Os
espíritas e a política (1)
por Leopoldo Cirne Reformador (FEB) 16 Outubro 1918
(1) O capítulo completo abrange os seguintes assuntos, que lhe servem de epígrafes: Programa de trabalhos. -- Cursos públicos doutrinários, - Imprensa espírita.- Institutos de beneficência e de instrução.- Ação social do Espiritismo.- Os espíritas e a política. - Legionários do Cristo.- O novo abolicionisrno.”
Assim, por exemplo, a esta questão que se tem
frequentemente suscitado “devem os espíritas
envolver-se na política?” - a solução pelo menos atual, tem que ser
forçosamente procurada consoante aquela sábia advertência do Divino Mestre.
Atual, dizemos, porque, enquanto a política, em lugar de
um instrumento ao serviço exclusivo do bem público, for uma corrida às posições,
um entretecido de interesses pessoais de que os princípios são apenas a máscara
e o pretexto, o ambiente moral em que se envolve, de pequeninas intrigas e
ambições, torna-se por natureza, não apenas inadequado, mas incompatível aqueles
que, fazendo da retidão a sua norma inflexível de conduta, não somente aí se
sentiriam deslocados, mas correriam o risco ou de ver anulados seus esforços,
reduzidos que seriam à posição de meros clamadores no deserto, ou ter que
submeter-se às injunções do meio, transigindo com os princípios e atraiçoando a
própria consciência, tanto vale dizer, incorrendo numa verdadeira falência
espiritual.
Dir-se-á que, para moralizar os costumes políticos, é que
se faz precisamente necessária a intervenção de indivíduos como todo espírita o
deve ser, portadores de uma irrepreensível autoridade e inspirados num ideal
superior de abnegação e de desinteresse. Pode mesmo acrescentar-se que, não
cessando de propagar-se o Espiritismo por todas as camadas sociais da - mais
obscuras às mais altas, a influência de suas benéficas doutrinas terminará por se
fazer sentir mesmo nas classes administrativas e políticas e, nesse caso não
devem os que tais funções exercem renuncia-las a pretexto de se haver tornado
espiritas, nem seria justo privar a coisa pública de uma colaboração assim
tornada preciosa. Nem tal absurdo pretendemos sustentar.
Sem dúvida, no futuro, que não se pode saber a que
distancia esteja, mas que seria temerário acreditar imediato, dada a lentidão
com que se opera a modificação dos costumes e a resistência que ao seu melhoramento
opõe a corrente dos interesses e paixões, sempre vivazes, quando o Espiritismo
houver penetrado fundo as consciências, os seus moralizadores efeitos se
refletirão na própria esfera política, tornada então, mas somente então, acessível
aos espíritas. Até lá, porém, melhor a estes convirá se absterem de tentar uma
experiência que sobre expô-los a um regresso desiludido quando não - o que
seria infinitamente pior - a uma funesta absorção pelo meio corruptor, os desviaria
do apostolado que são chamados peculiarmente a exercer.
Ora, esse apostolado requer preliminarmente, a título
preparatório, exercícios espirituais de iniciação e adestramento, que se não compadecem
com a simultaneidade da política, em que pretendessem operar os catecúmenos (noviços; aquele
que se instrui e se prepara para receber o batismo);- seja-nos lícito usar desta expressão – e, uma vez
assumida aquela investidura, exige a absorvente aplicação de todas as capacidades
e energias individuais, que seriam necessariamente prejudicadas se houvessem
que dispersar-se no desempenho cumulativo de um mandato de tão oposta índole. O
ideal, numa palavra, para o espírita ao serviço de Jesus é repartir a sua
atividade entre os misteres da profissão, que lhe assegure a subsistência, e os
seus encargos nas coisas da doutrina, fugindo quanto possível ao tumulto do século
e às posições de evidência, estimuladoras de vaidade e ambições para buscar, na
obscuridade e na modéstia, propícias condições de em si mesmo realizar o modelo
de renúncia que lhe é pelo Mestre oferecido.
Quantos espiritas,
presumindo-se talhados para grandes feitos no cenário do mundo ou não sabendo resistir
à sedução dos seus aplausos e gloríola, mal dissimulada sob o pretexto de simultaneamente
servir à pátria e à doutrina, propugnando a a obtenção de leis assecuratórias
da realização de seus humanitários ideais - como se o Espiritismo, portador de
Lei que a todas sobrepuja, necessitasse do favor dos homens - se têm esterilizado
na carreira política, não colhendo mais que decepções para os seus ilusórios
propósitos e nada produzindo de verdadeiramente útil à causa de si mesma - insistiremos
nisto - indiferente e sobranceira a tais cogitações!
Um caso, horrivelmente significativo em seu desfecho,
poderia ser invocado como exemplo da rematada inconveniência, para os espíritas
militantes, de pretenderem conciliar com a serenidade, em que se deve exercer o
ministério apostólico, a agitação, tantas vezes tumultuária, de um mandato político.
É o do nosso ilustre e malogrado confrade mexicano Dr. Francisco Madero, até há
poucos anos uma das mais laboriosas e eminentes figuras da propaganda espirita
no México e que, tendo interrompido essas funções para assumir a presidência,
num dos primeiros governos que sucederam à deposição e expatriação do velho
Porfirio Diaz, não tardou por sua vez a ser deposto por um contragolpe
revolucionário, terminando por sucumbir barbaramente arcabuzado, ao ser transferido
da prisão a que fora recolhido para responder a julgamento dos seus
adversários. Resgatou indubitavelmente uma dívida do passado, pois que um
sucesso dessa natureza, como tudo ao demais não ocorre sem motivo, mas nem por
isso é menos eloquente, em sua crudelíssima lição, esse fato, que privou as
nossas fileiras de um membro proeminente, cujos serviços à causa se vinham afirmando
de real valor.
