amor.
Aceitando a Revelação Espírita como desdobramento lógico
da Revelação Messiânica, ou aceitamos integralmente os seus preceitos
demonstrando lhes a eficiência prática, ou renunciamos ao qualificativo de
espíritas.
Ser e não ser, não pode ser. Ou quente ou frio; morno é
que não.
(5) Apocalipse - Cap.
III '
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