terça-feira, 13 de outubro de 2020

O Batismo

 

O Batismo

A Redação   Reformador (FEB) 16 Janeiro 1919

             “Em verdade em verdade te digo: se um homem não renascer pela água e pelo espírito, não pode entrar no reino de Deus.” João, Cap. II, v. 5.

             Foram estas as palavras do Divino Mestre a Nicodemos, que serviram e ainda servem de fulcro à cerimônia que a Igreja Católica instituiu como sacramento imprescritível.

             Nisto, aliás como em tudo que forma o seu cânone, para não falir a regra de todos os tempos, os teólogos sectários sacrificaram à letra que mata o espírito que vivifica.

             E da exegese apaixonada e tendenciosa surgiu, então, como flor de estação fria e nebulosa, em sentido inverso, inexpressivo e túrbido, o conceito da salvação da alma numa graça toda eventual, subordinada a fórmulas de certo valiosas ao tempo de sua instituição, pelo simbolismo que representavam, mas que hoje perderam, inteiramente, a sua razão de ser.

             Entretanto, da mais rigorosa ortodoxia eclesiástica é a afirmativa de que Deus cria a alma para o corpo que ela deve habitar em uma existência única.

             Não se compreende assim, como da Onisciência Divina possa originar-se um ser inquinado (poluído) de mácula e, ao demais, desigual ao infinito nos seus predicados essenciais de reabilitação.

             Pecado original?         

             Mas, para admiti-lo como pontifica a Igreja, fora de mister renunciar em bloco àquelas palavras outras do mesmo Cristo no versículo seguinte ao supracitado, que dizem:

             “O que é nascido da carne é carne e o que é nascido do espírito é espírito.”  

             Logo, portanto, a quem estuda os Evangelhos sem o prejuízo dogmático que tudo relega ao cômodo e absurdo magister dixit, é lícito concluir que não responde o corpo por faltas do espírito, se faltas se pudessem atribuir a este, hereditariamente, quando ex-abrupto (inesperadamente) criado à revelia de toda a vontade e consciência próprias.

             Que, dentro das leis biológicas, a hereditariedade seja um fato e fato comprovado pela ciência, admite-se; mas, que ao espírito inédito, abrolhado (originado) à vida por um mistério insondável da Onipotência Divina se irroguem (atribuir) faltas a priori é coisa que mal se concebe, ou antes que só se pode conceber pela frivolidade de consciências acomodatícias e negligentes no encararem estes problemas transcendentais.

             A cada época o seu ensino, em linguagem equivalente à sua cultura moral e científica, eis o que nos dizem agora os portadores da Boa Nova.

             O Precursor batizava em água, preparando a geração do seu tempo para a compreensão do batismo do espírito em nossos dias.

             E se assim o fazia, acrescentam, é porque nesse tempo, conformemente com as interpretações cientificas, para os Hebreus consoante as tradições da Gênesis (1), a água era considerada como princípio gerador dos reinos orgânico e inorgânico.

                 (1) Gênesis - C.I vv. 2-6-7-9-10-11-20 e Caps. 11-1,4-5-6-7.

             De notar é também que, ainda hoje, célebres naturalistas - como Haekel e outro consideram a monera (é um reino biológico que inclui todos os organismos vivos que possuem uma organização celular procariótica, como bactérias, cianobactérias e arqueobactérias), princípio vital, como germinativo inerente dos meios líquidos.

             Seria o caso do nihil sub sole novum. (‘Nada de novo sob o Sol’. Expressão do Eclesiastes (I, 10).

             De qualquer forma, porém a verdade é que o Batista não levava simbolicamente ao Jordão imbeles (que não tem espírito belicoso) criancinhas incapazes de compreender o símbolo.

             Aqueles que aceitavam a sua doutrina - a dos essênios - e pela penitência se propiciavam ao batismo do Espírito, isto é, a receberem o Cristo, ele os batizava entornando lhes água sobre a cabeça para que renascessem por ela a pelo espírito, e não do Espírito Santo, como afirma a Igreja alterando o texto original das palavras de Jesus.

             Mas, admitindo-se que o batismo tal como o praticam as seitas neo cristãs, inclusive o catolicismo aberrante tenha a virtude de expungir o estigma do pecado original inconcebível dentro da lógica do bom senso, ainda assim, pergunta-se: será cristão aquele que lavado e ungido no batistério cria-se na impiedade e degenera em fanático por amor a formulas vãs quando as não renega de todo para ser o homem moderno, armado para todo os triunfos e conquistas de um mundo que O Cristo dizia lhe não pertencer?

             Ninguém de boa-fé o dirá, mas a verdade é que todo o mundo continua a considerar pagão e renegado aquele que se não submete a fórmula arcaicas e balofas de uma liturgia inexpressiva, embora praticando obras de piedade e tolerância.