Sem mesmo a perspectiva de um trágico
desfecho dessa ordem, as posições políticas, em épocas normais ou agitadas -
pouco importa - devem tanto menos seduzir a atividade dos espiritas quanto, além
da apontada incompatibilidade, não constituem uma profissão de que, por força
da necessidade, houvessem de auferir a subsistência. O mandato político,
eletivo em sua outorga, qualquer que seja a natureza das funções a exercer é,
com efeito, sempre temporário nas democracias, assim não havendo sequer para os
que o ambicionem a justificativa daquela necessidade, posto que haja, aqui e em
toda parte, uma classe denominada de políticos profissionais, isto é, de
indivíduos que por vocação ou, não raro, por interesse e hábito adquirido se
obstinam em pleitear a indefinida renovação dos mandatos em que, desse modo, se
vão perpetuando.
Entre esses profissionais da política alguns haverá que
tenham aceitado, ou venham a aceitar o Espiritismo sem com isso, todavia,
modificarem os seus hábitos nem promoverem a tão salutar e imperiosa reforma
dos próprios sentimentos, permanecendo o que se pode classificar de adeptos
externos, cujo número é considerável e que, reconhecendo embora a verdade dos fenômenos
e admirando a beleza da doutrina, podem ostensivamente professá-la, mas estão muito
longe daquela conversão, cujo profundo significado oportunamente explanaremos.
Que esses políticos profissionais se não resignem a
abandonar as sedutoras posições a que, por um motivo ou outro, se têm
afeiçoado, é o seu direito. Não é a eles que se dirigem as nossas observações
mas aos espíritas militantes que de par com as ocupações de que aufiram a subsistência,
alimentando na vida um ideal mais alto, necessitam com o seu serviço repartir o
tempo e a atividade. A estes, que seriam cúmplices de uma verdadeira
calamidade, se pretendessem constituir um partido político no seio do
Espiritismo, ou enreda-lo na trama dos interesses partidários, esquecidos das
desastrosas consequências que para o ideal cristão acarretou o extravio da igreja
nesse rumo, é que e aplica a imperativa restrição: não podem servir ao Cristo e
à política.
Porque, nessa obra de renovação religiosa que se vem há
mais de meio século, operando, é preciso não esquecermos a natureza do mandato
que assumimos, não de campeões do mundo, mas de legionários do Cristo, sob cuja
suprema direção se está vitoriosamente afirmando esse movimento, para cujo
serviço não é possível nos apercebermos sem de vez nos despojarmos dos
sentimentos, tendências e paixões que representam em no homem velho, para os
substituirmos pelas cristalinas virtudes que, únicas, nos tornarão merecedores
da excelsa investidura.
Há cerca de 38 anos mergulhava o século em seu último
quartel - o nosso Brasil foi teatro de uma fecunda agitação, perpetuamente
memorável em seus anais de povo livre. Dir-se-ia que subitamente desperta aos
clamores de uma raça trisecularrnente aviltada, a consciência nacional, em sua
quase unanimidade, somente então - nunca pelo menos com tamanho vigor e
extensão o fizera em tal sentido - se resolvera a considerar na ignomínia com
que a escravidão de três milhões de humanos seres maculava os foros de civilização
em que se presumia. Assistimos então aquela inolvidável campanha abolicionista que,
nas colunas dos jornais, nos comícios populares e no Parlamento, pelo verbo dos
mais inspirados tribunos e apóstolos, tanto como pelos feitos de obscuros
jangadeiros, transportando para a “terra da luz”, em que se tornara o Ceará, os
míseros cativos, arrebatados à tirania liberticida dos senhores devia,
sacudindo o torpor das consciências, em pouco mais de um lustro, derrubar a
execrada instituição e integrar aqueles milhões de proscritos na livre comunhão
dos brasileiros, em meio de festas delirantes, como jamais, com o mesmo
alvoroço e a mesma efusiva e entusiástica intensidade, se hão de talvez
reproduzir em nossa pátria.
Pois
bem, mais importante que a liberdade civil outorgada em 13 de Maio de 1888 aos
nossos irmãos negros há uma campanha abolicionista em que andamos empenhados os
espíritas. Como disse o espírito do grande Luiz Gama desencarnado pouco antes
daquele vitorioso desenlace, numa comunicação transmitida a um grupo de
crentes, por ocasião daquelas festas, “libertados
os corpos, trata-se agora de libertar os espíritos”.
Sim, é uma cruzada pela emancipação das trevas da ignorância
e da maldade, em que jazem os homens sepultados, que se trata de levar por
diante, e é preciso que em sua prossecução ponhamos o mesmo apostólico fervor,
a mesma dedicação exclusiva, absorvente e inquebrantável que os heróis do
abolicionismo liberalizaram, até verem consumada a obra, com que se haviam
espiritualmente identificado, da redenção dos cativos.
Como eles, e melhor que eles, pois que Jesus é o nosso
inspirador e o nosso chefe concentremos os máximos esforços em quebrar os grilhões
da escravidão moral que oprime as almas, começando por dela nos emanciparmos a
nós mesmos, e sem desfalecimentos, sem nos determos nas seduções com que o
mundo nos acena, induzindo-nos a atraiçoar o sagrado ministério, mostremo-nos fieis
à investidura do Mestre recebida, renunciando a tudo mais, se queremos ser
contados entre os legítimos e diligentes operários da renovação religiosa, em
que fomos chamados a intervir, e participar das aleluias com que se prepara a
humanidade para saudar o novo dia que no horizonte do planeta não tarda a
alvorecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário