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segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Derrocada do Catolicismo

 



Derrocada do Catolicismo

por Luciano dos Anjos

Reformador (FEB) Março 1963

 

            A menos de meio século do Terceiro Milênio e em pleno correr do II Concílio do Vaticano não seria impertinência nem extemporaneidade tornar pública a indagação que certamente ocorre ao mundo espírita em geral: que será da Igreja Católica Apostólica Romana? Não há porque duvidar, antes que tudo, da sua extraordinária capacidade de adaptar-se e readaptar-se. Seus atributos camaleônicos são comprovados, tanto quanto sua ductilidade ante aqueles de que eventualmente carece para subsistir. Ingenuidade seria supor que ela, por propalar e decantar, visa de fato à harmonia sincera entre todos os credos religiosos. A Igreja sabe bem - não pelo que se possa deduzir do seu clericalismo moribundo, mas pela essência teológica da sua doutrina - que é inexequível a coexistência, dada a sua pretensa e sempre pretendida hegemonia sobre a consciência universal. O conteúdo católico (aquele que a Santa Madre não gosta de popularizar para não se atrapalhar) é incompatível com uma série de fatores inerentes a qualquer coexistência, como, por exemplo, tolerância, liberalismo, igualdade e falibilidade. Para que haja harmonia entre todos os credos, seria mister preliminarmente que a Igreja renunciasse à escola dogmática e ao sistema ultramontano, no que respeita aos seus postulados filosóficos. Afanosa por conquistar, dominar e submeter, a Igreja Romana abriu para si mesma o pélago da autodestruição; o instituto do dogma. Alicerçada sobre o dogma, robustecida sobre o dogma, secularizada sobre o dogma, será tragada pelo próprio dogma.

             É preciso analisar bem esse aspecto da teologia católica para enxergar a inadmissibilidade do seu ajuste a outras doutrinas. O dogma, depois de proclamado, é considerado verdade eterna e indiscutível. Notem isto: eterna. Nada o modifica; nem mesmo outro dogma. Isto quer dizer, a grosso modo, que se um Papa houvera dogmatizado a indivisibilidade do átomo, este seria indivisível eternamente, contra a Ciência, sem a Ciência ou apesar da Ciência. Trata-se, evidentemente, de mero exemplo, pois que os Papas não podem dogmatizar senão em artigos de fé, de disciplina e de moral.

             A questão da coexistência, pois, ao contrário do que veicula a própria, Igreja, não é apenas de forma; é acima de tudo de conteúdo. E por isso o problema se dificultará sempre, em que pese a todas as boas intensões de que possam estar movidos, insuladamente, muitos clérigos respeitáveis. Temos por ingenuidade, portanto, o doce anelo dos que, fora da Igreja, também acham possível essa harmonia universal de todas as crenças lado a lado com o catolicismo, por proposta e trabalho deste. Tal conversa conciliária a transpirar ultimamente de dentro do Vaticano, é antes um novo e desesperado movimento da Igreja objetivando mais uma vez recuperar o prestígio que lhe vai escapando pelos desvãos dos tentáculos cúpidos de ouro e de poder. Autêntica manobra política, muito a seu gosto, para sustentar-se um pouco mais nesse final de século XX, véspera provável do século da redenção universal, limiar do Terceiro Milênio.