             E o que mais contrista é ver que espiritas, confrades, nossos ainda vacilam na conduta que se lhe impõe em relação a respectiva prole.

             Isto significa simplesmente a força da tradição e do preconceito secularmente zelados pelo clero suspicaz e cioso de prerrogativas que se criou de épocas em que elas poderiam justificar-se, mas que hoje perderam a sua razão de ser e hão de fatalmente anular-se pela nova ordem de coisas que o Espirito Santo (os espíritos elevados) vêm inaugurar, explicando racionalmente o simbolismo evangélico.

             Chegada é a época de serem ditas aquelas coisas que o Divino Mestre calou, por não estarem os seus coevos em estado de as compreender e para elucidação das quais enviaria o Consolador. (1)

                 (1) João Cap. XVI v. 12

             Vejamos portanto, o que nos dizem os Evangelistas:

             “Assim, renascer pela água quer dizer renascer-se em novo corpo, e renascer pelo espírito o habitá-lo.” (2)           

                 (2) Roustaing - 3º volume pag. 225.

             Era justamente da pluralidade das existências corporais que Jesus falava veladamente a Nicodemos e isso que era como é, um fato hoje unanimemente proclamado pelos espíritos, tornou-se uma heresia para os que se atribuíram a investidura única de únicos depositários e intérpretes da ciência divina.

             “Tempora mutantur”! (Os tempos estão mudando!)

             Hoje ninguém concebe privilégios tais de casta e aptidões graciosas; hoje todo o mundo admite que o homem só pode ser responsável por atos praticados livre e conscientemente, mas prossegue-se na subordinação cega a hábitos e costumes de longada praticados, na mesma inconsciência de há vinte séculos, quando não no temor desse mesmo ódio sectário que planeou a jornada grandiosa do Calvário.

             Espíritas, compenetremo-nos nós outros de que é preciso haver por oportuna ainda, aquela voz que clamava no deserto o - penitte.  

             Penitenciar-nos é trabalhar, é estudar, é amar, é praticar os ensinos de Jesus.

             É na exemplificação das virtudes domésticas que importa batizar os nossos filhos, preparando-os em tarefa de lapidário paciente para o renascimento do espirito, ou seja para a graduação moral do planeta em melhoradas e sucessivas encarnações.

             Lavar um vaso exteriormente não é modificar lhe a essência.

             As cerimônias de caráter material podem, a rigor, valer relativamente, pela significação moral que lhes emprestamos, mas não modificam substancialmente o espírito, e a prova é que depois de vinte séculos de afusões (aspersões), unções e aspersões simbólicas, a humanidade se debate em angústias indefiníveis, lembrando aquele fariseu meticuloso e mesureiro, requintado no seu formalismo ortodoxo, mas porejando orgulho e vanilóquios (arrazoados vazios).

             Batizemos os nossos filhos em nome do Padre, sim, incutindo-lhes o amor de Deus sobre todas as coisas - em nome do Filho, ainda, lançando lhe na alma, da mais tenra idade, o gérmen do amor do próximo, qual viva expressão de toda a Lei e os Profetas e em nome do Espírito Santo, também, preparando-os para receber os espíritos de luz que ora se abatem sobre a Terra em revoadas de graças, para levantar a criatura do volutabro (lodaçal) das próprias paixões, do pecado original do seu orgulho para a compreensão em espírito e verdade das coisas santas do Verbo de Deus.

             Tudo que não seja isso será iludir-nos à nós mesmos, com a agravante do acréscimo de responsabilidades decorrentes daquela palavra que diz: “Muito se pedirá a quem muito se houver dado, e ao que pouco tiver tudo se tirará.”

             Aquele espírito austero e cristianíssimo que se chamou entre os homens Bittencourt Sampaio, em uma de suas obras mediunicamente lançadas no Grupo Ismael (4) verberando a indecisão e transigência em matéria de Fé, reproduz a apóstrofe dirigida a igreja de Laodicéia: Sei as tuas obras: não és frio nem quente - és morno.

             4) “Do Calvário ao Apocalipse” pag. 230.

             Não sejamos mornos também nós outros: ou frios pela renúncia literal de princípios que não temos a coragem moral de sustentar, ou quentes pela coerência dos nossos atos, extremados no sacrifício, embora, mas dentro da lei de amor.

            Aceitando a Revelação Espírita como desdobramento lógico da Revelação Messiânica, ou aceitamos integralmente os seus preceitos demonstrando lhes a eficiência prática, ou renunciamos ao qualificativo de espíritas.

             Ser e não ser, não pode ser. Ou quente ou frio; morno é que não.

             (5) Apocalipse - Cap. III '


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