             Mas, o grande inimigo da Igreja não é propriamente esse separativismo nascido com o desligamento do I Bispado de Roma, por obra de Constantino, o “monomaco”, (Cisma do Oriente, 857-1054), (a coroa de monômaco seria a comprovação material da possível unicidade de terras russas sob o domínio de Vassíli III (1505-1533), justificando guerras de anexação) – teriam apelado a esses tipos de símbolos para ressaltar alguma antiga reivindicação de poder absoluto e que culminou em 1529 com a Dieta de Espira, (Da Wikipedia - uma assembleia de nobres, laicos e religiosos que tinha funções legislativas. A Dieta reuniu-se em Espira em 1526 e resolveu, com o consenso do Rei Fernando I enviado por Carlos V, que "a cada Estado deverá viver, governar e crer como deseje e confie, respondendo ante Deus e sua Majestade Imperial”) advento do Protestantismo. Não chega a ser também o materialismo, praticamente minado nos tempos atuais depois que a própria Ciência de laboratório começou a topar com enigmas insolúveis pelo prisma da dialética negativista. Anote-se que os recentes trabalhos de Max Planck sobre os saltos quânticos e a descrição da massa, por Einstein, como a corporificação da energia, identificando-a, na teoria da relatividade, como igual uma à outra, multiplicada esta pelo quadrado da velocidade da luz, destruíram todo o embasamento físico e filosófico do materialismo e do mecanicismo. A revelação da descontinuidade da matéria ao lado dos teorias planckianas do parcelamento quântico da radiação invadiram a atomicidade e a. filosofia moderna. A eletrôníca acabou, pois, de derruir as últimas presunções do materialismo e de repudiar a concepção mecanicista do Universo. Na Câmara de Wilson, partículas atômicas se fundem e se desmaterializam através de fenômeno que romperia as trincheiras de mecanicistas e vitalistas. George Thomson proclama a instabilidade do comportamento molecular em face de leis inconstantes, antes acreditadas rígidas e absolutas, enquanto se esvanecia, pouco a pouco, a inabordabilidade da matéria, simultaneamente com a derrocada de todo o materialismo, doutrina terrível que teve seu fastígio no século XIX.

             A Igreja, de certo modo, extraiu dos acontecimentos a sua parcela de vitória e por isso mesmo já não teme esse pobre agonizante. Seu terror, doutra forma, não se encontra também no Judaísmo, assaz ultrapassado e destituído do seu antigo poder, pelo menos no campo religioso. Assim, o maior “inimigo” da Igreja, seu grande adversário de morte é, sem dúvida, o Espiritismo! Não que a doutrina de Kardec guarde nos seus postulados a peçonha da destruição inconsequente, mas porque tem sido capaz de consolar e sustentar melhor os que sofrem ou os que têm sede de fé e de conhecimento. O Espiritismo é Capitulado pela Igreja, desde os primórdios de sua codificação como “a maior praga que já apareceu no mundo”... É o Espiritismo que mais tem afastado da Igreja Romana os seus fiéis desnorteados; o Espiritismo é a Religião que mais tem medrado em todos os tempos. Era preciso, pois, solapa-lo e contra ele todos os métodos foram seguidamente empregados, desde os mais sub-reptícios aos mais escandalosos e solertes.

             A partir dos memoráveis fenômenos de Hydesville, em 1848, e mais tarde, após a missão kardequiana de 1857 a 1869 a guerra fez-se aberta contra a Nova Revelação. E somente a sua estrutura e o seu fundamento extra humanos lograram assegurar ao Espiritismo gloriosas vitórias sobre seus terrulentos detratores. Nenhuma doutrina foi tão perseguida no terreno das ameaças físicas e no campo das ideias, considerada evidentemente a relatividade dos processos aplicados, tendo em vista a época e o progresso moral e intelectual das civilizações. Se o Espiritismo sobreviveu é porque, conforme atestara Kardec, não era uma mentira, mas, ao revés, vinha sinetado pelos autênticos mentores da Verdade e chancelado nas suas diretrizes básicas pelo próprio Senhor da Vida, na pessoa do Governador do Planeta. A tudo resistiu o Espiritismo, inclusive à aliança sórdida que, tácita ou ostensivamente, às vezes era assinada entre o catolicismo e o materialismo, no desespero dos seus corifeus fanáticos para desarraigar a ideia espírita-cristã da face da Terra. Como o Cristianismo quando era perseguido nos seus albores, também o Espiritismo se agigantava na medida em que os seus adeptos eram sacrificados. Não foi à-toa que o consideraram a maior ameaça ao Clero organizado!

             Podemos classificar em número de três os principais movimentos que, no campo da dialética, para gáudio da Igreja, se registraram contra o Espiritismo, depois que este granjeou respeito entre sábios, autoridades e cientistas. O primeiro, através do renomado filósofo alemão Eduardo von Hartmann, continuador de Schopenhauner, quando fez publicar, em 1885, a sua obra intitulada “O Espiritismo”. Julgou-se então que a doutrina de Allan Kardec recebera o seu tiro de misericórdia. Toda a base fenomenológica essencial em que se assentava parecia ruir fragorosamente sob o peso esmagador da tremenda argumentação de um dos mais hábeis raciocinadores da época. À pág. 117 do seu livro ele concluiria: “É assim que toda a hipótese espirítica ficou reduzida a nada, em primeiro lugar quando foi provado que as manifestações físicas atribuídas aos Espíritos emanam do médium, em segundo lugar porque os fenômenos de materialização e finalmente a produção do conteúdo intelectual das comunicações tem à mesma fonte”, o fantasma do animismo passou a amedrontar alguns espíritas menos seguros da sua crença e todo o conjunto dos fenômenos medianímicos parecia confinar-se a meras expressões humanas, geradas das próprias células orgânico-mentais. Era a chamada “explicação natural” dos fenômenos, ora através duma força nervosa ou de alucinações duplas dessa força, ora uma consciência sonambúlica latente com faculdades extraordinárias. A Igreja regozijou-se com a obra de Hartmann e creu que seu grande e maior obstáculo estava afinal superado.

             Foi entretanto das terras onde hoje o materialismo ainda mostra algum resquício de vigor maior - a Rússia - que se ouviu o brado em defesa do Espiritismo, conhecendo-se então a mais notável confutacão que se haveria de oferecer ao trabalho de Hartmann: “Animismo e Espiritismo” do conspícuo Alexandre Aksakof. Conselheiro do Tzar e lente da Academia de Leipzig. Nesta obra, aparecida em 1890, é feita uma criteriosa seleção dos fenômenos chamados sobrenaturais que passariam a constituir três classes distintas: personismo, animismo e espiritismo. Assim, no dizer de Ernesto Bozzano, o animismo viria antes confirmar o fenômeno espírita do que negá-lo, porque “nem um, nem outro, separadamente, explica o conjunto dos fenômenos supranormais”, já que ambos são indispensáveis a tal fim e não podem separar-se, pois que são efeitos de uma causa única e esta causa é o espírito humano que, quando se manifesta em momentos fugazes, durante a encarnação, determina os fenômenos anímicos e quando se manifesta mediunicamente, durante a existência “desencarnada”, determina os fenômenos espiríticos” (“Animismo ou Espiritismo?” pág., 9, 2ª edição da FEB).

             O problema ficou tão excelente e nimiamente posto que nada sobrou do trabalho de Eduardo von Hartmann senão a prova derradeira do fenômeno puro (Hartmann felizmente não negou a autenticidade dos fatos mas apenas as interpretações que lhes davam) e alguns raros efeitos secundários das suas ilações sobre insignificante grupo de clericalistas renitentes. Atualmente, citar Hartmann para negar o genuíno Espiritismo equivale a citar Lavoisier para negar os aerólitos... “Animismo e Espiritismo” em que pese a algumas poucas interpretações divergentes da Revelação Espírita, é obra que imortaliza o autor e representa marco indelével na história do Neo-Espiritualismo. B. Sandow, ao prefaciar a tradução francesa, afirmara: “A leitura deste livro produzirá certamente impressão profunda no espírito de todos aqueles que se preocupam com o problema da vida e meditam sobre os destinos humanos. Sem dúvida os espíritas só encontrarão aqui a confirmação, cientificamente formulada, de suas crenças; os incrédulos, quer o sejam de caso pensado, quer repousem apenas no quietismo de um ceticismo indiferente, ao menos serão levados à DÚVIDA, que resume, apesar de tudo, a suprema prudência no homem, quando este não tem, para sancionar as suas convicções, uma certeza absoluta”. (pág. 15 da 2ª edição brasileira da FEB). Com sua divulgação, perdia a Igreja Católica sua primeira grande batalha que, por sinal, nem era sua, mas no rasto da qual pretendera atingir seu inimigo mortal.

             Em 1905, porém, ela vê nascer sua segunda oportunidade e mais uma vez tenta o golpe de misericórdia contra a filosofia de Allan Kardec. O famosíssimo fisiologista francês Cbarles Riehet, depois de históricas sessões ao lado de não menos famosos investigadores, funda uma nova ciência, a Metapsíquica, e lança ao público o seu “Tratado de Metapsíquica” volumosa obra de quase mil páginas, com larga terminologia própria e surpreendentes informações. A metapsíquica, em suas linhas gerais, parece querer reduzir ao campo restrito do psiquismo humano todos os fenômenos chamados preternaturais, eliminando, pela exclusão, a intervenção de Espíritos desencarnados na sua causalidade. Alguns fatos entretanto vieram demonstrar ao próprio Richet a insuficiência das suas hipóteses, razão por que, a exemplo de Pascal, o grande fisiologista oscilava tontamente entre a dúvida e a certeza da sobrevivência da alma ou do retorno dos desencarnados. Richet não chegou de fato a ser objetivo nas suas ilações filosóficas. É bem verdade que tendeu sempre muito mais para a hipótese espírita, especialmente quando, mais tarde, fez publicar “A Grande Esperança”, ou quando, no declínio da vida, quase no portal da Eternidade, escreveu confidencialmente a seu amigo Ernesto Bozzano, confessando sua posição consciencial ante os fatos pesquisados, sem dúvida favorável à teoria kardecista. Essa carta foi publicada postumamente na revista londrina “Psychic News”, de 30 de Maio de 1936 e nela, dentre outras coisas, Richet afirma categórico: “E agora, abro-me a você, de modo absolutamente confidencial. O que você supunha é verdade. Aquilo que não alcançaram Myers, Hodgson, Hyslop e Sir Olíver Lodge, obteve-o você por meio de suas magistrais monografias, que sempre li com religiosa atenção. Elas contrastam, estranhamente com as teorias obscuras que atravancam a nossa ciência.” De resto, não seria preciso o beneplácito confesso de Richet à parte doutrinária do Espiritlsmo. Seu denodado trabalho de laboratório e de pesquisa científica, sedimentando em bases sólidas a fenomenologia metapsíquica, creditou-lhe benesses consoladoras da parte do Grande Juiz. De qualquer forma ele viria contribuir para a grandeza da Terceira Revelação. É oportuno lembrar aqui aquela crônica de Humberto de Campos, ditada a Chico Xavier, sobre “a passagem de Richet”, inserta às págs. 102-10S do livro “Crônicas de Além-Túmulo”, e na qual se apreende bem a instabilidade interior do grande médico francês ante os fatos por ele mesmo pesquisados, mas longe de lhe apagar todos os méritos conquistados. Concordemos em que seria difícil sua renunciação total a muitos anos de estudos, de práticas e conceituações puramente vitalistas, à luz dos quais haveria de buscar sempre as explicações para todos os comportamentos da alma humana, De qualquer forma, a intuição e a própria inteligência obrigaram-no a derivar para a hipótese espírita, ora vagamente como no “Tratado de Metapsíquica” e em “A Grande Esperança”, ora objetivamente como na carta a Bozzano, onde confessa, como já vimos, que este tinha razão quanto às origens dos fenômenos.

             A Igreja dos Papas, passando por alto os trechos do seu “Tratado de Metapsíquica” onde as razões espíritas são aventadas e desprezando completamente o principal conteúdo de “A Grande Esperança”, fingiu ignorar a carta de Richet e cuidou de proclamar uma vez mais a derrocada do Espiritismo. O nome do imortal cientista serviu durante muito tempo e ainda serve hoje em dia a alguns tolos intransigentes para corroborar, à moda católica, a incomunicabilidade entre vivos e mortos. Mas ambos os livros, principalmente o segundo, foram sendo mais divulgados e mais lidos (mercê de Deus os espíritas podem, gostam e querem estudar), e desmascarou-se essa segunda vil tentativa do clero destinada a impedir o progresso e a propagação do Espiritismo, através desse novo movimento de ideias, pautado na subversão dos fatos históricos, na distorção de pensamentos claros ou na inversão de atitudes indefectíveis. Ainda há, embora escassamente, mentalidades tacanhas que apelam para Richet no sentido não da comprovação dos fatos espíritas, mas, ao contrário, da sua negação. Que fazer senão ignorá-los e lamentá-los...?

             A Igreja, todavia, não se conformaria. Assim é que nova arremetida seria preparada e esta, aproveitando os mais recentes acontecimentos do mundo psíquico. Hartmann já não convence ninguém e Richet não pode mais ser deturpado. Faça-se pois da Parapsicologia a tábua de salvação dessa Igreja moralmente falida e chafurdada na sua própria intolerância religiosa. E aí temos os doutores da Igreja de 1963 a hastear o vexilário de Rhine na batalha inglória contra os seguidores de Allan Kardec! Antes, tudo era animismo; depois, passou tudo a ser metapsíquica; agora, tudo não passa de parapsicologia. E os agoniados “ministros de Deus fazem conferências, publicam livros, dão aulas e confabulam anunciando o enterro definitivo do Espiritismo, abaixo dos sete palmos de terra, e guindando aos mais altos píncaros do conhecimento científico a explicação parapsicológica dos fenômenos cognominados espíritas. Um pouco antes, logo após a segunda tentativa, houve ainda os que tentaram vãmente, com discreto apoio das cúpulas eclesiásticas, buscar no hipnotismo e na letargia as explanações que os consolassem. Logo, porém, se reconheceu a insegurança dos argumentos e não chegaram a representar um autêntico movimento organizado contra o Espiritismo. O sóbrio mas muito bem documentado livrinho de José Lapponi, protomédico de Leão XIII e Pio X (“Hipnotismo e Espiritismo”, haveria de ser suficiente para desmoralizar no nascedouro mais essa inconsistente apelação, para não falarmos noutros trabalhos de maior substância. Desta maneira, o verdadeiro movimento católico constitutivo da terceira tentativa de tumultuar a mente dos seguidores de Allan Kardec e de garantir a fidelidade dos seus próprios seguidores, está mesmo na parapsicologia. Representa, sem dúvida, o desesperado esforço de aluir a Doutrina Espírita; mas, tudo indica, mais uma vez, fracassado e possivelmente representativo do irredimível descrédito da Igreja Católica Apostólica Romana.

             Em princípio - registremos - a parapsicologia não passa da metapsíquica com nova rotulaçâo terminológica. O critério experimental tem sido o mesmo e até menos eficiente e menos suficiente, em determinados ângulos, do que o dos melhores metapsiquistas. As conclusões têm sido paralelas e os problemas suscitados são quase os mesmos. No ritmo em que as investigações se vinham desenvolvendo, a Igreja dos Papas estava de parabéns, Sua euforia se reeditava e já era possível passar novo atestado de óbito à Doutrina Espírita. Não havia nenhuma manifestação de defuntos e tudo não passava até então de meras “percepções extra-sensorais”. (ESP), restando apenas, para selar o assunto, provar-se a possibilidade da exteriorização objetiva do psiquismo do sensitivo. Nós, os profitentes do kardecismo, apoiamos sempre as investigações de Rhine na Universidade de Duke, pois não duvidávamos da verdade que cedo ou tarde desabrolharia. Rhine, tanto quanto Crookes, Lombroso, Richet e outros mais, toparia certamente com a grande realidade do Além e haveria de entender o sentido daquela “grande esperança” suscitada pelo fundador da metapsíquica. Seria uma questão de tempo apenas, durante o qual, já se esperava, não faltariam as explorações - sempre levianas - da secular Igreja Católica Apostólica Romana. Mas parece que tais explorações já começam a ter seus efeitos aplacados. As coisas caminham numa direção absolutamente imprevista para os pais da Igreja. Rhine, recentemente, segundo notícias - agora esparsas - que nos chegam dos Estados Unidos, começou a inclinar-se para outro caminho dedutivo, num comportamento que, inclusive, ao que se diz, lhe teria valido o rompimento da parte ele seu assistente, Dr. J. G. Pratt. No seu primeiro livro, publicado em 1953 e intitulado “New World of the Mind” (em francês, “Le Nouveau Monde de l'Esprit”), ele critica o materialismo cego e, embora confessando não ser espírita nem espiritualiata (pág. 213) admite “uma realidade que domina o Universo em toda a sua importância e não há outro recurso senão chamar a essa realidade espírito humano”. Também à página 231 reconhece a existência duma “lei imaterial ou espiritual” regulando fenômenos que transcendem às leis da matéria.

             Até aqui o golpe contra o materialismo científico. Mais adiante Rhine golpearia também as pretensões da Igreja que já lhe buscava recursos para atacar o Espiritismo. “Muitos fatos - diz Rhine corajosamente - não parecem explicáveis, tal como estão relatados, senão por um agente desencarnado.” “A intenção manifesta (Rhine comenta um desses fatos) através do efeito provocado é tão própria duma pessoa defunta que não saberíamos razoavelmente atribuir-lhe outra origem. “Casos dessa natureza fazem pensar um agente pessoal dum gênero que não pertence verossimilhantemente a nenhum indivíduo vivo. Eles levam a perguntar se um comportamento “post-mortem” ou espiritual é mesmo possível” (págs. 306 e 310). Às páginas finais, comenta Rhine: “Seja o que se possa pensar hoje, o movimento espírita contribuiu poderosamente para a organização do estudo dos fenômenos psíquicos e para a fundação de sociedades que se têm ocupado disso, desde o último quartel do século XIX...

             Em 1956 o professor-catedrático J. B. Rhine publicou outro livro: “The Reach of the Mind”, onde também se refere, se bem que desta feita muito discretamente, à sobrevivência do Espírito. Nesse mesmo ano o “The Journal of Parapsychology”, no seu exemplar de Junho, voI. 20, nº 2, publicava também um artigo de sua autoria intitulado “Research on Spirit Survival Re-examined” através do qual afirmaria que “um dos tipos relativamente comum de experiência psíquica é aquele no qual é dada a impressão de que o agente é um amigo ou parente morto”.

             Finalmente, no ano seguinte, em 1957, Rhine faz publicar, de parceria com seu antigo colaborador, o Dr. J. G. Pratt, o livro “Parapsychology - Frontier Science of the Mind”. Aqui, sua crença na sobrevivência da alma se corporifica enquanto avoluma seu consenso à possibilidade da comunicação dos mortos. Eis como se expressa a certa altura: “Casos espontâneos, sugerindo a sobrevivência, têm apresentado várias possibilidades que despertam interesse no pesquisador. Um bloco de tais experiências humanas selecionadas indica um fio de motivação pessoal, de objetivo individual tão peculiar a certo identificado indivíduo falecido, que a espécie de mensagem comunicada não poderia, sob tais condições, ser logicamente (ou psicologicamente) atribuída a qualquer outra pessoa viva ou morta,”

             Para conhecimento e estudo mais minuciosos dos trabalhos de J. B. Rhine, remetemos o leitor à série de artigos publicados durante o ano de 1959, no “Reformador”, pelo nosso brilhante confrade Hermínio de Miranda.

             Detivemo-nos adrede nesses aspectos em torno da parapsicologia por se tratar, esta nova ciência, exatamente do recurso de que, nos tempos presentes, a Igreja mais se tem valido para negar a base explicativa da fenomenologia do Espiritismo. Tão entusiasmados ficaram e ainda se mostram com a parapsicologia que chegaram a fundar a Sociedade Internacional de Parapsicólogos Católicos, destinada a estudar os fenômenos psíquicos e na esperança de vê-Ios reduzidos, todos eles, a manifestações puramente sensoriais. Fundou-a o jornalista e editor Josef Kral, fervoroso católico romano, tendo entregue a presidência da entidade ao conhecido professor suíço Gebhard Frei, colaborador dum jornal suíço de parapsicologia. Mas, que será dessa gente quando, de permeio às investigações, descobrirem as interferências de personalidades já mortas, como vem ocorrendo com o próprio Rhíne?

             O tempo marcha inexorável e enquanto a Santa Madre vê ruir esse seu novo castelo de papelão o Terceiro Milênio desponta nos horizontes da civilização terrícola. Uma grande reforma moral, filosófica, científica, técnica e religiosa há de marcar a sua passagem ainda que imperceptivelmente, sem grandes escândalos ou acontecimentos espetaculares. A Igreja de Roma falhou em grande parte, senão completamente, na sua missão doutrinária e tem de dar lugar a outro sistema religioso, Sua luta ingrata contra a Terceira Revelação acabou de prostrá-la exangue e inválida. Finge querer a coexistência com outros credos para prolongar seus próprios estertores. Todavia, agora que nem a parapsicologia é capaz de lhe galvanizar as forças na guerra aberta contra o Espiritismo, seu “inimigo” letal, mais do que nunca nos ocorre, e a todo o mundo espírita, a dolorosa pergunta: que será da Igreja Católica Apostólica Romana? Contudo, talvez possamos colher dentro dos próprios Evangelhos a resposta ideal a tal indagação:

             “Já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto, é cortada e lançada ao fogo.” - Jesus (Mateus, 3:10)


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